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Publicada em 09 de Fevereiro de 2025 às 15:14

Segurança do leite volta ao debate após denúncias de adulteração

Nova fraude no leite põe em xeque a segurança alimentar

Nova fraude no leite põe em xeque a segurança alimentar

Freepik/Divulgação/JC
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Ana Esteves, especial para o JC*
Ana Esteves, especial para o JC*
Novas denúncias sobre adição de soda cáustica e água oxigenada no leite fizeram reacender a velha dúvida sobre a inocuidade do produto. Afinal, é seguro beber leite? Segundo especialistas de diferentes elos da cadeia leiteria gaúcha a resposta é sim. Isso porque o endurecimento da legislação que normatiza todos os processos que ocorrem do teto da vaca à prateleira do supermercado fez com que fossem praticadas uma série de adaptações por parte de produtores, transportadores e indústria para garantir a segurança alimentar do produto.

Teste de qualidade do leite é realizado para verificar se há presença de produtos adulterantes no alimento

Teste de qualidade do leite é realizado para verificar se há presença de produtos adulterantes no alimento

/THAYNÁ WEISSBACH/JC
Um fantasma do passado voltou a assombrar o setor leiteiro gaúcho no final de 2024: novas denúncias de fraude no leite, desta vez envolvendo a adição de soda cáustica e água oxigenada ao produto pela indústria Dielat, de Taquara, reacenderam um pesadelo que parecia enterrado há mais de sete anos. Desde 2013, quando a operação Leite Compensado foi deflagrada para investigar a adulteração do leite no Estado, não havia registros de denúncias graves. O novo capítulo da operação, coordenada pelo Ministério Público estadual, também trouxe à tona um velho questionamento: afinal, o leite é um alimento seguro?
Especialistas são unânimes ao afirmar que sim, apesar de o produto ser altamente vulnerável a fraudes. A médica-veterinária, pesquisadora e professora da disciplina de Inspeção e Tecnologia de Leite e Derivados da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Andrea Troller Pinto, explica que o leite é seguro porque, desde a ordenha até o envase, passa por uma série de testes que verificam a presença de produtos adulterantes, o número de células somáticas (indicadores de infecção na glândula mamária), a contagem bacteriana total e resíduos de antibióticos, entre outros fatores.
"Os testes começam nos tambos, continuam nos caminhões que transportam o leite — antes mesmo de descarregá-lo na indústria — e seguem dentro das fábricas, por meio de análises laboratoriais físico-químicas e microbiológicas", afirma Andrea. Além dos testes, há um rigoroso trabalho de fiscalização realizado pelo sistema de defesa sanitária, vinculado ao Ministério da Agricultura ou às secretarias estaduais e municipais de Agricultura, conforme o nível de inspeção do produto. "Os órgãos oficiais possuem laboratórios altamente qualificados, que fazem avaliações por meio de um monitoramento por amostragem, com coletas programadas tanto do leite cru quanto dos produtos industrializados", explica a médica-veterinária.
Todo esse processo é regulado por uma legislação específica, que estabelece padrões de higiene, testes obrigatórios, características nutricionais e parâmetros físico-químicos do leite ao chegar à indústria. "Após a primeira fase da operação Leite Compensado, a legislação sanitária federal e estadual tornou-se mais rigorosa em todos os elos da cadeia produtiva. Os produtores que não conseguiram se adequar às novas exigências deixaram a atividade. Por outro lado, aqueles que investiram na tecnificação de suas propriedades aumentaram a produtividade, garantindo maior qualidade e segurança ao leite coletado", destaca Andrea.
Dados do Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no Rio Grande do Sul, divulgado em 2023 pela Emater/RS, mostram que, entre 2015 e 2023, houve uma redução de 60,78% no número de propriedades leiteiras no Estado. No entanto, a produtividade aumentou 39,01% no período, e o volume médio diário de produção cresceu 132,29%. A forma de ordenha também evoluiu, passando do tradicional balde ao pé para sistemas canalizados e até mesmo para o uso de robôs.
As instruções normativas (INs) 76 e 77, que entraram em vigor em 2018, estabeleceram novas regras para a produção e o padrão de qualidade do leite cru refrigerado, do pasteurizado e do tipo A. A IN 76 trata das características e da qualidade do produto na indústria, enquanto a IN 77 define critérios para obtenção de leite seguro e de alta qualidade para o consumidor. As normas abrangem desde a organização da propriedade rural e seus equipamentos até a capacitação dos responsáveis pelas atividades diárias e o controle de mastites, brucelose e tuberculose nos rebanhos.
Apesar do endurecimento das regras, as adulterações ainda ocorrem. Para Andrea, isso se deve à falta de uma legislação mais severa quanto às punições dos envolvidos em fraudes. "A mudança desse cenário precisa ser institucionalizada na forma de legislação. A legislação sanitária define padrões de identidade e testes obrigatórios, mas é necessário transformar a fraude em crime, um atentado ao Código de Defesa do Consumidor", defende a médica-veterinária.
O secretário-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Rio Grande do Sul (Sindilat), Darlan Palharini, reforça que o leite gaúcho é seguro e tem alta qualidade, sendo um dos mais fiscalizados do Brasil. "Somos o Estado que mais possui laboratórios oficiais para atestar a segurança alimentar do leite, mais até do que São Paulo e Minas Gerais", destaca.
Para ele, o caso da empresa Dielat foi pontual, mas mostra a necessidade de penas mais rigorosas para adulteração de leite e outros alimentos. "Talvez seja o momento de considerar a adulteração de alimentos como crime hediondo. Sabemos que, dentro da legislação do Ministério da Agricultura e das secretarias estaduais, há um limite para a punição. Fora disso, quem pode tipificar o crime é o Ministério Público. Quem sabe um projeto de lei que aumente a rigidez das penas?", sugere Palharini.
Entre as fraudes mais comuns no leite estão a adição de água, reconstituintes, conservantes e neutralizantes — todas com o objetivo de aumentar o lucro. "O leite é um produto com altíssima segurança alimentar, mas, ao mesmo tempo, muito vulnerável a adulterações. É fácil fraudar porque se trata de um sistema biológico complexo, influenciado por diversos fatores, como manejo, estado fisiológico dos animais, nutrição, temperatura ambiente, doenças, raça, idade e número de partos. Todos esses fatores impactam diretamente nos componentes do leite, como gordura, proteína, lactose, minerais e vitaminas", explica Andrea.
 

Por dentro dos números

Yeko Photo Studio/Freepik/Divulgação/JC
NÚMERO DE ESTABELECIMENTOS PRODUTORES DE LEITE NO RS
(que destinam a produção de leite para a industrialização)
Ano – número de estabelecimentos
2015 - 84.199
2017 - 65.202
2019 - 50.664
2021 - 40.182
2023 - 33.019
Redução de 60,78% em oito anos.

EQUIPAMENTO DE ORDENHA
(em estabelecimentos que destinam a produção de leite para a industrialização)
Técnica – anos 2015 2017 2019 2021 2023
Manual - 6,57% 3,80% 1,61% 0,70% 0,49%
Balde ao pé - 59,40% 54,09% 44,79% 36,38% 31,43%
Transferidor - 19,62% 25,05% 30,80% 33,10% 32,82%
Canalizada - 14,41% 17,06% 22,75% 29,56% 34,86%
Robô - 0,06% 0,18% 0,35%
Carrossel - 0,02% 0,05%

VOLUME ANUAL DE LEITE – em bilhões de litros
(nos estabelecimentos que destinam a produção para a industrialização)
2015 - 4,212 bi
2017 - 4,128 bi
2019 - 3,949 bi
2021 - 4,079 bi
2023 - 3,836 bi
Redução de 8,91% entre 2015 e 2023.


PRODUTIVIDADE MÉDIA DAS VACAS LEITEIRAS
(nos estabelecimentos que destinam a produção para a industrialização) 2015
Anos - N° de Vacas - Litros/vaca/dia
2015 - 1.174.762 - 11.76
2017 - 1.073.899 - 12.60
2019 - 930.399 - 13.92
2021 - 870.060 - 15.37
2023 - 769.812 - 16.34
Incremento de 39,01% entre 2015 e 2023

NÚMERO MÉDIO DE VACAS LEITEIRAS
(nos estabelecimentos que destinam a produção de leite para a industrialização)
Ano - N° de estabelecimentos -Vacas/estabelecimento
2015 - 84,199 - 13.95
2017 - 65,202 - 16.47
2019 - 50,664 - 18.36
2021 - 40,182 - 21.65
2023 - 33,019 - 23.31
Incremento de 67,10% entre 2015 e 2023
Fonte: Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no RS - 2023 (Emater/RS)

Alguns dos testes realizados no leite:
Teste do Alizarol: Identifica se o leite é ácido, alcalino ou normal
Acidez titulável: Determina o grau de acidez do leite
Densidade relativa: Determina a densidade do leite
Índice crioscópico: Determina o ponto de congelamento do leite
Contagem de Células Somáticas (CCS): Determina a quantidade de células de defesa do sangue do animal que migraram para o úbere
Contagem Bacteriana Total (CBT): Determina a quantidade de bactérias presentes no leite
Teste Dornic: Determina o grau de acidez do leite
Análise de resíduos de antibióticos: Determina a presença de antibióticos no leite

Indústria assegura que produto gaúcho é o mais fiscalizado do Brasil

Darlan Palharini diz que a qualidade do leite gaúcho reflete na liderança do Estado

Darlan Palharini diz que a qualidade do leite gaúcho reflete na liderança do Estado

LUIZA PRADO/ARQUIVO/JC
O Rio Grande do Sul é o terceiro maior produtor de leite do País e o primeiro em termos de fiscalização. É o que garante o coordenador de Captação e Mercado de Leite da Cooperativa Languiru, Jones Kohl, que assegura que as auditorias constantes e "extremamente profissionais", que cobram a rastreabilidade de cada litro de leite produzido — desde o produtor, passando pela indústria até chegar à gôndola dos supermercados —, garantem a segurança alimentar do produto.
"A rastreabilidade identifica de qual produtor provém o leite e para qual silo e tanque será direcionado. Depois disso, identifica qual matéria-prima será utilizada para qual produto", explica Kohl. Segundo ele, todas as empresas têm descritos em seus procedimentos operacionais os planos de autocontrole. Todas as cargas que chegam às indústrias passam por testes físico-químicos, que englobam análises extremamente críticas e rigorosas, com equipamentos validados que necessitam de laudos de calibragem.
"Esses planos têm como base as Instruções Normativas 76 e 77, que são claras, não são interpretativas e devem ser implementadas de forma transparente e igualitária", afirma Kohl. Para o especialista, o papel da indústria no controle de qualidade do leite se concentra em executar todas as ações previstas no plano de controle e, ao detectar qualquer irregularidade que possa afetar o consumidor, agir prontamente: "Compartilhar informações com o Ministério Público para investigação."
A cronologia dos testes realizados pela indústria inicia no caminhão-tanque, que é dividido em compartimentos. De cada um, são coletadas amostras de leite cru, direcionadas para avaliação no laboratório. Nesse momento, são realizadas operações diferentes, como a avaliação físico-química, que inclui análise da acidez do leite, ponto de congelamento, gordura, extrato seco desengordurado, extrato seco total, teor de proteína, lactose, além da verificação de ureia e pH. Também é feita uma análise sobre a presença de antibióticos no alimento.
Existe ainda uma segunda etapa antes da liberação, na qual são pesquisados reconstituintes de densidade, neutralizantes de acidez e conservantes, para avaliar se o leite foi fraudado. "Por exemplo, a análise sobre a presença de formol, bicarbonato, hidróxido de sódio, cloretos, amido, sacarose, peróxido de hidrogênio, hipocloritos, álcool etílico e até sangue. Essas análises servem para identificar se há algum contaminante utilizado para burlar o sistema e mascarar a adição criminosa de substâncias para aumentar o volume, equilibrar a carga microbiana e prolongar a durabilidade do leite", explica o técnico da Languiru.
Caso algum teste identifique irregularidades, todo o volume de leite deve ser condenado e destinado à incineração. Além dos procedimentos realizados pela indústria, a matéria-prima também passa por avaliações amostrais de órgãos externos, como o Ministério da Agricultura, a Anvisa e a Secretaria da Agricultura. "O ranqueamento de qualidade das indústrias depende do resultado das auditorias, realizadas mensalmente. São auditorias muito invasivas, no bom sentido, que abordam todas as ações corretivas e preventivas. Eu sempre falo para nossa equipe: as auditorias vêm ao nosso encontro para nos ajudar", destaca Kohl.
O presidente da Cooperativa de Laticínios General Neto, do município de Barão, Paulino Haas, ressalta a importância do controle da mastite, tanto para a segurança alimentar do leite quanto para o bem-estar da vaca e a manutenção da produtividade. "Se uma vaca contrair mastite por falta de higiene, o leite precisa ser descartado dentro da propriedade", explica. Segundo ele, o produtor que não atender às normativas perde valor no litro do leite. "Se houver contagem de células somáticas ou bacterianas acima do limite estabelecido, o produtor perde R$ 0,15 por litro de leite."
A Languiru realiza um trabalho de assistência técnica junto aos seus associados para que a qualidade seja garantida desde o primeiro elo da cadeia produtiva. A cooperativa conta com médicos-veterinários próprios ou terceirizados, equipe de inseminação e profissionais experientes que agregam conhecimento e novas tecnologias às propriedades rurais. Todo esse processo de qualificação, além de garantir mais segurança alimentar, permite aos produtores receber um valor maior por litro de leite.
Para o secretário-executivo do Sindicato da Indústria de Laticínios e Derivados do RS (Sindilat), Darlan Palharini, a qualidade do leite gaúcho também se reflete na liderança do Estado em número de laboratórios participantes da Rede Brasileira de Qualidade do Leite (RBQL), do Ministério da Agricultura. "São três laboratórios credenciados: o Centro de Pesquisa em Alimentação (Cepa), da Universidade de Passo Fundo (UPF), o Unianálises, da Univates, em Lajeado; e o Laboratório de Análises de Alimentos e Bebidas, da URI, em Frederico Westphalen."
Outro dado relevante é que 95% da produção leiteira do Estado é destinada à indústria, ou seja, há pouco comércio informal de leite. "Nenhum outro estado tem um percentual próximo a 100%. Por isso, sempre afirmamos que o leite gaúcho é o mais fiscalizado do país, considerando o alto número de análises realizadas em comparação com Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais", acrescenta Palharini.
No caso das denúncias mais recentes envolvendo a empresa Dielat, de Taquara, Palharini reforça que a fiscalização existiu, mas as fraudes teriam ocorrido fora do horário comercial, quando os testes costumam ser realizados. "Foi uma situação de mau-caratismo no processo industrial, aliada à certeza de impunidade. Dentro das boas práticas, em 99,9% das indústrias, é impossível adulterar o leite. Segundo informações do Ministério Público, essas adulterações eram feitas em horários alternativos", explica. Palharini acrescenta que a fraude foi tão sofisticada que os métodos disponíveis não conseguiram identificá-la.
 

UPF usará inteligência artificial para monitorar qualidade do leite

Bondan destaca que a iniciativa é inédita no Brasil e espera bons resultados

Bondan destaca que a iniciativa é inédita no Brasil e espera bons resultados

/Carlos Bondan/Arquivo Pessoal/JC
Basta uma amostra de leite combinada a um equipamento que utiliza ferramentas de inteligência artificial para rapidamente identificar qualquer substância que não seja natural do produto e indicar se existe ou não fraude. Esse é o carro-chefe do projeto desenvolvido pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Passo Fundo (UPF) que promete revolucionar a análise do leite no Estado, através de informações cruzadas por meio de modelos matemáticos e algoritmos.
"Será um centro de inteligência artificial para monitorar a qualidade do leite, a partir de fatores que possam influenciar a inocuidade do produto, desde a propriedade até a mesa do consumidor", afirma o coordenador do curso de Medicina Veterinária da UPF, pesquisador e um dos idealizadores do projeto, Carlos Bondan. Segundo ele, a iniciativa é absolutamente inédita no Brasil, já sendo desenvolvida nos Estados Unidos, Canadá, países da União Europeia, e até mesmo nossos vizinhos Uruguai e Argentina.
"Eles têm programas de gestão estratégica de dados implementados e ativos. Para a profissionalização da cadeia leiteira, nós não podemos ficar para atrás nestes avanços tecnológicos", aponta. O projeto será realizado dentro do laboratório de Serviços de Análise de Rebanhos Leiteiros (Sarle) da UPF, criado em 1997, pioneiro em análise da qualidade do leite no Estado.
O pesquisador explica que uma vez identificada a presença de um agente estranho ao leite, serão usadas outras metodologias para saber quais são as substâncias. "As mais variadas possíveis: soda cáustica, formol, ureia, qualquer componente que possa estar ali presente". O equipamento será abastecido de informações que serão transformadas em algoritmos e esses serão cruzados entre si, na tentativa de buscar um padrão para estabelecer um indicador de qualidade. Serão analisados: a composição química, composição física do leite, além de indicadores, como condições ambientais, de temperatura, de estações do ano. Enfim, todos os indicadores possíveis que a gente consiga reunir em um determinado cenário", diz o professor.
Esses dados virão do produtor de leite, a partir de amostras coletadas nas propriedades, oriundas do tanque, onde contém todo o leite dos animais da fazenda, ou, até mesmo, amostras individuais de cada vaca. "Se nós conseguíssemos uma análise no mínimo mensal de cada um dos animais que estão no rebanho, seria possível ter informações muito mais ricas e teríamos mais assertividade no que diz respeito à saúde individual de cada vaca. Então, garantindo a saúde e a sanidade do animal, nós teríamos um leite de melhor qualidade".
Os dados serão disponibilizados para toda a cadeia produtiva: produtores, indústria, assistência técnica, Secretaria da Agricultura do RS e órgãos reguladores e fiscalizadores. e servirão para planejar as práticas de saúde e bem-estar animal, resolver os desafios na fazenda, garantindo o máximo de produtividade, eficiência econômica na produção e sustentabilidade ambiental. Também serão trabalhadas informações que se baseiam em condições climáticas que compõem todo o cenário onde os animais são criados e estão produzindo. "Nós temos parceria com Embrapa que pode nos oferecer essas informações, assim como dados sobre solo, tipo de fertilidade que essa fazenda tem e também o tipo de alimento que esses animais estão consumindo".
Ainda sem data para ser lançado, o projeto está em fase de aquisição dos equipamentos, que serão feitas no início deste ano, e organização do laboratório. O valor do investimento gira em torno de R$ 4 milhões e contará com uma equipe multidisciplinar com vários especialistas, em diferentes áreas: veterinários, agrônomos, de especialistas em tecnologia da informação e economistas. 

Promotor de Justiça defende punições mais severas para quem frauda o produto

O promotor de Justiça Mauro Rockenbach, da Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), um dos principais articuladores da operação Leite Compensado, afirma que o fato de os crimes continuarem ocorrendo, apesar das instruções normativas, dos testes e das fiscalizações realizadas no leite, demonstra a necessidade de punições mais severas para quem comete esse tipo de delito.
"As instruções normativas são elaboradas por burocratas de Brasília, que sequer pisam em um estábulo ou em um laticínio. É óbvio que a operação Leite Compensado teve reflexo nessas instruções normativas, mas não a ponto de intimidar. Não é suficiente. A legislação sobre o leite é de 1950 e ainda menciona carro de tração animal", protesta Rockenbach.
O promotor afirma que o Ministério Público tem trabalhado no sentido de buscar um maior endurecimento das leis, baseado em uma tríade composta por "uma legislação mais eficaz e rigorosa, uma repressão mais presente e uma punição mais severa".
Em relação à punição dos envolvidos na operação Leite Compensado, Rockenbach diz não ter do que se queixar, pois os "juízes gaúchos compreenderam a gravidade da situação e aplicaram penas muito bem dosadas na grande maioria dos casos, a ponto de eu não precisar recorrer para pedir aumento de pena".
A única exceção, segundo ele, é o caso do engenheiro químico Alberto Seewald, conhecido como "Alquimista", responsável pela formulação da adulteração do leite. "O caso do Alquimista é uma situação pontual, de um processo que ficou parado por alguns anos", afirma.
O promotor explica que Seewald foi investigado em 2005 por fraudar leite em uma empresa de Taquara. Ele foi condenado em primeira instância, mas o Tribunal de Justiça o absolveu, por entender que não havia configuração do crime. Em 2014, ele foi novamente preso em Teutônia. "Ficou alguns meses detido, e a juíza concedeu a ele uma medida cautelar diversa da prisão, permitindo sua liberdade sob condições vigiadas: não podia se afastar da comarca, precisava comparecer periodicamente ao juízo para prestar informações sobre suas atividades, além de comprovar seu endereço e formas de contato", detalha.
Apesar dessas restrições, Seewald foi para Manaus trabalhar em um laticínio e acabou sendo descoberto pelo Ministério Público. Diante disso, foi determinada a utilização de tornozeleira eletrônica, que, no entanto, não estava disponível no momento. "Então, ele ficou em liberdade sem a monitoração eletrônica e, para nossa surpresa, foi encontrado novamente dentro do laticínio de Taquara, trabalhando pessoalmente, utilizando como amparo um contrato social constituído em nome da esposa", explica Rockenbach. Até o fechamento desta edição, Seewald permanecia preso.
Questionado se consome leite, o promotor foi categórico ao afirmar que sim, pois confia na qualidade do leite produzido no Rio Grande do Sul. "Eu tomo leite de algumas indústrias nas quais confio. Estou em sintonia com meu trabalho de 12 anos à frente da operação Leite Compensado, que teve como objetivo combater essas fraudes e criar credibilidade para a fiscalização", destaca.
Sobre as denúncias envolvendo o laticínio Dielat, de Taquara, Rockenbach espera que se trate de um caso isolado. "Espero que tenha sido apenas um arroubo de ganância desse empresário paulista, que veio para o Estado, comprou uma planta desativada e depois deu início às fraudes", afirma.
Ele ressalta ainda a importância da força-tarefa realizada pelo Ministério Público em parceria com a Secretaria da Agricultura, o Ministério da Agricultura, a Fepam e a Patran. "Formamos esse grupo com instituições que se preocupam com a segurança do leite e, hoje, recebemos informações de todos os cantos do Estado sobre o que acontece no setor. Ganhamos credibilidade, e as denúncias chegam até nós de uma forma ou de outra, como ocorreu no caso da Dielat", finaliza.

Rigor no controle de qualidade possibilita que produtores se mantenham na atividade

Fabrício Balerini, da Agropecuária Nova Esperança, de Vespasiano Correa, conta que produzir leite tem sido uma atividade cada vez mais desafiadora

Fabrício Balerini, da Agropecuária Nova Esperança, de Vespasiano Correa, conta que produzir leite tem sido uma atividade cada vez mais desafiadora

/Fabricio Balerini/Arquivo Pessoal/JC
Já faz tempo que a visão romântica do produtor de leite que tem duas vaquinhas no fundo do quintal e que, todos os dias, ao nascer do sol, pega um banquinho, um balde e um paninho e segue para o ritual da ordenha deixou de ser realidade. O endurecimento das normas de qualidade do leite, especialmente após as Instruções Normativas 76 e 77, de 2018, obrigou os produtores a investirem na tecnificação das propriedades e se adequarem às regras para produzirem alimentos com qualidade e segurança.
O engenheiro agrônomo e produtor de leite, Fabrício Balerini, da Agropecuária Nova Esperança, de Vespasiano Correa, cuja granja atua na atividade leiteira há mais de 40 anos, conta que produzir leite se tornou uma atividade ainda mais desafiadora, pois caso o produto não atenda os parâmetros exigidos em lei, é possível que o produtor seja excluído da atividade. "O produtor que não está se adequando, o sistema está excluindo e a tendência é essa. Temos que correr atrás para atender as exigências das normativas, das que já existem e das que vão surgir", afirma Balerini.
O trabalho de controle de qualidade dentro das propriedades se baseia principalmente em manter baixa a Contagem de Células Somáticas (CCS), que está relacionada com a presença de mastite (infecção dos tetos das vacas), com fatores sanitários e de higiene do leite que envolve outro teste: o da Contagem Bacteriana Total (CBT). "Esses são os pontos principais que a gente tem que estar diariamente controlando e que são mais desafiadores".
A propriedade de Balerini conta com 100 vacas em lactação, 210 animais totais no rebanho, e a produção mensal gira em torno de 130 mil litros e o diário em torno de 4,5 mil litros, em média. Segundo ele, o controle da contagem bacteriana foi sacramentado depois de estabelecido um padrão de higiene relativo ao rebanho, ao sistema de ordenha e ao tanque de expansão de armazenagem do leite.
"Questões de controle da temperatura do leite têm que ser bem monitoradas, resfriar o leite numa velocidade muito parecida com a de velocidade da ordenha, são alguns detalhes importantes". Esses fatores exigiram investimento pesado por parte da granja, em especial pensando em questões energéticas, com a instalação de geradores nos tambos e também no bem-estar animal, com um sistema de ventilação para as vacas que sofrem com estresse térmico. "Não podemos ficar à mercê das redes energéticas do Estado, pois acaba perdendo produto ou as vacas reduzindo produção".
A propriedade está hoje com uma CBT de 5 mil UFC/ml, em média ao ano, considerada excelente por estar muito baixa, já que a legislação permite um teto de 100 mil UFC/ml. Sobre a contagem de células somáticas, Balerini diz que também está abaixo do determinado pelas normativas. "A nossa está em torno de 150 mil célular/ml e o limite é 500 mil células por ml, em um rebanho saudável que não tem problema de mastite".
Segundo ele, o controle de CBT depende muito do lugar onde as vacas estão deitando e a forma como vão chegar na sala de ordenha, com os tetos mais sujos ou limpos. "Fazemos o processo de desinfecção, o pré-dip, teste da caneca para identificar presença de grumo que indica mastite clínica, eliminamos os primeiros para descartar leite contaminado na ponta do teto para só depois fazer a ordenha", explica Balerini.
A propriedade realiza três ordenhas diárias e faz a desinfecção do teto antes de cada processo. Depois faz nova desinfecção, secagem do teto e aplicação de um outro produto que é protetor, para prevenir a infecção do teto pós-ordenha. Em relação ao resfriador, ele tem um sistema de lavagem automático que usa utiliza detergentes ácido e alcalinos com água quente. "Essa mesma limpeza é feita em todo o sistema de ordenha".

Assistência técnica é essencial para adaptação dos produtores às regras de qualidade

É preciso ter um rígido controle em todo o processo dentro da propriedade para obter uma boa remuneração

É preciso ter um rígido controle em todo o processo dentro da propriedade para obter uma boa remuneração

/Agropecuária Nova Esperança/Divulgação/JC
O trabalho de assistência técnica a campo, seja por parte da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do RS (Emater/Ascar), das cooperativas ou das indústrias, tem um papel crucial no processo de adaptação dos produtores de leite gaúchos às novas regras de qualidade estabelecidas a partir das Instruções Normativas 76 e 77. De lá para cá, foi promovido um processo de capacitação e tecnificação que, por um lado, permitiu que muitos produtores seguissem na atividade, mas que por outro fez com que outros abandonassem a produção, por não conseguirem atender às novas regras.
"Os produtores entenderam que se não tiverem um rígido controle de qualidade, vão ter problema ao carregar o leite na propriedade. Se não atenderem determinados limites dentro da amostra mensal também têm prejuízo na remuneração que recebe pelo leite", afirma o assistente técnico estadual em bovinocultura de leite da Emater, Jaime Ries.
A extensionista rural da Emater/RS Mariana Brock lembra que a Chamada Pública do Leite que ocorreu de 2014 a 2017, aliada às normativas que exigiram melhorias na qualidade do produto para atender os padrões impostos na época, levaram à intensificação dos atendimentos voltados à atividade. "Estamos sempre focados em atender esse público, proporcionando acesso a políticas públicas como o crédito rural, visando melhorar a infraestrutura das propriedades o que se reflete diretamente na qualidade do leite, como no caso das trocas de ordenhadeiras, do método chamado balde ao pé, pela tecnologia canalizada, pois quanto menor a manipulação, menor a contaminação e melhor a qualidade do produto", afirma Mariana.
Ries diz que o produtor de leite gaúcho é muito esclarecido sobre a importância da qualidade no processo produtivo. "Eles estão melhor estruturados se comparados com produtores de outros estados. Temos a totalidade das propriedades com ordenhadeira, com resfriador de expansão direta, a grande maioria com disponibilidade de água quente para higienização dos equipamentos". A Emater realiza um trabalho educativo, de convencimento do produtor de que era necessário fazer mudanças, e também de apoio na elaboração de projetos de crédito para ter boa inserção no mercado e boa remuneração pelo produto recebido.
Ries destaca que o primeiro tomar o leite é próprio produtor e a família dele, a comer o queijo, nata, manteiga. É o produtor que faz esses de produtos oriundos da propriedade dele, então "ele não tem nenhuma vantagem em fraudar o leite". Segundo Ries, o leite do Rio Grande do Sul tem um cuidado excepcional no quesito qualidade microbiológica: o grau de higiene da ordenha e a rapidez do resfriamento são acima da média no Estado. "Isso envolve higiene do ordenhador, do ambiente onde os animais ficam, dos equipamentos. Basicamente higiene e depois resfriar o mais rápido possível".
O trabalho da Emater está muito focado também na qualidade da água das propriedades, uma ação tão importante quanto o que se faz dentro da sala de ordenha, pois com água suja não se faz limpeza. Depois de um primeiro momento de reestruturação total, o cenário agora é de melhoria das estruturas: instalação de geradores, substituição de resfriadores por outros maiores, porque a produção cresceu ou aumentou o tamanho do rebanho, troca da ordenhadeira, fazer um novo piso, entre outros.

Até a determinação dos locais onde a vacas ficam no período
pré-ordenha deve ser pensado, para que não fiquem no barro, "se forem períodos de muito chuva acabam sujando os tetos e desenvolvendo infecções, a questão nutricional dos animais também é bastante importante, tanto para composição do leite quanto para desequilíbrios metabólicos", diz Ries.

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