Porto Alegre,

Anuncie no JC
Assine agora

Publicada em 13 de Julho de 2024 às 16:00

Pecuária do futuro passa por aproveitar o melhor de cada raça

Criadora de Montana alia tradição e inovação constante na gestão de propriedade na Metade Sul do RS

Criadora de Montana alia tradição e inovação constante na gestão de propriedade na Metade Sul do RS

Estância da Gruta/Divulgação/JC
Compartilhe:
Cristine Pires
Cristine Pires Editora-assistente de Economia
Uma das mais tradicionais famílias pecuaristas da Zona Sul, responsável pela Estância da Gruta, carrega 178 anos de tradição em negócios agrícolas e pecuários, incluindo a criação da raça Montana e o cultivo de arroz e soja. Localizada em Capão do Leão (RS), a propriedade é um marco na história da formação do Rio Grande do Sul. Nos Campos do Pavão, a dedicação é evidente tanto na preservação cultural quanto na inovação agrícola e pecuária. A fazenda foi pioneira na criação de Devon no Brasil em 1915, quando a família, com a ajuda do amigo Joaquim Francisco de Assis Brasil, adquiriu os primeiros animais do Uruguai. Nos anos 1970, a propriedade possuía o maior rebanho puro de Devon do mundo. Hoje, o foco está na criação da raça Montana, conhecida por sua alta produtividade e rentabilidade. 
Uma das mais tradicionais famílias pecuaristas da Zona Sul, responsável pela Estância da Gruta, carrega 178 anos de tradição em negócios agrícolas e pecuários, incluindo a criação da raça Montana e o cultivo de arroz e soja. Localizada em Capão do Leão (RS), a propriedade é um marco na história da formação do Rio Grande do Sul. Nos Campos do Pavão, a dedicação é evidente tanto na preservação cultural quanto na inovação agrícola e pecuária. A fazenda foi pioneira na criação de Devon no Brasil em 1915, quando a família, com a ajuda do amigo Joaquim Francisco de Assis Brasil, adquiriu os primeiros animais do Uruguai. Nos anos 1970, a propriedade possuía o maior rebanho puro de Devon do mundo. Hoje, o foco está na criação da raça Montana, conhecida por sua alta produtividade e rentabilidade. 
A pecuarista Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli, junto com seus filhos Antonio e Catarina, gerencia a estância, ciente da importância de preparar a transição do legado familiar para as próximas gerações. Entre suas paixões está o antigo casarão, a sede da estância, onde encontra tranquilidade para planejar novos projetos. Anna sempre foi uma mulher à frente de seu tempo. Na juventude, foi modelo de grandes marcas, destacando-se por sua beleza e ousadia nos corredores da faculdade de Agronomia. Com uma vida marcada por viagens e experiências globais, retornou à propriedade familiar em uma época dominada por homens na pecuária. Uma de suas grandes inspirações foi sua mãe, Antônia. Como muitas propriedades gaúchas, a Estância da Gruta foi afetada pelas enchentes de maio de 2024. No entanto, mantendo sua tradição de constante inovação, está superando os desafios e se reinventando para o futuro.
Empresas & Negócios - Como a participação dos pecuaristas brasileiros no Congresso Mundial de Devon pode impactar a criação da raça Devon no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - A Estância da Gruta vem participando dos Congressos de Devon desde o primeiro, realizado no ano de 1980. Não participamos apenas de um, que aconteceu na Nova Zelândia, pois coincidiu com a nossa época de colheita. Todos os congressos e encontros nos fazem crescer em diversos aspectos, sobretudo na melhoria genética da criação, na melhoria da carne com a produção de animais mais robustos, adaptados e produtivos, como é o Montana, que conta com o Devon em sua composição. Os Estados Unidos, sede deste último congresso, está completando 400 anos de criação de Devon, acumulando muita experiência que pode ser intercambiada com criadores da África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra que participaram do evento. Programas de melhoramento são conversados e evoluem a partir desta ação integrada.
E&N - Quais são as expectativas dos pecuaristas gaúchos em relação à troca de informações durante o Congresso Mundial de Devon nos Estados Unidos?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - Nossa genética é referência no melhoramento genético da raça Devon. Logo, o Congresso é uma oportunidade também para o desenvolvimento da genética dos rebanhos a partir do que temos no Rio Grande do Sul, pois é possível, além de ajudar a disseminar e compartilhar os resultados, adquirir conhecimentos para fortalecer os rebanhos com animais ainda mais produtivos e carniceiros. Atualmente, a genética Devon é utilizada na base da composição do gado Montana que criamos.
E&N - De que maneira a genética Devon, que tem sido um pilar na Estância da Gruta, contribui para a composição do gado Montana e qual é a importância dessa integração?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - Dentre as raças britânicas que usamos para o Montana, estão Angus, Red Angus, Hereford e o Devon. São elas que compõem praticamente todos os animais Montana que nós temos na propriedade. O Devon tem como características a precocidade e o excelente rendimento de carcaça, assim como a alta fertilidade e a docilidade, além de ser uma raça que nos dá muita habilidade materna. Eu acho a vaca Devon uma excelente mãe. A importância desta integração é o aproveitamento das melhores características das raças no composto, que é um gado inovador e de origem 100% brasileira, melhor adaptado ao clima e com maior rendimento advindos da heterose. Nosso primeiro contato com a Montana foi por meio do criador Jim Leechman, que se interessou por usar a genética das nossas fêmeas Devon da Gruta. Isso aconteceu após uma viagem ao Centro Genético de Nebaska, nos Estados Unidos, de onde voltei convencida de que o cruzamento composto era a força que faltava para acelerar o processo de melhoramento de rebanhos focados em qualidade de carne.
E&N - Quais são as principais características da raça Devon que a tornam atraente para os criadores gaúchos e quais benefícios esses atributos trazem para a pecuária regional?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - O Devon é um gado muito bem adaptado ao solo gaúcho, um gado rústico e que ainda agrega qualidade de carne aos rebanhos. Por ser uma raça de origem europeia, é ideal para uso tanto em áreas de clima mais ameno, como no Sul, quanto para cruzamento. As características do Devon na composição no Montana são muito apreciadas, porque agregam muito na composição do Montana, que é um caminho altamente produtivo para o pecuarista.
E&N - Como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul afetaram os criatórios da região e quais medidas estão sendo tomadas para mitigar esses impactos?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - Apesar das enchentes e chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul durante a safra de verão 2023/2024, conseguimos concluir com sucesso a colheita de arroz, encerrando a retirada dos grãos do campo no final de abril e início de maio. Conseguimos isso graças a um conjunto de boa gestão e técnicas de manejo que, integradas com a pecuária, nos fez conseguir um novo recorde na produção do grão. Conforme Antonio Quinto Di Cameli, que é meu filho e sócio-administrador da propriedade, o resultado foi de 235 sacos por hectare de arroz limpo e seco. Por conta dos desafios que enfrentamos, chegamos a estimar uma perda de até 10 sacos por hectare, mas, no final, conseguimos ter uma colheita histórica, fruto da soma de esforços entre colaboradores, consultoria e parceiros. Tivemos uma grande equipe envolvida neste processo. Chegamos a ficar sem luz por mais de sete dias consecutivos, o que interrompeu nosso processo, inviabilizando o uso dos armazéns. Isso nos levou a direcionar quase 30% da colheita para estruturas e silos de terceiros, gerando custos de secagem e armazenagem. O mais importante neste processo foi tomar a decisão de colher e guardar o grão, para não se perder no campo. Nas cheias de maio, a Metade Sul também foi atingida. Nunca tivemos um caso de tanta umidade como temos agora. Isso prejudicou nossas pastagens e encheu algumas áreas. Nossa sorte foi ter colhido o que restava da lavoura de soja nos campos logo no início da alta das águas. Foi uma decisão acertada. Apesar de termos colhido o grão de soja úmido, isso nos garantiu salvar pelo menos parte da produção dessas áreas. As águas também levaram à morte de seis novilhas, o que não foi muito em comparação a outras propriedades.
E&N - Qual é a relevância histórica da Estância da Gruta na criação de Devon no Brasil e como essa trajetória influencia as práticas pecuárias atuais?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - Foi no ano de 1915, em plena 1ª Guerra Mundial, que teve origem a criação do gado Devon, mudando a trajetória da Estância da Gruta e a colocando no caminho em que segue até os dias atuais. Há quase 110 anos, Friesh, zootecnista inglês, dono da Cabanha Lorena, no Uruguai, vendeu todo o seu rebanho para Edmundo Berchon des Essarts, meu bisavô, e seu grande amigo Francisco de Assis Brasil, que, além de ter sido diplomata e embaixador do Brasil na Inglaterra, era um homem de muita vivência no campo. Esta compra aconteceu após Assil Brasil perceber a semelhança entre as pastagens e as condições climáticas do condado de Devon, na Inglaterra, com as do Rio Grande do Sul. E, assim, aconteceu a adaptação da raça Devon nos campos gaúchos. Berchon passou então a importar o que havia de melhor de touros e vacas Devon na Inglaterra, consolidando o maior rebanho da raça pura no mundo. A partir de 1993, a Gruta passou a implantar o sistema de franquia para produção do Composto Montana, uma nova raça, baseada em um sistema genético sério, de princípios comprovados e economicamente lucrativos. O cultivo de arroz iniciou em 1911 e também tem história. Naquele ano, Berchon trouxe ao Estado o especialista em cultura de arroz e diretor da Escola Experimental de Agricultura da Itália, Novelo Noveli, dando início a produção nos campos da Gruta.
E&N - Quais avanços tecnológicos e de melhoramento genético têm sido adotados pelos criadores no Rio Grande do Sul para aumentar a produtividade e qualidade dos rebanhos? As enchentes impactam nisso de alguma forma?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - A pecuária avançou muito nos últimos anos. Melhoramos a produtividade dos nossos rebanhos, e isso refere-se à quantidade de carne produzida por hectare, assim como a qualidade. E aqui aliamos produção em maior escala com novas características altamente apreciadas pelo consumidor, como maciez e suculência. Na agricultura, os avanços são similares, com variedades mais produtivas. O avanço da soja na Metade Sul do Rio Grande do Sul também nos trouxeram ganhos substanciais. Ao longo das últimas décadas, fizemos tudo isso com muito respeito aos campos, mantendo áreas de preservação, garantindo a elevação da qualidade dos solos e da água. Quando temos episódios como as cheias deste ano, é claro que se perde produção, mas o material genético de anos se mantém na longevidade dos animais. Felizmente, a Estância da Gruta perdeu poucos animais, mas há pecuaristas que não tiveram a mesma sorte, perdendo matrizes e doadoras. Nesses casos sim, pode se ter perdas de décadas de melhoramento genético. E isso é algo que não se recupera. Que não há seguro ou indenização que pague.
E&N - Como a experiência adquirida no Congresso Mundial de Devon pode ajudar os pecuaristas brasileiros a enfrentar os desafios econômicos e ambientais, como a crise provocada pelas enchentes?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - A pecuária norte-americana deu um salto em termos de sustentabilidade e trouxemos isso na bagagem deste Congresso Mundial. Um dos exemplos positivos é a mudança no manejo feita no Lakota Ranch. A propriedade, na Virgínia (EUA), reduziu em 94% o uso de fertilizantes e herbicidas, mantendo o solo coberto durante todo o ano, o que aumentou a competição entre as plantas por nutrientes e reduziu a infestação de ervas daninhas. Isso proporcionou ainda um aumento das raízes, melhorando a aeração e a vitalidade do solo. Com a melhoria na qualidade das forrageiras, as 350 vacas da fazenda agora consomem apenas 30 fardos de feno por ano, comparado aos 600 a 800 fardos necessários anteriormente para alimentar 200 vacas. Além disso, o tempo para a terminação do gado foi reduzido para um intervalo de 24 a 28 meses.
E&N - De que forma a colaboração internacional e a troca de experiências entre pecuaristas de diferentes países durante o congresso podem beneficiar a pecuária gaúcha e brasileira em longo prazo?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - Sem dúvida a necessidade de uma produção cada vez mais focada na preservação dos recursos naturais. A agricultura e a pecuária são profundamente dependentes do solo e da água. São recursos finitos que precisam ser preservados. Esta colaboração internacional nos ajuda a perceber que o mundo está alinhado na valorização desses recursos e da necessidade de a produção ser ambientalmente sustentável. Isso se dá através da apropriação destas novas tecnologias, como as de manejo, que trazem ganhos tanto na produtividade quanto na preservação. A Estância da Gruta sempre esteve em sintonia com estes princípios, e já faz um perfeita integração Lavoura Pecuária e está sempre atenta às novidades que chegam para aperfeiçoar os processos produtivos e de preservação.
E&N - Quais são as perspectivas futuras para a pecuária no Brasil, considerando o cenário atual de mudanças climáticas e crises ambientais, como as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul?
Anna Luiza Sampaio Quinto Di Cameli - O agronegócio é a mola da economia brasileira. Acredito no potencial do campo em propagar renda e movimentar a economia do Rio Grande do Sul e do Brasil. Todos perdemos e estamos muito impactados com o que temos vivido nas últimas semanas. Mas isso também nos traz força para a reconstrução. Vimos correntes incansáveis de apoio aos desabrigados e movimentos de doação que mostram a união de nosso povo. E isso é mais importante do que as perdas econômicas em um primeiro momento. É claro que não podemos descuidar da produção, porque é ela que nos ajudará a reerguer o Estado e as famílias que estão em extrema dificuldade. Para o futuro, a pecuária e a agricultura precisarão ser cada vez mais responsáveis. Seguiremos trabalhando para garantir segurança alimentar ao povo brasileiro, mas faremos isso com o menor impacto possível. Vivemos do campo e sabemos seu valor. Vivemos no campo e do campo. As mudanças climáticas preocupam a todos. Mas é preciso também que todos façam a sua parte.
 

Notícias relacionadas