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Publicada em 29 de Setembro de 2024 às 16:00

Mudança de status da febre aftosa ainda gera polêmica

Defensores do status apontam abertura de novos mercados e possibilidade de alavancar exportações

Defensores do status apontam abertura de novos mercados e possibilidade de alavancar exportações

/Seapi/Divulgação/JC
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Ana Esteves, especial para o JC
Ana Esteves, especial para o JC
Há quatro anos, o Rio Grande do Sul suspendeu a imunização contra febre aftosa nos seus rebanhos e passou ser considerado como área livre da doença sem vacinação. A mudança de status até hoje divide opiniões: muitos falam em ganho zero e exposição dos animais a uma doença que pode trazer graves prejuízos econômicos ao Estado. Outros defendem a medida com unhas e dentes pelo resultado positivo que trouxe, com abertura de novos mercados e possibilidade de alavancar exportações. O medo de que a doença volte e se repita a tragédia de Joia, quando quase 17 mil animais precisaram ser sacrificados, divide espaço com a total confiança no serviço de vigilância do Estado e a certeza de que mais mercados serão abertos para a carne gaúcha.
 

Mudança de status da febre aftosa traz benefícios, mas ainda é preciso avançar

Setor de suínos é um dos que mais investiu e está trabalhando no sentido de ampliar o número de estabelecimentos abatedores em condições de participar do mercado internacional

Setor de suínos é um dos que mais investiu e está trabalhando no sentido de ampliar o número de estabelecimentos abatedores em condições de participar do mercado internacional

/Wenderson Araujo/Trilux/CNA/JC
O ano de 2024 é emblemático no que diz respeito ao tema da Febre Aftosa no Rio Grande do Sul: são 24 anos da tragédia de Joia, quando um foco da doença levou a pecuária gaúcha para o fundo do poço e quatro anos da mudança de status sanitário para livre sem vacinação, reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Dois momentos extremos, completamente opostos e que suscitam polêmica até hoje. Mas, afinal, suspender a vacina trouxe mesmo vantagens econômicas para os rebanhos gaúchos, ou apenas deixou milhares de cabeças de diferentes espécies ainda mais vulneráveis?
O sócio e coordenador regional da Safras & Cifras consultoria agropecuária, Alessandro Acosta, diz que, na prática, não observa ganho real com a mudança de status. "Nós não temos nenhum resultado prático de influência positiva da mudança de status no Estado. Não vemos melhora, pelo contrário, temos um cenário da pecuária no Estado bastante apertado em todos os segmentos, seja na terminação, cria, recria e engorda, está bem desafiador para o pecuarista", afirma o especialista. Dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços sobre as maiores variações absolutas nas exportações do Estado em 2022-2023 colocam a carne bovina como o produto que mais apresentou queda no período: redução de 33,8% US$ FOB (free on bord, na tradução, que significa que o exportador é responsável pela mercadoria até ela estar dentro do navio, para transporte, no porto indicado pelo comprador) de US$ 442,9, em 2022, para US$ 293,3, em 2023.
O economista da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, diz que sempre foi contra a retirada da vacina, pois acredita que o risco é imenso para um ganho muito discutível. "Sempre dou o exemplo: eu gostaria de pular de paraquedas, mas aí eu olho o risco. A vista do alto deve ser linda, mas eu não me sinto à vontade me atirando no avião. É um risco muito alto para um retorno muito baixo", compara.
Para o vice-presidente técnico da Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), José Arthur Martins, o mercado de carne suína e, na carona dele, o de aves foram os que se beneficiaram primeiro com a mudança de status, com a vinda de missões internacionais interessadas nesse tipo de proteína. "Abriram mercados importantes como Filipinas e Chile. São setores que têm escala e conseguem abastecer os mercados", diz Martins. A expectativa do setor suinícola agora é iniciar exportações de miúdos e carne suína com osso para a China. Dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) demonstram que os embarques de carne suína, produtos processados e in natura cresceram 13,6% em agosto deste ano, se comparado ao mesmo mês do ano passado. Foram exportadas 26 mil toneladas, contra 22,5 mil em agosto de 2023.
Para o dirigente, o caso da bovinocultura de corte é um pouco mais difícil, por ser uma cadeia de mais longo prazo e por não ter escala para exportar. "Esse é o grande nó: vamos supor que nos peçam dois contêineres por semana a gente tem? Não". Segundo ele, essa dificuldade está relacionada ao ciclo produtivo da atividade que é muito longo: desde o momento em que a vaca é inseminada demora cerca de 500 dias até o terneiro ter idade para abate e, por isso, fica difícil ter previsibilidade sobre por quanto o produtor vai vender o seu produto. "As propriedades rurais estão cada vez menores e é preciso ser cada vez mais eficiente, ter ganho em produtividade e ela ainda segue muito baixa no Estado. Além disso, a soja invadiu áreas enormes que eram de pecuária", completa Martins.
Sobre o risco de focos de aftosa no Estado, o especialista diz que "correr risco é intrínseco à atividade pecuária" e que acredita fortemente na competência do sistema de vigilância animal do Estado. "A vigilância evoluiu muito e está bem preparada para realizar operações, especialmente nas fronteiras do Estado. Hoje, temos condições de resposta muito mais eficiente e rápida, está absurdamente mais seguro, mais tecnologia, mais equipamentos. Vide o foco de Newcastle que apareceu recentemente e mataram o foco em dez dias", pondera.
 

Principais destinos das exportações do Rio Grande do Sul (2023)

/Reprodução/JC
Vietnã 46,1%
China 14,6%
Argentina 13,2%
Estados Unidos 7,2%
União Europeia 5,5%
México 5,5%
Uruguai 4,9%
Paraguai 4,5%
Demais destinos 8,3%
Fonte dos dados brutos: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Brasil, 2024)
 

Cortes de carne têm que buscar valorização

Abertura de novos mercados para a carne bovina produzida no Rio Grande do Sul precisa de estratégias definidas

Abertura de novos mercados para a carne bovina produzida no Rio Grande do Sul precisa de estratégias definidas

/RONALDO SCHEMIDT/AFP/JC
A atração de novos mercados para aquisição de carne bovina produzida no Rio Grande do Sul vai muito além da suspensão da vacinação do gado para febre aftosa: passa por uma estratégia de valorização dos cortes gaúchos pelo diferencial produtivo que apresentam, se comparados com o restante do País e também pela superação da crise que o setor enfrenta. É o que defende o economista da Farsul, Antônio da Luz.
"Precisamos de reposicionamento de marca. Dou como exemplo as Havaianas: quando eu era criança, ninguém queria usar. Hoje viraram peças de luxo". O economista diz que existe um diferencial muito grande na nossa carne pela forma que o gado aqui é criado, na maioria dos casos, a campo. Para ele, está faltando um trabalho de marketing para conseguir entrar com essa carne em outros mercados, até dentro do Brasil com um preço diferenciado.
Além da questão da dificuldade de se colocar de forma competitiva no mercado, o setor pecuário de corte enfrenta uma crise séria que se estende por anos. O sócio e coordenador regional da Safras & Cifras consultoria agropecuária, Alessandro Acosta, diz que os números da pecuária gaúcha estão bem complicados, especialmente por questões de preço e de comercialização. "Não é baixa produtividade ou alto custo e o que impacta é diretamente o preço de comercialização. E essa questão de nos diferenciar em função da aftosa é algo que se espera há muito tempo, não só em função desse fator, mas pelo padrão da carne que a gente produz hoje. E não conseguimos um valor agregado para essa carne de mais qualidade".
Para ele, o que está dificultando a pecuária aqui no Sul hoje é a concorrência desleal com a produção em larga escala do Centro-Oeste, cujos produtos entram no nosso mercado e derrubam os preços aqui. Sobre a questão da concorrência, o economista da Farsul fez um exercício: foi no supermercado em Porto Alegre e tirou fotos do preço da carne de um frigorífico gaúcho e o preço da carne do frigorífico de Rondônia que estava com o preço 30% mais barato.
"Esse animal foi abatido em Rondônia, os preços lá não eram mais baratos que para o gaúcho, o preço da matéria prima é o mesmo. Então como é que esse cara consegue chegar aqui competitivo, com um animal abatido, fazendo 2.500 km de estrada até chegar ao Rio Grande do Sul?" Acosta acrescenta que o momento é de romper esse ciclo de baixa da pecuária para depois conseguir agregar valor ao produto e se posicionar no mercado de uma forma mais agressiva.
Para o vice-presidente técnico da Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raça (Febrac), José Arthur Martins é preciso considerar a qualidade da carne gaúcha, pelas raças britânicas e continentais as quais deveriam ter valor de mercado maior, e o produtor receber mais.
"Mas, no momento em que entrou no contêiner mistura com carne de zebu e deixa de ser carne gaúcha. Tinha que buscar mecanismos para carne de boutique, pois é diferenciado e melhor. Tem que ser mais caro. Ainda não chegamos nesse ponto, precisaríamos de um trabalho de marketing e diferenciação e resolver a questão da escala, com aumento de produtividade. O ideal seria embarcar carne gaúcha no contêiner do Uruguai e Argentina, mas aí envolve outras questões diplomáticas", finaliza.
 

Vigilância e fiscalização são intensificadas em áreas de risco

Estratégias preventivas buscam manter a condição de zona livre da doença

Estratégias preventivas buscam manter a condição de zona livre da doença

/Seapi/Divulgação/JC
A retirada da obrigatoriedade da vacina contra a febre aftosa no Estado fez com que o serviço de vigilância e defesa sanitária animal da Secretaria Estadual da Agricultura (Seapi) intensificasse ainda mais o trabalho de fiscalização com base no Programa Nacional de Vigilância para a Febre Aftosa (Pnefa-RS). A meta é manter a condição sanitária de zona livre da doença, por meio de estratégias preventivas contra o reingresso do vírus e a infecção dos animais suscetíveis.
A coordenadora estadual do programa, médica-veterinária, Grazziane Maciel Rigon, afirma que o trabalho de prevenção é realizado com base em análises técnicas e científicas contínuas para a identificação das vulnerabilidades e para a implantação de procedimentos normativos e técnicos e adoção de procedimentos para monitoramento da condição sanitária dos rebanhos.
Ela conta que os esforços são direcionados para áreas com maior risco de introdução ou disseminação da doença, com a intensificação da vigilância na fronteira, realização de barreiras sanitárias através do Programa Sentinela, além da visitas a propriedades, de uma maior capacitação técnica do quadro de servidores, e da realização da chamada vigilância passiva, na qual o produtor envia notificações sobre casos suspeitos.
Na prática, o Ministério da Agricultura determina um percentual de visita a 2% do total das propriedades do Estado, em torno de seis mil propriedades por semestre, localizadas nas áreas de maior risco de introdução e disseminação da doença, especialmente em regiões de fronteira. "Nas visitas fazemos ações de educação sanitária com os produtores em relação à enfermidade: o que é a doença, sintomas, a importância da notificação e também faz uma questão de um acompanhamento da situação de biosseguridade das propriedades", informa a médica-veterinária.
Segundo ela, é observada a questão do cercamento do perímetro da propriedade, se ela tem porteira aberta, fechada, se tem algum tipo de aviso que não é permitida a entrada de pessoas estranhas. É feita uma orientação da importância desse manejo de biosseguridade, de evitar utilizar pastagens comunitárias ou emprestadas, pedir reprodutores emprestados, a importância de ter uma área de isolamento para animais que forem recém adquiridos.
"Também se conversa a respeito da importância de não alimentar suínos com restos de alimentos. Que essa é uma forma de transmissão da doença. Sobre a importância da desinfecção dos locais e de limitar o acesso de veículos à propriedade, principalmente caminhões", explica.
Ela acrescenta que, desde que foi retirada a vacina, foram feitas muitas notificações por parte de produtores, fato considerado positivo pelas autoridades sanitárias. "As notificações elas sempre ocorrem e o Estado vê isso como positivo. Elas demonstram que o produtor está atento, sabe reconhecer. Lembrando que a Aftosa é uma doença que não tem como esconder", afirma.
A partir do momento que é feita uma notificação a fiscalização vai até o local, faz toda a investigação necessária para descartar ou confirmar a suspeita. São, em média, 20 notificações por ano. Segundo a especialista, com a globalização e o trânsito de pessoas é muito fácil importar o vírus, especialmente de países da Ásia e da África.
Dos países vizinhos, tanto Uruguai quanto Argentina não houve nenhuma suspeita também, mas existe certa insegurança em relação à Venezuela. "Tem um status desconhecido. Então a gente não sabe o que que acontece ali dentro. É o nosso único ponto de interrogação".
 

Animais babando e mancando são os principais sinais de alerta para o produtor

O primeiro passo para identificar uma doença é saber de que maneira ela se manifesta. No caso da febre Aftosa não é diferente: os principais sinais de alerta para os produtores são animais mancando ou babando, uma vez que as lesões ocasionadas pela doença se concentram na boca e nos cascos. "Os sintomas, em geral, duram de 10 a 14 dias e o animal se restabelece. São principalmente feridas em forma de bolhas muito doloridas na boca e nas patas, além de febre por um, dois dias. Os animais doentes salivam, têm dificuldade de comer, falta de apetite, começam a mancar e podem perder os cascos, muitas vezes relutam em levantar", diz a médica-veterinária, Grazziane Maciel Rigon.
Trata-se de uma doença grave ocasionada por um vírus gênero Aphtovirus, sendo altamente transmissível e contagiosa que ocorre em bovinos, suínos, ovinos e caprinos, que são animais que têm casco bipartido. A Aftosa leva a perdas produtivas significantes, de carne, de leite. Os animais raramente morrem, com exceção de animais muito jovens. E os animais que têm perdas nunca mais conseguem retornar àquela produção que tinham anteriormente. "Eles podem se contaminar por contato com outros animais doentes, mas também nós mesmos podemos levar o vírus: nas nossas roupas, nossos sapatos, nos carros, caminhões que tiveram em locais contaminados também. Em outros materiais, como o leite, fezes, ração, tudo isso é possível de carrear o vírus", explica Grazziane. O produtor tem que ficar atento e caso ele enxergue essa sintomatologia é importante que ele comunique a Inspetoria Veterinária para que os técnicos possam ir até o local e fazer toda a investigação que for necessária. A inspetoria disponibiliza o Whatsapp (51) 9844-52033 para que sejam feitas as notificações. 
 

Cronologia da Aftosa no Brasil e no Rio Grande do Sul

  • A febre aftosa foi detectada na Itália em 1514.
  • No Brasil, o primeiro registro da doença foi em 1895, no Triângulo Mineiro.
  • O vírus causador da febre aftosa foi o primeiro vírus de animais a ser descoberto, em 1897, por Friedrich Loeffler.
  • O ciclo de vacinação de bovinos e bubalinos contra a febre aftosa no Brasil começou há mais de 50 anos.
  • Em agosto de 2000 foram detectados 22 focos de febre aftosa no Estado, sendo 19 em Joia, e outros três nos municípios de Eugênio de Castro, Augusto Pestana e São Miguel das Missões.
  • Em maio de 2001 foi confirmado novo foco de febre aftosa em Santana do Livramento.
  • O último registro da doença no Brasil ocorreu em 2006.
  • Em 2020, o Rio Grande do Sul foi reconhecido como zona livre de febre aftosa sem vacinação pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
  • Em 2021, o novo status do Estado teve reconhecimento internacional da Organização Mundial para a Saúde Animal (OIE).

Zona livre sem vacinação impõe desafios aos produtores

Kerber diz que o mercado externo tem funcionado como um motivador

Kerber diz que o mercado externo tem funcionado como um motivador

/Rogério Kerber/Arquivo Pessoal/JC
Rogério Kerber, presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), fala sobre os desafios e obstáculos até chegar ao status de zona livre sem vacinação e dos benefícios que o reconhecimento desse novo momento da pecuária no Estado trouxe, especialmente para a suinocultura gaúcha.
Empresas & Negócios - Fale um pouco sobre o caminho trilhado até chegarmos ao status de zona livre sem vacinação.
Rogério Kerber - Foi uma longa caminhada antes de suspender a vacinação e, depois da suspensão e do reconhecimento internacional, se iniciou outra que é a visita de países compradores de proteína, dentre as quais a carne suína. Tivemos alguma dificuldade, porque coincidentemente ocorreu na época da pandemia de COVID-19 e dificultou a vinda das missões. Felizmente, no final de 2022, em 2023 e agora no primeiro semestre de 2024 ocorreram várias missões, entre elas a República Dominicana, Chile. Um grande mercado que se abriu foi o das Filipinas e já aumentaram os embarques: no mês de julho foram embarcadas 30 mil toneladas de carne suína do Estado, em agosto foi 26 mil.
E&N - Existe a expectativa de incrementar as exportações para a China. Como deve funcionar e em que pé estão as tratativas?
Kerber - Agora em novembro, ocorrerá a visita do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil e a nossa expectativa é de que ocorra o anúncio do reconhecimento do Rio Grande do Sul e do Paraná como áreas livres de febre aftosa sem vacinação. Esse processo é muito importante, pois embora o Rio Grande do Sul já embarque carne suína para aquele mercado, terá a oportunidade de exportar miúdos e carne com osso para a China. Estima-se que com essa medida o Estado passe a ter uma receita superior a US$ 100 milhões anuais. O Rio Grande do Sul é o Estado que tem o maior número de plantas habilitadas, são oito, para exportar para a China, seguido por Santa Catarina com sete. O Paraná não tem nenhuma planta habilitada.
E&N - E sobre novos mercados conquistados após a mudança de status? Quais já estão efetivamente comprando carne suína gaúcha e quais estão em prospecção?
Kerber - No mês de junho deste ano, ocorreram os primeiros embarques de carne suína para as Filipinas, volumes inclusive acima da China. Trata-se de um mercado crucial, podendo ser o segundo maior comprador em 2024. Em 2023, o país já havia sido o terceiro maior mercado, com mais de 126 mil toneladas exportadas. O Chile não tinha reconhecido, fez uma missão, estamos habilitados para aquele mercado, assim como Santa Catarina e já realizaram compras do Estado também. O que se espera é que tenha ainda condições de habilitar o México, Canadá, Coreia e Japão mercados em potencial. A Coreia já esteve no Rio grande do Sul, mas só habilitou para bovinos, pois a carne suína não estava no escopo da missão. Mas estamos trabalhando para que uma missão venha para auditar o sistema de defesa com vistas ao reconhecimento. É importante frisar que, embora o status seja reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), os países fazem missões com vistas a uma habilitação individual.
E&N - O que se percebe é um aumento da demanda externa por carne suína. O Rio Grande do Sul tem escala para atendê-la?
Kerber - Temos condições sim, alto volume de produção.
E&N - E como foi a cronologia dos fatos até chegar no status de livre sem vacinação?
Kerber - Em 1998, o Rio Grande do Sul teve um momento de reconhecimento como área livre de febre aftosa com vacinação. Em 2000, caminhou junto com Santa Catarina, no sentido de ser reconhecido como área livre sem vacinação, inclusive chegou a suspender a vacinação, mas não foi reconhecido como área livre sem vacinação porque ocorreu o evento de febre aftosa em Joia. Em 2001, ocorreu aftosa na fronteira. Aí o Rio Grande do Sul deu um passo atrás, voltou a vacinar. E desde aquela época, se desenvolveu um trabalho para que o Estado conseguisse condição sanitária favorável que permitisse aos setores produtivos a tomada de decisão de retirar a vacinação. Foi uma caminhada longa que coincidiu com a instituição do Fundesa que trabalhou sempre com essa diretriz de ter um sistema de defesa sanitária animal fortalecido, eficiente, a permitir a tomada dessa decisão.
E&N - E qual foi o papel do Fundesa nesse cenário de busca pela retirada da vacinação?
Kerber - Foi no sentido de fortalecer o sistema de defesa sanitária. E para isso houve um trabalho muito efetivo que diz respeito ao controle de fronteiras, a estruturação, inclusive se trabalhou no sentido de informatizar todo o sistema de defesa e está se alcançando. Nós ainda temos algumas questões que não estão informatizadas, mas até o final de 2025, o sistema de defesa sanitária animal do Rio Grande Sul, literalmente e na sua totalidade, os seus procedimentos serão informatizados em tempo real, via web, e esse foi o grande trabalho. E outra coisa que também, nesse meio tempo, se trabalhou muito fortemente, foi apoiando parcerias com a Secretaria da Agricultura, através de convênios, com a Universidade da Carolina do Norte, com a Universidade de Santa Maria, com a Ufrgs, que propiciaram um avanço no que diz respeito à capacitação, o treinamento dos técnicos do serviço veterinário oficial e privado, com ferramentas novas, não só da suinocultura, mas todas as atividades de produção de proteína animal.
E&N - Há quem diga que só quem se beneficiou com a retirada da vacina foi a suinocultura e a avicultura, que bovinocultura de corte não teve os benefícios esperados e não só isso, ficou suscetível a um novo episódio como de Joia. Qual sua opinião sobre isso?
Kerber - Nós entendemos um pouquinho diferente. Efetivamente a suinocultura se beneficiou porque trabalhou para isso. E não só a suinocultura, mas a economia do Rio Grande do Sul se beneficiou com essa condição do Rio Grande do Sul ter um status sanitário diferenciado. Isto é uma referência internacional. O que tem que ser indagado é por que a pecuária de corte não se beneficiou? Está preparada? Está querendo participar do mercado internacional? Pois tem que ter vontade, tem que querer e tem que trabalhar para isso. As missões dos países não vêm aqui por livre e espontânea vontade, são provocados. Tem que se apresentar, se colocar em condições de querer conquistar esse mercado. A pecuária de corte tem um ponto muito importante e pode sim, no futuro próximo, ter benefícios pois a carne é produzida a partir de raças europeias, diferente da carne produzida no Brasil Central, que é de raças zebuínas. Agora nós temos que ter estabelecimentos abatedores em condições de participar do mercado internacional. Além disso, o nosso balanço de oferta e demanda de carne bovina é negativo. O setor de suínos, sim, buscou, trabalhou, investiu e está trabalhando no sentido de ampliação. E há esses mercados aí constantemente.
E&N - E quais os reflexos do novo status na indústria e nas granjas que a abastecem?
Kerber - Foram várias iniciativas, desde o uso consciente de antibióticos, que é um dos três pilares do desafio da produção, foco em bem-estar animal, instalações novas. Além disso, tem atenção com relação a material genético, sempre melhorando a qualidade, programas nutricionais diferenciados, essa é uma preocupação constante hoje e nem poderia ser diferente. A partir dessa condição de área livre sem vacinação o setor teve uma percepção nova sobre o sistema produtivo, a partir da vinda das missões, desse intercâmbio de informações. O mercado internacional tem sido um motivador, um ponto de referência e não se está produzindo qualidade só para o mercado internacional. Todo o setor produtivo se eleva ao longo do tempo e, evidentemente, o consumidor brasileiro também tem ganhos.
 

*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela UFRGS.

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