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Publicada em 19 de Julho de 2024 às 18:30

Retorno ao trabalho após enchentes requer cuidados

Muitas empresas precisaram fechar as portas por todo o Estado e tantas recém começam a receber os colaboradores

Muitas empresas precisaram fechar as portas por todo o Estado e tantas recém começam a receber os colaboradores

EVANDRO OLIVEIRA/JC
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As enchentes no Rio Grande do Sul que ocorreram no final de abril deixaram um rastro de destruição que vai além dos danos materiais, impactando profundamente a vida de milhares de trabalhadores em todo o estado. E para a maioria, o retorno ao trabalho após uma catástrofe coletiva representa um desafio ainda maior.
As enchentes no Rio Grande do Sul que ocorreram no final de abril deixaram um rastro de destruição que vai além dos danos materiais, impactando profundamente a vida de milhares de trabalhadores em todo o estado. E para a maioria, o retorno ao trabalho após uma catástrofe coletiva representa um desafio ainda maior.
Estudos realizados pela UFMG dois anos após a tragédia em Mariana (MG) revelaram que quase 30% da população afetada pelo desastre em Brumadinho apresentava sintomas associados à depressão, um índice quase cinco vezes maior do que o observado no restante da população do país. Para Simone Nascimento, médica com especialização em saúde mental e bem-estar corporativo, nesse processo delicado de retomada, as empresas desempenham um papel fundamental no apoio e na reintegração desses trabalhadores.
Segundo a médica, a volta ao trabalho apresenta desafios significativos para os colaboradores. Além das perdas materiais e de entes queridos, há uma quebra abrupta da rotina conhecida, sobreposta a outras perdas como a financeira, da liberdade, do convívio social, e a interrupção de planos e projetos. Situações como essa também podem desencadear sentimentos de perda, culpa, raiva e medo. Se não forem adequadamente gerenciados, esses sentimentos podem afetar significativamente o bem-estar e o desempenho no trabalho, podendo levar a transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), ansiedade, depressão e alterações do sono.
"Muitos que sofrem com a insegurança alimentar e de moradia, dificuldade de acesso a suporte médico e psicológico para a gestão do estresse pós-traumático, também lidam com a sensação de isolamento, alterações do sono, levando a fadiga crônica, dificuldades de concentração, além do medo da recorrência dos eventos traumáticos. Sendo assim, a reintegração ao cotidiano de trabalho demanda uma adaptação que respeite os diferentes ritmos de recuperação de cada indivíduo e as organizações precisam entender isso."
Para apoiar os funcionários, é fundamental que as lideranças compreendam e validem a gravidade da situação. Evitar pressioná-los a "superar rapidamente" suas emoções, ou a minimizar suas experiências, é crucial. As empresas devem evitar a comunicação genérica e a positividade forçada, além de garantir ações concretas de suporte.
Sobrecarregar os colaboradores com exigências de produtividade imediatas também deve ser evitado, respeitando o processo de recuperação individual. Essas práticas criam um ambiente seguro e contribuem para restabelecer a normalidade de forma mais rápida, ao contrário de ações que podem causar mais danos.
Simone também sugere que as empresas ofereçam flexibilidade de horário e a possibilidade de trabalho remoto, mesmo que temporariamente, para acomodar as diferentes necessidades dos funcionários. É importante considerar, porém, que muitos colaboradores que estavam em home office perderam seus equipamentos de trabalho e estão impossibilitados de retornar às suas casas.
Outra estratégia eficaz é a antecipação de férias coletivas, especialmente nos casos em que a própria empresa foi afetada pela tragédia. Isso permite que os funcionários tenham um período para se recuperar emocionalmente e lidar com as consequências do desastre.
"Programas de apoio à saúde mental, com sessões regulares com psicólogos e espaços de descompressão no local de trabalho, podem ajudar os colaboradores a enfrentar o estresse pós-traumático e a sensação de isolamento. Implementar um sistema de mentoria ou grupos de apoio também pode ser benéfico, permitindo que os funcionários se sintam mais amparados durante o processo de reintegração. Esse sistema de apoio pode ser criado em ambiente virtual, envolvendo pessoas de outras regiões que se voluntariam para atender a essas demandas", indica a médica, que complementa dizendo que é essencial que a liderança da empresa esteja verdadeiramente comprometida com as iniciativas de apoio e criar um ambiente seguro é crucial para evitar perdas ainda maiores, tanto para os colaboradores quanto para a produtividade.

Simone diz que é preciso ter empatia e comunicação não violenta | Simone Nascimento/arquivo pessoal/jc
Simone diz que é preciso ter empatia e comunicação não violenta Simone Nascimento/arquivo pessoal/jc
Treinamentos sobre empatia e comunicação não violenta podem ajudar gestores e líderes a lidarem melhor com essas situações, diz Simone 
"Treinamentos sobre empatia e comunicação não violenta podem ajudar gestores e líderes a lidarem melhor com essas situações. Readequar projeções e expectativas é fundamental para a sustentabilidade do negócio. Recomenda-se também a criação de um plano de continuidade de trabalho que incorpore estratégias de gestão de crises e saúde mental, preparando a empresa para responder de maneira eficaz e sensível a futuras adversidades, podendo servir de exemplo para outras regiões não afetadas".
 

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