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Publicada em 31 de Março de 2024 às 16:00

Empresas enfrentam o desafio de tirar a diversidade do papel

Para Nicola Inácio Dias, que não falava sobre ser um homem trans por medo de ser prejudicado, ainda há um longo caminho a percorrer para que a diversidade se consolide

Para Nicola Inácio Dias, que não falava sobre ser um homem trans por medo de ser prejudicado, ainda há um longo caminho a percorrer para que a diversidade se consolide

TÂNIA MEINERZ/JC
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Tatiana Gappmayer, especial para o JC*
Tatiana Gappmayer, especial para o JC*
Companhias com maior participação de pessoas de grupos sub-representados entre seus funcionários e de mulheres em cargos de liderança têm maior probabilidade de alcançarem resultados superiores aos de organizações pouco diversas. Em 2023, estudo da McKinsey & Company, que há quase uma década avalia a relação entre diversidade e performance financeira das empresas, apontou em 39% a mais essa possibilidade. Em diferentes estágios de amadurecimento sobre essa questão, as companhias vêm progredindo nessa área – muitas delas impulsionadas pelas práticas de ESG – e desenvolvendo programas e departamentos específicos para abrir mais vagas de trabalho e também manter e permitir a evolução profissional de pessoas negras, LGBTQIA+, com deficiência, indígenas e de várias idades. 

Diversidade avança no mundo corporativo, mas ainda não há inclusão de fato

Diversidade avança no mundo corporativo, mas ainda não há inclusão de fato

freepik/divulgação/jc
A pauta da diversidade evoluiu dentro das empresas nos últimos anos, possibilitando que mais pessoas negras, LGBTQIA (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Intersexo, Assexuais), com deficiência (PcD), indígenas e de distintas faixas etárias tivessem oportunidade de acessar o mercado de trabalho, assim como um número maior de mulheres assumissem postos de liderança. As vagas afirmativas para programas de entrada de carreira - estágios e trainees -, por exemplo, aumentaram de 11% em 2018 para 44% em 2022 na 99jobs, companhia especializada em recrutamento.
Mesmo com muitas empresas voltando os olhos para o desenvolvimento dos funcionários e o desenho de seus cargos e rotinas e criando projetos para contratar talentos de grupos sub-representados, a inclusão de fato, com retenção e acolhimento das pessoas e possibilidade de crescimento na carreira, continua sendo um desafio. "Até chegar nesse lugar de ampliar a representatividade demográfica que não converge com o status quo das companhias (maioria branca e heterossexual), há uma caminhada a ser feita", assinala Daniela Maria Medeiros, sócia-fundadora da Casa Girassol, consultoria de culturas inclusivas.
Para elevar a contratação e fazer seleções mais abrangentes, as empresas precisam de tempo para maturar essa mudança, pois, dependendo do tamanho da organização, ela vai se movimentar mais lenta ou rapidamente. "Algumas companhias do Sul já estão nesse estágio de fazer seleções específicas para determinados grupos minorizados e outras ainda não. É um processo", analisa. Para modificar o cenário da diversidade e inclusão no mundo corporativo, acrescenta Daniela, é preciso que todas as demais instâncias da sociedade se alterem também, como o poder público, a legislação e a educação.
A consultoria 2015 McKinsey & Company estuda desde a importância da diversidade nas empresas e a sua relação com a performance financeira das organizações. No relatório Diversidade Importa Cada vez Mais, lançado em 2023 e que reuniu informações de 1.265 companhias de 23 países, a consultoria verificou que as empresas com mais mulheres nas equipes executivas tinham 39% de probabilidade de terem resultados superiores aos dos seus pares. O mesmo índice foi apurado no recorte da diversidade étnica. Porém, reforça a sócia-fundadora da Casa Girassol, nem mesmo esse impacto na lucratividade foi suficiente até o momento para que as organizações tenham mudado a maneira como fazem a gestão das pessoas.
Apesar das empresas não estarem no mesmo patamar quanto às questões de diversidade, um fator que tem impulsionado as modificações nessa área é o ESG, sigla que se refere às práticas ambientais, sociais e de governança de uma companhia, ressalta a diretora de Diversidade da Associação Brasileira de Recursos Humanos no Rio Grande do Sul (ABRH-RS), Inês Amaro. "As organizações gaúchas estão progredindo nesse segmento, porém, ainda não há dados para demonstrar essa realidade", informa a consultora. A ABRH-RS tem como meta para este ano fazer uma parceria para realizar uma pesquisa sobre diversidade nas empresas do Estado. "E, com isso, teremos mais segurança sobre em que setores devem ser feitos mais investimentos. O que percebemos hoje é que há um interesse crescente das companhias no assunto", revela.  

Preconceito e desinformação precisam ser superados

Inês diz que incluir é dar oportunidade de evoluir profissionalmente

Inês diz que incluir é dar oportunidade de evoluir profissionalmente

EVANDRO OLIVEIRA/JC
Levantamento da Taqe, plataforma de empregos, indica que uma pessoa a cada seis já sofreu discriminação no ambiente de trabalho, ou seja, 18% dos mais de 9 mil profissionais que estavam ativos na ferramenta da empresa e responderam ao questionário. O estudo descobriu também que 11% dos participantes sofreram racismo, sendo 24% deles pessoas pretas, 12% indígenas, 7% asiáticos e 5% pardos. A discriminação por gênero foi relatada por 8,4% dos entrevistados, 10% por questões socioeconômicas e 23% do público com mais de 40 anos disseram ter sofrido preconceito por causa da idade.
"As transformações de culturas organizacionais são mais lentas e o assunto da diversidade, olhando para o Rio Grande do Sul, ainda é repleto de desafios. Tem muita desinformação, comunidades mais conservadoras e fechadas, algo que está na história do Estado. Por isso, até que uma alta direção venha legitimar, abrir a companhia para a diversidade e inclusão, isso pode levar mais tempo", pondera a sócia-fundadora da Casa Girassol, Daniela Maria Medeiros. A diretora de Diversidade da ABRH-RS, Inês Amaro, frisa que incluir significa fazer parte, compor os times, os projetos, ter a oportunidade de evoluir profissionalmente e envolve várias medidas, como trabalhar dentro das empresas o preconceito que pode existir nas equipes e nos processos, como no seletivo. "Precisa focar nas competências e habilidades das vagas e questionar se as exigências do cargo não têm um viés inconsciente. É um exercício constante", alerta.
Entre as estratégias citadas pelas consultoras para ampliar a inclusão e qualificar times e lideranças e o espaço das organizações, estrutural e psicologicamente, estão a revisão dos procedimentos - da seleção, recrutamento até o desenvolvimento -, avaliação dos canais de divulgação das vagas de emprego e a criação de programas afirmativos. A definição de metas para alterar o perfil demográfico das companhias e possuir mais pessoas trans, PcD, negras, indígenas e mulheres em cargos de liderança são outros pontos importantes para influenciar a alteração da cultura e da gestão das empresas.
Além disso, o acolhimento de profissionais dos grupos sub-representados deve ser realizado com todos os funcionários e não apenas com quem está entrando na organização. "Quem já está na companhia precisa saber receber, porque os colaboradores há mais tempo no local também se sentem ameaçados e têm uma reação que fica nos bastidores, com as novas pessoas contratadas ficando isoladas. Há vários processos sociais e interpessoais que precisam ser trabalhados", agrega Inês. Políticas e comitês de diversidade, grupos de afinidades e uma ação educativa permanente são outras formas de impactar positivamente as mudanças no universo corporativo. "A gente não dá um salto quântico de ir de zero programas para, em um ano, ter a pauta de diversidade performando incrivelmente bem. É preciso transformar as coisas respeitando as etapas", resume Daniela.

Projeto insere pessoas pretas, pardas e indígenas

Elisa recebeu a distinção durante o Salão ARP 2023 em reconhecimento ao projeto Rumos Mais Pretos

Elisa recebeu a distinção durante o Salão ARP 2023 em reconhecimento ao projeto Rumos Mais Pretos

Vini Dalla Rosa/divulgação/jc
O Rumos Mais Pretos já abriu cerca de 40 vagas afirmativas para pessoas pretas, pardas e indígenas em 16 agências publicitárias de Porto Alegre. Cocriado pela Ufrgs e pela DZ Estúdio em 2021, a iniciativa possibilita que estudantes do terceiro semestre em diante dos cursos de Publicidade e Propaganda, Relações Públicas, Jornalismo, Design e outras áreas afins de qualquer universidade façam estágio remunerado em empresas do segmento, durante seis meses. O programa, que conta com as etapas de capacitação em workshops, seleção e contratação, estabelece critérios para que as companhias participem, como estar debatendo questões de diversidade internamente para que aconteça um processo seguro de inclusão.
A professora de Publicidade e Propaganda da Ufrgs e coordenadora do Rumos Mais Pretos pela instituição, Elisa Reinhardt Piedras, detalha que ela levou a proposta até a DZ Estúdio com o objetivo de contribuir no desencadeamento de mudanças no mercado publicitário e na promoção de uma comunicação mais antirracista através da presença de pessoas pretas na produção e na tomada de decisões sobre os discursos e anúncios desenvolvidos. A ideia surgiu a partir da identificação, baseada em diferentes pesquisas e nos relatos de alunos da pós-graduação em Comunicação da universidade, onde Elisa também dá aulas, de que falta diversidade e políticas de inclusão nesse setor.
"A gente entendeu que, além das oportunidades de trabalho, era importante fazer uma capacitação, pois não basta apenas garantir o ingresso das pessoas no mercado, elas têm que se sentir seguras tanto no nível técnico como no socioafetivo, principalmente porque são indivíduos que estão excluídos há muito tempo, sofrendo racismo em várias situações", destaca Elisa. Ela conta que, como professora, pesquisadora e extensionista de uma instituição com experiência em ações afirmativas, percebe que o ingresso é garantido na universidade, mas a entrada no mundo do trabalho não é assim tão natural.
Em 2022, quando o Rumos Mais Pretos completou um ano, foi realizado um evento para analisar a experiência e fazer um diagnóstico junto aos cinco primeiros selecionados para atuar na DZ Estúdio sobre suas dores e dificuldades. A partir dessa reflexão, a edição do ano passado foi planejada para ser mais representativa e ter um impacto quantitativo e qualitativo maior, com a montagem de um ecossistema com mais agências e instituições de ensino.
Entre as novidades de 2023, o projeto teve 37 vagas, com a contratação de 32 estagiários pelas 16 empresas que compõem o ecossistema, a capacitação de mais de 150 estudantes e a mentoria do Grupo de Profissionais Negros na Indústria Criativa do Rio Grande do Sul (GPNIC) por três meses. No ano passado, o programa passou a contar também com a Suno Paim e a Batuca como realizadoras e o GPNIC e a Associação Riograndense de Propaganda (ARP) como apoiadoras.
A edição atual do Rumos Mais Pretos - que venceu a categoria Reconhecimento do Salão ARP 2023 - deve ser concluída em abril e uma rodada de avaliação será feita para compreender as novas demandas. "Uma organização quando resolve ser inclusiva ela precisa não só contratar, mas criar condições para que essas pessoas continuem trabalhando e possam evoluir para cargos de liderança. Essa iniciativa é uma tentativa de começar isso dentro do mercado publicitário e uma experiência que pode ser replicada por empresas de outros segmentos", descreve.

Do estágio à participação na abertura de caminho para mais universitários negros

Estudante de Jornalismo da Ufrgs, Rafaela defende políticas de permanência e de crescimento na carreira

Estudante de Jornalismo da Ufrgs, Rafaela defende políticas de permanência e de crescimento na carreira

TÂNIA MEINERZ/JC
Apesar do foco maior no curso de Publicidade e Propaganda, a aluna de Jornalismo da Ufrgs, Rafaela Cruz, de 22 anos, descobriu o Rumos Mais Pretos pelas redes sociais e decidiu se inscrever e ter a sua primeira experiência em Comunicação e conhecer ambientes diferentes. Ela foi uma das cinco selecionadas para trabalhar na DZ Estúdio, onde entrou em 2021 como estagiária na área de Pessoas e Cultura. Em 2023, ela foi efetivada como assistente e depois como analista júnior no mesmo departamento. "Teve um acolhimento na agência de entender que a gente estava entrando por um programa afirmativo e que cada um tinha a sua rotina e vivência", recorda.
No ano passado, Rafaela participou do planejamento da segunda edição do projeto, compartilhando suas opiniões sobre o que havia funcionado e o que precisava ser melhorado. "Depois de ser estagiária, tive a oportunidade de estar na organização do Rumos Mais Pretos como alguém prestando suporte para os estudantes. Pude estar nesse lugar de abrir caminho para outros universitários pretos, pardos e indígenas", assinala.
Uma das preocupações da DZ Estúdio, ressalta Rafaela, era que a campanha de divulgação do programa em 2023 contasse com profissionais negros, fosse através de consultoria ou do envolvimento dos colaboradores da empresa, em todas as etapas. Outro ponto relevante para ela foi que, durante as capacitações dos novos estagiários, dois encontros presenciais foram promovidos. "Eram momentos mais de integração e foi importante para eles estarem juntos e se reconhecerem. Foi algo motivador para mim estar ali em uma sala cheia de alunos como eu", enfatiza.
Sobre a inclusão de mais pessoas pretas, pardas e indígenas no mercado de trabalho, Rafaela comenta que as companhias estão enxergando o valor de contratar profissionais de grupos sub-representados, seja por desejo ou por questões de imagem. "Está evoluindo, mas é uma ação contínua que está bem no início", acrescenta. Ela salienta ainda que a luta, agora, como parte da agência e como pessoa negra, é por uma política de permanência e de crescimento na carreira. "Entre as metas de ESG da DZ Estúdio está a de ter, até 2025, uma liderança negra", adianta. Com cerca de 60 colaboradores, os salários são parelhos, tanto no recorte de gênero como racial, agrega Rafaela. "O que deveria ser uma obrigatoriedade das organizações, é um absurdo pensar que as pessoas podem ganhar menos por questões de raça ou gênero", argumenta.

Ações buscam mais mulheres nas companhias

Renner quer mulheres ocupando mais cargos de alta liderança na empresa, chegando a 55% do quadro até 2030

Renner quer mulheres ocupando mais cargos de alta liderança na empresa, chegando a 55% do quadro até 2030

Lojas Renner/divulgação/jc
Com mais de 2,3 mil funcionários, a Irani Papel e Embalagem possui cinco programas específicos na área de Recursos Humanos que visam acompanhar todo o ciclo profissional dos colaboradores, incluindo os processos de atração, engajamento e acompanhamento da trajetória na empresa. Nos indicadores de ESG ligados à Igualdade de Gênero, a organização possui a meta de ter 40% de mulheres no quadro geral e 50% no de liderança. Em 2023, esses índices tiveram um crescimento de oito pontos percentuais no primeiro objetivo - chegando a 25% de mulheres na companhia - e de sete pontos percentuais no segundo - com 21% de mulheres em postos de liderança.
A empresa, que tem unidades de produção em Balneário Pinhal (RS), Vargem Bonita (SC), Santa Luzia (MG) e Indaiatuba (SP), assim como escritórios em Porto Alegre (RS) e Joaçaba (SC), apurou, também em 2023, que 47% das contratações para o quadro geral foram mulheres, assim como 50% para o de liderança. Todas as iniciativas para a evolução da cultura de diversidade e inclusão da organização estão concentradas no projeto Gera Diversidade, como a Mentoria Feminina, que orienta sobre oportunidades na carreira e de desenvolvimento pessoal e profissional.
Já na Unimed Porto Alegre, as mulheres representam 68% do total de lideranças, 37,5% de superintendentes e 33,3% do conselho. A cooperativa tem uma Política Institucional de Atendimento, Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos e conta com programas de treinamentos sobre essas questões, assim como realiza palestras e lives sobre esses temas. "Uma iniciativa que veio dos próprios colaboradores foi a criação do acervo da diversidade, no qual há sugestões de leituras, vídeos, depoimentos, além de ações como o Aprendiz Cooperativo e Pescar", detalha a superintendente de Gestão de Pessoas da Unimed Porto Alegre, Liliane Geist Rodrigues.
A cooperativa, que tem 75% de mulheres em seus quadros, possui algumas estratégias em relação à representatividade, como recrutamento ativo, considerando grupos sub-representados nos processos seletivos, capacitação de recrutadores e práticas inclusivas. Liliane complementa que o primeiro projeto sobre esse assunto foi o Somar, em 2011, que tinha o objetivo de incluir pessoas com deficiência. Em 2018, ele foi expandido para ser um programa mais abrangente de diversidade e inclusão.
No pilar de gênero do ESG, a TIM fechou 2023 com 36,1% de mulheres na liderança, superando a meta de 35% estimada para o ano passado. A companhia elaborou também, nos últimos anos, iniciativas para atrair e contratar talentos de grupos sub-representados, como o Chama Pro TIMe, que incentiva os colaboradores a indicarem profissionais para o banco de talentos da empresa. Nessa área, o objetivo das Lojas Renner é ter até 2030, no mínimo, 55% da alta liderança (a partir de gerente sênior) composta por mulheres. Além disso, mais de 60% do total de funcionários e lideranças da varejista são mulheres, assim como elas ocupam 25% das vagas nos conselhos de administração e 33% no fiscal, 40% na diretoria estatutária e cerca de 30% no setor de tecnologia.

Empresas apostam em plataformas de emprego e bancos de talentos

Sabrynna (à esquerda) diz que foi bem acolhida pela companhia e por colegas como Andreia Regina (à direita)

Sabrynna (à esquerda) diz que foi bem acolhida pela companhia e por colegas como Andreia Regina (à direita)

Irani/divulgação/jc
A TransEmprego é uma das mais antigas iniciativas de inserção de pessoas trans no mercado de trabalho, aproximando profissionais e empresas desde 2013. No ano passado, a plataforma - que tem entre suas cofundadoras a quadrinista Laerte Coutinho - registrou 1.040 contratações, uma redução de 7% em relação a 2022, e 2.549 vagas postadas, uma queda de 57%. No total, a iniciativa contava com 24.646 usuários, 6% a mais, e 2.559 organizações parceiras, um acréscimo de 16%. Entre os inscritos, 39% têm graduação, mestrado ou doutorado, um incremento de 0,3%.
As companhias que atuam junto com a TransEmprego são do setor de tecnologia (19,2%), Varejo e Comércio (8,6%), Consultorias (8%), Serviços (6,8%) e Agências de Publicidade (6,7%). Já São Paulo é o estado que mais contrata, com 60,5%, e o Rio Grande Sul um dos com menor número de pessoas trans empregadas pela plataforma, 2,3% do total. Outro dado do levantamento mostra que, entre os candidatos a uma vaga, 38,5% são mulheres trans, 37,4% homens trans, 10,1% não binário e 5,7% travestis.
Para expandir as oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência e LGBTQIA , a Irani Papel e Embalagem criou dois bancos de talentos específicos para reunir esses profissionais. "É uma forma de pensar constantemente nesses dois públicos quando houver oportunidades na empresa que se encaixam nas competências dos inscritos, trazendo-os para os processos seletivos, sempre que possível", enfatiza o diretor de Pessoas, Estratégias e Gestão da companhia, Fabiano Alves Oliveira.
Outra prática adotada é o incentivo para que os colaboradores indiquem profissionais de grupos sub-representados para as seleções. Oliveira acrescenta que a Irani também prepara os times e gestores para receber esses colegas. Sabrynna da Silva Rolim, 29 anos, trabalha na empresa há dois anos e meio na área de produção de resinas na Unidade Florestal de São José do Norte (RS) e conta que foi acolhida pela companhia. "Fui aceita, meus colegas e lideranças, todos me respeitam... Sabem conversar e brincar, damos risadas todos juntos. A Irani me aceitou de braços abertos", ressalta Sabrynna, que é uma mulher trans.
O diretor de Pessoas, Estratégias e Gestão complementa que a companhia tem ainda 5,1% do seu quadro de funcionários composto por pessoas com deficiência e, para tornar os ambientes mais confortáveis e seguros para esses colaboradores e outros com problemas temporários de mobilidade, reavaliou suas unidades de negócio para verificar se elas estavam adequadas para todos os seus públicos. Ao longo do ano passado, melhorias foram sendo implementadas através do programa Gera Acessibilidade.

Programas de diversidade e equidade estão também na pauta do governo gaúcho

Lisiane explica que o trabalho é feito de forma transversal

Lisiane explica que o trabalho é feito de forma transversal

fotos: ISABELLE RIEGER/JC
O DiverRSidadania, que concede bolsas de estudo em Tecnologia da Informação para pessoas LGBTQIA+, e a Escola do Trabalhador e do Microempreendedor, que funciona como um sistema integrado de qualificação e capacitação de profissionais desempregados ou com cargas horárias insuficientes, são alguns dos projetos do governo do Rio Grande do Sul citados pela secretária extraordinária de Inclusão Digital e Apoio às Políticas de Equidade, Lisiane Lemos. Ela detalha que a pasta atualmente se divide em quatro frentes de atuação: educação, cidadania, agro e empreendedorismo. "Trabalhamos de forma transversal, alavancando iniciativas lideradas por outras secretarias", explica.
O Estado tem investido ainda, conforme a secretária, na formação de policiais militares e civis para que tenham informação sobre direitos humanos e atenção aos grupos sub-representados. Além disso, parcerias com o setor privado têm sido feitas para a oferta de vagas e cursos de qualificação, uma atenção maior vem sendo dada ao Programa RS Seguro para que essas pessoas não sejam excluídas das políticas governamentais e há um diálogo com a União para busca de recursos. "Procuramos que eles (grupos sub-representados) tenham representatividade em todas as ações que fazemos", acrescenta.
A reserva de vagas para pessoas trans e indígenas nos concursos públicos efetuados pelo Estado - que já tinham cotas para pessoas pretas e pardas (16%) e com deficiência (10%) - é outra estratégia de inclusão apontada pela secretária. A portaria foi publicada em 2021 e estabelece a destinação de 1% das vagas para esses públicos. Lisiane salienta que o governo possui três ambulatórios para a população trans, em Santa Maria, Pelotas e Canoas, e que desde o ano passado as pessoas trans podem retificar prenome e gênero no registro civil gratuitamente.
Atualmente, cerca de 119 mil servidores estaduais estão em atividade (na administração direta, autarquias e fundações) no Rio Grande do Sul, sendo que desse total 13.824 são pessoas negras, 618 indígenas e 316 PcD, de acordo com dados de dezembro de 2023 da Subsecretaria de Gestão e Desenvolvimento de Pessoas, da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão. Já a quantidade de mulheres no quadro de servidores é de 72.506 e em cargos de gestão, 1.173. Ainda não há informações sobre pessoas trans, mas a subsecretaria informa que uma alteração na ferramenta já foi solicitada para incluir esses dados.

Espaço no mercado de trabalho é desafio ainda maior para pessoas trans

Para Nicola Inácio Dias, que não falava sobre ser um homem trans por medo de ser prejudicado, ainda há um longo caminho a percorrer para que a diversidade se consolide

Para Nicola Inácio Dias, que não falava sobre ser um homem trans por medo de ser prejudicado, ainda há um longo caminho a percorrer para que a diversidade se consolide

TÂNIA MEINERZ/JC
Nos processos seletivos que participou, o técnico em enfermagem Nicola Inácio Dias, 25 anos, não falava sobre ser um homem trans por medo de ser prejudicado. "Depois, com a convivência e as redes sociais, as pessoas ficavam sabendo", revela. Nascido em Gravataí e morando em Porto Alegre, há cerca de dois anos ele passou em um concurso público do Grupo Hospitalar Conceição (GHC). No atual emprego, ele sente que há uma falta de preparo maior das equipes para lidar com a diversidade. "Ouço comentários desagradáveis, que eram coisas que não estava acostumado quando trabalhava em instituições de saúde privadas", compara.
Dias afirma que sente que há uma exposição antes mesmo de começar em um novo emprego. Ele percebe que os outros funcionários já comentaram sobre o fato de estar chegando uma pessoa trans. "Não tenho a oportunidade de falar sobre isso, nem a escolha de me apresentar ou não", frisa. O técnico em enfermagem, que cursa Biologia na Ufrgs, compartilha que, em uma reunião no primeiro setor que atuou no GHC e onde tinha um colega trans, foi exposto pela chefia, fato que o levou a pedir transferência.
Outro problema que incomoda Dias é a falta de vestiário no local em que trabalha, há apenas uma sala para os colaboradores se trocarem. "É bem desconfortável e não só para um corpo trans. Acabo me arrumando em um dos dois banheiros individuais que têm ali e não passam pela divisão de masculino e feminino", descreve. Apesar dos avanços que precisam ser feitos, ele nota que algumas medidas estão sendo iniciadas, como os encontros que o Sindisaúde-RS está organizando para discutir questões de diversidade e como qualificar os ambientes de trabalho. "Também propus para alguns conhecidos que tenho na diretoria do GHC fazer uma capacitação para as equipes da área de assistência para abordar melhor esses temas e as pessoas estarem mais preparadas para receber pacientes trans e LGBTQIA . Existem canais e formas para tratar disso, mas é tudo muito recente ainda", explica.
Conscientização e capacitação, nas empresas públicas e privadas, são as ferramentas, segundo Dias, para garantir o acesso e a permanência de mais pessoas trans no mercado de trabalho. "Às vezes, são profissionais muito bons que não conseguem se manter nos empregos por causa da violência e da ausência de empatia de colegas", relata. Nas companhias privadas, o técnico em enfermagem defende que a abertura de vagas afirmativas e de cotas ainda é necessária.
Sobre a inclusão nos espaços de trabalho, ele salienta que ainda há resistência de conversar sobre esse assunto e que muitas pessoas usam o argumento de que "todo mundo é igual, é humano". "Elas não veem de onde vem a distinção, a dificuldade de acesso, de permanência e de perspectiva na carreira. Não basta só abrir a vaga, às vezes, é extremamente desgastante ir para o emprego porque terão colegas que vão te tratar de maneira desrespeitosa", desabafa.
A discriminação, conforme Dias, ocorre também nas instituições de ensino. Ele fez o processo de transição de gênero enquanto cursava técnico de enfermagem em um colégio de Gravataí, onde estagiou. Apesar de ter uma boa equipe e professora nessa etapa, ele vivenciou situações de preconceito que, na época, não denunciou por medo de não conseguir se formar. Uma das formas de modificar essa realidade é ter mais pessoas trans ocupando os espaços e acessando oportunidades de trabalho. "Os sites que divulgam vagas em organizações inclusivas é um caminho. Assim, a gente sabe que aquela companhia vai respeitar quem entrar lá e se sente mais seguro", indica.

Lei de cotas segue essencial para a inclusão de mais profissionais PcD

Gisele aponta a necessidade de contratações mais intencionais com investimentos na qualificação da comunicação

Gisele aponta a necessidade de contratações mais intencionais com investimentos na qualificação da comunicação

TÂNIA MEINERZ/JC
Criada há mais de 30 anos, a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (PcD), de 1991, é extremamente necessária na opinião da psicóloga, palestrante e mulher cega, Gisele Oliveira, 51 anos. "Se não fosse ela, estaria em casa com o diploma na mão e talvez sem conseguir uma oportunidade de emprego", reforça. Com 26 anos de experiência no campo da diversidade, Gisele pondera que se hoje, com as cotas, ainda existe um grande número de pessoas com deficiência que não são contratadas, sem a legislação esse índice seria maior. "A sensibilização e a educação são um processo contínuo", acredita.
A psicóloga comenta que a tecnologia foi uma das grandes mudanças que ocorreram desde que ela entrou no mercado de trabalho, em 1997, quando começou a trabalhar em uma escola de aviação de Porto Alegre. "Naquela época, os leitores de tela (softwares que leem em voz alta o que está na tela do computador) não eram comuns e não havia a consciência de inclusão que tem atualmente, a gente não sabia o que era capacitismo, as pessoas não sabiam que não podiam fazer certos comentários ou brincadeiras", lembra. Esse panorama foi tendo um amadurecimento, de acordo com Gisele, através do maior acesso às informações, internet, filmes e séries. "A sociedade em geral nunca foi muito preparada para ser acessível e inclusiva", reflete.
Ao falar de sua carreira, ela faz questão de sublinhar que a sua história não corresponde à realidade de muitos PcD, pois ela teve uma série de variáveis que a ajudaram, como ter o apoio da família, ser comunicativa e sociável. "Meu primeiro emprego foi na empresa de um amigo de adolescência que precisava de uma pedagoga e que meu viu como uma profissional", relata.
Depois, Gisele foi contratada por meio de cotas pela Ong Rumo Norte, que reabilita pessoas com deficiência e que possui em sua equipe instrutores, psicólogos e outros profissionais que são PcD também. A partir daí, ela passou a fazer palestras sobre diversidade e a atuar em companhias que já tinham projetos de inclusão ou onde ela colaborou para construí-los.
No entanto, Gisele salienta que muitas pessoas não são apoiadas pelas famílias, têm dificuldades no transporte para chegar a uma escola ou que fizeram uma faculdade e não tiveram chances de emprego ou só em cargos mais operacionais, posições das quais não conseguem sair e ter uma evolução na carreira. "Atuo para melhorar as condições de trabalho para essas pessoas que não têm as mesmas condições que a minha", pontua.
Entre as ações que podem ser desenvolvidas pelas companhias para alterar esse contexto, a psicóloga cita a idealização de projetos e contratações mais intencionais, investimentos na qualificação da comunicação - como ter audiodescrição em vídeos institucionais e intérpretes de Libras, língua brasileira de sinais - e com mentorias para as médias e altas lideranças. "Não basta avançar na tecnologia e abrir mais vagas se não houver uma atitude dos gestores para isso, eles são peças-chave para essa mudança."
Sobre o capacitismo, Gisele frisa que alguns preconceitos são velados e acontecem quando não acreditam na capacidade de pessoas com deficiência, quando elas não são avaliadas por suas entregas e sim por serem PcD, projetos relevantes não são entregues para esses funcionários ou não é oportunizado que eles cresçam dentro da organização. "Não são só as palavras que ferem. Quando alguém acha que não sou capaz, que não aposta em mim, mesmo eu tendo várias graduações e pós-graduações, isso dói", confessa.
As universidades, inclusive, também precisam avançar para estarem preparadas para receberem os estudantes PcD. Em sua primeira formação, em Pedagogia, os amigos e familiares de Gisele se revezavam para ler os conteúdos para ela e os professores precisavam gravar as aulas para que pudesse ouvir de novo. Os softwares de leitura deram uma autonomia para a então aluna e hoje profissional, que também é mãe de Andressa, 23 anos.

Empresas buscam elevar diversidade entre funcionários e lideranças

Programa da TIM ajudou a aumentar em 3,3 pontos percentuais a contratação de pessoas negras em 2023

Programa da TIM ajudou a aumentar em 3,3 pontos percentuais a contratação de pessoas negras em 2023

TIM/divulgação/jc
Com projetos voltados para a maior inclusão de pessoas de grupos sub-representados em seus quadros gerais e de chefia, diferentes companhias estão idealizando iniciativas e departamentos específicos para implementar ações afirmativas. A maior contratação de pessoas negras, por exemplo, tem sido o objetivo de organizações como a TIM que, em 2023, registrou um incremento de 3,3 pontos percentuais nessa área, chegando hoje a 42,5% do total de colaboradores. O objetivo, conforme a gerente de Diversidade e Inclusão da empresa, Érika Alves, é aumentar mais o acesso desse grupo a cargos de liderança - a representatividade atual é de 20% e a intenção é atingir 25%.
O envolvimento da alta liderança da TIM, pontua Érika, foi essencial para o sucesso e assertividade das medidas que vêm sendo concretizadas, como o primeiro Censo de Diversidade, Inclusão e Bem-Estar, em 2023, e a criação do Comitê de Diversidade e Inclusão, em 2020. Além disso, a própria gerência de Diversidade & Inclusão foi estabelecida, em 2019, para tornar os programas nesse campo mais estruturados.
Já as Lojas Renner esperam ter, até 2030, pelo menos 50% dos seus cargos de liderança ocupados por pessoas negras, o que corresponde a um crescimento de 18 pontos percentuais em comparação com à participação atual. Hoje, o quadro de colaboradores da varejista é formado por 48,4% de pessoas pretas e pardas, 20,6% são LGBTQIA e 4,2% PcD. As políticas de diversidade e inclusão da companhia são orientadas, desde 2020, pelo projeto Plural, que realiza treinamentos e ações de sensibilização em todas as suas áreas e conta com o apoio de uma equipe de trabalho formada por funcionários de grupos sub-representados.
Alinhado com a meta do Movimento Raça é Prioridade do Pacto Global da ONU no Brasil de contar, até 2030, com 1,5 mil empresas comprometidas em terem 50% de pessoas negras em cargos de liderança, a iniciativa de sustentabilidade corporativa e a companhia de recrutamento 99jobs lançaram, em 2022, o programa 10.000 Trainees Negros. A formação, com duração de dois anos, é efetuada através de uma plataforma exclusiva, que possui a missão de capacitar cerca de 10 mil talentos negros de todo o País até 2027. "A 99jobs atua como fomentadora e formadora dos profissionais. Idealizamos a maior ação de desenvolvimento de lideranças negras do Brasil", aponta o cofundador da empresa, Eduardo Migliano.
O projeto utilizará como ponto de partida o banco de talentos da 99jobs, que reúne em torno de 180 mil jovens negros esperando uma vaga de trainee, sendo que desse total 40 mil falam inglês avançado e 12 mil têm pós-graduação. Entre 2018 e 2022, a companhia verificou uma elevação de 269% nas inscrições de jovens negros em seus processos seletivos para estágio e trainee. Com 53% de pessoas negras na 99jobs e de 50% na diretoria, tirando os fundadores, a probabilidade de um funcionário negro liderar uma iniciativa em seus clientes é muito alta.
"E isso faz com que ele trabalhe em um contexto onde começa a provocar a organização atendida a fazer as mudanças que precisam ser realizadas", reforça Migliano. A plataforma conta com mais de 9,7 milhões de usuários inscritos, sendo que desse total cerca de 454 mil são pessoas negras que se cadastraram apenas em 2022 e 69,1 mil PcD e 29,7 trans (entre 2013 e 2022).
Atuando no setor de crédito educacional, a Fundacred, além de buscar a diversidade internamente, tem fomentado parcerias direcionadas, principalmente, a garantir o acesso à educação superior e facilitar a integração no mercado de trabalho. Atualmente, conta com 19 colaboradores declarados negros, sendo dois deles gestores, 13 que se autodeclaram pardos, com uma gestora no quando funcional, e duas pessoas indígenas, uma no Departamento de Pessoal e um jovem aprendiz - que está fazendo curso na Central Única das Favelas (Cufa) e começa na Fundação em março.
A parceria com a Cufa possibilita a jovens em situação de vulnerabilidade social participarem de uma formação na Central e, depois, atuarem na Fundacred por um ano e dois meses. "Mais do que inclusão, compreendemos que a agenda da diversidade deve ser pautada pela integração das pessoas de maneira a se tornarem atuantes na sociedade. O acesso à educação transforma os indivíduos e eles melhoram o mundo em que convivemos", defende o presidente da organização, Nivio Lewis Delgado.
 

*Tatiana Gappmayer é jornalista formada pela Pucrs e tem especialização em Jornalismo Digital também pela Pucrs. Atua há mais de 20 anos com produção de conteúdo impresso e online para diversas publicações, como revistas, livros e sites, com foco principal na cobertura sobre urbanismo, cidades, economia criativa e educação. É criadora e administradora do perfil @pelacidadebaixa, projeto digital de registro e informações sobre um dos bairros mais antigos de Porto Alegre – aliando jornalismo e fotografia.

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