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Publicada em 29 de Dezembro de 2024 às 16:00

Agricultura familiar traz oportunidades de negócios no Norte gaúcho

Setor é essencial para o desenvolvimento microrregiões como Frederico Westphalen e Erechim

Setor é essencial para o desenvolvimento microrregiões como Frederico Westphalen e Erechim

Cooperfamília/Divulgação/JC
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Gabriel Eduardo Bortulini, especial para o JC*
Gabriel Eduardo Bortulini, especial para o JC*
Segundo os dados do IBGE, a maioria dos estabelecimentos agropecuários do Rio Grande do Sul são destinados à agricultura familiar. O setor é também o que mais emprega no meio rural e corresponde a uma importante parcela do PIB gaúcho. Se a dinâmica produtiva familiar é essencial para a economia do estado, para a porção norte, essa importância é ainda mais evidente, apesar de dificuldades estruturais e falta de incentivos, que dificultam a permanência de jovens no campo.

Segundo o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, o Rio Grande do Sul tinha 365.094 estabelecimentos agropecuários, dos quais 293.892 eram destinados à agricultura familiar

Segundo o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, o Rio Grande do Sul tinha 365.094 estabelecimentos agropecuários, dos quais 293.892 eram destinados à agricultura familiar

Gabriel Bortulini/Especial/JC
De acordo com a Lei Federal 11.326, de julho de 2006, a agricultura familiar é caracterizada por pequenas propriedades rurais, de até quatro módulos fiscais, em que predomina a mão de obra familiar. Além disso, a renda deve ser vinculada principalmente às atividades agrícolas do estabelecimento comandado pela família.
Conforme os dados do Censo Agropecuário 2017, o último divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul tinha 365.094 estabelecimentos agropecuários, dos quais 293.892 eram destinados à agricultura familiar. Ou seja, a dinâmica da agricultura familiar representava, em 2017, mais de 80% de todos os estabelecimentos agropecuários do Estado.
Quanto à área produtiva, no entanto, essas proporções se invertem. Afinal, apesar do maior número de estabelecimentos agropecuários, a agricultura familiar ocupava só um quarto de toda a área da agropecuária do Estado. Em média, os estabelecimentos não familiares ocupavam 227 hectares no Rio Grande do Sul, enquanto os estabelecimentos da agricultura familiar abrangiam cerca de 18 hectares.
Quanto à geração de empregos, os dados indicavam 992.413 pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários. Desse total, 716.695 estavam na agricultura familiar, o que correspondia a 72,2% de todos os trabalhadores da agropecuária. Em resumo, o Censo Agropecuário 2017 revelou que a agricultura familiar conta com um maior número de estabelecimentos, emprega mais pessoas e ocupa um território menor.
É inegável a importância dos estabelecimentos familiares na produção agropecuária. Segundo o IBGE, o valor da produção da agricultura familiar correspondia, em 2017, a 23% de toda a produção agropecuária do País. No Rio Grande do Sul, essa porção era ainda maior: 37,4% do valor da produção agropecuária do Estado provinha da agricultura familiar. Para Douglas Cenci, coordenador-geral da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Rio Grande do Sul (Fetraf-RS), esses números manifestam a relevância econômica do setor.
"Mais do que os números, a agricultura familiar é quem tem a capacidade de produzir o que as pessoas precisam, de suprir a demanda local e regional de alimentos, de produzir alimentos inclusive pra alimentar outros locais", afirma. Se o setor é fundamental para todo o Estado, para algumas regiões essa importância é ainda mais evidente. É o caso da porção Norte: as microrregiões de Frederico Westphalen e Erechim, por exemplo, estão entre as cinco com maior número de estabelecimentos familiares.
Todo esse potencial não surge sem uma ampla variedade de produtos. Para Cenci, a diversidade é, inclusive, a principal característica da agricultura familiar - e não apenas no que diz respeito à produção. "A agricultura familiar ainda preserva uma diversidade importante de público, de produções, de culturas, de etnias. Talvez essa seja a cara da agricultura familiar, a diversidade", pontua.
Além disso, a valorização do setor tem um impacto positivo no ponto de vista ambiental. De acordo com Cenci, a própria dinâmica da agricultura familiar já é mais sustentável por essência, incluindo agricultores que cada vez mais adotam a produção agroecológica.
"Não que a gente não tenha problema nenhum, mas, em geral, a agricultura familiar é que preserva, porque é o espaço em que o agricultor vive. Então ela tem dado e pode dar uma contribuição ainda maior na reversão das mudanças climáticas em todos os aspectos, desde a neutralização do carbono quanto a preservação da água, do ar, dos solos", reforça.  
 

Diversificação é uma oportunidade para a pequena agricultura

Produção de cítricos é alternativa

Produção de cítricos é alternativa

Cooperfamília/Divulgação/JC
A variedade da produção agrícola familiar no Norte do Estado fica evidente no conjunto de produtos de cooperativas como a Cooperfamília. Sediada em Erechim, ela conta com aproximadamente 500 associados de 20 municípios da região do Alto Uruguai e comercializa cerca de 10 toneladas de alimentos todas as semanas. São mais de 70 produtos, que englobam toda a linha de hortifruti, panificados, carnes, além de minimamente processados.
A Cooperfamília foi fundada em 2005, com o objetivo de ajudar pequenos agricultores a comercializarem seus produtos. Essa era uma demanda urgente naquele período, uma vez que a Cooperativa Tritícola Erechim (Cotrel) estava em processo de falência. A Cooperfamília atende, principalmente, programas do governo federal, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), além de um projeto de cozinhas comunitárias em Porto Alegre.
"Nós pegamos os alimentos do agricultor, mediante uma organização de plantio e de produção, e distribuímos seja para hospitais, para escolas, ou para cozinhas comunitárias. O PAA e PNAE são os nossos carros-chefes", explica Isaias Wastchuk, presidente da Cooperfamília. A cooperativa vai movimentar cerca de R$ 4 milhões em 2024 por meio desses programas.
Além disso, a Cooperfamília mantém uma feira permanente em Erechim, onde são comercializados os produtos da agricultura familiar dos associados.
Para Wastchuk, a agricultura familiar é uma atividade essencial na produção de alimentos. A cooperativa cumpre ainda a função de gerar renda, além de possibilitar a permanência dos agricultores no campo, em municípios pequenos.
"A cooperativa acaba sendo uma oportunidade de negócio pra muitos agricultores que deixaram de produzir leite, de produzir fumo e que não têm a condição de produzir grãos em grande escala, que tem um custo elevadíssimo, fazendo grandes investimentos. Ela acaba sendo uma oportunidade de negócio em meio a essa nova agricultura", defende.
 
Eugênio Zanetti, vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), revela preocupação com a expansão do cultivo de soja como monocultura na região Norte do Estado. A falta de diversificação, nesses casos, não é apenas um problema ecológico, mas no sentido econômico: depois de três anos de estiagens sucessivas, o endividamento das famílias que trabalham com apenas um produto é muito maior.
"É colocar todos os ovos numa cesta só, o que acaba dificultando. Por isso, a ideia seria fomentar cada vez mais a diversificação da propriedade, para poder agregar valor e renda".
Uma alternativa, segundo Zanetti, é a citricultura, uma vez que o Rio Grande do Sul ainda não enfrenta os problemas do greening, doença que tem dizimado pomares em grandes regiões produtoras, como Paraná e São Paulo. Para ele, a região ainda possui dificuldades estruturais, como a distância dos grandes centros, e de comercialização, sem esquecer das condições de vida dos agricultores.
"Precisamos pensar em condições de infraestrutura, de estradas, estrutura para as propriedades, em como ter uma educação de qualidade, em que o jovem consiga estudar e ficar, mas, principalmente, qualidade de vida e uma estrutura que a cidade oferece e que hoje o campo nem sempre consegue oferecer", observa.
 

Portas abertas para os pequenos agricultores

Locais reúnem os mais variados tipos de alimentos, sejam eles in natura ou processados, de diferentes cidades, tudo comercializado diretamente para os consumidores

Locais reúnem os mais variados tipos de alimentos, sejam eles in natura ou processados, de diferentes cidades, tudo comercializado diretamente para os consumidores

Gabriel Bortulini/Especial/JC
Em Campinas do Sul, no Alto Uruguai, a Casa do Agricultor abre as portas para os agricultores familiares comercializarem seus produtos diretamente com o público da cidade. A feira do produtor acontece no sábado pela manhã e começou a ser organizada pela Emater e pela Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente do município há dez anos. Para a família Raldi, a feira foi uma oportunidade. Hoje, é fundamental.
"A feira é muito importante. Foi uma porta que se abriu. Começamos pela feira, a Emater nos ajudou e incentivou muito. Viram que a gente tinha uma horta bonita e um lugar bom, com bastante água. Então pediram que nós entrássemos na feira e a gente começou faz 10 anos e nunca mais parou", conta Iraci Raldi, que se orgulha do crescimento da produção e da diversificação dos produtos no período.
Hoje, a produção da família Raldi abastece vários mercados da cidade. Além disso, a família conta com programas como o PNAE e o PAA. "Neste ano, acabamos perdendo o programa do PAA do governo, porque ficou com a cooperativa Nossa Terra, então o dinheiro que vinha aqui para Campinas do Sul ficou em Erechim", lamenta.
Além do destaque no cultivo de hortifruti, a família Raldi também produz leite e uma pequena quantidade de grãos. Para isso, são cinco pessoas envolvidas diretamente nas atividades: Iraci, o marido, o filho e a nora centralizam a produção essencialmente familiar, além de outro produtor parceiro da família.
Segundo a agricultora, a oportunidade de ter a família trabalhando junto é uma motivação para prosseguir no campo. Iraci também celebra a sucessão familiar: "nós já temos o filho trabalhando aqui, os netos ajudando. Temos esperança que isso continue".
Apesar disso, a falta de mão de obra é uma dificuldade, bem como os preços em determinadas épocas do ano. Outra preocupação diz respeito aos produtos perdidos.
"Como a gente não industrializa, se perde muito. Estávamos até pensando em uma pequena agroindústria de legumes, para colocar em pacotes a vácuo, para não perder esses produtos", comenta Iraci.
Além da família Raldi, outros pequenos agricultores comercializam suas produções todos os sábados na cidade de Campinas do Sul, a partir das 7h da manhã. No local, além de frutas, verduras e legumes, há o mel da família Rempel, os panificados da família Chiodelli, derivados da cana-de-açúcar, como açúcar mascavo, melado, rapaduras, licores e chimia, de Airton Chiodelli, que costuma participar de feiras por todo o estado, em municípios como Não-me-toque, Rio Pardo, Soledade, entre outras. A intenção é aumentar as vendas, buscando outras cidades maiores e com mais público.
A feira ainda recebe produtores de outros municípios da região, como a família Bottini, que leva a Campinas do Sul os embutidos produzidos por eles em Ponte Preta.
A agricultura familiar da cidade não se reduz aos produtos disponíveis na feira do produtor. O município comporta pequenos agricultores em toda a zona rural, em rotinas familiares de muitas similaridades entre si. A sucessão, por exemplo, também é notada na família Bernardi.
"Nossa rotina se inicia às 5h da manhã, quando eu e meu marido começamos a ordenha das vacas. Logo após, meu marido solta as vacas no pasto e trata as que ficam fechadas e eu lavo os utensílios usados na ordenha. Depois, volto para casa para realizar os serviços domésticos. Minha sogra trata os porcos e as galinhas, meu sogro é quem faz a limpeza dos jardins e dos pátios e cuida do parreiral e das árvores frutíferas", descreve Aniele Bernardi.
O leite é a principal fonte de renda da família, que vende a produção para a cooperativa Santa Clara. Além disso, os produtores cultivam soja, milho e aveia. A soja e o milho são entregues no comércio local. Já a aveia é armazenada e posteriormente utilizada para o consumo dos animais.
A propriedade também comporta algumas árvores frutíferas, principalmente figueiras, e um parreiral. As frutas são utilizadas para a fabricação de doces para o consumo da família, de amigos e conhecidos.
Para Aniele, o trabalho no campo traz muitos benefícios para além da possibilidade de cultivar o próprio alimento: "somos nossos próprios patrões, podemos fazer nossa própria carga horária, criar nossos filhos de maneira mais saudável e sem os perigos que muitas vezes a cidade acaba causando, sem falar na união e parceria entre o casal, afinal trabalhamos juntos em tudo". 
 

Ervateira de Novo Barreiro aposta em feiras

Pedro Brizolla leva a erva Rainha do Sul a eventos realizados nos mais diversos locais do Brasil

Pedro Brizolla leva a erva Rainha do Sul a eventos realizados nos mais diversos locais do Brasil

Gabriel Bortulini/Especial/JC
No domingo, dia 3 de novembro, Pedro Brizolla saiu às 4h da manhã de Novo Barreiro, pequeno município entre Sarandi e Palmeira das Missões, para participar da 2ª Feira da Agricultura Familiar, organizada pela Fetag-RS no Largo Glênio Peres, em Porto Alegre. Para Eugênio Zanetti, a feira, que aconteceu entre os dias 4 e 9 de novembro, é fundamental para celebrar a diversidade. Neste ano, teve um papel ainda mais importante: "Muitas das agroindústrias que estão aqui foram muito impactadas pela enchente, mesmo as que não sofreram diretamente no patrimônio, algumas ficaram dois ou três meses sem comercializar, outras ficaram dois meses sem energia elétrica, para ver o tamanho da dificuldade que foi enfrentada este ano".
Pedro Brizolla leva a erva-mate Rainha do Sul em feiras por todo o País há anos. Sempre carrega consigo uma pequena agroindústria, para que os clientes possam ver o processo de produção.
"Em 1999, eu fui um dos 38 que abriram a Expointer. Então, eu fiz essa demonstração lá", conta com orgulho. A Rainha do Sul nasceu em 1987 e, desde lá, Brizolla conta que nunca ficou 15 dias sem fazer erva-mate. Jamais tirou férias.
Hoje, a agroindústria é administrada por Brizolla e a esposa Ilda, além de dois empregados. Os três filhos do casal chegaram a trabalhar com os pais, mas seguiram outros rumos. "Agora todos eles trabalham em banco. E eu também não teria como pagar o salário deles", brinca. A propriedade tem 11 hectares dedicados exclusivamente ao cultivo da erva-mate. Segundo o produtor, são entre 75 mil e 80 mil plantas.
"Nós não vencemos colher quase não tem mão de obra. Tem que ir roçando na frente e tirando, é bem apertado o serviço. Na entrega sou eu, nas feiras sou eu também, então é trabalhoso", relata.
Por conta do tamanho da empresa e a quantidade de pessoas ocupadas no serviço, a produção não é muito grande. As vendas são feitas, em sua maioria, diretamente com os consumidores: pessoas de São Paulo, Recife e de outras cidades do Estado, como Canoas, Porto Alegre e Pelotas.
Para atender ao paladar cada vez mais exigente dos consumidores, a agroindústria familiar conta com diferentes moagens e tipos de erva: desde a tradicional à moída grossa, sem contar na pura folha e na erva-mate defumada, que recentemente voltou ao cardápio.
"Antigamente, o pessoal fazia e agora voltaram a procurar, então a gente faz também, mas é muito mais mão de obra. Essa não sou nem eu que faço, porque leva muito tempo. São uns três dias em roda do barbaquá pra fazer uma erva de qualidade".
Há poucos anos, a Rainha do Sul também se inseriu na linha do tereré. Como a agroindústria é a única que dispõe de maquinário específico para esse tipo de erva-mate, Brizolla acaba revendendo o produto para outras empresas, que posteriormente embalam e inserem a própria marca. A ervateira também passou a produzir erva com menta, apesar do custo mais elevado.
Junto com a escassez de mão de obra, o custo, aliás, é a maior preocupação de Brizolla.
"Hoje, a maior dificuldade que temos é a mão de obra, mas tem a questão do custo, o preço do produto não agrega valor para pagar funcionário. Faz mais de dez anos que está o mesmo preço. Não muda, pode ver no mercado. Então, é melhor a gente ficar entre poucos aqui, algo mais familiar mesmo, para ter algum lucro", comenta.
Apesar das dificuldades e da quantidade de serviço, Brizolla participa de feiras a cada duas semanas, praticamente. Os eventos ocorrem dentro e fora do Estado, em cidades como São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro.
"Se não fosse a questão de feira, eu não sei o que seria feito do nosso comércio, porque é sofrido. A feira é fundamental hoje. Não sou só eu, é importante para o produtor", conclui.

Permanência dos jovens no campo é desafio

Vida rural, que envolve desde a pecuária até o plantio de diferentes culturas, tem ganhado impulso com políticas públicas voltadas ao setor primário

Vida rural, que envolve desde a pecuária até o plantio de diferentes culturas, tem ganhado impulso com políticas públicas voltadas ao setor primário

Gabriel Bortulini/Divulgação/JC
Embora haja casos exemplares de sucessão rural, a presença dos jovens no campo está diminuindo, conforme o Censo Agropecuário 2017 do IBGE. Essa é uma preocupação não só para os produtores e trabalhadores rurais, mas para entidades como a Fetraf-RS.
"Esse é um tema muito caro e que tira o nosso sono", declara Douglas Cenci, coordenador geral da federação. Segundo ele, o perfil do agricultor hoje é de uma pessoa mais velha, mais estruturada, mais organizada, com maior produção e com mais dificuldade de sobreviver no campo.
Para Cenci, muitos avanços foram conquistados nos últimos 20 anos na agricultura familiar, permitindo melhor estrutura e possibilitando a permanência, através de políticas públicas e programas de habitação.
"Ao mesmo tempo, agora se acentua um processo de exclusão, sobretudo em atividades como o leite, que tem perdido uma grande quantidade de agricultores, então para além disso tudo, das diversidades, do envelhecimento, da estruturação, da especialização, é um agricultor que está ameaçado de extinção", analisa.
De acordo com o coordenador geral da Fenatraf-RS, a permanência do jovem agricultor no campo depende de um sistema complexo de fatores. Sem ignorar a renda, há questões como infraestrutura, acesso à educação, lazer e até a convivência familiar.
"Quanto menos agricultores residem no campo, existem menos estruturas coletivas de lazer, de cultura, o acesso à educação, porque muitos moram longe do centro urbano. De forma geral, tem um conjunto de questões que são determinantes para ele escolher se permanece ou não e são relativas à propriedade e ao mundo em que ele vive", avalia.
O desafio de atrair e possibilitar a permanência dos jovens nas propriedades rurais foi um debate levantado pela maioria das pessoas entrevistadas para esta reportagem. Apesar das motivações para a vida agrícola, Aniele Bernardi, de Campinas do Sul, destaca algumas dificuldades, como o baixo preço do leite, da soja e do milho, bem como as intempéries climáticas. Outro ponto abordado pela agricultora de 37 anos de idade diz respeito, justamente, à falta de verbas e projetos que contribuam para a permanência do jovem no campo.
O presidente da Cooperfamília, Isaias Wastchuk, acredita na importância das políticas públicas, principalmente por parte do governo federal, que permitam as condições necessárias para a vida rural. "Hoje, acho que muitas coisas mudaram, temos tecnologia, mais qualidade de vida, talvez o fator renda já nem seja um problema tão grande da agricultura familiar, mas o fator tempo sim".
Mesmo assim, a renda é um tema que não pode ser ignorado. Cenci acredita que, embora tenham ocorrido avanços, ainda há dificuldades na geração de renda para a juventude rural.
Para Eugênio Zanetti, vice-presidente da Fetag-RS, a agroindústria familiar é um incentivo aos jovens: "o jovem pode ter seu próprio negócio, agregar valor ao seu produto, ter renda, porque não adianta a gente só ter o discurso que o jovem precisa ficar no campo, ele vai ficar se ele tiver condições, se ele tiver renda, se ele tiver como tocar sua propriedade, enfim, se ele puder ter seu estilo de vida, as coisas que ele gosta", defende.
Zanetti, aliás, tem percebido um movimento de retorno à agricultura, motivado principalmente pelas agroindústrias. De acordo com o vice-presidente da Fetag-RS, esse possível retorno também tem a ver com os avanços tecnológicos da lida do campo, que facilitaram muitos processos, além das crescentes dificuldades da vida urbana, que não é mais tão atraente quanto era no passado.
"O grande desafio agora é reduzir o custo da produção, porque dificilmente se vê um produto da agricultura que não tenha mais valor, não tenha preço. Se produzir com qualidade e puder encurtar as cadeias, vender mais direto para o consumidor, dá para ter uma excelente qualidade de vida no campo e o jovem percebeu isso", reitera.
Em julho, o governo do Estado anunciou um projeto de R$ 6 milhões, destinado a jovens da agricultura familiar, com o objetivo de incentivar a permanência nas propriedades rurais. O investimento foi uma reivindicação da Fetag-RS e faz parte do conjunto de medidas do Programa Agrofamília, que destinará mais de R$ 200 milhões à agricultura familiar. O valor será repassado a partir do Fundo Estadual de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais (Feaper). O incentivo é destinado a projetos produtivos de jovens entre 15 e 29 anos, com valores entre R$ 10 mil e R$ 25 mil.

*Gabriel Eduardo Bortulini é graduado em Jornalismo pela UFSM e tem mestrado e doutorado em Escrita Criativa pela PUCRS. É um dos fundadores da Oxibá Casa da Escrita, onde trabalha com leitura crítica e lapidação de textos. Tem textos publicados em jornais, livros e revistas. "Refúgio para bisões", seu romance de estreia, conquistou o terceiro lugar no prêmio Biblioteca Digital do Paraná e foi publicado pela Matria Editora, em 2024.

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