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Publicada em 09 de Março de 2025 às 14:00

Pano da Terra, uma iniciativa que conecta moda à agroecologia

Pano da Terra expandiu negócio ao utilizar cascas de araucária, ricas em tanino, no processo de tingimento

Pano da Terra expandiu negócio ao utilizar cascas de araucária, ricas em tanino, no processo de tingimento

Vanessa Tomazeli/Arquivo pessoal/jc
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Gabrieli Silva
A indústria da moda é uma das mais poluentes do mundo, e o tingimento têxtil está entre os processos de maior impacto ambiental devido ao uso de produtos químicos nocivos e grandes quantidades de água. No entanto, alternativas sustentáveis vêm ganhando espaço no mercado, como é o caso da tinturaria natural.
Um exemplo inovador nesse setor é a Pano da Terra, fundado pela engenheira agrônoma Vanessa Tomazeli. Além de uma solução ecológica para o tingimento de tecidos, a técnica também representa uma oportunidade de diversificação de renda para propriedades rurais. Dessa forma, o projeto conecta a moda à agroecologia, priorizando a escolha sustentável das matérias-primas e a parceria com fornecedores comprometidos.
A Pano da Terra nasceu inicialmente como uma marca de camisetaria sustentável, com peças de algodão orgânico estampadas com espécies ameaçadas de extinção. Além disso, parte do lucro seria revertido para instituições dedicadas à preservação dessas espécies. No entanto, todas as camisetas eram brancas, e Vanessa teve a necessidade de buscar formas menos poluentes de tingir os tecidos. Afinal, antes da indústria moderna, os tecidos já eram coloridos com pigmentos naturais.
Foi então que ela se deparou com o universo da tinturaria natural, que pode ser realizada com fungos, bactérias, argilas, plantas e até substâncias extraídas de animais, como alguns moluscos raros e a cochonilha (inseto usado para dar cor a diversos produtos, incluindo iogurtes).
Inspirada pela tradição milenar do tingimento com pigmentos naturais - presente em civilizações como a dos Andes e a da Índia -, ela decidiu aprofundar seus estudos sobre plantas tintoriais. Para entender porque algumas espécies apresentam núcleos difíceis de fixação, enquanto outras desbotam com facilidade, Vanessa resgatou conhecimentos adquiridos ao longo de sua formação acadêmica, como os estudos em fisiologia vegetal. Com isso, desenvolveu um método próprio para ensinar a técnica.
A chegada da pandemia impulsionou a expansão do Pano da Terra no ambiente digital. Na época, Vanessa criava conteúdo em suas redes sociais, o que atraiu um público diverso - incluindo artesãos, estilistas e empreendedores - que passaram a adquirir seus cursos online. Em 2021, Raquel Marchi, designer de moda e ilustradora, tornou-se sócia do projeto, agregando conhecimento sobre criação de produtos e planejamento estratégico. Nas aulas, Vanessa e Raquel incentivam o uso de resíduos agrícolas, como cascas de cebola e romã, e alertam sobre a necessidade de evitar a exploração predatória de espécies nativas. Um exemplo de iniciativa sustentável dentro da Pano da Terra é a parceria com a Cadeia Solidária de Frutas Nativas.
"A parceria se fortaleceu quando organizamos, junto a agricultores da Serra, a coleta de cascas de araucária. Embora a araucária seja uma espécie ameaçada de extinção, essa coleta não prejudica a árvore, já que as cascas se soltam naturalmente com o crescimento apical da planta (como uma cobra que troca de pele). Portanto, além do pinhão, essa é mais uma forma de obter renda a partir da árvore em pé. As cascas de araucária são riquíssimas em tanino, uma das principais substâncias envolvidas em um bom tingimento natural. Esse composto também é valorizado pela indústria para o tratamento de couro e de efluentes industriais."
Entre as principais matérias-primas utilizadas estão a casca de araucária, as folhas de crajiru e o índigo. O fortalecimento da cadeia produtiva da tinturaria natural poderia beneficiar tanto o pequeno produtor como comunidades tradicionais, já que haveria maior demanda por esses insumos no mercado. Para isso, no entanto, é fundamental uma maior conscientização por parte dos consumidores. A competição com a indústria têxtil convencional também é o grande obstáculo. Um dos maiores desafios do tingimento natural é a limitação de cores, já que algumas tonalidades, como azul e vermelho, são mais difíceis e caras de se obter. Incentivos governamentais e investimentos em pesquisa poderiam contribuir para esse setor, tornando a tinturaria natural mais competitiva e acessível. Atualmente, a Pano da Terra foca em quatro produtos principais: um e-book introdutório, uma mentoria personalizada para empreendedores da moda, e dois formatos de consultoria para profissionais que já trabalham com tingimento natural.
Entre os casos de sucesso da Pano da Terra está a Novelaria Santa Marta, em Caçapava do Sul (RS). O projeto implementou um modelo de produção circular, utilizando lã de ovelha de corte e tingindo os fios exclusivamente com plantas nativas da propriedade. A iniciativa conta com certificação ambiental da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul.
O mercado da moda está em constante evolução, e a tinturaria natural surge como uma alternativa viável para um futuro mais sustentável.
O desafio, agora, é ampliar o alcance desse modelo de produção, conscientizar os consumidores e fortalecer as cadeias produtivas, garantindo que iniciativas como a Pano da Terra continuem a colorir o mundo sem prejudicar o meio ambiente.

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