Lívia Araújo, especial para o JC*
Com a obtenção de certificações nacionais, incentivos emergenciais e um trabalho sustentado de promoção e conscientização, os queijos artesanais gaúchos, como o colonial e o serrano, além de variedades autorais de diferentes regiões do Rio Grande do Sul, vêm obtendo reconhecimento e estão conseguindo ampliar mercados. Para isso, pesquisa, curiosidade e confiança em sabores diferenciados.
Gomes diz que ter apenas a inspeção municipal acaba restringindo muito o mercado para os produtores
Samuel Boff/Divulgação/JCQueijo colonial. Queijo serrano. Mas também caravaggio, oliva, pampeano, siciliano, madrugueiro e lagüero. Se os dois primeiros são mais conhecidos das mesas dos gaúchos há muitas gerações, acompanhando lanches e aperitivos e conferindo um gosto de nostalgia, sabor e aroma marcantes a quem tem saudade do Interior, esses outros nomes, ainda desconhecidos, podem um dia se tornar tão referenciais no Estado quanto os termos emmental, reblochon, gouda e parmesano podem ser em seus respectivos países.
Esse é o sonho de muitos dos cerca de 150 produtores de queijo artesanal do Rio Grande do Sul, segundo dados da Associação Gaúcha de Laticínios e Laticinistas. São agroempreendedores que vêm investindo em pesquisa, produção e distribuição. Junto com um contato mais próximo ao público, para sanar dúvidas e atiçar o paladar e a curiosidade com sabores diferenciados, esses empreendedores rurais estão conseguindo ampliar o alcance de seus produtos e até conquistar prêmios nacionais e internacionais, fazendo frente à principal concorrência no segmento: os queijos artesanais de Minas Gerais, que têm nove variedades reconhecidas e expertise em processos de fabricação.
Diversos fatores dão força a esse movimento. Um deles é a cobiçada obtenção dos selos Arte - voltado a produtos artesanais em geral e estabelecido em 2019 -, e Queijo Artesanal, que teve início em 2022. São essas duas certificações que têm aberto as portas do mercado nacional aos queijos gaúchos.
Atualmente, de acordo com o Cadastro Nacional de Produtos Artesanais do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), dos 128 produtos gaúchos que possuem o selo Arte, 70 são de queijos, produzidos e comercializados por 32 laticínios no Rio Grande do Sul.
"Sempre houve um gargalo para que esses produtos tivessem um alcance nacional e mesmo estadual. Muitas queijarias estão hoje somente na inspeção municipal, e isso limita o comércio ao próprio município, o que, claro, acaba restringindo o mercado", explica o médico veterinário Danilo Cavalcante Gomes, diretor técnico da AGL.
A entidade, junto com outras instituições como o Sebrae-RS, a Emater-RS/Ascar, e a Federação das Cooperativas Agropecuárias do RS (Fecoagro), vem promovendo diversas frentes para valorizar produtores e seus itens, além de pressionar para uma legislação mais inclusiva e amigável. "Sempre reforçamos a importância dessas queijarias, dessas pequenas agroindústrias, para o desenvolvimento rural do Estado e a permanência dessas pessoas no campo, que estão há gerações produzindo queijos", reforça Gomes.
Uma das iniciativas aconteceu na primeira semana de setembro, com a Feira das Queijarias Gaúchas, na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. O evento trouxe os produtos de 19 empresas do segmento de todo o Estado, e rendeu uma surpresa positiva: foram vendidos R$ 115 mil em queijos, número acima do esperado pela AGL.
Outros movimentos, ainda que em decorrência da calamidade das enchentes, também ajudaram a dar impulso para a ampliação do mercado dos queijos artesanais. Um foi uma ação da própria AGL, que enviou um lote de 3,5 toneladas de queijo produzidas por 25 pequenas agroindústrias, com destino a 50 lojistas de 12 estados e do Distrito Federal. Devido à interrupção das vendas em feiras e lojas do Estado a partir da calamidade de maio, os produtores relataram ter, à época, pelo menos nove toneladas de queijo em estoque. Já o Sebrae-RS organizou uma força-tarefa que resultou na obtenção de 32 novos selos Arte para 12 produtores do Estado.
Ambas as movimentações puderam ocorrer graças a um pleito do Estado atendido pelo governo federal que, em 15 de maio, publicou uma portaria que autorizou no País o ingresso e comercialização de produtos de origem animal do Rio Grande do Sul, em caráter emergencial, durante um período de 90 dias.
O esforço vem rendendo recompensas, garante Gomes. Se no ano passado as queijarias gaúchas obtiveram 56 medalhas - 15 de ouro, 24 de prata e 17 de bronze - na 6ª edição do Prêmio Queijo Brasil, realizado em Blumenau, neste ano, as conquistas foram maiores, com 83 medalhas, sendo 20 de ouro, 40 de prata e 23 de bronze.
Para valorizar o leite fornecido pelos produtores do Estado, o governo publicou, em abril, ainda antes da enchente, um decreto que proíbe, a partir de 2025, a concessão de benefícios fiscais a empresas que utilizam leite em pó ou queijo importados em seu processo industrial. Segundo dados da Receita Estadual, 54% do leite integral em pó adquirido no Rio Grande do Sul entre março de 2023 e fevereiro de 2024 foi importado. A iniciativa visa justamente fortalecer o mercado leiteiro gaúcho, indiretamente valorizando o leite fornecido por produtores locais.
No caso das indústrias de maior porte, o setor vive um aumento do parque industrial relacionado à produção de queijos, de acordo com Darlan Palharini, presidente do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat). "Precisamos vender 60% de nossa produção e escoar para fora do Estado. Então, é fundamental que o governo gaúcho conceda algum benefício ou faça a equiparação aos incentivos que outros estados concedem. Isso traz algumas vantagens que compensam um pouco a competição com outros estados produtores", avalia.
Proruto colonial artesanal precisa de boas práticas e origem definida
Alimento é fabricado a partir da coagulação do leite cru ou pasteurizado
Seapdr/Divulgação/JCPara ser considerado artesanal, o queijo precisa ser registrado em um serviço de inspeção, a matéria-prima ser própria ou de origem determinada, o processo ser feito por quem o domina. No caso do Selo Arte, sua obtenção envolve, além do cadastro em um serviço de inspeção, um relatório oficial comprovando o atendimento às boas práticas agropecuárias, e um memorial descritivo do produto com suas características, inscritas no órgão de inspeção estadual onde o produtor solicitou o selo.
Segundo a definição da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), o queijo colonial artesanal é fabricado a partir da coagulação do leite cru ou pasteurizado, por meio do coalho ou outras enzimas coagulantes apropriadas, complementada ou não pela ação de bactérias lácteas específicas. Ele é classificado como um queijo gordo, de média e alta umidade, com consistência semidura, elástica, de textura compacta (lisa ou fechada); a cor é branca ou amarelada; o sabor é característico, ligeiramente ácido ou picante; e o odor é agradável, pronunciado com o grau de maturação.
Queijaria de Barra do Quaraí cultiva características do 'terroir' da fronteira
Mariana Rosa, Paulo Ceratti e a filha Olívia buscaram no campo um novo sustento para a família
Mariana Rosa/Divulgação/JCFoi uma "crise existencial" que levou uma estilista e um publicitário a abandonarem uma carreira bem consolidada em Porto Alegre e se voltassem para Barra do Quaraí, na tríplice fronteira entre Brasil, Uruguai e Argentina, para viver exclusivamente da produção do leite de vacas da raça Jersey, e fazendo queijos em um processo totalmente inverso ao industrial.
Exatamente dessa maneira nasceu, em 2019, a Canto Queijaria, de Paulo Ceratti e Mariana Rosa, especializada na produção de queijos "de origem", com base na fermentação e maturação de leite cru e um manejo do gado baseado totalmente nas características naturais do "terroir" da fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. "O Paulo é de Uruguaiana, e nasceu e se criou aqui nesta propriedade. Os pais e o irmão dele produziam leite bruto e venderam para a indústria por mais de 40 anos", contextualiza Mariana.
De Porto Alegre a Barra do Quaraí, porém, o casal fez uma rota, a partir de 2014, que passou por Nova York, Belo Horizonte e São Paulo, e que no início ainda não envolvia a opção pela vida no campo. "Em Nova York, a ideia era de encontrar uma luz de mudança a partir das nossas áreas de formação. Lá, estava rolando um movimento muito forte de aproximação entre o campo e a cidade: jovens como nós, dos arredores da cidade, estavam produzindo itens artesanais de muita qualidade, e vendendo eles mesmos em feiras e eventos", recapitula.
A dinâmica acendeu uma luz no casal. Quando ambos foram morar em Belo Horizonte, ainda trabalhando em seus segmentos, Mariana conta que a paixão foi imediata. "Não à toa, caímos na terra do queijo artesanal brasileiro, e começamos a visitar as regiões produtoras do estado."
Mariana e Paulo ainda passaram uma temporada em São Paulo, mas o nascimento da filha Olívia, que veio durante essa estada, reforçou ainda mais a vontade de buscar um ambiente saudável e menos frenético, consolidando a ideia de Paulo de voltar às origens. Assim, na capital paulista, o foco se voltou para também "gestar a Canto", colocando nome, marca, conceito, e buscando a formação nas técnicas de produção, o que qualificou. Todo esse processo, narra Mariana, durou quatro anos, até o estabelecimento da queijaria, em 2019.
O investimento inicial da empresa, relembra a produtora, foi de exatos R$ 250 mil. "Foi a grana do apartamento que vendemos em Porto Alegre para erguer a casa, o tanque, toda a estrutura da queijaria. Nosso pensamento era: 'a gente precisa conseguir tanto, senão, o negócio não sai'. Foi bem assim."
O resultado do trabalho é uma produção diária de cerca de 300 litros de leite, o que resulta em 30 kg de queijo, cinco dias por semana. "Construímos a Canto do ladinho da ordenha. Recebemos o leite direto da teta da vaca para dentro do tanque, e já começa a processar."
Nessa dinâmica, a queijaria trabalha com três rótulos que chama de "perenes", pois têm mais apelo comercial junto ao principal público da Canto: restaurantes, hotéis e empórios, que representam 60% do fornecimento da empresa. Uma vez por mês, conta Mariana, o marido também produz uma edição especial cruzando a produção com ingredientes característicos da região, como erva mate e defumação de casca de laranjeira, entre outros.
Os rótulos fixos foram batizados de pampeano, madrugueiro e legüero. O primeiro passa por 60 dias de cura, tem massa untuosa (com mais gordura) e casca lavada manualmente em salmoura, gerando uma peça de cerca de 300g que remete à variedade francesa reblochon; o segundo é um queijo mais leve e macio, considerado a variedade "de entrada" junto ao público; e o terceiro é inspirado nos suíços, resultado de cinco meses de maturação que gera peças de 14 quilos.
Além da venda para pessoa jurídica, a Canto também trabalha com a venda direta, com um pacote mensal anunciado via redes sociais, que conta com os rótulos fixos da marca e edições especiais limitadas. A modalidade, segundo Mariana, representa atualmente 25% do faturamento da queijaria, e vem ampliando sua participação.
É também pelas redes sociais, além da participação em feiras e eventos, que o casal realiza um trabalho de educação e conscientização do público a respeito dos queijos produzidos com leite cru. "O queijo artesanal, de origem, ainda é novo no Brasil. Nossos queijos são desenvolvidos do zero, a partir de experiências, acertos e erros, e desde o início com o leite cru e fundos e fermentos naturais, sem nenhum aditivo químico, trabalhando a natureza inteira do leite, sem pasteurizar", explica Mariana. É desse modo que o casal consegue evidenciar as características do terroir do Pampa, da identidade regional da matéria prima utilizada.
O resultado desse trabalho acabou surpreendendo Paulo e Mariana, que às vezes têm de lidar com um preconceito em relação ao consumo do "queijo mofado", que ainda é bem mais comum na Europa do que no Brasil. "É justamente na degustação que a gente 'pega' o cliente, entregando uma experiência diferente, pois ele se surpreende com o sabor, a textura, a intensidade, as notas que ficam na boca", enumera.
Com a obtenção do cobiçado Selo Arte, a Canto Queijaria pode ampliar a distribuição para todo o Brasil, o que traz, entre os desafios imediatos, a expansão física da área de produção e a organização de uma logística de refrigeração e transporte que dê conta das longas distâncias do País, mantendo as características e as qualidades dos rótulos da marca.
"Hoje, a gente tem um problema de armazenamento. Eu ainda não tenho uma maturação tão grande, e não posso aumentar a produção, porque não há lugar. Então, a ideia para o próximo ano é fazer um investimento nesse sentido, para que possamos escalar esse mercado um pouco mais", relata.
Somacal, de Farroupilha, é premiada por sabores autorais
Marcelo Somacal e Sirlei desenvolveram o Caravaggio, cujo processo de maturação leva seis meses
LIVIA ARAUJO/ESPECIAL/JCFoi a partir de um tambo - local utilizado para a produção de leite e o manejo do gado - que Marcelo Somacal e a esposa, Sirlei, iniciaram, em Farroupilha, uma agroindústria de laticínios em 2007. De lá para cá, o que começou com uma pequena produção de queijo colonial evoluiu para um portfólio com mais de 20 rótulos e prêmios nacionais e internacionais, e uma produção diária de 3 mil litros de leite que se convertem em 300 quilos de queijo.
"Fui convidado pela Emater para fazer um curso de laticínios. Eu gostei, e resolvi colocar em prática aqueles conhecimentos adquiridos para melhorar aquele tambo da minha mãe. Minha família sempre trabalhou com pêssego, ameixa e uvas, mas foram os laticínios que fizeram brilhar os olhos", relembra. Levou quatro meses, a partir da formação, para que Marcelo inaugurasse o laticínio.
Variedades como o parmesão capa preta, que passa por um ano de maturação, e o Caravaggio, queijo autoral maturado por seis meses, são a menina dos olhos de Marcelo e Sirlei, e renderam louros à queijaria. O primeiro recebeu medalha de prata no concurso internacional de queijos em Araxá (MG) e ouro no Prêmio Brasil em Blumenau. O segundo já foi bronze e ouro em Araxá, concorrendo com produtos de mais de 20 países, conta Somacal.
Apesar de fabricar queijos mais macios, como o próprio colonial, além de ricota fresca, coalho e Brie, o sucesso obtido com os queijos curados animaram Marcelo a pesquisar e investir em variedades que ajudaram a ampliar o catálogo da Somacal. "Este ano, lançamos um Emmental com raspas de limão siciliano, que conseguimos classificar como um queijo autoral, por ser uma ideia única no Brasil. Batizamos de Queijo Siciliano, e está sendo um sucesso", comemora. Outros queijos curados, como o Gouda, de origem holandesa, e o Gruyère, de origem suíça como o Emmental, passaram a ser produzidos por Marcelo.
Os principais canais de venda da Somacal para o consumidor final são o próprio varejo da agroindústria na localidade de Caravaggio, beneficiada pelo fluxo constante de visitantes da igreja de Nossa Senhora de Caravaggio, além de lojas e empórios especializados em todo o Brasil. É também da própria Caravaggio que vem a matéria-prima usada pela Somacal em sua produção. "Compramos de sete famílias, a quem pagamos um 'plus' pela qualidade do leite. São apenas pequenos produtores, e acreditamos que seja esse justamente o diferencial para fazermos queijos bons, pois o gado tem seu trato no coxo, mas ele passa o dia solto", garante o produtor.
Outro ponto que estimulou a agroindústria a ampliar a oferta de rótulos e pesquisar variedades é justamente a aceitação do público. Marcelo aponta que o consumo tem tido um crescimento expressivo, o que atribui a um trabalho consistente de promoção do queijo artesanal gaúcho por órgãos e entidades como a Emater-RS/Ascar, a Fecoagro e a AGL. "Antigamente o queijo artesanal era visto como um patinho feio, como um queijo contaminado. Hoje, ele tem glamour, conquista prêmios. A Expo Queijo em Araxá divulgou muito nosso produto, por exemplo. São eventos que valorizaram demais o queijo artesanal", avalia.
Adicionalmente, a realidade do Rio Grande do Sul, que atravessa dificuldades provocadas pela catástrofe climática, produziu um efeito colateral benéfico para mercados como o do queijo. Na Expointer, em que a Somacal esteve presente em agosto, atingiu um pico de vendas também no setor queijeiro. "Este ano, ficamos naquele primeiro mês a partir da enchente, sem vender nada. Mas diversos fatores, como a diminuição na produção de leite, e a dificuldade de distribuição de produtos de fora do Rio Grande do Sul, fizeram com que o mercado local circulasse melhor e se fortalecesse, permitindo que a gente zerasse os estoques", explica.
Ainda assim, Marcelo enxerga pontos de superação para que o cenário gaúcho da produção de queijo amplie o êxito que vem obtendo gradualmente. Um deles é o da inspeção sanitária. "Não tem como entender, por exemplo, que um queijo seja bom para você vender em um município, e não seja bom para vender em outro. Tendo só a inspeção municipal, só quem é de Farroupilha pode comer meu queijo?", questiona.
O produtor reforça que a conquista dessas certificações é fundamental. Além de possuir o Selo Arte, a Somacal fez parte do primeiro grupo de queijarias gaúchas a receber, em janeiro do ano passado, o chamado selo Queijo Artesanal, outro reconhecimento cobiçado pelas empresas do ramo para expandir a distribuição para todo o Brasil. "Foi difícil superar essa parte, mas agora que conseguimos, isso proporciona um crescimento melhor, e mais estável, afinal conseguimos entrar em outros estados, colocando o nosso produto", pontua.
Queijos são aposta de produtores da Reforma Agrária no RS para buscar inovação e valor agregado
Vanerlei de Souza e Oliveira, um dos cooperados da Coperlat, participou da Expointer
LIVIA ARAUJO/ESPECIAL/JCProduto tradicional das agroindústrias familiares que participam da Expointer e apreciado em todo o Rio Grande do Sul, o queijo começa também a ganhar terreno entre os produtores rurais presentes nos assentamentos da Reforma Agrária, e organizados em cooperativas.
Uma delas, que participou da feira pela primeira vez, em agosto deste ano, é a Coperlat, de Pontão, no Norte do Rio Grande do Sul. Segundo o produtor rural Vanerlei de Souza e Oliveira, que veio a Esteio representar a cooperativa fundada em 2006, o início da produção de queijo colonial ocorreu há três anos. "Temos em torno de 160 sócios que produzem regularmente o leite que a cooperativa processa e comercializa, além de vender para outras agroindústrias. Para agregar valor à produção e retornar esse benefício aos associados, começamos a industrializar o queijo", conta. Hoje, a agroindústria produz muçarela e queijo colonial, além de nata, manteiga e doce de leite.
Para evitar perdas e otimizar o processo, a cooperativa trabalha apenas sob demanda. "Temos capacidade para produzir uma tonelada de queijo por dia, mas só produzimos depois de ter comercializado. Não estocamos para depois procurar compradores", explica.
A medida foi tomada pela volatilidade do mercado, esclarece Oliveira. "Quando iniciamos, produzimos muito queijo, com o preço do leite lá em cima. Fomos tentar vender e o pessoal segurava o preço. O resultado foi que acabamos vendendo a produção por um preço muito abaixo do custo dele, e tivemos prejuízo." Para levar seu produto a novos mercados, portanto, Oliveira participa de feiras e faz prospecção junto a prefeituras e órgãos públicos.
"Vamos a feiras em São Paulo, Brasília e outros estados, e temos força em vendas institucionais, como para batalhões do Exército e municípios do Norte e da Região Metropolitana. Assim, conseguimos ir divulgando nosso produto", celebra.
Além disso, a Coperlat tem uma loja em Pontão, sede da cooperativa, às margens da rodovia RS-324, que escoa uma boa quantidade do produto. "Muita gente que passa por lá vai conhecendo nosso produto, que tem uma recepção boa", avalia.
Para conquistar público e compradores, a cooperativa segue o princípio de qualidade e pureza. "Muitas indústrias, para baratear a produção, adicionam amido de milho no processo, tornando possível jogar o preço para baixo. Nosso queijo não é o mais barato, mas é um queijo que só tem leite e as leveduras necessárias na mistura", revela. No caso do queijo colonial, uma peça sai a R$ 40,00 na loja da Coperlat. A peça inteira da moçarela custa R$ 36,00, e a versão fatiada sai por R$ 37,00.
Assentado pela Reforma Agrária, Oliveira, diz que a produção de queijo, que não é comum entre as agroindústrias ligadas ao Movimento Rural dos Sem Terra (MST), têm começado a buscar inovações. "Há diversos agricultores familiares que produzem, mas como cooperativa acreditamos ser os primeiros do Estado a fazer isso em um processo industrial", salienta. "O que nós, assentados, temos, vem de uma luta que tivemos, e por isso buscamos cumprir com a função social da terra, que é produzir alimento, dentro da demanda da população brasileira, e o queijo faz parte disso", analisa.
Os planos da Coperlat envolvem uma expansão calcada no aumento da capacidade de produção, o que dará a possibilidade de comprar todo o leite de seus associados, e a diversificação de produtos, com a produção de variedades como prato e queijo coalho, que têm boa aceitação do mercado e já representam um objeto de demanda de alguns compradores.
Iguaria vegetal que derrete de verdade atrai veganos e intolerantes a lactose
Empresa espera chegar ao fim do ano com o nível de produção de 2023, que foi de 5 toneladas mensais
THAYNÁ WEISSBACH/JCUma pequena indústria de Porto Alegre especializada na produção de alimentos de origem vegetal foi uma das centenas de empresas do Quarto Distrito que teve sua atividade duramente afetada pela enchente de maio. A O.V.N.I. está se reerguendo e, depois de enxugar a equipe e parte do portfólio de produtos, além de contar com a solidariedade de clientes e a participação no Pronampe, espera chegar ao fim do ano com o mesmo nível de produção do ano passado, de cerca de cinco toneladas mensais, dos quais três toneladas eram de queijo.
Apesar de também produzir alimentos como embutidos a base de soja, como salsichas e hambúrgueres, e doces, o carro-chefe da O.V.N.I. são os queijos veganos, de variedades como muçarela, parmesão e provolone, cream cheese e manteiga, consumidos não somente por adeptos da dieta vegana, mas também por quem busca alimentos livres de lactose, explica Carlos Fernando De Conto, um dos quatro sócios da empresa familiar, e responsável pelo setor comercial, financeiro e administrativo.
Cerca de 2 mil clientes finais buscam os produtos por meio de tele-entrega e da loja física que a O.V.N.I. possuía na Cidade Baixa - e que, após a enchente, passou a funcionar em parceria com uma lancheria e café especializada em alimentação vegana e que vende os produtos. A indústria também fornece regularmente para cerca de 80 clientes pessoa jurídica, como restaurantes. "Nosso produto é muito bem aceito, seja por pessoa física ou o segmento food service, porque é um queijo que derrete. A maioria dos queijos veganos no Brasil tem uma consistência que impede o derretimento ou tem um derretimento parcial", explica.
Assim, a maior parte dos compradores dos produtos da empresa são pizzarias e estabelecimentos que querem ampliar o cardápio para uma clientela que prefere consumir produtos de origem vegetal. Um dos clientes da O.V.N.I. é a Oak's Burritos, especializada na cozinha mexicana, e que tem o queijo como um ingrediente importante.
A origem da empresa, que começou como uma cozinha artesanal no bairro Rio Branco no final de 2020, remonta à vivência que o filho de De Conto, Vitor, teve em Barcelona com a companheira, Roberta, onde adotaram a alimentação vegana. De volta ao Brasil, a família foi atrás do propósito de pesquisar e criar alternativas saborosas e viáveis para este público.
A casa de dois pisos alugada para a instalação da cozinha e o serviço de tele-entrega em plena pandemia, conta o empresário, logo se tornou insuficiente para a demanda dos produtos, e a empresa familiar evoluiu para uma indústria, instalou-se no bairro Floresta, abrindo, em seguida, um ponto de venda na Cidade Baixa, em que também vendia e servia pratos prontos produzidos na fábrica, como salgados, doces e temperos. "Nossa produção é toda verticalizada. Se a base de um produto é o leite de soja, nós produzimos esse leite. Quando é leite de aveia, de castanha, também. Tudo, nós produzimos aqui", salienta. Já o ingrediente in natura é adquirido de produtores orgânicos locais dentro do Estado.
A soja é a base de boa parte dos itens do portfólio da O.V.N.I., mas a empresa lançará, nesta semana, uma versão de sua muçarela com base no leite de amêndoa. "Isso porque também temos clientes com alergia a soja e queremos oferecer uma alternativa", acrescenta.
A empresa também criou dois pontos de distribuição fora do Rio Grande do Sul, em Florianópolis e São Paulo, para atender a demanda crescente, e chegou a um time de 24 funcionários. Desde o início de 2021, o crescimento médio do faturamento era de mais de 35% ao ano. Hoje, a empresa tem quatro sócios: além de Fernando e da nora Roberta, o filho Vitor é responsável pela pesquisa e a parte técnica, e seu irmão, Pedro, cuida do marketing.
Desde esse início com a pesquisa de ingredientes e técnicas de produção, até a instalação da indústria, De Conto revela que o investimento inicial foi de cerca de R$ 500 mil, o que possibilitou, inclusive, a fabricação de queijos como o gorgonzola. Para ficar pronto, o produto demanda um tempo de maturação de cerca de 90 dias em ambiente completamente isolado da produção habitual e que usa os elementos que naturalmente produzem a principal característica desse queijo, com sabor forte e veios azulados.
Porém, a calamidade em maio mudou esse cenário e a expectativa de crescer mais 25% até o fim de 2024. O ambiente de produção, estoque e máquinas foram todos inundados pela cheia do rio Guaíba, o que interrompeu o fluxo da O.V.N.I., incluindo o fornecimento para o setor de food service, por longos dois meses. "Muitos clientes nossos também afundaram junto e ainda não conseguiram se recuperar. Muitos pequenos restaurantes e pizzarias em torno da gente aqui em Porto Alegre, e do interior também", lamenta.
A decisão, tomada antes de a O.V.N.I. ter o acesso a programas governamentais como o Pronampe gaúcho, foi difícil, mas necessária, relembra De Conto. "Nos demos conta de que recuperar todas as estruturas, todo o nível de produção e toda a equipe era algo muito acima da nossa capacidade, porque o estrago foi muito grande. A partir da limpeza do local e conserto das máquinas, foi preciso enxugar tanto a produção quanto a mão de obra." Hoje, a empresa tem 13 funcionários e foi suspendida a produção dos itens de padaria e de alguns queijos como o gorgonzola.
A medida se impôs, aponta o empresário, porque o prejuízo, entre a limpeza da fábrica, o reparo das máquinas, que ainda não está totalmente concluído, a perda de estoque e de parte dos clientes pessoa jurídica, foi estimado em R$ 400 mil.
Além dos recursos do Pronampe, a O.V.N.I. foi alvo da solidariedade dos próprios clientes pessoa física, que realizaram compras antecipadas de produtos e fizeram doações. "Para a operação de varejo, fizemos uma parceria com um cliente nosso que estava lá no Sarandi e que também foi afetado. Ele transferiu a sua operação, que é o preparo de lanches veganos e a venda de produtos, muitos deles da O.V.N.I., no nosso ponto comercial, que ele assumiu", esclarece De Conto. A empresa também conseguiu manter o escritório de distribuição em Santa Catarina, e deixou o de São Paulo em stand-by. Hoje, a produção mensal de queijo está chegando a duas toneladas.
O processo de recuperação, apesar de difícil, deixou Fernando animado com a possibilidade de restabelecer os patamares de antes da enchente, e também de retomar os planos de expansão da O.V.N.I., sigla, que apesar de remeter ao universo dos discos voadores, significa "Organização Vegana Naturalista Ilimitada".
"Temos esperança de fechar com uma rede de pizzarias, que está apaixonada pelos testes que fizeram com nossos queijos", revela. Para essa expansão, um dos desafios é o custo logístico da refrigeração e transporte dos produtos para praças além de São Paulo, o que dará a capacidade de competir com indústrias do setor no Rio de Janeiro e Minas Gerais, e permitirão que a O.V.N.I. vá "ao infinito e além".
* Lívia Araújo é jornalista formada pela Universidade Estadual Paulista. Já atuou nas redações da Gazeta do Povo, DCI e Jornal do Comércio e passou pela Diadorim Editora.