Roberta Mello, especial para o JC*
As empresas na bolsa de valores fecham o primeiro semestre com desempenho em baixa com seu principal índice, o IBovespa, em queda significativa de 7,66% no período, frustrando as expectativas dos investidores locais. E, no recorte de empresas gaúchas, o resultado não é diferente. Segundo análise exclusiva da consultoria Elos Ayta para o Jornal do Comércio, nove das 11 principais empresas do Rio Grande do Sul listadas apresentaram queda na rentabilidade de suas ações de janeiro a junho de 2024. Analistas aguardam a mensuração dos impactos das enchentes, mas não parecem se preocupar com uma deterioração do valor de mercado destas companhias devido à crise climática. Alegria por um lado, mas preocupação por outro. Afinal, o que deve ser feito para reverter este ciclo de baixa?
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freepik/divulgação/jcApós um início de ano marcado pelo otimismo e entusiasmo com as previsões de retomada do crescimento, queda da inflação e dos juros e reformas que se desenhavam, o mercado financeiro amarga uma realidade bem diferente. O primeiro semestre se encerrou e ficou bem aquém do sonhado pelos investidores de ações locais. O Ibovespa, principal índice da bolsa de valores brasileira, fechou com queda de 7,66% no período.
Rentabilidade das ações de empresas gaúchas em 2024 de janeiro a junho
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Entre as companhias gaúchas, o panorama é preocupante. De acordo com estudo da consultoria Elos Ayta obtido com exclusividade pelo Jornal do Comércio, nove das 11 principais empresas oriundas do Rio Grande do Sul listadas na bolsa pesquisadas acumulam queda na rentabilidade de suas ações de janeiro a junho de 2024.
Maiores quedas do Ibovespa em 2024 até junho
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A Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus de Caxias do Sul, é o destaque com maior alta (12,57%). Já o Grupo Grazziotin, que atua no comércio varejista nos ramos de vestuário e utilidades domésticas, completa a breve lista que revela o desempenho positivo - com leve alta de 0,54%.
A seguir, gigantes de diferentes setores que vão do agronegócio à indústria, passando também pelo setor bancário e pelo varejo, apresentam perdas. As ações com desempenho mais negativo foram as de Lojas Renner (-26,76%), Dimed (-26,6), grupo formado pelas marcas Panvel, Dimed e Laboratório Industrial Farmacêutico Lifar, e 3Tentos (-16,95), de soluções para o agronegócio, conforme estudo realizado pela consultoria.
Os resultados - tanto entre as empresas do Ibovespa quanto entre o recorte de gaúchas analisadas - é reflexo de fatores macroeconômicos, segundo analistas do mercado. Cenários como a alta no dólar em relação ao real (com valorização de 15,17% no primeiro semestre de 2024) e a manutenção dos juros em patamares altos impactam negativamente, principalmente aquelas companhias focadas no mercado consumidor interno.
Entre as ações com desempenhos negativos no Ibovespa, despontam Azul (AZIL4), Yduqs (UDUQ3) e Cogna (COGN3) liderando as perdas. As empresas tiveram baixas de 54,15%, 52,74% e 49,28%, na ordem.
Maiores altas do Ibovespa em 2024 até junho
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As empresas aéreas têm custos em dólar e receita em real, e por isso tendem a reagir mal à desvalorização do câmbio. Já o setor de Educação é sensível ao risco, pois depende de uma maior concessão de crédito por parte do governo. Por outro lado, se beneficiam exportadoras, altamente dolarizadas, como é o caso de BRF, Embraer, JBS e Marfrig - com altas de 64,16%, 61,46%, 29,55% e 27,42%, respectivamente.
Dólar valorizado, alta taxa de juros e ruídos políticos instigam investidores a buscarem alternativas
Laís diz que empresas têm menos predisposição para investir com juros altos
Fundamenta/Divulgação/JCCom a decisão do Banco Central brasileiro por interromper o ciclo de queda na taxa de juros que vinha ocorrendo desde agosto de 2023 e manter a Selic no patamar atual, em 10,50% ao ano, o momento é de cautela nas previsões. Com isso, a renda fixa segue no topo das indicações, com destaque para os títulos atrelados à inflação, sejam públicos ou privados.
Laís Martins Fracasso, sócia da Fundamenta Investimentos, ressalta que, quando há expectativa de juros mais altos para os próximos anos, as empresas têm menor predisposição a investir em seu crescimento e seus custos de dívida ficam mais caros. "E as taxas de juros no Brasil só teriam espaço para diminuir se houvesse sinais claros de redução da inflação. Esta, por sua vez, é muito impactada pela alta do dólar e pelo desequilíbrio das contas públicas", explica Laís.
O que vem ocorrendo na bolsa brasileira neste primeiro semestre é que os investidores não estão acreditando que há espaço para uma redução firme da inflação, o que levaria o Banco Central a manter mais tempo os juros em patamares altos, impactando negativamente os preços das ações nesse período. "O governo federal deve ter um compromisso sério de redução de gastos para passar credibilidade de que está engajado no controle de inflação, equilibrando as políticas fiscal e monetária", comenta Laís.
Gustavo Bertotti, Head de Renda Variável da Messem Investimentos, lembra que o primeiro semestre foi marcado por ruídos políticos, que precisam passar para que haja uma recuperação, ainda que lenta e gradual, nos meses seguintes. "É muito ruim para o mercado ver o governo revisando metas fiscais e tecendo críticas ao presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto)", complementa.
Incertezas vindas do exterior, em especial acerca da trajetória dos juros nos EUA, somadas à inflação doméstica acima do esperado e às dúvidas do lado fiscal, levaram os títulos do Tesouro Direto corrigidos pelo IPCA a pagarem taxas mais altas, acima da média histórica, observa Arley Junior, estrategista de Investimentos do Santander Brasil. Além disso, investir nestes títulos é uma forma de proteger parte da carteira contra a variação dos preços, acrescenta.
Ao contrário do esperado em janeiro de 2024, poucos acreditam que a Selic chegue a 9,5% até o final do próximo semestre. Economistas da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) projetam, no entanto, que a taxa Selic deve ser mantida em 10,50% neste ano, sem novos cortes até dezembro.
O momento requer cautela para investir em produtos mais arrojados, como fundos multimercados ou ações de empresas brasileiras, na avaliação do Santander. "Ainda vemos a inflação brasileira convergindo à meta ao longo do tempo e os juros caminhando para um patamar mais baixo, o que ajudaria o mercado de investimentos e levaria a uma migração para produtos de maior risco. Mas a retomada de cortes na Selic depende em parte da queda dos juros nos EUA, que nas nossas projeções foi postergada para o último trimestre", resume Junior.
O cenário segue benéfico para alternativas de investimentos mais conservadoras, como títulos de renda fixa que, não à toa, registraram as maiores rentabilidades no primeiro semestre, segundo os índices da Anbima. Entre os títulos corporativos, o IDA-DI, índice que acompanha os títulos remunerados pela taxa diária DI, tiveram a maior rentabilidade do semestre, com crescimento de 6,95%.
Enquanto isso, entre as debêntures indexadas ao IPCA, aquelas que contam com incentivo fiscal, refletidas no IDA IPCA infraestrutura, registraram ganho de 2,63% no ano. Os papéis sem incentivo fiscal, no IDA Ex-Infraestrutura, tiveram performance parecida, com avanço de 2,89% no semestre.
Enchentes não devem comprometer resultados das companhias gaúchas na bolsa de valores
Impactos do evento climático extremo irão variar conforme o porte e a área de atuação das empresas espalhadas por todo o território gaúcho
TÂNIA MEINERZ/JCAs recentes enchentes que atingiram o estado do Rio Grande do Sul trouxeram desafios significativos para diversas empresas gaúchas. Embora a catástrofe climática tenha apresentado adversidades operacionais, especialmente para as varejistas locais, analistas indicam que o desempenho das empresas locais listadas na bolsa não deve sofrer impacto significativo.
A presença de estruturas de governança consolidada, sua grande capacidade de financiamento e a garantia de operações diversificadas nacional e internacionalmente são fatores cruciais na mitigação de riscos locais.
Por isso, conforme a sócia da Fundamenta Investimentos, Laís Martins Fracasso, o impacto do evento climático nas varejistas gaúchas foi menor do que se poderia imaginar inicialmente. "Empresas como Renner, Quero-Quero, Grazziotin, Grendene e Panvel, embora enfrentem dificuldades derivadas das condições macroeconômicas brasileiras, como a queda na confiança do consumidor e a alta do dólar que encarece importações, não viram suas operações significativamente comprometidas pelas enchentes", ressalta.
"Isso se deve ao fato de que a maioria dessas empresas já possui uma presença nacional consolidada. Centros de distribuição e lojas afetados localmente foram compensados por outras unidades ou não têm um impacto relevante na receita total", complementa.
Empresas indústrias como Gerdau, Marcopolo e Randon, que têm operações globais e estão focadas na redução de custos e melhoria da rentabilidade, conseguiram mitigar os efeitos das questões econômicas internas do Brasil. "Essas estratégias têm contribuído para melhorar as perspectivas de resultados, apesar do contexto desafiador", diz Laís.
Negócios de outros setores, como agronegócio, representado pela SLC Agrícola, e construção civil, exemplificado pela Melnick, também devem conseguir contornar, ainda no curto prazo, o impacto nas suas operações. "A SLC Agrícola, com operações fora do estado do Rio Grande do Sul, não foi afetada pelas enchentes, enquanto a Melnick reportou que a maioria de suas obras em andamento não foi severamente impactada e está coberta por seguro.
"O mercado aguarda a mensuração de possíveis reflexos do desafio enfrentado pelos gaúchos desde maio na divulgação dos relatórios trimestrais das companhias com operações no Estado. Porém, estamos falando de grandes companhias com capacidade para contornar esse tipo de adversidade", define Gustavo Machado, sócio-fundador e diretor da consultoria de investimento Musa Capital. Para ele, a questão fiscal ainda é mais relevante e se impõe nacionalmente, por isso, as gaúchas não devem sair penalizadas nesse quesito no médio e longo prazo.
Infelizmente, o mesmo não deve se aplicar às pequenas e médias empresas, muito atreladas ao consumo local e sem tanta capacidade de enviar produção e estoque para outras unidades, pontuam os especialistas. Por isso, medidas de apoio à retomada do setor produtivo e que animem a retomada do consumo seguem sendo fundamentais ao ecossistema regional.
A pesquisa do Índice de Desempenho Industrial (IDI-RS), divulgada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) no início de julho, aponta para queda de 11,8% na atividade industrial em maio na comparação com abril, na segunda maior baixa mensal da série iniciada em 2003, muito próximo do recorde de -12% obtido em abril de 2020.
"A dimensão histórica dos resultados negativos dos Indicadores Industriais deve-se à severidade das enchentes em diversas regiões do Estado, que atingiram, total ou parcialmente, direta ou indiretamente, as operações das empresas com perdas de estoques, danos em máquinas, equipamentos e instalações, além dos impactos na logística, fornecedores e funcionários", afirma o presidente da Fiergs, Gilberto Porcello Petry.
Parte do resultado negativo se explica também pela base alta de abril, que havia crescido 3,5% ante março. A queda acumulada do IDI-RS em 2024 acelerou de -1,5%, até abril, para -3,7%, até maio, respectivamente, ante os primeiros quatro e cinco meses de 2023. O varejo também enfrenta dificuldades. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) estima perda diária de receitas na ordem de R$ 123 milhões, acumulando um prejuízo de R$ 3,32 bilhões no mês de maio devido às enchentes.
As consequências afetam também, até hoje, a infraestrutura e o abastecimento dos estabelecimentos comerciais, com queda abrupta de 28% no fluxo de veículos de carga nas estradas do estado, segundo dados preliminares da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Fuga de capital estrangeiro passa a causar mais preocupações
Machado diz que, por outro lado, fluxo de brasileiros mantém estabilidade
Acervo Pessoal/Divulgação/JCNos últimos meses, a bolsa de valores brasileira tem enfrentado um desafio significativo com a diminuição do fluxo de investidores estrangeiros. O mercado estima que a saída de capital estrangeiro da B3 no primeiro semestre deste ano já é a mais intensa desde 2020. O dado se torna mais preocupante tendo em vista a importância dos investidores internacionais que, atualmente, respondem por cerca de 54% do volume negociado na bolsa.
Segundo Gustavo Machado, sócio-fundador da Musa Capital, esse movimento é, em grande parte, impulsionado pela percepção de risco crescente no Brasil, incluindo preocupações com uma possível crise da dívida e a persistência da inflação elevada. Em contrapartida, outros países vêm oferecendo taxas de juros significativamente altas, tornando-se opções atrativas para investimentos seguros.
Machado enfatiza que uma melhora no cenário fiscal brasileiro, com o governo controlando gastos e sinalizando responsabilidade nas contas públicas, poderia reverter esse quadro. A retomada da confiança dos investidores estrangeiros poderia resultar em uma valorização expressiva da bolsa, impulsionando o mercado local.
Para o head de Renda Variável da Messem Investimentos, Gustavo Bertotti, o Brasil segue no protagonismo entre as economias emergentes, mas não tem sido suficiente para o aumento nos aportes internacionais e o crescimento das empresas no País.
Enquanto outras nações emergentes enfrentam momentos delicados, como Rússia e Argentina, o Brasil ainda se destaca positivamente. "Mas não basta. Os investidores estão migrando para mercados ainda mais consolidados, como os Estados Unidos, que vêm pagando juros altos para seu padrão".
Bertotti recorda que, no final do ano passado, o otimismo tomou conta dos investidores no Brasil diante de declarações do presidente do Federal Reserve (FED), Jerome Powell, que apontavam para a iminência do início de um ciclo de corte de juros. As mais recentes comunicações da autoridade monetária, no entanto, foram um balde de água fria e indicaram que as taxas devem permanecer no patamar atual por mais tempo.
O saldo de investimentos estrangeiros na B3 chegou a R$ 44,85 bilhões em 2023, sendo que somente em dezembro foi registrado saldo positivo de R$ 17,4 bilhões. Em 2024, o saldo anual é negativo em R$ 40 bilhões. Os dados mais recentes do relatório que analisa a evolução dos investidores na bolsa, divulgado em março deste ano pela B3, indicam, no entanto, estabilidade na quantidade de investidores pessoas físicas no mercado de capitais.
Machado percebe esse movimento no dia a dia da consultoria de investimento. Com mais de 70% da carteira de clientes formada por gaúchos, principalmente das cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre, da Serra e do entorno de Santa Maria, ele nota a estabilidade no número de clientes e de aportes - sem resgates abruptos.
"Aqui no Rio Grande do Sul, o que aconteceu foi que, a partir de maio, clientes em prospecção decidiram esperar um pouco mais para abrir carteira. Muitos deles são empresários que tiveram seus negócios atingidos, de forma direta ou indireta, e foram obrigados a realizar compras de materiais, equipamentos ou até reformar estabelecimentos. Tudo isso não estava previsto, é claro", comenta Machado.
Quanto às modalidades, no primeiro trimestre de 2024, houve um crescimento de 3% na base, representando 18% do total de recursos investidos em equities na B3. O número de investidores em renda variável sofreu leve retração (-3%), no entanto, quando comparamos o primeiro trimestre de 2024 com o mesmo período do ano anterior.
Já o número de investidores pessoa física em ativos de renda fixa subiu 14% na comparação entre os trimestres - passando de 15,3 milhões no 1º trimestre de 2023 para 17,4 milhões em março deste ano. Quando analisamos o acumulado ao longo de 2023 com o início de 2024, percebe-se aumento de 3% no número de investidores no Tesouro Direto. Em relação ao estoque, observa-se um aumento de 2% no trimestre, atingindo o patamar de R$ 130 bilhões em aportes.
Momento é propício para compra de ações de empresas bem fundamentadas a preços atrativos
Para Bertotti, mercado de capitais é uma oportunidade única neste cenário
Jenifer Abreu Messem/Divulgação/JCUma estratégia bastante comum no mercado de ações chamada alocação de ativos, que significa basicamente comprar na baixa e vender na alta, pode ser uma boa jogada na atual conjuntura. Ideal para quem está bastante consciente de que os investimentos no mercado de capitais devem ser focados em ganhos no longo prazo, este movimento, combinado com uma carteira diversificada, desponta.
Gustavo Bertotti, head de Renda Variável da Messem Investimentos, vê no mercado de capitais uma oportunidade única neste momento. "Hoje, temos muitas empresas com excelentes fundamentos, que pagam bons dividendos e são geradoras de caixa. Estamos em um cenário onde uma eventual queda de juros beneficiaria ativos de risco, tornando ainda mais atrativas as oportunidades de investimento", analisa Bertotti.
Laís Martins Fracasso, sócia da Fundamenta Investimentos, complementa que os mercados são cíclicos e "já vimos quedas semelhantes ou piores ao patamar atual quando olhamos horizontes de poucos meses". Por este motivo, o investimento em ações sempre deve ter um horizonte de prazos mais longos, quando há a recuperação dessas flutuações conjunturais.
"Um exemplo de queda relevante da bolsa foi no início da pandemia, quando vimos o Ibovespa cair 45% do início de 2020 até o dia 23 de março de 20, mas foi recuperando ao longo do ano e até fechou no positivo, subindo 3%. Com isso, não considero como preocupante a situação atual dos investimentos em bolsa, mas conjuntural", ressalta, otimista em uma recuperação.
*Roberta Mello é formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (Pucrs). Atuou como repórter de Economia no Jornal do Comércio de 2013 a 2021, onde conquistou os prêmios B3 de Jornalismo - Categoria Demais Regiões (edição 2018) e Transparência de Jornalismo (2017). Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer.