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Publicada em 14 de Fevereiro de 2025 às 14:47

Casa Acolhe: um espaço de resistência e acolhimento para mães na UFRGS

Maria Terra e Lisandra Oliveira destacam a importância das trocas de experiências no refúgio em Porto Alegre

Maria Terra e Lisandra Oliveira destacam a importância das trocas de experiências no refúgio em Porto Alegre

THAYNÁ WEISSBACH/JC
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Gabrieli Silva
Ser mãe e estudante universitária ainda é um tema pouco debatido dentro das instituições de ensino superior. No entanto, esse silenciamento começou a ser rompido durante a pandemia de Covid-19, quando as dificuldades enfrentadas pelas mães acadêmicas se tornaram impossíveis de ignorar.
Ser mãe e estudante universitária ainda é um tema pouco debatido dentro das instituições de ensino superior. No entanto, esse silenciamento começou a ser rompido durante a pandemia de Covid-19, quando as dificuldades enfrentadas pelas mães acadêmicas se tornaram impossíveis de ignorar.
A partir de 2020, diversos coletivos maternos surgiram em universidades de todo o Brasil. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nasceu o Mães na UFRGS, um grupo formado por alunas que, inicialmente, se organizaram como uma rede de apoio durante a implantação do Ensino Remoto Emergencial (ERE). Segundo o coletivo, atualmente existem pelo menos 40 grupos mapeados no país que discutem as interseções entre maternidade e vida acadêmica, evidenciando a necessidade de políticas institucionais de apoio às mães universitárias.
A partir de rodas de conversa para debater políticas de permanência na universidade, muitas alunas compartilharam a sensação de se sentirem sozinhas, como se fossem as únicas mães no ambiente acadêmico. Foi então que a pergunta "Tem mãe na UFRGS?" deixou de ser apenas um simples questionamento e se transformou em uma afirmação enfática: "Tem mãe na UFRGS, sim!"
Atualmente, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conta com cinco espaços de acolhimento voltados à infância e à maternidade:
IMEzinho - localizado no Instituto de Matemática e Estatística, no Campus do Vale.
DAFfinho - situado na Faculdade de Farmácia, no Campus Saúde.
Facedinha - na Faculdade de Educação, no Campus Central.
Sala de Apoio à Amamentação - localizada na Faculdade de Medicina, no Campus Saúde.
Casa Acolhe - situado na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID), no Campus Olímpico.
Dentre esses espaços, destaca-se o Casa Acolhe, que até 2022 funcionava apenas como um depósito de arquivos inativos, mas, por meio de um esforço coletivo, foi transformado em um ambiente de acolhimento capaz de fortalecer e transformar a vida das mães universitárias.
A pequena casa cor-de-rosa, também chamada de ludoteca, fica em uma área arborizada e tranquila, atrás do posto policial do campus. Lá dentro, as paredes são preenchidas com desenhos infantis, cartazes do coletivo, além de uma cozinha e sala de amamentação, brinquedos e livros compõem o espaço.
O Casa Acolhe é um refúgio para alunas que precisam estudar, trabalhar ou simplesmente compartilhar experiências com outras mães. Além disso, recebe crianças dos cursos de extensão e do bairro, ampliando seu impacto na comunidade.
Em 2024 o local promoveu atividades especiais, como as Sextas Brincantes, que ofereceu tardes de brincadeiras inspiradas em culturas indígenas e africanas. Outra iniciativa importante é o brechó de trocas, realizado durante as reuniões do grupo, incentivando a economia solidária entre as famílias.
As crianças que frequentam o espaço estão sempre acompanhadas por um responsável legal. No período da tarde, também podem contar com o auxílio de um bolsista, mas essa assistência ainda é insuficiente. Como o Casa Acolhe não é oficialmente uma política institucional, faltam profissionais capacitados para cuidar das crianças enquanto as alunas estão em aula — uma lacuna que o coletivo luta para preencher.
 

Kurumin-Erê é a versão itinerante que dá suporte às mães universitárias

Além da estrutura fixa no campus da Esefid, é possível acessar o projeto itinerante

Além da estrutura fixa no campus da Esefid, é possível acessar o projeto itinerante

THAYNÁ WEISSBACH/JC
Para ampliar o suporte às mães universitárias, a Casa Acolhe conta ainda com uma versão itinerante: o Kurumin-Erê. Essa iniciativa busca auxiliar alunas que precisam participar de eventos acadêmicos diversos e até mesmo da defesa de seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e não têm com quem deixar seus filhos. Nessas ocasiões, outras mulheres do coletivo se organizam para estar presentes, levando brinquedos, tatames e, acima de tudo, disposição para cuidar das crianças enquanto as mães se dedicam às suas atividades acadêmicas sem preocupação.
Em 2024, o coletivo Mães na UFRGS organizou dois eventos intitulados "Almoçaços", realizados nos Restaurantes Universitários (RUs) da ESEFID e do Campus do Vale. Durante a ação, alunas levaram seus filhos para almoçar e distribuíram panfletos com as principais reivindicações do grupo. Entre elas, destacava-se a ampliação do direito de acesso ao RU para crianças. Até então, apenas aquelas com até quatro anos podiam utilizar o restaurante.
Com a provocação "Criança come só até os quatro anos?" E após reuniões com a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), o coletivo conquistou uma mudança na norma, garantindo que mães universitárias possam levar seus filhos de até 12 anos para se alimentar no restaurante universitário, promovendo mais inclusão e segurança alimentar para suas famílias.
Para Lisandra Oliveira, professora da ESEFID e pesquisadora do Grupo de Estudos Qualitativos Formação de Professores e Prática Pedagógica em Educação Física e Ciências do Esporte (F3P-Efice), que investiga o impacto da maternidade na docência e na trajetória de alunas, levar um filho para a sala de aula não é uma escolha simples. "Uma mãe que leva uma criança para a aula não é porque quer, e sim porque está em um ato de resistência, lutando para continuar estudando. Mas, infelizmente, isso ainda fica a cargo do professor, entender ou não."
Foi o que aconteceu com Maria Terra, aluna de Artes Visuais, que, como tantas outras, precisou levar sua filha de apenas dois meses para a universidade. Ela relata que sua experiência foi positiva, pois seus professores demonstraram compreensão com sua realidade. No entanto, sabe que essa não é a realidade de todas. Em alguns cursos, mães são pressionadas a se retirar da sala ou orientadas a não repetir a situação.
A luta por equidade dentro da universidade se torna ainda mais invisibilizada quando se trata de mães-solo, mães atípicas, mães negras e periféricas, que enfrentam barreiras tão grandes que sequer cogitam ingressar no ensino superior. Se a universidade pública é um direito de todos, por que ainda não é para as mães?
Entre as principais reivindicações do coletivo Mães na Ufrgs, estão:
  • A adequação dos espaços universitários, que carecem até mesmo de fraldários nos banheiros;
  • A ampliação do auxílio-creche, que passou a ser chamado de auxílio-parental, um benefício essencial para a permanência de mães na universidade;
  • A criação da moradia universitária familiar, já que a Casa do Estudante de Porto Alegre ainda não aceita mães e pais.
O caminho para uma universidade verdadeiramente inclusiva ainda é longo. No entanto, espaços como o Casa Acolhe representam um ponto de esperança. Apesar de sua importância, o projeto ainda enfrenta incertezas sobre sua continuidade. Por isso, o coletivo luta para que a Casa Acolhe se torne um projeto piloto e, no futuro, se expanda para toda a universidade, tornando-se uma política institucional de equidade.
"Nós não sonhamos pouco. Queremos uma mudança na sociedade, para que ser mãe não seja um impeditivo para estudar." - afirma a professora Lisandra Oliveira.
 

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