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Publicada em 04 de Agosto de 2024 às 16:00

Economia do Sul do Estado busca caminhos para a recuperação nos pós-enchente

As cheias de maio desalojaram mais de cem mil pessoas e deixaram em torno de 3,5 mil desabrigados nas quatro maiores cidades localizadas no estuário da Lagoa dos Patos

As cheias de maio desalojaram mais de cem mil pessoas e deixaram em torno de 3,5 mil desabrigados nas quatro maiores cidades localizadas no estuário da Lagoa dos Patos

RAQUEL THORMANN/Divulgação/JC
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Álvaro Guimarães, especial para o JC*
Álvaro Guimarães, especial para o JC*
 
As cheias de maio desalojaram mais de cem mil pessoas e deixaram em torno de 3,5 mil desabrigados nas quatro maiores cidades localizadas no estuário da Lagoa dos Patos. A água que invadiu Pelotas, Rio Grande, São Lourenço do Sul e São José do Norte afetou em cheio não apenas a infraestrutura dos municípios, mas também a economia, ao atingir aproximadamente 12 mil empresas. Superado o pior momento, gestores públicos, empreendedores e entidades de classe se unem para buscar meios de reorganizar a economia regional e encontrar alternativas para escapar da crise do pós-enchente.
 

 Infraestrutura danificada nas cidades atingidas na Metade Sul do Estado, como aconteceu em Pelotas, receberá recursos para ser recuperada

Infraestrutura danificada nas cidades atingidas na Metade Sul do Estado, como aconteceu em Pelotas, receberá recursos para ser recuperada

MICHEL CORVELLO/Divulgação/JC
Ao som de um rock clássico dos anos '70, Flávio Juliano mateia atrás do balcão da pet shop que mantém no centro de Rio Grande há 15 anos. Mesmo distante 1,3 quilômetros do cais do porto velho, a loja foi invadida pela água na enchente de maio e permaneceu fechada por dez dias, o que o colocou na lista dos 6,7 mil empreendedores afetados pela cheia da Lagoa dos Patos na cidade. As estimativas do Sebrae apontam que nos cinco municípios mais atingidos - Pelotas, Rio Grande, São José do Norte, Arambaré e São Lourenço do Sul - aproximadamente 12,3 mil CNPJs foram impactados pela catástrofe climática, que também desalojou mais de cem mil pessoas e deixou em torno de 3,5 mil desabrigados no sul do Estado.
"Percebia-se que 2024 seria um ano derradeiro, para fechar quem ainda não estava fechado e endividar até o talo, quem ainda não estava endividado. Isso por causa da realidade econômica que se percebe na cidade desde o fechamento do Polo Naval e que foi agravada com a pandemia, mas não se contava com o desastre natural que se teve. Isso só agravou a situação e faz a perspectiva não ser boa. Acredito que até o final do ano, quando o capital injetado pelas ajudas dos governos que está aquecendo o comércio neste período acabar, teremos um cenário muito ruim", analisa.
A partir de maio, o movimento de migração dos moradores das áreas atingidas pelas inundações para zonas mais seguras, como o Cassino, afastou a clientela do comércio do centro da cidade, fazendo o movimento das lojas como a de Juliano encolher e aumentando a preocupação com relação ao futuro dos negócios. "O setor dos petshops, que é o que puxava o mercado local, pois é um setor normalmente aquecido, está se entregando por último. A realidade é que o comércio de Rio Grande está todo endividado e depende da ajuda do novo Pronampe subsidiado para se manter, ou seja, o panorama não é nada bom", avalia.
Há 60 quilômetros dali, no alto do prédio da Associação Comercial, no centro de Pelotas, o presidente da entidade, Fabrício Cagol, não esconde a preocupação diante do cenário encontrado quando as águas baixaram no início de junho. As estimativas são de que o maior centro comercial da região amargou quedas que variam entre 30% e 50% nas vendas no mês de maio em relação ao ano passado. A quebra do movimento exatamente em um dos meses mais promissores para os lojistas, por causa do Dia das Mães, afetou não apenas o faturamento, mas também o ânimo dos empresários. Somado a isso, as notícias sobre os prejuízos milionários no campo surgem como prenúncio de um quase inevitável aprofundamento da crise.
"Nosso temor está nos meses seguintes com a falta do dinheiro do agronegócio na cidade, pois isso vai reduzir mais ainda a circulação de capital ao menos até outubro. Nesse contexto, o público da região, que usa Pelotas como um centro comercial, vai frear seus gastos gerando um impacto direto no nosso comércio", comenta.
Conforme os dados da Emater/Ascar, as perdas no setor primário na Zona Sul chegaram a aproximadamente R$ 1,8 bilhão e superaram as quebras registradas com a estiagem de 2023, considerada a maior dos últimos 20 anos. A soja foi a cultura mais afetada com perdas que chegaram a 62%. Na safra 2022-2023 foram plantados na região de Pelotas 510,8 mil hectares com uma produtividade média de 2,1 toneladas por hectare e uma produção total de 1,1 milhão de toneladas.
A produção de hortigranjeiros da região também foi devastada. Em Rio Grande, as perdas chegaram a 100% e atualmente não há produtos locais sendo comercializados em nenhum dos municípios da costa da Lagoa dos Patos.
Os impactos, no entanto, vão além das lavouras e possibilitam projetar prejuízos futuros, como no caso da pecuária de corte, uma das principais atividades econômicas regionais. O excesso de umidade no solo em função das inundações têm impedido o desenvolvimento de forrageiras, enquanto as geadas e as baixas temperaturas afetam a qualidade dos campos nativos e o crescimento das pastagens de inverno. Os técnicos da Emater/Ascar calculam, ainda, que em todo o Estado 15 mil bovinos tenham morrido em decorrência das enchentes ou de doenças subsequentes.
O estudo "Enchentes no Rio Grande do Sul: impactos na pecuária de corte e caminhos para a recuperação", publicado no final de maio pelo Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne) coordenado pela Embrapa e assinado por seis pesquisadores da empresa pública, alerta para o fato de que a destruição das infraestrutura viária das cidades afetadas, sobretudo as estradas rurais, impede o transporte eficiente de insumos e animais e afeta desde a nutrição dos rebanhos até a comercialização da carne.
"A interrupção das rotas de transporte resulta em atrasos significativos na entrega de rações e suplementos alimentares, comprometendo a saúde e o desenvolvimento dos animais. Além disso, a dificuldade em transportar o gado para os abatedouros e mercados pode causar uma redução na oferta de carne, elevando os custos de produção e, consequentemente, os preços ao consumidor final", diz o relatório.
Tão tradicional quanto a pecuária, a pesca é outra atividade que sentirá por longo tempo os danos causados, ironicamente, pela cheia da lagoa. Nas cidades do sul do Estado estão as quatro maiores colônias de pescadores do Rio Grande do Sul: Z1 em São José do Norte, Z2 em Rio Grande, Z3 em Pelotas e Z8 em São Lourenço do Sul. Juntas elas reúnem em torno de 4 mil pescadores licenciados, responsáveis por abastecer o mercado das regiões sul, Metropolitana, Serra e de pontos no sudeste do País.
 

Cheia na Lagoa dos Patos gera temor

Empresas & Negócios - especial cheias na Metade Sul -ENCHENTE NA Z3 - FOTO MICHEL CORVELLO (3)

Empresas & Negócios - especial cheias na Metade Sul -ENCHENTE NA Z3 - FOTO MICHEL CORVELLO (3)

MICHEL CORVELLO/Divulgação/JC
A Colônia Z3, em Pelotas, ficou mais de 30 dias inundada. Quando a água baixou, 70% dos galpões onde são guardados os materiais de pesca e preparados os barcos haviam sido danificados. Todas as peixarias, em sua maioria localizadas na beira d'água, foram arrasadas e os proprietários perderam freezers, câmaras frias e outros equipamentos. A lagoa também invadiu a vila, danificando e espalhando prejuízos entre as aproximadamente 900 famílias de pescadores que vivem ali.
Mas para além dos prejuízos materiais e da destruição em terra, o que desola os pescadores é o impacto da enchente no estuário da Lagoa dos Patos. "A água está suja e inadequada para a reprodução das espécies. Em outubro, quando a lagoa deveria estar baixa para a entrada das larvas de camarão, não vai estar. Isso significa mais um ano sem pescaria e sem camarão", explica Nilmar Conceição, presidente do Sindicato dos Pescadores de Pelotas e coordenador do Fórum da Lagoa dos Patos, órgão que reúne todas as instituições relacionadas com a pesca na região.
Tanto quanto os produtores rurais, os pescadores da região esperam pela ajuda federal para tentar recuperar os prejuízos e sobreviver até que seja possível voltar a trabalhar. Financiamentos com carência a perder de vista, juros baixos e de fácil obtenção são as principais opções para quem precisa reconstruir sua estrutura e não tem como trabalhar.
"Nossa comunidade ainda está em choque, está desorientada. Nosso negócio é pescar e vender pescado e não sabemos quando poderemos voltar a fazer isso. A ajuda governamental dos R$ 5,1 mil não chegou para todos, o que gera mais ansiedade e desesperança nas pessoas. Em outubro termina o período de defeso e o seguro deixa de ser pago. Precisamos de alternativas práticas para depois disso e de apoio para comprar o pescado em outros lugares e, ao menos, manter a atividade comercial funcionando", diz Conceição.
 

Recomposição da infraestrutura é uma das prioridades

Em Pelotas, um dos pontos turísticos mais famosos, o trapiche do Laranjal, também foi completamente destruído

Em Pelotas, um dos pontos turísticos mais famosos, o trapiche do Laranjal, também foi completamente destruído

MICHEL CORVELLO/Divulgação/JC
Recuperar os danos causados pelas inundações na infraestrutura dos municípios tem sido o desafio dos prefeitos que dependem, mais do que nunca, da ajuda dos governos federal e estadual. Estradas rurais e pontes, como a que liga Rio Grande a Ilha dos Marinheiros - principal centro produtor de hortigranjeiros e sede das principais agroindústrias do município - ou a estrada até a Z3 encabeçam a lista de prioridades ao lado de estruturas essenciais para o desenvolvimento de atividades econômicas como o turismo, por exemplo.
Em São Lourenço do Sul, cidade que tem no turismo de verão uma de suas principais fontes de renda, a reconstrução da orla da Lagoa dos Patos, por exemplo, está estimada em R$ 30 milhões. Em Pelotas, um dos pontos turísticos mais famosos, o trapiche do Laranjal, que também foi completamente destruído, tem sua recuperação orçada em R$ 1 milhão.
A presidente da Associação dos Municípios da Zona Sul (Azonasul) e prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas, explica que os prefeitos da região já pediram que o governo federal estabeleça medidas de apoio para a reconstrução das estruturas afetadas. Também foi solicitado que o Ministério da Reconstrução do RS dê prioridade e implemente efetivamente os projetos protocolados pelas prefeituras nos Programas de Aceleração do Crescimento (PACs).
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"Precisamos de um plano abrangente que não só reconstrua o que foi destruído, mas que também prepare nossas cidades para enfrentar futuros desastres climáticos", afirma. A modernização das infraestruturas urbanas e rurais, além de melhorias nos sistemas de drenagem e saneamento básico para minimizar os impactos de futuras enchentes são as prioridades, conforme Paula.
Enquanto a ajuda não vem, os prefeitos trabalham com os meios que dispõem. Em Pelotas, por exemplo, já foram investidos recursos próprios na recuperação da estrada da Z3 e outras da zona rural, recomposição do asfalto danificado em ruas e avenidas da área urbana, além de R$ 600 mil na recuperação da Unidade Básica de Saúde (UBS) e de duas escolas de ensino fundamental que estão recebendo reparos nos prédios e ganharão todo mobiliário e equipamentos novos.
 

Cresce ainda mais a aposta na promoção dos atrativos turísticos

São Lourenço do Sul já enfrentava dificuldades em decorrência das fortes chuvas que atingiram o município no primeiro trimestre do ano; impactos da cheia da lagoa foram profundos

São Lourenço do Sul já enfrentava dificuldades em decorrência das fortes chuvas que atingiram o município no primeiro trimestre do ano; impactos da cheia da lagoa foram profundos

Daniela Alves/DIVULGAÇÃO/CIDADES
No início de maio, quando o nível da Lagoa dos Patos atingiu a marca histórica de 2,77 metros, as águas, famosas por sua calmaria, avançaram sobre as construções da orla de São Lourenço do Sul desalojando aproximadamente 5 mil pessoas e levando adiante calçadas, ciclovias, pistas de caminhada, quiosques e postes. Quando a inundação terminou, o que restou foi um cenário desolador de destruição e um prejuízo milionário.
A recuperação da infraestrutura da beira das praias é um dos grandes desafios da administração pública, afinal o turismo é uma das principais atividades econômicas locais. Para se ter uma ideia do peso do setor, basta saber que em fevereiro, nos três dias de carnaval, a cidade recebeu 140 mil visitantes, número três vezes maior que sua população, que é de 42 mil habitantes, conforme o Censo 2022.
O prefeito Rudinei Harter explica que os técnicos da prefeitura elaboraram 12 projetos para reconstruir as estruturas da orla da praia. A ideia é realizar as obras por trechos, mas para isso o município precisa de ajuda financeira, pois as contas estão no vermelho.
"Estamos enfrentando uma redução significativa na arrecadação municipal, com uma queda de 40,9% somente em maio, o que representa um impacto considerável. Por isso, precisamos segurar ao máximo os recursos da prefeitura para manter os compromissos em dia, como folha de pagamento e outras obrigações, enquanto buscamos recursos adicionais para os projetos de reconstrução", explica. A expectativa do prefeito é de ter os projetos aprovados até o final do ano, o que tornaria possível para o próximo gestor iniciar as obras até fevereiro de 2025, ou seja, quase no final da temporada de veraneio.
Com a infraestrutura danificada, resta aos operadores do turismo apostarem nas belezas naturais, como as praias, para atrair visitantes. A queda no volume de turistas, todavia, é esperado tanto por isso, como pelo fato de a cidade ser um destino popular entre os moradores das regiões Metropolitana e dos vales do Sinos e Taquari, áreas fortemente afetadas pelas enchentes de maio.
O presidente da Associação Comercial e Industrial (ACI), Cristiano Altenburg, ressalta que São Lourenço do Sul já enfrentava dificuldades em decorrência das fortes chuvas que atingiram o município no primeiro trimestre do ano e, dessa forma, os impactos da cheia da lagoa foram profundos. Dentro deste quadro estão, ainda, os prejuízos na zona rural estimados em R$ 297 milhões, com perdas significativas na produção de soja, milho e pecuária, além de danos nas estradas rurais.
"Em médio a longo prazo, iremos sofrer com a diminuição do poder de compra do povo gaúcho e claro, os impactos no turismo serão graves e duradouros, prejudicando toda uma cadeia produtiva essencial para a economia local", diz Altenburg.
Frente a este cenário, demissões não estão descartadas especialmente no comércio e nos operadores do turismo. Atualmente, conforme os dados do Caged, os setores de comércio e serviços ocupam 3,8 mil empregados.
A criação de ações de apoio governamental, sejam federais ou estaduais, com a disponibilização de linhas de crédito e iniciativas que fomentem geração e manutenção de negócios, emprego e renda é apontada por Altenburg como essencial para a reorganização da economia da cidade.
Parte desta ajuda começa a chegar através do Pronampe Solidário para Negócios Atingidos, que, de acordo com a plataforma de dados abertos Brasil Participativo mantida pelo governo federal, já liberou R$ 5,8 milhões para o município. O crédito tem subsídio de 40%, 24 meses de carência e juros de 16,5% ao ano.
Enquanto a verba ajuda na reconstrução dos estabelecimentos localizados às margens da lagoa como restaurantes, bares, pousadas e hotéis, as equipes da prefeitura trabalham para recompor as praias da melhor maneira possível e deixá-las em condições adequadas para receber os turistas.
"O turismo é crucial para a recuperação da nossa economia. Por isso, toda a comunidade está mobilizada para deixar tudo o mais organizado possível até o verão para os visitantes", diz Harter.
A força de eventos como a Fenadoce e a Expofeira que, somados, atraíram 450 mil visitantes no ano passado, são apostas para tentar movimentar a economia de Pelotas no período pós-enchente. Conforme o presidente da Associação Comercial, Fabrício Cagol, as festas são alternativas viáveis para alavancar a economia e como a maior parte do público da Fenadoce é tradicionalmente do Rio Grande do Sul, o volume de visitantes tende a se manter. Para ele, a manutenção do calendário de eventos tem outra finalidade essencial: melhorar o ânimo da comunidade, mantê-la focada no trabalho e na recuperação da economia local.
 

Contexto regional é fundamental para avaliar próximos passos

Em São José do Norte, impacto da enchente nos estabelecimentos foi indireto e está relacionado, principalmente, à paralisação quase total das atividades econômicas

Em São José do Norte, impacto da enchente nos estabelecimentos foi indireto e está relacionado, principalmente, à paralisação quase total das atividades econômicas

FELIPE SCOTT/Divulgação/JC
Quando escolheu antigos prédios localizados a poucos metros do cais do Centro Histórico de Rio Grande para instalar sua cervejaria artesanal, o empreendedor Tiago Nader vislumbrou apenas o potencial paisagístico do lugar, ideal para a realização de eventos de rua tão apropriados para o seu nicho de negócio e sequer imaginou que, um dia, precisaria de um barco para entrar em sua fábrica. Mas foi o que aconteceu em maio, quando a lâmina d'água chegou a 1,5 metro no prédio.
A inundação arruinou todos os equipamentos, além da instalação elétrica do prédio e o depósito onde estavam armazenados mesas, cadeiras, toldos, barris e chopeiras, que são usadas nos eventos de rua promovidos pela marca e alugadas para festas particulares. O pub que Nader e os sócios possuem, a quase dois quilômetros da beira da água, também foi inundado e, apesar de sofrer poucos danos, permaneceu 22 dias fechado.
O prejuízo total ainda está sendo apurado pelos sócios, que preparam um retorno ao mercado com uma estratégia baseada em muita cautela, nenhum investimento além daqueles necessários para manter a operação iniciada em 2021, e uma cuidadosa observação do contexto local.
"A gente costuma dizer que sempre tem dinheiro para a cerveja, mas tem-se muito medo que aconteçam demissões em outros empreendimentos, o que vai impactar na economia. Hoje já percebemos um aumento da inadimplência. Todos os clientes estão devendo e isso mostra que os restaurantes estão com pouco movimento, o que preocupa a médio prazo e vai se refletir diretamente na empresa e, no pior dos cenários, há o risco de pararmos de fornecer para estes clientes", diz.
De acordo com Nader, as análises feitas semanalmente, através de conversas com clientes e fornecedores sobre o contexto e o comportamento do mercado, têm mostrado uma incerteza com relação à manutenção dos empregos na cidade. A estabilidade da atividade industrial, tanto em Rio Grande como em São José do Norte, onde o estaleiro EBR mantém 3 mil postos de trabalho ativos, surgem como sinais em contraponto à debilidade do comércio.
"Olhamos as vendas, os atendimentos e estamos escutando os clientes, flexibilizando os pagamentos, mas o maior medo é não ter poder de compra para investir e não ter certeza de que as empresas irão manter os empregos, pois isso vai impactar diretamente nos negócios e na nossa própria capacidade de gerar empregos temporários no final do ano", comenta.
Do outro lado do canal Miguel da Cunha, Letícia Vanzelote também mantém atenção total aos movimentos da economia microrregional para avaliar os próximos passos que dará na administração da rede de lojas de departamentos, mantida pela família há 55 anos no centro de São José do Norte. O impacto da enchente nos estabelecimentos foi indireto e está relacionado, principalmente, à paralisação quase total das atividades econômicas na cidade durante o mês de maio. Porém, a retomada depende diretamente da reorganização do arranjo produtivo local e da ajuda governamental.
"A curto prazo precisamos que mais comerciantes consigam se beneficiar de linhas de crédito realmente baratas, lembrando que todos foram atingidos, mesmo que não pela água da enchente, mas pelos reflexos da insegurança e retração do consumo. Em um cenário de médio prazo dependemos de inúmeros fatores que influenciam diretamente na economia local, tanto meteorológicos quanto em relação à retomada da atividade pesqueira e da agricultura em São José do Norte e Rio Grande, além da habilidade dos poderes públicos em auxiliar na reconstrução material, física e emocional da população atingida", comenta.
Conforme a secretária de Desenvolvimento, Turismo e Inovação de Rio Grande, Paola Liz Braga, até julho os impactos no mercado de trabalho foram poucos frente a magnitude da catástrofe. "Houve um decréscimo de 0,5% dos empregos, o que representa 68 postos de trabalho. No entanto, Rio Grande está numa crescente no triênio 2021-2024 e se encontra no top 5 do desenvolvimento no Estado, sendo o carro-chefe na mesorregião sul nos últimos 12 meses com aumento de 3,5% de junho de 2023 até agora. Isso é o dobro do obtido no RS, que foi de 1,7%", diz.
De acordo com os dados da secretaria, a indústria química, de alimentos e os serviços qualificados têm puxado estes índices e geraram em torno de 4 mil novos postos de trabalho desde 2021. "Os serviços cresceram 30% no triênio com as mudanças trazidas pela Lei da Liberdade Econômica e a Lei da Inovação que tornaram a cidade menos burocratizada e isso nos ampara e nos torna mais fortes para enfrentar esse choque a curto prazo", avalia.
 

Problemas para obter ajuda prometida pelo governo federal atrasam recuperação

Empresas & Negócios - especial cheias na Metade Sul -LETÍCIA VANZELOTE - FOTO ACERVO PESSOAL

Empresas & Negócios - especial cheias na Metade Sul -LETÍCIA VANZELOTE - FOTO ACERVO PESSOAL

LETÍCIA VANZELOTE/ARQUIVO PESSOAL/JC
A demora e a dificuldade em obter o dinheiro prometido pelo governo federal para socorrer as empresas afetadas pela crise climática têm gerado reclamações e espalhado frustração entre os empreendedores do Sul e são apontadas como causas da demora da região em conseguir tornar a aquecer sua economia.
Ainda em maio, Brasília anunciou uma série de medidas de auxílio às empresas gaúchas, sendo uma das principais o aporte de R$ 500 milhões no Fundo Garantidor de Investimento (FGI), gerido pelo BNDES, responsável por gerar até R$ 5 bilhões em operações de crédito para micro, pequenas e médias empresas e microempreendedores individuais (MEIs), por meio do Programa Emergencial de Acesso a Crédito (FGI-PEAC).
Outro socorro prometido foi a destinação de R$ 4,5 bilhões para concessão de garantias no Fundo Garantidor de Operações (FGO), com potencial para gerar concessão de crédito de R$ 30 bilhões dentro do Programa Nacional de Apoio a Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe).
Dados do portal Brasil Participativo indicam que, até o início de julho, o total de operações feitas através do Pronampe Solidário e do PEAC chegam a R$ 131 milhões nos quatro municípios.
Apesar dos números positivos, as queixas entre os empreendedores não são poucas. "Ouviu-se falar em inúmeros recursos financeiros em apoio às empresas. No entanto, diferentemente do que foi divulgado, não foram de fácil acesso e muito poucos CNPJs foram os contemplados", afirma Letícia Vanezelote, que é diretora da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de São José do Norte.
Uma dessas empresas foi a cervejaria de Nader, que se inscreveu para acessar o auxílio financeiro - de duas parcelas de R$ 1.412 -, prometido através do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), destinado a garantir o pagamento de salários dos trabalhadores das empresas instaladas em áreas inundadas. Ao ter o pedido rejeitado, não restou alternativa para a empresa senão arcar sozinha com o salário dos 18 empregados. "A perda desta possibilidade de ajuda foi muito triste porque se contava com esse recurso para retomar os investimentos e acabou que tivemos de segurar isso, mas conseguimos não demitir ninguém", diz.
 

Diferentes ações buscam incentivar o consumo local

Empresas & Negócios - especial cheias na Metade Sul -ORLA DAS PRAIAS DE SÃO LOURENÇO DO SUL - FOTO DANIELA ALVES (1)

Empresas & Negócios - especial cheias na Metade Sul -ORLA DAS PRAIAS DE SÃO LOURENÇO DO SUL - FOTO DANIELA ALVES (1)

DANIELA ALVES/DIVULGAÇÃO/JC
Desde que as águas baixaram e a preocupação com o futuro da economia aflorou, governos e entidades de classe têm investido na construção de políticas públicas e iniciativas capazes de estimular o consumo local e fortalecer os setores mais afetados. Em Rio Grande, onde 6,7 mil empresas, 85% delas pequenas ou micros, foram afetadas diretamente pela enchente, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Inovação e Turismo tem buscado parcerias com entidades para divulgar as políticas de crédito emergencial e apoiar a recuperação dos empreendedores afetados.
Uma das iniciativas é cadastrar empreendedores afetados no programa Sebraetec Supera do Sebrae RS, que oferece auxílios de R$ 3 mil até R$ 15 mil para MEIs, agricultores familiares, micro e pequenos empresários. Os técnicos da secretaria também estão oferecendo consultorias sobre as diferentes modalidades de ajuda dos governos federal e estadual e as formas de acessar os recursos.
A prefeitura lançou, ainda, o programa Rio Grande Volta por Cima - O Recomeço, através do qual se trabalha a inteligência emocional na crise com a oferta de cursos para empreendedores e para quem procura emprego.
Na trilha do empreendedorismo serão oferecidas 100 vagas gratuitas para curso de marketing digital, que tem como objetivo alavancar as vendas dos negócios locais para fora da cidade e auxiliar na reorganização das finanças. Na trilha da empregabilidade, a ideia é orientar outros 100 alunos em como buscar vagas adequadas às suas habilidades e como se capacitar para disputar essas vagas.
"Rio Grande participa do processo de reestruturação do Rio Grande do Sul. A nossa Sala do Empreendedor tem selo triplo diamante, o que significa que é um espaço de excelência no Brasil. E a partir dela foram propostas duas ações bem específicas: a renovação temporária automática dos alvarás que estavam vencendo e o acolhimento de um empreendedor atingido por outro instalado em área que não tenha sido atingida, com permissão legal de funcionamento das duas atividades no mesmo endereço", explica Elisandra Luvier, Superintendente de Empreendedorismo da Secretaria de Desenvolvimento, Inovação e Turismo.
Em Pelotas, a prefeitura conseguiu aprovar na Câmara de Vereadores, na segunda quinzena de julho, a criação do programa Força Pelotas, um plano municipal de recuperação dos atingidos pela enchente, através do qual são oferecidas isenções e remissões de taxas, prorrogações de prazos e medidas de suporte administrativo, bem como um projeto de auxílio financeiro para os pescadores.
Entre as principais medidas previstas para auxiliar os empreendedores estão a isenção por dois meses do Imposto sobre Serviços (ISS), dedução do IPTU por prazo equivalente, a prorrogação da validade dos alvarás municipais, bem como a ampliação do programa Juro Zero em Pelotas.
"Depois de todo o trabalho integrado de prevenção, assistência, resgate das pessoas em áreas de risco, chegou o momento de elaborarmos medidas que ajudem na reestruturação", destaca a prefeita Paula. As entidades de classe também têm feito sua parte e lançado campanhas de incentivo ao fortalecimento do comércio local.
Em Rio Grande, a iniciativa da CDL foi batizada de "Levanta Rio Grande" e, conforme o presidente da entidade Marcelo Valente, está organizada em três fases, sendo a primeira delas o apoio ao social, depois o lado empresarial e por fim, um movimento perene de desenvolvimento da economia.
"Neste novo recomeço, a CDL segue apostando que atividades de fomento como os eventos e as políticas públicas de incentivo são essenciais. Assim, arrumamos o caminho para a retomada econômica que está sendo impulsionada também pelos benefícios sociais, que pedimos que as pessoas utilizem com sabedoria e, principalmente, no comércio local", afirma.
Apesar da evidente preocupação com a solução da crise econômica que bate à porta e ameaça a saúde financeira dos negócios a curto prazo, lideranças políticas e empresariais da região dão sinais de compreender a necessidade de se pensar mais além do imediato.
"Pensar em cidades resilientes é essencial. A reconstrução não é só quando se perdeu e precisamos pensar daqui para a frente. Precisamos um olhar maior de recuperação integrada com construção de algo novo", afirma a secretária Paola Braga. Encontrar o caminho para este novo momento, conforme Paola, passa por um bem trabalhado e organizado processo de governança colaborativa, com poder público e sociedade civil decidindo juntos os melhores rumos da administração das cidades.
"Essas intempéries comprovam que quando as políticas públicas estão alinhadas e integradas, a ideia de trabalhar o grande pacto se consolida, pois só se pode olhar para o futuro quando se tem uma governança colaborativa. E nada foi mais colaborativo do que as respostas ao pedido de socorro das comunidades afetadas pelas enchentes", pondera.
 

* Álvaro Guimarães é natural de Rio Grande e jornalista formado pela Universidade Católica de Pelotas. Atualmente, trabalha como assessor de comunicação e repórter freelancer

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