Por que duas marcas gigantes e líderes do varejo de pets no Brasil decidiram se juntar? O negócio fechado entre Cobasi e Petz, oficializado em agosto, tem uma razão bem simples: "É uma questão de proteção em relação à grande dimensão do mercado digital que vem engolindo o varejo tradicional mundo afora", resume um dos sócios-diretores da Cobasi, Ricardo Nassar, que participou, em Porto Alegre, do JCast, canal de entrevistas multimídia do Jornal do Comércio.
Nassar falou sobre como surgiu a Cobasi, um negócio familiar, traçou a evolução do mercado brasileiro, apontou as vendas crescentes dos marketplaces, descartou que as gigantes juntas é uma ameaça às pequenas petshops, adiantou expectativas sobre a fusão com a Petz e falou, pela primeira vez de forma exclusiva a um veículo de imprensa gaúcho, sobre o episódio dos animais (peixes e pássaros) que morreram por terem ficado na loja no Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, após o empreendimento ser fechado devido à enchente histórica.
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"Sentimos muito pelo linchamento que a companhia sofreu. Dizer que priorizamos máquinas em detrimento de vidas. Essa é a maior mentira contada e de maneira maldosa", reagiu o sócio-diretor da companhia. O impacto do caso foi sentido e com força, como conta Nassar, nas vendas: "Chegamos a perder entre 15% e 20% de faturamento, dependendo do estado".
Empresas & Negócios - Como nasceu a Cobasi?
Ricardo Nassar - Surgiu de uma ideia do meu pai, que sempre foi uma pessoa do comércio em São Paulo e que, em 1969, passou a se dedicar à área agrícola e virou um grande produtor de arroz. Montamos uma loja de agropecuária, com ração e farmácia veterinária para grandes animais. Como meu pai era produtor de arroz e beneficiava, passamos a empacotar para vender o grão quebrado como comida de cão e gato, misturado a bolas de carne de segunda, que eram congeladas para venda. O que quer dizer Cobasi? O mesmo que Carrefour, nada. É uma abreviação de Comércio de Produtos Básicos e Industrializados. O nome é bom? Não é bom, mas pegou.
E&N - O crescimento exponencial do mercado de pets era previsível?
Nassar - Era natural a atenção das pessoas com os animais de estimação. O cachorro sai do quintal e vem para dentro de casa, ou seja, o cuidado com o animal é cada vez mais segmentando com produtos mais diferenciados. O mercado estava bastante evoluído nos Estados Unidos na década de 1990, com grandes redes, como Petco e Petsmart. Com a abertura às importações no governo de Fernando Collor de Mello, fabricantes puderam trazer produtos para o setor pet ao Brasil. Fomos aos EUA, em 1992, e fechamos contrato com 10 companhias e passamos a importar produtos e distribuir a pequenas petshops. O varejo era de pequenas lojas que não conseguiam atender ao mercado pulsante, com muita informalidade. Decidimos parar de vender em atacado e montar grandes lojas. Começamos em São Paulo, depois no Rio de Janeiro e crescemos numa velocidade bastante grande pelo País. Hoje temos cerca de 240 unidades, 13 delas no Rio Grande do Sul (última foi aberta em Novo Hamburgo em agosto).
E&N - Por que se unir ao maior concorrente?
Nassar - É uma questão de proteção em relação à grande dimensão do mercado digital que vem engolindo o varejo tradicional mundo afora. Se você for na Europa, na Alemanha, nos Estados Unidos, a área digital vem, de uma certa maneira, atropelando todo o varejo tradicional. E aquelas empresas que não acordarem e não se movimentarem, elas vão sucumbir. A união de forças é exatamente para que a gente faça uma proteção em relação às empresas digitais, aos marketplaces, para sobrevivermos. Não é só do mercado pet, é de todos os mercados. Se não houver uma mudança de atitude do varejo tradicional, indo para a área digital, o varejo vai sucumbir. Na Cobasi, a venda on-line responde por 35% do faturamento. Temos uma omnicanalidade bem avançada.
E&N - Não é só canal on-line, o que mais pesa nesta frente?
Nassar - Somos uma empresa totalmente digitalizada. O que é uma empresa digitalizada? A presença das lojas espalhadas por todo o Brasil vai reduzir o tempo de entrega e aumentar o nível de serviço em relação ao cliente. Tem que ser mais rápido, mais efetivo. Cada loja nossa é uma área celular, que tem uma certa abrangência para atender o cliente na maior velocidade possível e entregar. A gente tem o Cobasi Já, que entrega até duas horas na sua casa você pedindo o produto. Hoje a loja é um mini CD próximo da casa de cada cliente e ela tem que ter muita velocidade para prestar esse serviço de maneira rápida. Esse é o nosso diferencial em relação aos marketplaces e às grandes empresas tipo Amazon, Mercado Livre: ganhar na velocidade e proximidade.
E&N - Como vai ser a disputa no futuro com as duas juntas?
Nassar - A fusão com a Petz é uma conversa muito antiga, desde 2015. Isso foi amadurecendo, agora com o avanço dos grandes marketplaces. É um momento de vida também, dos sócios gestores de ambos os lados, de tornar uma companhia maior, mais forte e poder ter sucesso. As duas marcas vão continuar. São bichos diferentes, né. A Cobasi é pet e casa e jardim e a Petz é exclusivamente petshop. Tínhamos um programa para abrir 25 lojas novas até o final do ano. No ano passado, foram 35 novas abertas. Com a fusão, tudo será repensado. As duas juntas somam cerca de 480 lojas.
E&N - Como vai ser a competição com a pequena petshop? Aqui, a Cobasi abre quase ao lado da pequena...
Nassar - Outros mercados como o norte-americano também tem duas ou três grandes players como aqui. As pequenas petshops morreram? Não, pelo contrário, elas evoluíram. O mercado cresceu e elas evoluíram. A pequena loja vai se diferenciar pelo tipo de produto e nível de serviço, tipo boutiques, como ocorre nos Estados Unidos, com linhas de camas, roupas e acessórios, diferentes das que as grandes têm. Se ela (pequena) for vender commodity, produto de grande volume, sem prestar um bom serviço, vai sucumbir.
E&N - Como a Cobasi explica o que aconteceu na enchente dentro do shopping em Porto Alegre?
Cobasi - Tivemos duas lojas impactadas pela enchente - uma na avenida Brasil, que teve uma lâmina de água e a do Praia de Belas, que não se acreditava que poderia entrar água como entrou. Todos os produtos foram tirados da parte de baixo das prateleiras e colocados um metro acima. As gerentes acharam que tudo retornaria ao normal. Acontece que não voltou no dia seguinte e não tivemos a possibilidade de voltar lá. A jurisdição e a guarda do equipamento e do shopping. Se a catástrofe ficou maior e não houve a possibilidade (de acessar o local), lamentamos demais. Sentimos muito pelo linchamento que a companhia sofreu, como dizerem que priorizamos máquinas em detrimento de vidas. Essa é a maior mentira contada e de maneira maldosa. Algumas ações impetradas pela Defensoria Pública e algumas ONGs foram baseadas não no inquérito policial, que não tinha terminado.
E&N - Qual é o impacto deste episódio para a operação?
Nassar - Teve impacto para a marca no Rio Grande do Sul e no Brasil. Tivemos prejuízo de R$ 2 milhões naquela loja, onde não vamos mais vender animais vivos. Estão fazendo uma infraestrutura para conter a água. O que mais me chateava era as pessoas comentando em redes sociais: "ah, vamos boicotar". Boicotar uma companhia é condenar à morte empregos (temos quase 500 no Estado). Tivemos colaboradores que perderam casas nas cheias. Tivemos todo um trabalho de amparo e fomos linchados, como se não nos importássemos com animais e nos importássemos com CPUs. Chegamos a perder entre 15% e 20% de faturamento, dependendo do estado.