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Publicada em 25 de Agosto de 2024 às 16:00

Comércio dos bairros mais atingidos pelas enchentes na Capital busca se reinventar

Empresas varejistas de Porto Alegre ainda sofrem com os efeitos das inundações

Empresas varejistas de Porto Alegre ainda sofrem com os efeitos das inundações

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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Liège Alves, especial para o JC*
Liège Alves, especial para o JC*
A enchente de maio impactou diretamente 20% das empresas de Porto Alegre. Entre os bairros mais afetados se destacaram Sarandi, Quarto Distrito, Humaitá, Menino Deus, Cidade Baixa (foto) e o Centro Histórico. Dados da prefeitura da Capital indicam que metade desses afetados era de microempresários e, dentro desse segmento, boa parte era de MEIs.
Um levantamento realizado pela Cielo mostra que a Capital, em comparação com a média do comércio do Estado, teve quedas mais acentuadas de vendas nominais do comércio varejista. Os últimos números divulgados pelo estudo, de 20 a 26 de maio, indicam que as vendas nominais do comércio do Estado subiram 6%, enquanto em Porto Alegre ainda estavam 9,7% negativas.
Com esse cenário, a economia gaúcha sofreu mais um abalo, além dos prejuízos contabilizados pelos últimos três anos de estiagens que prejudicaram a safra e a pandemia. A boa notícia vem do levantamento feito pelo Itaú, com base nos dados de cartão de crédito e de PIX. Os dados mais atuais desse estudo indicam que, de 29 de junho a 5 de julho, em comparação com o período equivalente de 2023, já se esboça uma retomada de 13,2%, com boa parte dos setores do Estado mostrando recuperação. Ainda há dúvida se esse desempenho irá se sustentar nos próximos meses ou é fruto da antecipação de benefícios governamentais e outros recursos novos que foram aportados no mercado.

O Sarandi foi um dos bairros mais afetados pelas cheias que assolaram a Capital e a maior parte dos municípios do Rio Grande do Sul, em uma tragédia ambiental sem precedentes no Estado

O Sarandi foi um dos bairros mais afetados pelas cheias que assolaram a Capital e a maior parte dos municípios do Rio Grande do Sul, em uma tragédia ambiental sem precedentes no Estado

Carlos Fabal/AFP/JC
As águas que inundaram em maio Porto Alegre e boa parte do Rio Grande do Sul não fizeram nenhuma distinção socioeconômica. Chegaram em bairros de todas as classes sociais, cobrindo 30% do território da Capital e atingindo 160 mil pessoas. Nesse mesmo mês, de acordo com Rodrigo de Assis, coordenador do eixo de Economia e Finanças do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática da prefeitura de Porto Alegre, foram perdidos 2.500 empregos formais na cidade. E esse número cresce quando se acrescenta os 40% de vagas informais.
A Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) estima uma perda de ativos das empresas, de todos os portes, da ordem de R$ 20 bilhões em todo o Estado.
O comprometimento da estrutura produtiva e da capacidade de se reerguer das empresas afetadas direta e indiretamente torna difícil elencar os principais desafios que esses empreendedores terão pela frente. Conforme o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, são muitos e ainda urgentes. "Os efeitos sistêmicos ultrapassam o efeito da mancha de inundação e têm proporções maiores em relação ao dimensionamento que parece ter sido feito pelas políticas até então implementadas", sinaliza o dirigente.
O economista da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) Oscar Frank explica que no pior momento da crise as vendas nominais do comércio chegaram a cair 16,7% — queda disseminada que atingiu todo o comércio varejista, exceto os supermercados. Os números analisados pelo economista vêm do levantamento feito pelo Itaú, com base nos dados de cartão de crédito e de Pix realizados no período.
De 29 de junho a 5 de julho, em comparação com o período equivalente de 2023, já se esboça uma retomada de 13,2%, com boa parte dos setores mostrando recuperação. Frank atribui esse desempenho à antecipação de benefícios e outros recursos novos que vêm movimentando a economia.
A dúvida é a sustentabilidade desse movimento de alta, conforme Frank. "Em muitos casos estamos antecipando consumo. Benefícios que seriam pagos no futuro foram antecipados. Recompor patrimônio, como material de obras ou eletrodomésticos, não acontece com grande recorrência. Portanto, esse impacto concentrado no curto prazo não tende a se repetir", alerta.
O setor de serviços, que tem grande peso na economia gaúcha, foi um dos segmentos que mais sentiu crise com a enchente. Setores ligados ao turismo tiveram uma queda de arrecadação muito grande, principalmente por conta de alimentação e hotéis, duas áreas que ainda seguem com taxas negativas de crescimento. Na semana de 14 de maio, o setor terciário decaiu 27,8%, enquanto que, na semana de 5 de julho, foram - 3,1%. "O consumidor sempre vai priorizar o que é essencial. Além das restrições logísticas, por conta do fechamento do aeroporto Salgado Filho, as famílias cortam viagens e saídas para restaurantes para focar no que consideram essencial", explica Frank.
O presidente da Fecomércio-RS observa que, na cadeia do setor turístico, grande parte das empresas impactadas está fora da mancha de inundação. Portanto, não se qualificam para fazer parte das políticas de auxílio a Pessoas Jurídicas anunciadas. Bohn ressalta que essa é uma das dificuldades impostas pelos desenhos das políticas implementadas. "Seja na frente do amparo à manutenção do emprego - com ajuda tardia, insuficiente e critérios que dificultavam muito a qualificação das empresas para o programa - seja nas dificuldades relacionadas ao crédito ou a expiração das prorrogações dos recolhimentos tributários e trabalhistas", critica.
Em relação ao crédito, o dirigente acredita que, apesar das linhas com boas condições de juro e prazo, há muitos entraves que limitam o alcance das medidas anunciadas, como as restrições à área de inundação, insuficiência de recursos disponibilizados e falta de regulamentação para liberação de novas contratações. "Por exemplo, na segunda rodada esperada do Pronampe, exigências de garantias e certidões negativas que restringem a possibilidade de acesso para empresas muito afetadas, exigências de manutenção do quantitativo de empregados e demora na liberação após as contratações", avalia Bohn.
O caminho ainda parece ser longo para a total retomada do comércio de Porto Alegre. Um levantamento realizado pela Cielo mostra que a Capital, em comparação com a média do comércio do Estado, teve quedas mais acentuadas de vendas nominais do comércio varejista (veja o gráfico). Os últimos números divulgados pelo estudo, de 20 a 26 de maio, indicam que as vendas nominais do comércio do Estado subiram 6%, enquanto em Porto Alegre ainda estavam 9,7% negativas, em relação ao mesmo período do ano passado.
Um estudo da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL-POA) avalia que, entre maio e junho, houve uma perda do PIB de R$ 11,3 bilhões no Estado, em comparação ao mesmo período de 2023. Esse número não contabiliza a perda de patrimônio e de estoque das empresas. A dúvida que permanece, conforme Frank, é o tempo que a economia gaúcha vai levar para se recuperar. Ele lembra que o Estado já vem de um histórico de outras intempéries climáticas. Em quatro anos, foram três estiagens que prejudicaram a safra e mais a pandemia. "Tudo vai depender do tipo de apoio que o Estado irá receber, pois vamos precisar de projetos, de uma busca ativa de fundos disponíveis. Se fizermos as coisas certas, boas obras de prevenção, a retomada pode ser mais rápida". acredita.
 

Números da enchente em Porto Alegre

  • 30% do município foi atingido
  • 160.210 mil pessoas afetadas diretamente
  • 480 hectares de área afetada
  • 417 equipamentos públicos destruídos parcial ou totalmente
  • 1.081 quilômetros de vias públicas afetadas

Vendas nominais do comércio - RS X POA

De 29/04 a 5/05
RS: -15,7%
POA: - 17,4%

De 6 a 12/05
RS: + 2%
POA: - 31,1%

De 13 a 19/05
RS: +10,5%
POA: - 21,5%

De 20 a 26/05
RS: + 6%
POA: - 9,7%

Fonte: Cielo

Prefeitura enfrenta o desafio de reconstruir

Secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade estima um prejuízo de R$ 3,2 bilhões ao mês

Secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade estima um prejuízo de R$ 3,2 bilhões ao mês

Cesar Lopes/PMPA/Divulgacao/JC
Para que a vida e o comércio em Porto Alegre voltem ao normal, é preciso planejar e realizar obras de prevenção de cheias e de reconstrução da cidade. A prefeitura estima que o impacto econômico no setor privado atingiu quase 46 mil empresas, somando 20% dos CNPJs de Porto Alegre, causando danos de R$ 3,2 bilhões ao mês para a cidade. No âmbito do setor público municipal, as perdas e custos de recuperação superam R$ 12,3 bilhões.
Para iniciar o trabalho de reconstrução da Capital, a prefeitura criou o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre, que vai buscar recursos de diferentes fontes, além do fundo municipal, viabilizar e fazer a gestão das obras que a cidade precisa nesse momento. "São valores muito significativos de prejuízos, tanto público como privado, faz com que a gente repense as nossas estratégias e as nossas prioridades de cidade e foque no esforço para devolver a normalidade da operação da cidade", explica Germano Bremm, coordenador do Escritório de Reconstrução e Secretário Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade.
As metas de continuar retendo e atraindo talentos, gerar riquezas e oportunidades dependem agora de reconstruir a infraestrutura básica perdida para a cidade voltar a operar de forma mais eficiente. Com base nesse foco inicial foram estruturados seis eixos estratégicos: recuperação da infraestrutura e equipamentos públicos, habitação de interesse social, projetos urbanos resilientes, recuperação de atividades empresariais e financeiras, adaptação climática e monitoramento e transparência. "Queremos trazer essas estratégias para o mundo real no menor tempo possível para criar a condição do mercado se desenvolver. As empresas precisam de um território seguro para captar recursos, para reinvestir e para colocar a economia para girar", diz o secretário.
Atualmente, conforme Bremm, mais de 333 equipamentos que foram afetados estão em processo de reconstrução em diversas etapas diferentes. Nessa parte de infraestrutura serão investidos mais de R$ 800 milhões. No sistema de proteção, especialmente nos bairros mais afetados, será preciso fazer uma atualização. Nesta parte mais de cinco milhões já estão contratados entre laudos, anteprojetos, projetos básicos. A previsão é de um investimento total em torno de R$ 510 milhões. Ao todo, conforme o secretário, mais de 300 obras terão que ser realizadas para recuperar a cidade e, consequentemente, a sua economia.
 

Catástrofe gera união e movimento dos empresários na Cidade Baixa

Entre as medidas, o Grupo Viva CB pretende abrir canais de diálogo com entidades que tratem de urbanismo para repensar o modelo de ocupação do bairro

Entre as medidas, o Grupo Viva CB pretende abrir canais de diálogo com entidades que tratem de urbanismo para repensar o modelo de ocupação do bairro

Anselmo Cunha/AFP/JC
A enchente que tomou conta de boa parte das ruas da Cidade Baixa gerou uma corrente de solidariedade que acabou se transformando em uma ação coletiva para repensar o bairro.
A primeira conclusão do grupo foi de que o bairro precisava de melhorias em vários aspectos mesmo antes da cheia. A partir dessa constatação, o segundo passo foi repensar, dentro das características históricas, culturais e gastronômicas, o que poderia ser aperfeiçoado.
Esse movimento coletivo deu espaço à criação de uma associação chamada Viva CB. Segundo o presidente desse movimento, o empresário Diego Hoch, o objetivo é abrir um diálogo para ver os pontos de convergência de diversos segmentos que atuam na região. "Precisamos pensar no bairro que queremos para não ficar na mão de agentes externos, nas potencialidades que temos e planejar ações", diz Hoch.
A proposta é, a partir do lançamento, dialogar com o poder público para reivindicar o que o bairro necessita de infraestrutura de forma mais urgente. De acordo com o presidente do Viva CB, três pautas principais surgiram na pesquisa feita com os empreendedores locais: iluminação, segurança e limpeza. "A iluminação das ruas está péssima, o que gera uma sensação de insegurança para os frequentadores e moradores".
Além de conversar com o poder público, o grupo pretende abrir canais de diálogo com entidades que tratem de urbanismo para repensar o modelo de ocupação do bairro. Outra iniciativa foi a parceria com uma empresa de software gaúcha que vai mapear todos os produtos e serviços disponíveis da região e colocá-los em um app para facilitar a busca do consumidor. A ideia é de que inicialmente essa plataforma fique direcionada por três meses apenas para a Cidade Baixa. Está no plano a criação de um portal com as empresas e prestadores de serviços do bairro, o qual também será canal de divulgação das iniciativas coletivas do Viva CB.
Hoch destaca que a sustentabilidade é outro pilar importante que está no radar dos empresários que fazem parte da associação. "Queremos implantar o uso de tecnologia sustentáveis nos negócios do bairro. A enchente nos fez pensar o que podemos melhorar em nosso dia a dia", finaliza.
 

Do caos à criação de uma rede de solidariedade

Força para retomar shows veio da rede de fornecedores e artistas, diz Hoch, e reabertura foi 45 dias após a cheia

Força para retomar shows veio da rede de fornecedores e artistas, diz Hoch, e reabertura foi 45 dias após a cheia

EVANDRO OLIVEIRA/JC
O nome do bar do qual é proprietário faz jus ao momento que o empresário Diego Hoch passou durante a enchente em Porto Alegre: Caos. Há dois anos instalado na João Alfredo, o espaço de música autoral ficou interditado por mais de 45 dias e só sobreviveu por conta de uma corrente da rede de solidariedade que se formou no entorno. A ajuda de fornecedores e de músicos foi o combustível que deu força para o empresário reabrir as portas.
Hoch, que é sociólogo, estava trabalhando em abrigos de Canoas no dia em que a água tomou conta do bar. Quando chegou na Capital, depois de três horas, o local já estava isolado e as ruas da volta todas alagadas. Nesse dia também ficou sem conseguir entrar na sua casa, que fica na Cidade Baixa.
Depois de uma semana, conseguiu entrar no Caos e conferir os prejuízos. A água havia tapado os freezers, todos os móveis, notebook, caixas de som e estragado a porta contra incêndio e até as fechaduras. Restou uma crosta de barro para limpar. A ajuda chegou de amigos dispostos a fazer mutirão de limpeza. "Ficamos fechados 45 dias porque não tinha nem clima. O bairro ficou 30 dias sem abrir o comércio. Uma casa de shows é mais difícil que um barzinho. Várias apresentações foram canceladas, inclusive de uma banda suíça", relembra.
Só depois de 45 dias a casa abriu com um festival de bandas locais autorais, e a resposta do público e dos parceiros foi essencial para manter o ânimo do empreendedor. "Muitos artistas nos procuraram para doar o cachê, profissionais de iluminação também quiseram doar. Teve essa parte muito legal das pessoas quererem ajudar".
Desse período de crise, Hoch levou como aprendizado a importância de um plano assertivo de comunicação com os profissionais que fazem parte da cadeia produtiva do empreendimento para construção de alternativas e de solidariedade. O fortalecimento da rede de parceiros e articuladores para esse que é um dos poucos palcos para música autoral na cidade. E a criação de um movimento chamado Viva CB, que envolve empreendedores da Cidade Baixa e que pretende desenvolver ações coletivas para fortalecer o bairro.
 

Correndo contra o tempo e imprevistos para voltar a faturar

Gabriel de Almeida renegociou preços com fornecedores e precisou comprar e consertar equipamentos danificados

Gabriel de Almeida renegociou preços com fornecedores e precisou comprar e consertar equipamentos danificados

THAYNÁ WEISSBACH/JC
Gabriel de Almeida foi daqueles capitães que não abandonam o barco quando vem a catástrofe. Ele acompanhou passo a passo a chegada da água no bairro Menino Deus e só saiu do minimercado que administra quando viu que não tinha mais chance de fazer nada. Mesmo assim, ficou por perto, vigilante, cuidando para não correr o risco de ser saqueado.
Como havia levado os carros para um lugar seco, pôde ajudar família e vizinhos a saírem de casa e também a levar mantimentos para aqueles que não tinham condições de se deslocar.
Do negócio criado pelo pai há 50 anos e administrado pela família até hoje, restou pouco. Móveis, prateleiras e as mercadorias ficaram danificadas, e os vidros explodiram com a pressão da água. Maquinários e equipamentos da área da cozinha que usam para produzir pães, cucas e linha de salgados também foram prejudicados. "Nunca vi acontecer isso, o que acabou nos prejudicando de tomar uma medida que pudesse me precaver. Ficamos até a última hora trabalhando, quando me deparei a água estava saindo das bocas de lobo e não tinha mais o que fazer. Como estava com muito estoque, nem tinha onde colocar", conta.
Depois disso, passou um mês com faturamento zerado até que conseguisse voltar a operar e, mesmo assim, cada dia se depara com um problema que é a consequência da enchente.
A estratégia no começo foi renegociar com os fornecedores as dívidas pendentes e ir resolvendo todos os entraves que vão surgindo, como comprar e consertar equipamentos, reformar o piso, as aberturas, trocar as prateleiras, refazer a parte elétrica. Como todos envolvem novos gastos, o empresário saiu atrás de linhas de crédito. No Pronampe Solidário, não se enquadrou. Conseguiu apoio do programa Sebraetec Supera, mas ainda não recebeu os recursos. "Passo correndo para resolver todas as pendências. Estou atrás de linhas de crédito, só depois vou pensar adiante".
A boa notícia é que recebeu muito apoio da rede de fornecedores, que renegociou boletos sem problemas, prestadores de serviços com os quais trabalhava lhe deram prioridade e até a vizinhança ajudou no processo de limpeza quando, finalmente, reabriu as portas.
 

União da sociedade civil para estimular a retomada nos bairros Humaitá e Navegantes

Maioria dos empresários pretende seguir no 4º Distrito, relata Camargo

Maioria dos empresários pretende seguir no 4º Distrito, relata Camargo

EVANDRO OLIVEIRA/JC
Das 70 empresas filiadas da Associação das Empresas do bairro Humaitá/Navegantes (AEHN), em torno de 75% retomaram suas atividades. Cerca de 25% ainda estão em processo de recuperação, seja das dependências ou do maquinário. A estimativa vem do vice-presidente da AEHN, Luiz Camargo, cuja empresa voltou a atender seus clientes em julho, porém de forma precária, pois ainda falta para eles móveis da sede que foram perdidos.
Pelas contas do dirigente, a zona que compreende a Arena do Grêmio até a Rodoviária de Porto Alegre detém de 4 mil a 5 mil CNJPs, entre micro e pequenas empresas. "No primeiro momento, no final de maio e início de junho, a sensação era de que as empresas não iriam mais ficar no Quarto Distrito, mas na pesquisa feita pela entidade tivemos uma boa resposta sobre esse aspecto", comemora Camargo.
O empresário relata que no primeiro momento da enchente o sentimento geral foi de desânimo, mas passado o impacto, a sensação é de que será possível retomar com base na resiliência dos líderes das empresas e dos colaboradores. Todos com muita garra e tentando fazer melhor para conseguir mais resultado.
A pesquisa feita pela AENH reflete essa tendência. Das empresas que responderam o questionário, 89,7% disseram que vão permanecer na região e apenas 29% terão que demitir funcionários. "A maior queixa dos associados fica por conta das assistências governamentais que não estão chegando, principalmente Federal. Há uma dificuldade de acesso ao dinheiro prometido pela União", diz o dirigente.
Para Camargo, ninguém estava preparado para o que aconteceu. "Estou há 45 anos no bairro e jamais imaginava que a água chegaria a mais de um metro da cota normal, mesmo longe do Guaíba", lamenta. O aprendizado que fica dessa catástrofe, segundo Camargo, é entender que será necessário um planejamento de longo prazo. Caso contrário, todos estarão suscetíveis a novas tragédias como a que aconteceu em maio de 2024.
A principal reivindicação da entidade atualmente é a limpeza dos detritos e da areia da rede pluvial que ainda permanecem nas tubulações do bairro. Sem essa medida o temor é de que com qualquer chuva mais forte possa acontecer novos transbordamentos, pois o maior problema não foi a chuva e, sim, a água que voltou pelos esgotos.
"Estamos participando junto com a prefeitura e outros atores dando sugestões. Dessas reuniões saiu o plano apresentado na associação comercial de reconstrução da cidade. A sociedade civil vai ter que pegar junto. Só os órgãos governamentais não vão dar conta", estima. Por conta dessa disposição, durante o período de enchente foi criado um grupo chamado "Juntos pelo 4D", que coordenou as doações, fez distribuições de donativos e de produtos de limpeza e que agora segue realizando ações pontuais nas empresas mais afetadas. O objetivo é seguir no processo de revitalização da área que já estava acontecendo e foi interrompido.
 

Programa do Sebrae se transforma na Cruz Vermelha do pequeno empreendedor

Das 400 mil micro e pequenas empresas que estão dentro do radar da Regional Metropolitana do Sebrae RS, 150 mil estão no mapa da mancha de inundação que atingiu a Capital gaúcha.
A solução encontrada para atender essa demanda inesperada veio da experiência com os empresários do Vale do Taquari que passaram pelo mesmo problema no ano passado. Como havia um índice de mais de 95% de sobrevivência de 400 CNPJs atendidos pelo programa, o modelo foi replicado agora em 2024.
No momento, o Sebraetec Supera está trabalhando com 11,5 mil empresas afetadas pela enchente. A meta é atingir 20 mil empresas com recursos financeiros e consultorias.
A primeira etapa se estende até final de agosto e depois começa um processo de sustentação do programa. "Está muito recente para traçar um panorama. Estamos completando a fase dos primeiros ressarcidos. Ao longo de seis meses vamos entender qual será o índice de sobrevivência dessas empresas", acredita Paulo César Bruscato, Gerente da Regional Metropolitana do Sebrae RS.
A primeira medida foi fazer um diagnóstico da mancha dos afetados para entender o tamanho do público que teriam pela frente. Depois foi colocado um formulário no site para cadastro dos postulantes. "Sabemos que não vamos conseguir atender a todos, por isso, várias parcerias se somaram para estender os nossos atendimentos", diz Bruscato.
O trabalho começa com a visita de um consultor até a empresa. Depois de uma análise detalhada de meios de produção e a forma como o negócio opera, é traçado um plano de recuperação, baseado num aporte de recursos. "O empresário identifica quais principais elementos que fazem ele continuar vivo, apresenta um orçamento e nós aportamos esses recursos a título de ressarcimento, dentro dos limites de cada categoria empresarial", detalha Bruscato.
Ele conta que, além do recurso, o empreendedor valorizou muito esse contato pessoal. "Às vezes eram pessoas que nem sabiam o que fazer primeiro, por onde começar. Ter com quem conversar e fazer esse planejamento foi importante. O crédito se for mal empregado pode matá-lo, então a intenção era ajudá-lo a criar uma estrutura", relata.
Após esse primeiro atendimento, o Sebrae disponibiliza consultorias gratuitas para o empresário dar vazão às outras necessidades, como fluxo de caixa, controle de estoque, capital de giro, gestão de compras, logística e processos. Dessa forma, o empreendedor pode se reorganizar e tomar créditos governamentais ou bancários.
As pesquisas do Sebrae indicam que a questão financeira foi a maior preocupação dos negócios atingidos pela enchente. "Nos transformamos na Cruz Vermelha do pequeno empresário. Além dele perder tudo, foi interrompido o processo de venda do serviço. Também há um abalo da autoconfiança, voltar a acreditar no seu negócio. Isso também foi muito machucado", lamenta o gerente regional.

Matriz no Shopping DC Navegantes em processo de recuperação de estoque

Empresário conseguiu recuperar entre 70% e 80% dos tapetes que foram atingidos pelas águas

Empresário conseguiu recuperar entre 70% e 80% dos tapetes que foram atingidos pelas águas

THAYNÁ WEISSBACH/JC
A Balbueno Tapetes sobreviveu a muitas mudanças desde a inauguração do Shopping Dc Navegantes em 1994. O empresário Gelson da Silva Balbueno começou com uma loja de 49 metros quadrados, ampliou o espaço e os negócios. Atualmente, tem mais três unidades, além dessa considerada a matriz. Por conta de toda essa história, o empresário relata que o alagamento da loja envolveu múltiplos sentimentos. "Foi muito triste, depois de quase um mês que conseguimos entrar. O Quarto Distrito foi o primeiro a alagar e último a voltar. Tivemos um drama mais estendido, sofremos de uma forma diferente", relembra.
A dificuldade de acesso fez com que os lojistas não conseguissem calcular o prejuízo real.
O Shopping ficou fechado e as águas subiram mais de dois metros. "Em 30 anos nunca tinha acontecido nada nessa dimensão. O Quarto Distrito sempre foi prejudicado por algumas inundações, mas nunca nessas proporções", frisa.
Assim que receberam a circular do Shopping de que teriam que fechar, pela experiência que tinham, a providência inicial foi tirar os produtos do chão, pois a água nunca havia passado da calçada no bairro. Conforme as notícias se espalharam pelos grupos de WhatsApp dos empresários de que o bairro estava inundando, Balbueno fez uma força-tarefa para subir ainda mais os produtos. A equipe trabalhou duro e de forma rápida. Fez uma pilha de tapetes em cima de mesas. Mas a água foi mais rápida. Balbueno lembra que quando fechou a porta da matriz o chão já estava molhado. "No final não adiantou nada porque a água subiu mais de dois metros e atingiu 95% dos produtos que estavam ali dentro", relembra.
Como costuma ter muito estoque para garantir a P, Balbueno calcula que 1.893 tapetes foram atingidos. Como são artigos nacionais e importados feitos de fibra sintética, a saída para reduzir o prejuízo foi recuperar parte desse total mandando lavar.
Assim, o empresário acredita que conseguirá salvar de 70% a 80% do estoque. A estratégia será fazer um evento promocional com esses e outros produtos em agosto.
"Na realidade eu me considero um privilegiado porque tive operações que não foram atingidas. Perto de tudo o que aconteceu, das mortes, de pessoas que perderam tudo, empresas que só tinham uma operação e perderam", lamenta.
A retomada da operação ainda depende do Shopping DC, mas pelo tempo de operação a ideia do empresário é manter a matriz. Embora explique que sente dificuldade de reinvestir em um lugar no qual sofreu uma tragédia. A empresa não demitiu funcionários, realocou aqueles que eram da sede e deu apoio para aqueles que perderam suas casas.
O empresário conta que participou com doações de várias iniciativas realizadas por arquitetos para auxiliar na reconstrução de pessoas que haviam perdido suas casas.
"Levamos um banho de lama no momento em que estávamos colhendo os primeiros resultados de investimentos de anos. Para o Quarto Distrito foi uma perda incrível, para o DC Navegantes também que estava em um momento de fortalecimento com novos empreendimentos e marcas de peso chegando. Não sei até que ponto não vai ter um retrocesso como área de lazer, de moradia. Não sei como a cidade vai fazer a leitura depois do que aconteceu", lamenta.
 

* Liège Alves é jornalista e publicitária graduada pela Pucrs com especialização em Jornalismo Aplicado. Foi editora no Jornal do Comércio e repórter do jornal Zero Hora e do Grupo Sinos. Atuou na área de Comunicação Corporativa e atualmente é diretora da Editora Essência.

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