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Publicada em 14 de Abril de 2024 às 16:00

Erva-mate do Rio Grande do Sul se reinventa em busca de recuperação

Principal causa do declínio de produtividade foi a estiagem

Principal causa do declínio de produtividade foi a estiagem

TÂNIA MEINERZ/JC
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Patrícia Lima, especial para o JC*
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Uma queda de 13% no volume de erva-mate produzido pelo setor ervateiro foi registrada em 2022, de acordo com dados levantados pela Fiergs em parceria com o Sindicato das Indústrias do Mate (Sindimate-RS), divulgado no início deste ano. A principal causa desse declínio de produtividade foi a estiagem, que prejudicou o desenvolvimento das plantas. Por outro lado, com a melhoria da condição climática aliada ao apetite dos mercados interno e externo, o setor deve experimentar recuperação em 2024. Algumas empresas registraram alta de 30% em 2023 e esperam repetir esse desempenho ao longo deste ano.

Chimarrão é uma das formas mais tradicionais de consumo da planta e está presente no dia a dia do Sul da América

Chimarrão é uma das formas mais tradicionais de consumo da planta e está presente no dia a dia do Sul da América

TÂNIA MEINERZ/JC
Calorão em "Forno Alegre", pessoal assando em casa. O que fazer para matar a sede e refrescar? Um mate, claro. Reunião no escritório, planejamento, meta, prazos. O que ajuda na concentração e ainda ameniza a tensão do ambiente de trabalho? Chimarrão, óbvio. Praia bombando, mar cristalino (ou não), férias, diversão. Para completar, nada pode ser mais perfeito do que um mate. Parece mania de gaúcho, mas a verdade é que o chimarrão, essa infusão mágica que leva somente as partes da planta secas e água, combina com qualquer momento e faz bem em qualquer circunstância. A bebida que nos irmana a todos e que está presente no dia a dia do Sul da América há milênios é também um dos setores mais resilientes da economia do Rio Grande do Sul.
De acordo com dados levantados pela Fiergs em parceria com o Sindicato das Indústrias do Mate (Sindimate-RS), o setor produziu quase 211 mil toneladas de erva-mate em 2022, com o valor da produção calculado em R$ 264 milhões. O volume é 13% menor do que o registrado em 2021. O rendimento médio da produção, que é a relação entre os quilos colhidos por hectare, também caiu cerca de 15%. As informações mais recentes são do ano retrasado, divulgadas pelo setor em dezembro de 2023.
A principal causa desse declínio de produtividade foi a estiagem, que prejudicou o desenvolvimento das plantas. Com menos oferta e fatores como aumento no custo dos insumos, a erva-mate ficou mais cara para o consumidor a partir da pandemia. Chegou a ser registrada, em 2021, uma queda de 10% no consumo, de acordo com o Sindimate. Suscetível aos humores do clima, que estão cada vez mais imprevisíveis, a erva-mate sofreu bastante ao longo dos dois anos de seca severa no Estado. A queda na produção durante a vigência da estiagem, de acordo com estimativas da Emater-RS, foi de aproximadamente 20%, o que acabou encarecendo o mate de todos os dias.
Apesar disso, o setor se prepara para entrar em 2024 com otimismo. A cultura da erva-mate, que envolve não somente o chimarrão, mas os chás à base de mate e o tererê apreciado no Centroeste brasileiro, dá fôlego para que as indústrias responsáveis pelo beneficiamento da planta planejem um futuro promissor. É o caso da Baldo, que sofreu com os abalos de 2022, mas conseguiu acumular um crescimento de 30% no ano passado. Para o diretor da ervateira, Leandro Gheno, 2023 foi um ano relativamente difícil em função do aumento nos custos de produção, decorrente de fatores globais como a Guerra entre Rússia e Ucrânia, que não foram inteiramente repassados ao consumidor. Em compensação, a matéria-prima se manteve estável em volume e qualidade, o que contribuiu para a estabilização. Com uma boa resposta dos mercados interno e externo não somente à erva-mate tradicional, mas também aos produtos à base de mate, como os chás, o crescimento foi possível.
Em 2024, Gheno projeta um olhar mais atento aos mercados para além da América do Sul, com novos produtos elaborados com a mesma erva. "O mate deve ser uma das maiores estrelas das bebidas infusionadas. A meta é crescer entre 30% e 50% no faturamento com bebidas derivadas de mate, como os chás", afirma. Para atingir esse objetivo, além de desenvolver novos produtos, a empresa aposta no melhoramento dos processos e na certificação da matéria-prima.
Um cronograma de investimentos de cerca de R$ 4 milhões iniciou em 2023 para preparar as unidades para esse novo momento. Emitir menos carbono no processo produtivo é uma das estratégias para aumentar a eficiência, com a redução da queima de biomassa, por exemplo. "Estamos substituindo o sapeco à lenha em metro pelo cavaco de madeira, que melhora o resultado e otimiza os recursos. Esse é apenas um dos passos para garantir o crescimento", acrescenta Gheno.
De acordo com o IBGE, cinco estados brasileiros concentram a produção de erva-mate. O Rio Grande do Sul já foi o maior deles, respondendo por mais de 84% da produção nacional em 1992. A produção por aqui cresceu, mas a liderança foi perdida para o Paraná já faz um tempo. Hoje, 34% da erva-mate nacional sai da indústria gaúcha, contra mais de 51% da paranaense. Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e, mais recentemente, Amazonas, completam o rol de estados produtores. Argentina e Paraguai também são produtores, embora em menor escala do que o Brasil. Nos últimos 30 anos, o País teve um enorme salto de produtividade, com um crescimento de mais de 320% em volume.

Antes campeão nacional, Rio Grande do Sul hoje se firma como estrela da exportação

Somente no ano passado, a Elacy, ervateira tradicional de Venâncio Aires, mandou para os países árabes uma média de 500 toneladas por mês

Somente no ano passado, a Elacy, ervateira tradicional de Venâncio Aires, mandou para os países árabes uma média de 500 toneladas por mês

EDUARDO SCARAVAGLIONE /DIVULGAÇÃO/JC
O Rio Grande do Sul já foi o maior produtor de erva-mate do País, mas perdeu a liderança para o Paraná. Hoje, tanto em área plantada quanto em quantidade produzida, os paranaenses estão na frente. Isso não significa, porém, que estamos plantando ou produzindo menos - os nossos vizinhos é que incrementaram o setor com mais velocidade.
Quando o assunto é área plantada, o pódio é o mesmo: Paraná em primeiro, com 44% da área total de plantio no país; Rio Grande do Sul em segundo, com 36,7% do total. Em todo o território nacional, o setor amealhou um valor total de R$ 846,5 milhões em 2022 - 31,2% corresponde à produção gaúcha. Em todo o Brasil foram produzidas mais de 618 mil toneladas de erva-mate.
O Brasil abastece o mercado mundial de erva-mate - sim, o planeta quer cada vez mais mate, não somente para chimarrão, mas para bebidas em geral, especialmente as infusões, semelhantes ao chá, feito a partir da Camellia sinensis, planta originária da Índia. De acordo com o último levantamento do setor, o Rio Grande do Sul é maior exportador, responsável por 73% das vendas do produto brasileiro no exterior. O maior comprador é o Uruguai, que em 2022 arrematou US$ 57,20 milhões em erva-mate da indústria gaúcha. Em seguida vêm Argentina, Espanha e Chile.
Para dimensionar a importância do setor para a economia do Rio Grande do Sul, caso as exportações de erva-mate fossem consideradas como um ramo da Indústria de Transformação, ocuparia a 17ª posição entre os maiores exportadores do Estado, na frente de outros segmentos como Equipamentos de Informática e Têxteis.
Ervateira tradicional de Venâncio Aires, a Elacy mergulhou de cabeça nas exportações em 2023. A empresa já vendia seus produtos para países da América Latina, mas uma nova parceria possibilitou a abertura do mercado para o Oriente Médio - somente no ano passado a Elacy mandou para os países árabes uma média de 500 toneladas de erva-mate por mês. "Essa negociação nos abriu a possibilidade de aumentar significativamente os volumes de produção. A meta é crescer entre 10% e 20% em 2024", garante o diretor, Gilberto Heck.
Apesar do entusiasmo com o mercado externo, Heck assegura que o foco principal da empresa ainda é o consumidor brasileiro - em 2023, a Elacy registrou um crescimento de 17% no mercado interno. "Nossa estratégia é sempre apostar na qualidade da erva, que vem de ervais sombreados, para atender às expectativas do cliente, que é exigente", salienta. Uma das frentes neste ano será esclarecer o consumidor sobre as vantagens da embalagem à vácuo, capaz de conservar o frescor da erva-mate por mais tempo.

Patrimônio imaterial com indicação de procedência

A erva-mate e o processo que envolve seu beneficiamento têm relevância artística, histórica e social

A erva-mate e o processo que envolve seu beneficiamento têm relevância artística, histórica e social

EDUARDO SCARAVAGLIONE/DIVULGAÇÃO/JC
Foi em uma cerimônia simples, no Galpão Crioulo do Palácio Piratini, ao som do coral Teko Guarani, da etnia Mbya Guarani, que a erva-mate se tornou o primeiro patrimônio imaterial do Rio Grande do Sul, em junho do ano passado. O governador Eduardo Leite assinou o termo de registro em que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) reconhece o valor histórico-cultural do Sistema Cultural e Socioambiental da Erva-Mate Tradicional, envolvendo o seu cultivo e comercialização. Isso quer dizer que a erva-mate e o processo que envolve seu beneficiamento têm relevância artística, histórica e social e, por isso, merece ser perpetuado.
Para além do reconhecimento como patrimônio cultural, um outro processo de chancela promete agregar ainda mais valor à erva-mate gaúcha. Já está em fase final de reconhecimento a Indicação Geográfica (IG) da erva proveniente da região de Machadinho, aguardando apenas a homologação pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Também está em andamento o processo de concessão da IG do Vale do Taquari, que compreende os municípios de Ilópolis, Arvorezinha, Doutor Ricardo, Itapuca, Putinga, Anta Gorda e Fontoura Xavier.
Segundo a analista de projetos do Sebrae-RS, Soraia Gerhardt, que atua na estruturação da IG, a erva-mate dessa região tem características únicas, como suavidade e dulçor natural, que serão comprovados nos estudos realizados para embasar o pedido de IG. "O reconhecimento de uma indicação geográfica aumenta a competitividade dos produtores e melhora o posicionamento da região no mercado. É um estímulo importante para todo o setor", completa.

Paixão dos gaúchos, a erva gera riqueza no comércio

Giovanaz é sócio-proprietário da Casa da Erva Mate, no Mercado Público de Porto Alegre, e vende cerca de uma tonelada da planta por semana

Giovanaz é sócio-proprietário da Casa da Erva Mate, no Mercado Público de Porto Alegre, e vende cerca de uma tonelada da planta por semana

TÂNIA MEINERZ/JC
Há um local em Porto Alegre em que a paixão dos gaúchos pelo chimarrão fica evidente. Ao circular pelo Mercado Público da capital, as bancas especializadas em erva-mate e nos acessórios que compõem o ritual do chimarrão se destacam na paisagem. Os expositores abarrotados do produto ficam à vista do público, emoldurados pelas réstias de cuias de porongo, bombas prateadas e de bambu, além de acessórios criativos como protetores contra o vento e filtros para a bomba, apelidada vulgarmente de "camisinha". Os consumidores desfilam por entre as bancas à procura da sua erva de preferência.
Um dos pontos mais tradicionais quando o assunto é erva-mate, a Banca 33 - ou Banca da Erva-Mate - dita e mede as tendências de consumo. Segundo Adão Pacheco, um dos sócios, produtos diferentes, como as ervas defumadas ou acrescidas de aromas e sabores naturais como menta, laranja ou gengibre, foram as mais procuradas de 2023. Mais e mais clientes foram se interessando pelo produto, cujo resultado surpreendeu, na opinião de Pacheco. "Ao mesmo tempo em que quer produtos inovadores e diferentes, o consumidor chega cada vez mais preocupado com a origem dos produtos, seu modo de produção e se os sabores e aromas são naturais", observa.
Vendendo cerca de uma tonelada de erva por semana, Pacheco e o sócio, Gilmar Giovanaz, já sabem o que funciona. Para consumidores gaúchos, a erva tem que ser do tipo verdinha. Já para uruguaios e argentinos, o estilo é a erva estacionada, que tem cor mais parda e sabor intenso. Os turistas querem mesmo é uma boa conversa, com orientações sobre a tradição do mate e uma aula relâmpago de como preparar e, claro, como matear corretamente. Com 60 anos de história, a banca já ajudou a formar gerações de bebedores de mate. "O chimarrão é a maior expressão do gaúcho. Por ser tão importante, a erva movimenta muitos negócios. Por isso estamos aqui há 60 anos", afirma Pacheco.
Além da Casa da Erva-Mate, que recentemente completou 60 anos no Mercado Público de Porto Alegre, outras bancas também se dedicam majoritariamente ao produto e ao universo de acessórios que orbita em torno do costume de tomar chimarrão. A presença de destaque no principal entreposto comercial da Capital revela o potencial econômico que o costume ancestral representa. Justamente por isso, os altos e baixos do setor causam apreensão em toda a cadeia de produção, venda e consumo de erva-mate.
Com o fim da estiagem e a estabilização na cadeia de fornecimento, o cenário aponta para um ano de mais chimarrão na cuia de todo mundo - dos produtores e dos mateadores mundo afora. Ao mesmo tempo, pesquisas e tendências desvelam novos usos para o ingrediente mais antigo e tradicional da nossa cultura, o que torna a erva-mate ainda mais preciosa para quem toma e até para quem nem chega perto de uma roda de chimarrão.
Há mais ou menos duas décadas, universidades e centros de pesquisa química e agronômica voltaram os seus olhares para a planta mais popular do Sul do Brasil. O resultado foi a descoberta de uma série de propriedades que tornam a Ilex paraguariensis um ingrediente central não só para a indústria de bebidas, mas para a gastronomia e para a cosmética. Para o coordenador da Câmara Setorial da Erva-Mate, Ilvandro Barreto de Melo, o Brasil ainda tem um vasto território de consumidores de mate para conquistar - o que não deve acontecer com o chimarrão à moda gaúcha, mas com as bebidas feitas com a erva-mate, como o tererê e os chás. "Além disso, o avanço das pesquisas em outras áreas, evidenciando os benefícios do consumo, é muito positivo para a imagem da erva-mate. O aumento no interesse pelo produto vai gerar aumento no consumo em todas as frentes", destaca.

Na gastronomia, na cosmética ou no turismo, o mate é pop

Produtos de relaxamento e beleza têm a planta como principal ingrediente

Produtos de relaxamento e beleza têm a planta como principal ingrediente

spa ilex/divulgação/jc
Você já pensou em fazer uma viagem para ver erva-mate? Ou relaxar em um spa com cosméticos à base de chimarrão? Ou ainda degustar delícias da confeitaria francesa cujo ingrediente principal é a erva? Pois saiba que isso tudo já existe e está acessível ao público em geral. São iniciativas que demonstram o potencial camaleônico da erva-mate e sua capacidade de atrair atenção e criatividade.
Desde 2017, o hotel Machadinho Thermas Resort e Spa inclui a erva-mate entre os seus principais produtos turísticos. O principal deles é o Spa Ilex, modalidade de relaxamento e beleza à base de produtos e terapias cujo ingrediente principal é a planta.
São mais de 40 tipos de cosméticos, além de hidroterapia termal com erva-mate em uma das piscinas. A gastronomia do hotel, que oferece todas as refeições aos hóspedes, tem mais de 25 iguarias que levam a erva como coadjuvante ou sabor principal. Para destacar ainda mais a ligação da região com a cultura da erva-mate, o hotel criou um espetáculo teatral que encena as lendas que existem em torno da planta.
Além disso, um roteiro turístico oferece uma imersão no cultivo e beneficiamento, com visitas a ervais e indústrias. Para o diretor do complexo hoteleiro, Juarez Tavares, a erva-mate é o principal elemento cultural da região, com conhecidos benefícios para a saúde e um sabor particular.
"A prova do grande potencial como atrativo é que recebemos em média 150 mil pessoas por ano com essa proposta. Faz parte da nossa identidade, por isso vamos investir cada vez mais na erva-mate", afirma.

Empresas & Negócios - Especial erva-mate - gastronomia macarons - crédito dea schein arquivo pessoal

Empresas & Negócios - Especial erva-mate - gastronomia macarons - crédito dea schein arquivo pessoal

dea schein/arquivo pessoal/jc
Por falar em turismo, alguns projetos articulam rotas turísticas nas regiões produtoras de erva-mate, com o objetivo de atrair visitantes interessados em ver de perto os ervais e as histórias que envolvem o mate. É o caso do Ilex Turismo, idealizado para dar visibilidade às cidades e empreendimentos no entorno das regiões produtores.
De acordo com o coordenador da Câmara Setorial do Mate, Ilvandro Barreto de Melo, há três rotas bastante estruturadas e à disposição dos turistas: Rota do Chimarrão, na região de Venâncio Aires, Caravana da Erva-Mate, que percorre a região do Alto Taquari, e Caminhos da Erva-Mate, entre as cidades de Palmeiras da Missões e Novo Barreiro. Machadinho também entra no circuito de atrativos ligados ao mate. "Mais uma rota deve ser lançada em 2025 no polo ervateiro do Nordeste gaúcho, compreendendo sete municípios. É uma região rica em águas, pois é o berço de quatro bacias hidrográficas, e cheia de ervais nativos. Será um roteiro de natureza, história, cultura e gastronomia", aponta.
Bem longe dos ervais, em plena Capital, a chef Andrea Schein misturou o puro sabor da erva-mate com um dos mais finos doces da confeitaria francesa, o delicado macaron. O resultado é um doce cheio de personalidade com seu sabor herbal e sua cor verde intensa, que conquista paladares por onde passa - especialmente fora do Rio Grande do Sul.
Durante o período em que morou na Europa, viu experiências gastronômicas com o matcha, um chá em pó solúvel muito fino, apreciado pelos europeus. "Vi aquilo e pensei que poderíamos aprender a beneficiar a erva-mate da mesma forma e aproveitá-la na gastronomia", comenta. Ao voltar para o Sul do Brasil, firmou uma parceria com uma pequena ervateira para desenvolver a erva-mate ideal para a utilização culinária. Daí até nascerem os macarons verdinhos foi um pulo. Depois do sucesso dos doces, a chef pesquisa a utilização da mesma matéria-prima para a produção de crocantes salgados à base de polvilho.

Patrimônio das nações originárias se transformou em elemento cultural e ultrapassa cada vez mais fronteiras

Chamada de ca-á no idioma original dos indígenas das nações Guarani, a erva-mate é uma planta oriunda de uma floresta que é braço da Mata Atlântica

Chamada de ca-á no idioma original dos indígenas das nações Guarani, a erva-mate é uma planta oriunda de uma floresta que é braço da Mata Atlântica

EDUARDO SCARAVAGLIONE /DIVULGAÇÃO/JC
Não é possível localizar no tempo a origem da erva-mate. Mesmo assim, pesquisadores estimam que, em algum ponto entre cinco e oito mil anos atrás, os indígenas das nações Guarani, que viviam na porção meridional da América do Sul, descobriram que beber a infusão das folhas da erva-mate fazia bem para a saúde, dava disposição e ainda ajudava na digestão. A ca-á, como é chamada no idioma originário, passou a fazer parte do dia a dia dos indígenas e, mais ainda, a integrar a sua ritualística, como elemento sagrado e espiritual.
Planta autóctone da floresta ombrófila mista, um braço da Mata Atlântica que ocorre nas partes altas e frias do Sul do continente, a erva-mate cresce sob a sombra do majestoso pinheiro brasileiro, a araucária. Em seu ambiente natural, é uma árvore de grande porte que chega a ter 30 metros de altura. No século 19, em sua expedição pela América do Sul, o naturalista francês August Saint Hilaire documentou a planta pela primeira vez e a registrou como Ilex paraguariensis, seu nome científico. A referência, segundo os seus próprios diários, se justifica por ter visto a árvore pela primeira vez no Paraguai, onde ela, de fato, ocorre espontaneamente. O Museu de História Natural de Paris guarda o registro feito por Saint Hilaire.
De abundantes folhas verde-escuro e minúsculas flores brancas, a erva-mate dá pequenas cachopas de frutinhos vermelhos, que precisam ser processados pelos pássaros e outros animais para que as sementes em seu interior despertem da dormência e germinem no solo. Os indígenas descobriram como manejar as sementes e, antes mesmo da chegada dos europeus, já dominavam e técnica e ajudaram a natureza a disseminar os bosques de erva-mate.
Considerada um presente de Nhanderu, a divindade maior dos Guarani, a erva-mate passou a ser cobiçada também pelos europeus. Os padres jesuítas e os governadores espanhóis primeiro tentaram proibir o seu consumo nas colônias. Vendo que era impossível sustentar uma proibição dessa, passaram a integrar a erva como produto. Na época das Missões, as reduções jesuíticas espalhadas pelos territórios do que hoje é Brasil, Argentina e Paraguai produziam grandes quantidades de erva-mate, que era exportada para a Europa e abastecia um mercado interno superaquecido.
A assinatura do Tratado de Madri, em 1750, a mesma que originou a grande Guerra Guaranítica no Rio Grande do Sul, também foi decisiva para a mudança no mercado da erva-mate. Com a divisão dos territórios entre Espanha e Portugal, os jesuítas foram expulsos das Missões - alguns anos depois, o Vaticano extinguiria a ordem, somente reestabelecida décadas mais tarde. Isso desorganizou a produção e o comércio da erva, que continuava sendo adorada pelos bebedores de mate, mas que agora não tinha produtores estabelecidos. Entrou em cena a figura do caboclo, aquele sujeito não escravizado mas também sem posses, fruto da miscigenação, que passou a viver recolhendo erva-mate nas florestas e beneficiando-a ele próprio, para o consumo da família e para vender.
Essa figura foi decisiva na transição da erva-mate para um produto de mercado, nos termos atuais. Com a chegada dos imigrantes europeus, que ocuparam parcelas de terra doadas pelo governo, já no século 19, o território de atuação do caboclo foi ficando cada vez mais restrito. Os matos onde ele costumava recolher erva para beneficiar passaram a ser propriedade das famílias dos imigrantes, que rapidamente desmataram os terrenos para o plantio de roças ou passaram eles próprios a recolher a planta que ocorria em seus lotes. Foi justamente o caboclo que, ao trabalhar para as famílias, transmitiu a sabedoria ancestral sobre o beneficiamento e o replantio da Ilex paraguariensis. Era o embrião da indústria ervateira, um dos setores mais importantes da economia do Rio Grande do Sul.
 

Livro mergulha no universo da cultura do mate


As informações acima são um resumo do conteúdo da obra Raízes Culturais do Chimarrão e da Erva-Mate, lançado em 2023 com a chancela da Lei Federal de Incentivo à Cultura e apoio do Sindimate-RS. Escrito pela jornalista Patrícia Lima, esta mesma que assina a reportagem que você lê agora, o livro traz entrevistas e consultas à obra de variados pesquisadores do tema, como os historiadores Marcos Gerhardt, Paulo Afonso Zarth e Tau Golin, além de entrevistas com profissionais envolvidos em variadas frentes relacionadas à erva-mate, como agrônomos, engenheiros florestais, economistas e bioquímicos. O livro também se debruça sobre o significado da erva-mate para a nação Guarani, que ainda hoje reverencia a planta como parte sagrada da sua relação com a divindade e com a natureza. Algumas das imagens que ilustram esta reportagem são do fotógrafo Eduardo Scaravaglione e estão presentes na obra.

*Patrícia Lima é jornalista natural de Rio Grande, formada na Universidade Católica de Pelotas, especialista em Estudos de Jornalismo pela UFSC e mestre em Literatura pela Ufrgs. Lançou, com Luís Augusto Fischer, o livro Inquéritos em contraste: crônicas urbanas de Simões Lopes Neto (Edigal, 2016).

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