Após anos de protagonismo no setor eólico brasileiro, marcado pela inauguração do parque de Osório em 2006, o Rio Grande do Sul perdeu espaço para os estados do Nordeste, que avançaram no segmento. Agora, com limitações no sistema de transmissão da região nordestina, surge uma oportunidade para os gaúchos recuperarem relevância na geração de energia eólica. De acordo com representantes do setor, o momento é promissor e deve durar cerca de três anos, período em que o Estado possui vantagens como projetos com licenciamento ambiental e capacidade de conexão com a rede elétrica. No entanto, é necessário ter um olhar estratégico do governo federal para o segmento, destacando que a competitividade pode ser retomada em um mercado em constante expansão no Brasil.

Mercado gaúcho despontou como potência no segmento e, depois de ter perdido espaço, volta a aparecer com uma expectativa promissora para os próximos anos em função do aumento de demanda
/TÂNIA MEINERZ/JCDepois de estar na vanguarda do setor eólico brasileiro, com a inauguração em 2006 do parque de Osório, os gaúchos viram pouco a pouco seu protagonismo enfraquecer com o avanço dos estados do Nordeste nesse campo. No entanto, para os empreendedores desse segmento, devido a atuais limitações no sistema de transmissão daquela região do País, o Rio Grande do Sul tem uma 'janela' de oportunidade para a geração eólica nos próximos anos.
Para os dirigentes do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul (Sindienergia-RS), esse período promissor deve se estender por cerca de três anos. A presidente da entidade, Daniela Cardeal, ressalta que atualmente a indústria eólica nordestina está subutilizada. "Mas, alguma hora vai voltar com toda a carga", adianta. Ela enfatiza que é preciso que o governo federal tenha um olhar geral para o setor e frisa que no momento o Rio Grande do Sul possui muitos projetos eólicos com licenciamento ambiental e capacidade de conexão com a rede elétrica. "Abrem-se novos mercados, dentro do Brasil, que é um país continental", aponta a presidente do Sindienergia-RS.
Já o diretor de eólicas do sindicato, Guilherme Sari, assinala que, hoje, a indústria de equipamentos eólicos se concentra no Nordeste, o que é mais um fator que torna os empreendimentos naquela região muito competitivos. Apesar desse cenário, o dirigente defende que deveria ser colocado na balança, na ocasião da comercialização de energia de usinas daquela localidade, o custo de transmissão para deslocar a eletricidade até os centros de carga, que se encontram nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Segundo ele, essa questão ainda não está bem dimensionada.
Porém, Sari considera que o Rio Grande do Sul tem uma expectativa promissora nos próximos anos, porque o País deve crescer e precisará de mais energia por meio de usinas que possam ser implementadas de forma mais célere. "O Estado tem energia, tem margem (de conexão) e bons projetos, esse é o momento de fazer acontecer", sustenta o diretor.
O integrante do Sindienergia-RS também comenta que é importante que o Estado tente atrair fábricas de componentes para os parques eólicos como, por exemplo, uma indústria de torres. No primeiro semestre deste ano, o governo do Rio Grande do Sul firmou um memorando de entendimento com a empresa europeia Nordex justamente para tentar confirmar a instalação de uma fábrica desses equipamentos em solo gaúcho.
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Na ocasião, foram listadas três áreas com mais probabilidades para receber a planta de torres eólicas: Campanha (Bagé), Fronteira Oeste e Litoral (Osório ou Santa Vitória do Palmar). O investimento em um empreendimento como esse, que levaria cerca de um ano para ser construído, é estimado entre R$ 30 milhões a R$ 50 milhões.
Em outubro, também para promover o setor eólico local, o governador Eduardo Leite participou da Feira Brazil Windpower 2024, em São Paulo. Na ocasião, ele frisou que, atualmente, as energias renováveis representam mais de 83% da potência elétrica instalada no Rio Grande do Sul, com a energia eólica sendo responsável por 16,2% desse total.
O governador enfatizou ainda o enorme potencial do Estado para o desenvolvimento de projetos de energia eólica, tanto onshore (em terra) quanto offshore (no mar). "O Rio Grande do Sul possui um potencial de geração eólica onshore de 103 mil MW, com ventos acima de 7 metros por segundo a 100 metros de altura, e outros 114 mil MW em áreas offshore", destacou. Para se ter uma ideia da capacidade de crescimento, hoje o Rio Grande do Sul tem 1,9 mil MW em potência eólica instalada.
Leite mencionou ainda que, na ocasião do evento, havia 55 projetos eólicos, que totalizavam 17,2 mil MW, em processo de licenciamento pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Se todos esses complexos saíssem do papel, os investimentos ultrapassariam o patamar dos R$ 100 bilhões.

Capacidade eólica em operação no Brasil por estados
Jornal do ComércioEmpreendedores nordestinos esperam que dificuldades de conexão sejam sanadas em breve

Painéis solares são os mais comuns entre os consumidores de energias renováveis
/AdobeStock/Divulgação/JCTanto os agentes do setor eólico gaúcho, como os do Nordeste, concordam que há uma dificuldade de transmissão de energia nessa região do País que pode favorecer o Rio Grande do Sul em um cenário futuro. Entretanto, há divergências quanto ao tempo que essa perspectiva positiva para o Estado ficará aberta.
O secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte, Hugo Alexandre Meneses Fonseca, diz que o governo federal está trabalhando para que a capacidade de conexão dos novos projetos no Nordeste no sistema interligado nacional de transmissão se amplie já a partir de 2025 e 2026. Além disso, ele recorda que está prevista a realização de um leilão de uma linha de transmissão de enorme capacidade (chamada de bipolo, que atua com elevados volumes de energia em corrente contínua) no próximo ano, que sairá do Rio Grande do Norte indo até o centro do País.
O gerente sênior de O&M da CPFL Renováveis, Felipe Oliveira, admite que é visível o impacto do gargalo que vem ocorrendo no sistema de transmissão do Nordeste. "Mas os leilões de transmissão que têm acontecido vão tentar corrigir esse descasamento do crescimento da geração e a capacidade de escoamento para o Centro-Sul, onde concentra a carga elétrica do Brasil", aponta.
Até lá, o dirigente comenta que o crescimento da geração distribuída (em que o consumidor gera sua própria energia, usualmente através de painéis solares) contribui para atender ao incremento de demanda. Além disso, ele lembra que o desempenho da indústria não foi o esperado nos últimos anos e esse fator fez com que o consumo de energia não disparasse no País, até agora.
Sobre a perspectiva da energia se tornar mais atrativa no Sul do País em curto prazo, por ser um ponto que está mais próximo do centro de carga e sem a limitação do Nordeste quanto ao escoamento de geração, o gerente sênior de O&M da CPFL Renováveis concorda com a hipótese. "Parece que faz sentido que esse problema (no Nordeste) gera mais competitividade na região (Sul)", reforça Oliveira.
Quanto às perspectivas futuras de demanda, o secretário adjunto de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Rio Grande do Norte assinala que a demanda de energia vem aumentando em todos os países, principalmente, nas nações que estão em processo de industrialização ou que já são industrializadas. "No Brasil não é diferente esse processo", frisa o dirigente.
Ele acrescenta que, especificamente, o Rio Grande do Norte viveu um enorme salto na geração de energia. Conforme ele, em poucos anos a potência instalada de geração do estado foi triplicada, alcançando atualmente cerca de 11,6 MW de capacidade de geração de energia, segundo dados da Aneel, sendo cerca de 10 mil MW em produção eólica.
Sobre as limitações do escoamento da transmissão no Nordeste, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Marcio Rea, anunciou recentemente que foram ampliados os limites de intercâmbio no subsistema local em direção ao Sudeste/Centro-Oeste e ao Norte, elevando assim o aproveitamento da geração eólica e solar e, consequentemente, reduzindo as restrições de geração dessas fontes. No sentido Nordeste-Sudeste/Centro-Oeste, o acréscimo foi de cerca de 12%, com os índices saindo dos 11,6 mil MW para 13 mil MW.
A expansão do intercâmbio de energia entre as regiões foi viabilizada após ser autorizada em outubro, a entrada em operação no sistema interligado nacional de uma subestação e três novas linhas de transmissão de 500 kV: SE 500/230 kV Pacatuba, LTs Pecém II/Pacatuba C, Fortaleza II/Pacatuba C e Pacatuba/Jaguaruana II C. "A ampliação de transmissão está em linha com a estratégia de aumentar a transferência de energia do Nordeste, maior produtor de energia limpa do País, para os demais subsistemas, em particular para o centro de carga que é o Sudeste", afirma Rea.
Parque Coxilha Negra é o principal complexo eólico em construção em território gaúcho

Unidade está sendo implementada em Santana do Livramento, e já tem aerogeradores em operação
/Alessandro Taciro/ Eletrobras CGT Eletrosul/Divulgação/JCO Coxilha Negra é o novo parque eólico em implantação pela Eletrobras (através da sua subsidiária Eletrosul) em Santana do Livramento, com investimento estimado em mais de R$ 2 bilhões. O empreendimento terá a capacidade instalada de 302,4 MW - energia equivalente ao atendimento de uma região com 1,5 milhão de consumidores.
Segundo o vice-presidente de Engenharia de Expansão da Eletrobras, Robson Campos, é estimada a criação de 1,3 mil empregos diretos, nos diversos estágios das obras, iniciadas em 2022. Ocupando área total de 8.644 hectares, o novo empreendimento contará com 72 aerogeradores, em três conjuntos de usinas: Coxilha Negra 2 (24 aerogeradores e 100,8 MW), Coxilha Negra 3 (25 aerogeradores e 105 MW) e Coxilha Negra 4 (23 aerogeradores e 96,6 MW). O sistema de transmissão associado é composto por duas linhas de transmissão e duas novas subestações coletoras exclusivas, além da ampliação de uma unidade existente.
Até meados de outubro, o Coxilha Negra contabilizava 55 aerogeradores completamente montados nas usinas 2, 3 e 4. Desse total, 23 estruturas de Coxilha Negra 2 estavam operando comercialmente. Outros 24 aerogeradores seguiam em fase de testes em Coxilha Negra 3 e 4. Cada aerogerador tem 125 metros de altura, pesa mais de 1,3 mil toneladas e possui potência instalada de 4,2 MW.
"A energia gerada em operação comercial está disponível no sistema interligado nacional, sendo comercializada no ambiente de contratação livre, também conhecido como mercado livre de energia (formado por consumidores de grande porte que podem escolher de quem comprar a geração)", informa Campos. O dirigente afirma que, comprometida com a estratégia de expansão para se tornar 100% renovável, a Eletrobras segue investindo em diversas regiões do Brasil, incluindo a prospecção de novos projetos em aproveitamento ao potencial eólico do Rio Grande do Sul. "Hoje, 97% da energia gerada pela empresa é limpa", aponta o vice-presidente de Engenharia de Expansão. O objetivo é elevar esse percentual, garantindo o alcance da meta Net Zero até 2030, como definido no planejamento estratégico da companhia.
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Para o dirigente, o Rio Grande do Sul tem um papel de destaque na transição energética, considerando o enorme potencial eólico do Estado. Além das condições favoráveis de vento, a região apresenta excelente geografia para a instalação de parques eólicos, com vastas áreas planas ou de relevo suave.
Ele cita ainda que as atividades econômicas praticadas nessas regiões podem coexistir com o aproveitamento do potencial de geração a partir dos ventos, sendo uma ferramenta de desenvolvimento local. Entre os benefícios da implantação desse tipo de empreendimento, Campos destaca a movimentação da economia, melhoria na infraestrutura, geração de recursos a partir de arrendamento pelo uso das terras, criação de empregos e contrapartidas sociais.
"O Estado possui, ainda, uma ampla infraestrutura de transmissão para o escoamento da energia proveniente dos parques eólicos", assinala o integrante da Eletrobras. Essa facilidade de conexão das regiões com maior potencial de ventos pode resultar em projetos com menor custo, além da disponibilidade de diversas opções de interligação com os sistemas elétricos do Sul e Sudeste. Outro fator que reforça a atratividade para a instalação de parques eólicos, aponta Campos, é a boa malha de estradas, portos, aeroportos e telecomunicações.
Estado busca atrair grandes consumidores de energia

Marjorie Kauffmann, secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura do RS
/FERNANDA FELTES/JCPara ter crescimento de oferta de energia é preciso ter incremento de demanda. Nesse contexto, o governo gaúcho tenta criar um ambiente positivo para a instalação de grandes consumidores de eletricidade, como é o caso de data centers e plantas de hidrogênio verde (combustível que é obtido através do processo de eletrólise empregando energia de fontes renováveis).
A secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, cita como exemplo o protocolo de intenções que foi assinado pela Scala Data Centers e o governo gaúcho. A empresa pretende construir um data center na cidade de Eldorado do Sul, que na sua etapa inicial já irá absorver um investimento direto de R$ 3 bilhões. Contudo, para um futuro mais distante, a ideia é mais ambiciosa, a da consolidação de uma verdadeira "cidade dos data centers", com a ampliação do serviço destinada, especialmente, ao mercado de Inteligência Artificial.
Essa expansão significaria uma demanda para atender à necessidade do complexo de cerca de 4,75 mil MW (suficiente para suprir toda atual demanda média de energia do Rio Grande do Sul). "O mundo, com o avanço da tecnologia, principalmente com a inteligência digital, vai precisar de muita energia e a questão política, econômica e ambiental focará nas capacidades de gerações limpas e renováveis para subsidiar esses grandes empreendimentos", prevê Marjorie.
Outra oportunidade vislumbrada pela secretária é a implantação de unidades de hidrogênio verde. "No momento que a gente tiver uma planta de hidrogênio, vamos ter muita demanda de energia", enfatiza a secretária. Ela frisa que o Estado tem um enorme potencial para aumentar sua capacidade de geração eólica onshore e offshore.
É possível aproveitar o hidrogênio para ações como armazenar e gerar energia por meio de células de combustível (em veículos de pequeno, médio e grande porte, como automóveis e caminhões), assim como pode servir como insumo para a produção siderúrgica, química, petroquímica, alimentícia e de bebidas e para o aquecimento de edificações. A partir do hidrogênio verde também é viável obter a amônia verde, usada pela indústria de fertilizantes.
No entanto, Marjorie faz a ressalva que não é em cinco anos que acontece uma transformação como a pretendida para o Rio Grande do Sul, através do hidrogênio verde e de um hub de tecnologia. "Mas, o caminho que a gente está construindo para a energia renovável vai dar condições para isso e muito mais", diz a secretária.
A secretária enfatiza que há a manifestação de interesse de grandes empreendimentos eólicos para se instalarem no Estado, como é o caso do projeto Três Divisas. Inicialmente com a previsão de ser implementado com uma potência de 810 MW, o complexo, que será construído em áreas dos municípios de Alegrete, Quaraí e Uruguaiana, reduziu a sua estimativa de capacidade instalada para 400 MW (o equivalente a cerca de 22% da potência das usinas eólicas em operação atualmente no Rio Grande do Sul). Mesmo assim, o investimento na iniciativa continua sendo robusto: R$ 3 bilhões.
De acordo com Marjorie, a energia eólica, como nesse caso, tem potencial para contribuir para o desenvolvimento de uma região que apresenta carência econômica, assim como conciliar sua operação com a atividade agrícola. Esse cenário é percebido mais acentuadamente no Centro-Oeste e Sul do Rio Grande do Sul. Ela recorda ainda que, recentemente, houve a revisão do zoneamento eólico do Estado, pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), que atualizou as fragilidades ambientais que precisam ser observadas no momento de implantação de uma estrutura eólica. "Precisamos de instrumentos para dar segurança e trazer investidores", assinala.
Aprovação do parque do Albardão pode limitar usinas em parte da costa gaúcha

Daniela destaca a importância do segmento de energia eólica offshore
/TÂNIA MEINERZ/JCA proposta debatida dentro do governo federal de criação de uma nova unidade de conservação chamada de Parque Nacional do Albardão (nome do farol construído no local há mais de cem anos) coloca em choque interesses de preservação ambiental e geração eólica offshore em parte da costa gaúcha. O parque, sendo efetivado, abrangerá cerca de 1,59 milhão de hectares em mar e 21 mil hectares em terra nas regiões de Santa Vitória do Palmar e Chuí, onde nas proximidades, pelo menos, cinco projetos offshore já buscam licenciamento no Ibama.
Para o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda, a materialização do parque é importante para preservar a rica e sensível biodiversidade da região, berçário de várias espécies marinhas que estão sendo impactadas pela pesca industrial e algumas já ameaçadas de extinção. "Cabe ressaltar que o estudo do parque levou em conta a possibilidade de existência de áreas de pesca artesanal de forma que possam coexistir em harmonia", salienta.
De acordo com o presidente da Agapan, o parque pode ajudar a promover uma economia ecologicamente sustentável na região, o que é muito positivo principalmente para as populações locais, preservando culturas, flora e fauna. Lacerda ressalta que mesmo a eólica sendo uma fonte renovável, isso não significa necessariamente que não apresente alguns impactos ambientais. Ele argumenta que quando é avaliada a questão climática, a fonte é uma das mais limpas durante a sua geração. No entanto, o dirigente frisa que a própria produção e instalação dos aerogeradores já proporcionam reflexos ambientais.
Particularmente quanto a empreendimentos eólicos offshore, Lacerda argumenta que, tendo todos os processos de licenciamento ambiental preenchidos e comprovando que não causará danos ecológicos a comunidades locais, não é contra esses complexos. "A gente precisa gerar energia limpa e a eólica é uma delas, mas com todo cuidado para não puxar o cobertor em uma ponta e faltar na outra, causando outro problema", reitera o dirigente.
Sobre a possibilidade de instauração do Parque Nacional do Albardão, a secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, considera que o assunto precisa ser submetido a mais consultas e discussões com os agentes envolvidos. Ela lembra que houve uma audiência pública sobre o assunto em 2023, porém, para a dirigente, ainda é uma questão que precisa de mais debate.
A secretária acrescenta que está sendo elaborado paralelamente ao tema o Planejamento Espacial Marinho (PEM), que busca detalhar as possibilidades de aproveitamentos da costa brasileira. A iniciativa é coordenada pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar e pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. "Então, nós não somos favoráveis ao avanço dos estudos para o Albardão, enquanto não tivermos os primeiros relatórios do PEM", argumenta Marjorie.
No entanto, a secretária salienta que é visto que há uma enorme riqueza ambiental envolvida no assunto, de espécies endêmicas (fauna e flora que ocorrem apenas em determinada região), assim como áreas de reprodução de pequenos tubarões. "Tudo é importante e, tecnicamente, a gente precisa cruzar essas 'importâncias' e como sociedade decidir como vamos fazer o melhor uso daquele espaço", comenta a secretária.
Assim como a instalação de parque eólicos no mar implica diferentes pontos de vista, o mesmo serve para a construção desses complexos em lagoas. Conforme informações preliminares do governo do Rio Grande do Sul, o potencial da Lagoa dos Patos para a geração eólica é de até 24,5 mil MW, enquanto as lagoas Mirim e Mangueira teriam capacidade, respectivamente, para 7,3 mil MW e 2,1 mil MW. A soma dessas capacidades significa cerca de dez vezes a demanda média de energia no Estado e implicaria um investimento de mais de R$ 70 bilhões.
Contudo, o presidente da Agapan alerta que é preciso ter cuidado antes de se avançar nessa área. "A gente tem que ter uma atenção muito especial com as comunidades tradicionais, com as comunidades de pesca, que usualmente já têm naquele espaço seu modo de sobrevivência", comenta Lacerda.
Ele salienta que é preciso colocar a vida em primeiro lugar, assim sendo, por mais que se queira sair de uma matriz energética baseada em elementos fósseis, e a eólica e a solar são bem-vindas para atingir esse objetivo, é preciso avaliar todos os impactos socioambientais gerados por todas as formas de energia. "Por isso precisa ter um licenciamento ambiental e estudos", reforça o dirigente.
Esse processo de liberação, sustenta Lacerda, precisa ser feito de forma muito clara, com a realização de audiências públicas e com a participação da sociedade. "Mas, com a intenção de fato de ouvir as comunidades, não só para cumprir uma agenda", salienta o presidente da Agapan. O dirigente ressalta que sempre foi importante a preservação ecológica, mas hoje a questão está mais presente em função do clima.
"As pessoas já estão começando a perceber que não é algo de cientistas malucos, na verdade a ciência vem se comprovando eficiente e os ecologistas apontam desde o início que a gente está destruindo o planeta e causando um desequilíbrio", assinala o representante da Agapan. Sobre a geração eólica em lagoas, Marjorie explica que o motivo de não ter ocorrido um avanço mais rápido nesse segmento foi o fato de que o zoneamento ambiental para a atividade eólica no Rio Grande do Sul não contemplar estudos nessas áreas. Assim, não era possível realizar os procedimentos de licenciamento, sem os detalhamentos da sensibilidade ambiental.
Marjorie informa que foi trabalhado um termo de referência, colocado em consulta pública, para saber o que precisaria ser avaliado quanto à possibilidade da implantação de aerogeradores em lagoas. De acordo com a secretária, o documento recebeu uma série de contribuições e logo deverá ser publicado. "Estamos na parte jurídica de como vai funcionar a concessão dessas áreas para potenciais empreendedores", assinala a dirigente. Ela acrescenta que, no momento em que se tenha um modelo de concessão palpável, será lançado um edital de interesse para algumas áreas em lagoas e a empresa interessada deverá proceder com os estudos que são prévios ao licenciamento e que demonstrarão se há viabilidade ou não de ir adiante com a iniciativa.
Marjorie ressalta que já foi apontando na consulta pública do termo de referência que nem toda a lagoa tem potencial eólico, somente algumas partes delas. Porém, a secretária admite que hoje a chamada nearshore (geração eólica em lagoa) não é a prioridade, mas sim catalisar o onshore no Estado.
Para a presidente do Sindienergia-RS, Daniela Cardeal, o segmento de eólica onshore é uma ferramenta importante para a reconstrução do Rio Grande do Sul, após a catástrofe climática que atingiu o Estado. Já as gerações nearshore e offshore, ela vê como possibilidades para o futuro, principalmente quando houver legislações consolidadas sobre esses assuntos.
Gargalo na transmissão impactou o desenvolvimento

Um dos focos do setor de energia no Rio Grande do Sul era a melhoria do setor de transmissão
/TÂNIA MEINERZ/JCO problema enfrentado atualmente pelo Nordeste, a limitação do sistema de transmissão local para escoar a produção de energia, já foi sentida no Rio Grande do Sul, no passado. Um conjunto de obras de transmissão no Estado cujo direito de implantação foi conquistado pela Eletrosul em 2014, mas que devido a dificuldades financeiras da estatal não foram adiante e tiveram que ser relicitadas, apenas foram totalmente concluídas em 2023.
Os projetos foram leiloados novamente em certame promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2018, divididos em quatro lotes (10, 11, 12 e 13). Na ocasião, foram inseridos ainda outros empreendimentos, além dos anteriormente vinculados à Eletrosul, formando o lote 14, abrangendo estruturas para ligar a malha de transmissão gaúcha à catarinense.
Todas essas iniciativas compreendiam 25 novas linhas de transmissão, com um total de cerca de 2,9 mil quilômetros de extensão, a implantação de dez subestações e a ampliação de 13 unidades dessa natureza.
A secretária do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado, Marjorie Kauffmann, confirma que no final da década passada um dos focos do setor de energia no Rio Grande do Sul era a melhoria do setor de transmissão. Ela frisa que, hoje, essa dificuldade está totalmente superada.
"Então aquela vanguarda inicial volta agora com a possibilidade de transmissão", aponta. Segundo Marjorie, essa é uma vantagem do Rio Grande do Sul sobre outros estados, mas que não deverá ser permanente, pois as outras regiões também deverão, futuramente, robustecer seus complexos de transmissão de energia.
O presidente da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura, Paulo Menzel, concorda que os parques eólicos gaúchos sofreram por um período com a falta de linhas de transmissão que possibilitassem o escoamento da energia do Rio Grande do Sul para outras regiões do País.
Para Menzel, o Estado ainda tem um enorme potencial a ser explorado no segmento eólico. "Mas, estamos aquém do que podemos efetivamente gerar", afirma o dirigente. Sobre o atual panorama para a geração através dos ventos, o representante da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura enfatiza que o preço da energia não está tão atrativo, o que retrai um pouco o investidor.
Além disso, ele cita que os leilões de energia (um dos mecanismos que viabiliza a comercialização da produção de novas usinas para satisfazer as necessidades das distribuidoras) estão escassos. "Faltam esses certames para que se tenha aquela sede de investimentos", reforça. Menzel comenta ainda que o próprio mercado livre também não está tão vantajoso.
Segundo o dirigente, hoje os empreendedores estão buscando agregar fontes de receitas à operação dos parques eólicos como, por exemplo, créditos de carbono e produção de hidrogênio verde. Com esses acréscimos de recursos, a ideia é tornar os novos complexos rentáveis e atrativos.
No entanto, o integrante da Câmara Brasileira de Logística e Infraestrutura ressalta que o mercado (valor da energia) é que determinará a fonte que será contratada e os lugares onde serão instaladas as usinas. Como o sistema elétrico brasileiro é interligado, ele argumenta que a energia para abastecer estados que apresentam grande consumo no País, como os localizados nos Sul e Sudeste, podem ser localizados no Nordeste, se tiverem competitividade. Mas ele indaga quanto essa situação significaria em gastos com as redes de transmissão. "Tudo é conta, planilha de fluxo financeiro ao longo de 25 a 30 anos que é a duração de um parque eólico ou uma usina solar", destaca.
Sobre energia eólica offshore, Menzel salienta que o Rio Grande do Sul também tem um enorme potencial nessa área. Entretanto, ele faz a ressalva que as possibilidades nas lagoas, como a dos Patos e a Mirim, nem foram exploradas ainda. "Porque vamos fazer lá no mar, se aqui dentro é zero a exploração disso e nós temos grandes potenciais aqui", questiona o dirigente. Menzel defende que é preciso ter foco no que está mais perto e representa menores custos.
Por sua vez, o diretor de Novos Negócios da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Marcello Cabral, destaca que o Rio Grande do Sul é o quinto maior gerador de energia eólica do Brasil. Conforme o dirigente, trata-se de um estado que investe em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias e em capacitação. Os ventos locais, acrescenta Cabral, também são de qualidade para a produção desta fonte de energia, ou seja: ventos fortes e constantes.
"No entanto, falhas de planejamento levaram a ausência de redes de transmissão suficientes no Estado, o que fez com que não pudesse comercializar energia nos leilões ocorridos nos últimos anos", recorda o dirigente. Sobre a possibilidade de o crescimento da energia solar roubar espaço da geração eólica, o representante da ABEEólica argumenta que a demanda por energia elétrica no Brasil tende a aumentar e deverá haver espaço para todas as fontes. "Contudo, o crescimento da geração distribuída solar tende a capturar boa parte do incremento da demanda por energia em razão dos baixos custos dos componentes importados da China e de subsídios oferecidos para essa fonte", finaliza Cabral.
* Jefferson Klein é repórter do Jornal do Comércio, formado pela Pucrs. Acompanha o setor de logística desde 2001. Em 2019, concluiu o curso “El periodista de la era digital como agente y líder en la transformación social”, do Centro Tecnológico de Monterrey, no México. Como repórter, já recebeu prêmios como o Press, Cooperativismo Gaúcho de Jornalismo e Setcergs.