Especial para o JC *
A capital gaúcha, que celebra seus 252 anos em 26 de março, esconde um lado rural que vai muito além do cenário turístico. Situada entre as três capitais brasileiras com maior extensão de zona agrícola, fica apenas atrás de Palmas e São Paulo. Com uma área de 4 mil hectares, representando 8,28% do território municipal, a região do Extremo Sul concentra propriedades voltadas para agricultura e pecuária. Segundo dados da prefeitura, a localidade abriga 450 unidades de produção. A reportagem especial desta edição busca desvendar o perfil agropecuário de Porto Alegre e revelar sua importância para a economia de Porto Alegre e para quem vive da terra.
A Porto Alegre rural que muita gente desconhece
O pêssego foi a fruta que mais registrou perdas, em torno de 50%, porque a umidade aumentou a incidência de doenças, especialmente no período de maturação
/Alex Rocha/PMPA/JCO mês de março, marcado por celebrações alusivas ao aniversário de Porto Alegre - que completa 252 anos amanhã -, incluiu uma nova atração no calendário comemorativo. O FestPoa Rural, realizado entre os dias 9 e 17 deste mês, surgiu para destacar a produção agropecuária que ocupa cada vez mais terras da Capital gaúcha. Na Feira da Produção Rural, realizada durante o evento promovido pela prefeitura, os visitantes puderam conhecer o melhor da agricultura familiar, a diversidade e a qualidade dos produtos locais que muita gente sequer conhece.
O fato é que a zona rural de Porto Alegre é fundamental para a cidade não apenas ambientalmente, por servir como uma área verde de proteção do ar e das chuvas, como também economicamente, pela variedade de cultivos e criações de animais que abriga. A atividade tem sido foco de atenção do governo municipal, em especial nos últimos anos, com os prejuízos causados pelos eventos climáticos extremos que atingiram a Capital. A expectativa é que a busca por alimentos saudáveis e a implementação de políticas de estímulo à atividade agrícola ajudem a reverter a queda da produção de Porto Alegre. Nos últimos dois anos, foram sucessivas ocorrências de estiagem, chuvas intensas, vendavais e novos períodos de falta de água, às vezes episódios diversos em um único ciclo de cultivo.
No ano passado, o excesso de cargas d'água reduziu o plantio e comprometeu a qualidade dos vegetais. "Os agricultores sobreviveram porque têm máquinas, sementes e conhecimento. Mas perderam capacidade de investimento, ficaram bastante fragilizados", afirma o chefe do Escritório Municipal da Emater de Porto Alegre, Luís Paulo Vieira Ramos.
Os pomares de pêssego, ameixa e uva tiveram quebras significativas, em média de 40%. O pêssego foi a fruta que mais registrou perdas, em torno de 50%. Isso porque a umidade aumentou a incidência de doenças, especialmente no período de maturação e, com o vento, muitas árvores foram derrubadas, explica Ramos. Enquanto lavouras de melancia e melão foram quase inteiras perdidas, a colheita de figo atrasou, mas estava a pleno no começo de março.
Os hortifrutigranjeiros, que também foram afetados pelo período de muita insolação e alta temperatura, também foram impactados. Houve não apenas redução de produção, como de qualidade. Em alguns períodos, a alface, por exemplo, apresentou folhas queimadas. A normalização ocorreu em março, mas o calor acima da média prejudicou novamente, agora, a expectativa é que a chegada do outono possibilite a normalização da colheita.
Atividade rural que já foi a principal em Porto Alegre, a produção animal hoje representa entre 20% e 30% das unidades da área rural. "Caiu muito porque é difícil e caro manter um rebanho legalizado, com vacinação. Além disso, o frango não tem produção estruturada orgânica", exemplifica Ramos. Hoje, a maior parte cria animais e planta apenas para subsistência.
Para fomentar a produção e estimular a conversão da produção convencional para orgânica até 2032, quando Porto Alegre deverá ser zona livre de agrotóxicos, a prefeitura lançou o Plano Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável no final de 2023. A exigência de deixar de usar químicos é da Lei 12.328/2017, proposta pelo atual secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cassio Trogildo que, pelo envolvimento no tema, é o responsável no município pelas ações na zona rural.
A partir da efetivação deste projeto, que prevê mais de R$ 9,2 milhões em investimentos, a tendência é de acréscimo de produtores no cultivo orgânico, considera o chefe do Escritório Municipal da Emater de Porto Alegre, Luís Paulo Vieira Ramos. "A procura por alimentos mais naturais, sem químicos ou transgenia, já estava em expansão e cresceu ainda mais a partir da pandemia, mas faltava incentivo", conta Ramos.
Em parceria com o Sindicato Rural de Porto Alegre, o poder público está distribuindo kits de irrigação e insumos aos produtores. Além disso, foram reabertas as inscrições até 31 de março aos interessados em se inscrever para receber os kits, o auxílio emergencial no valor de R$ 10 mil por agricultor, mediante laudo e vistoria, e a Patrulha Agrícola, com serviços de máquinas e equipamentos. Já o Centro Agrícola Demonstrativo (CAD) da Capital, localizado em Viamão, passa por melhorias e teve reforço na equipe, com a nomeação de engenheiros agrônomos, médicos veterinários e assistentes administrativos.
O esforço é para qualificar os produtores para ampliar a rentabilidade e minimizar perdas com os eventos climáticos, especialmente os orgânicos. A situação, somada à alta demanda de mão de obra na fruticultura levaram à erradicação de cerca de 80% dos pomares de ameixa e de 50% de pêssego. Outro ponto crítico para a produção de frutas é a insegurança, com roubos frequentes de frutas em razão de grande parte dos pomares ficarem próximos a zonas urbanas, explica Ramos. Para minimizar os danos, os agricultores substituíram algumas áreas de frutíferas por hortaliças, mas nem essas novas áreas se refletiram em aumento de produção de verduras e legumes. Na área animal, a criação de bovinos segue estável, enquanto a avicultura, a suinocultura e a ovinocultura estão em queda.
Em relação à regularização fundiária, que é um problema histórico da comunidade, a prefeitura contratou uma empresa, que realizou um levantamento topográfico e memorial descritivo das áreas, explica o secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cassio Trogildo, que é responsável pela zona rural. Os 53 relatórios técnicos foram entregues no dia 13 de março para os produtores começarem o processo. A segunda etapa, jurídica, será de responsabilidade dos interessados, pelas características singulares de cada processo.
A iniciativa foi realizada pelas secretarias municipais de Governança Local e Coordenação Política (Smgov) e de Habitação e Regularização Fundiária (Smharf), em parceria com a Associação dos Produtores Agroecológicos da Região Metropolitana de Porto Alegre (Rama) e o Sindicato Rural de Porto Alegre.
Curiosidades
Capital tem 4 mil hectares destinados ao cultivo de hortifrutigranjeiros
/TÂNIA MEINERZ/JC Ranking
Porto Alegre já ocupou a segunda posição entre as capitais com maior território rural, atrás apenas de Palmas (TO). Hoje está em terceiro, sendo superada por São Paulo (SP).
Desde 2015, a zona rural de Porto Alegre tem 4 mil hectares, o equivalente a 8,28% do território do município.
Números do Setor
O número de produtores e de unidades de produção difere em diferentes órgãos.
Emater e prefeitura trabalham com estimativa de 450 unidades de produção.
Sindicato Rural de Porto Alegre tem cerca de 700 associados ativos, de um total de quase 1.500.
O Censo Agropecuário mais recente foi divulgado em 2017. Na época, a Capital contava com 384 estabelecimentos agropecuários. O levantamento, que apresenta um panorama detalhado do setor, ainda não começou a ser realizado. Segundo o presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Marcio Pochmann, uma nova sondagem deve começar em breve com previsão de finalização para 2026.
Hortas rurais, urbanas e periurbanas
Porto Alegre pretende implantar 68 hortas comunitárias rurais, urbanas e periurbanas, que serão distribuídas em 17 regiões do município. Foi feito um chamamento público e a empresa vencedora está em fase de contratação para execução do projeto.
O Centro Histórico da Capital abriga um espaço demonstrativo de horta, na rua José do Patrocínio. No local, vizinhos fazem o manejo com orientação de agrônomos do poder público municipal.
Revisão do Plano Diretor pode ampliar em 50% zona rural de Porto Alegre
Para alterar os limites da zona rural, são necessários dois terços dos votos na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, ou seja, o equivalente a 24 votos
/TÂNIA MEINERZ/JCA reintegração da Extrema à zona rural aumentará em 50% a área do município com vocação para a atividade primária e deve estimular a retomada da produção. Mas isso depende da finalização da revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, o que só deve ocorrer após as eleições, em 2025. A zona rural ocupava 30% do município até 1999, quando foi extinta. Ao ser recriada em 2015, passou a compreender 4 mil hectares, o equivalente a 8,28% do município. Ao anexar o bairro, será agregada uma área superior a 2 mil hectares, o que equivale a um aumento de 50%, elevando para mais de 12,5% a zona rural de Porto Alegre.
Para alterar os limites da zona rural, são necessários dois terços dos votos na Câmara de Vereadores, ou seja, 24 votos. Hoje, a Extrema é considerada zona de ocupação rarefeita, explica o secretário de Governança Local e Coordenação Política, Cassio Trogildo. O fato de o bairro Extrema ter ficado de fora da zona rural a partir do restabelecimento do território, gerou uma dificuldade na tributação, situação que deve ser corrigida na revisão do Plano Diretor.
Segundo o chefe do Escritório Municipal da Emater de Porto Alegre, Luís Paulo Vieira Ramos, há um movimento para anexar o bairro, o que aumentaria a zona rural para cerca de 6 mil hectares. "A agregação da Extrema deve ajudar a ampliar a produção, pois o parcelamento do solo mínimo permitido será de dois hectares, o que já joga para vocação agrícola, pois não serão permitidos loteamentos. As pessoas vão começar cada vez mais a vir do urbano para o rural", considera Ramos.
A Lei 12.328/2017 definiu um prazo de 15 anos para a produção da zona rural do município de Porto Alegre ser uma área livre de agrotóxicos. Conforme a legislação, ficaria a cargo da prefeitura "incentivar a produção rural orgânica e sustentável, com ampliação de tecnologias que permitam a manutenção do meio ambiente; fomentar o cooperativismo e o associativismo na produção e na comercialização dos produtos agroecológicos; e estimular a prevenção e a recuperação dos recursos hídricos da região".
Além do estímulo à atividade econômica, a integração do bairro Extrema à área rural reforça também a importância ambiental da região para a cidade, ao ajudar a preservar um cinturão verde. "O ar que vem do mar e da Lagoa dos Patos ajuda a resfriar. "A zona rural protege a cidade, reduz a poluição e contribui para o controle térmico, mantendo a temperatura mais baixa", detalha Ramos. Além disso, preserva a biodiversidade. "As pessoas enxergam o bugio, mas tem uma infinidade de insetos, plantas, aves e pequenos mamíferos que, saindo deste espaço, não sobrevivem."
Outro fator fundamental é a segurança alimentar da população. Produzir localmente garante uma certa quantidade e oferece mais qualidade e nutrientes. Também serve de resguardo em caso de intempérie ou situações extremas como pandemias ou bloqueios de estradas, por exemplo, que impedissem a chegada de alimentos. A área rural tem ainda a questão cultural, de saberes e agroindústrias, dos caminhos rurais, da criação de cavalos. Segundo dados da Emater, apenas Porto Alegre tem mais de 80 hospedarias de cavalos.
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Jovem convenceu o pai a plantar soja e hoje tem 280 hectares com o grão
Gonçalves, produtor de soja da zona rural, faz o plantio em 150 hectares arrendados em duas propriedades na Capital
/EVANDRO OLIVEIRAAos 15 anos, Eduardo Gonçalves já era apaixonado por trator e convenceu o pai pecuarista a plantar soja. A frustração da primeira safra em 30 hectares na propriedade da família em Viamão fez Adilon, patriarca da família Gonçalves, a desistir do grão. A falta de experiência trouxe prejuízo. Mesmo assim, Gonçalves insistiu. Pediu dez hectares para o pai e uma ajuda financeira para a mãe, Rosane, para seguir em frente.
"O pai disse que não queria mais saber, mas plantei de novo, pedi plantadeira emprestada para vizinho, ajudava o vizinho para pagar o uso da plantadeira, e deu certo. Peguei todo o dinheiro da renda dos 10 hectares e plantei no ano seguinte 30 hectares. Dali para a frente só crescemos, até o ano passado", conta o jovem que hoje tem 22 anos e que na terceira safra voltou a ter a parceria do pai. Hoje, são cultivados 130 hectares em duas áreas da família em Viamão e outros 150 hectares arrendados em duas propriedades em Porto Alegre.
Segundo Eduardo, a seca e os insumos caros prejudicaram a safra 2022/2023, assim como a queda do preço do grão na hora da venda. Este ano, apesar de os insumos terem sido mais baratos, o valor da soja caiu ainda mais. A colheita, que atrasou um pouco e está em pleno andamento, deve ficar entre 50 e 55 sacas por hectare, repetindo o desempenho do ciclo anterior. Já o preço diminuiu. A saca no ciclo anterior estava estimada em até R$ 170, mas ficou em R$ 137.
Para este ano, o cálculo ficava em torno de R$ 150, mas caiu para R$ 110 no início de março. Para pagar o investimento da atual safra, Eduardo calcula que a produtividade precisa superar as 55 sacas por hectare. O trabalho é dividido entre Eduardo e um parceiro. Apenas no plantio são contratados diaristas. Esse custo é somado aos equipamentos e insumos aplicados nas plantas. Porém, se não houver uma retomada nos preços, a tendência é continuar a investir, mas manter a atual produção, sem expansão de área. "Muita gente quer ganhar na quantidade, mas quanto maior a pirâmide, maior o tombo", diz Eduardo, cauteloso.
Além das lavouras, Eduardo ajuda o pai na lida com o gado. "Reviso campo, para ver se tem bicheira, roubo", conta o jovem. A família trabalha ainda com vacas de cria em Viamão e Porto Alegre. São cerca de 450 fêmeas e seis touros. A venda de terneiros, que estava desafiadora, melhorou neste começo de ano. A família chegou a vender terneiros a R$ 16,50, quando o valor disparou (a média é R$ 12,50 a R$ 13). Mas, no ano passado, caiu para R$ 7,30. "A conta não fecha, temos máquinas para pagar, aluguel para pagar. Quando subiu tudo, os donos de terras subiram arrendamento, o que é mais do que justo. Mas quando baixou, não quiseram baixar. Tudo que a gente produz não vale nada e o que a gente compra é um absurdo", lamenta Eduardo.
Cabanha Figueira une criação e hotelaria animal ao turismo
Propriedade, que fica no Lami, integra o roteiro dos Caminhos Rurais
/TÂNIA MEINERZ/JCA Cabanha Figueira, localizada no bairro Lami e inaugurada em 2004, atua com hotelaria animal, onde estão abrigados cerca de 110 cavalos. Nos 35 hectares, há ainda 350 bovinos, além de peixes, patos, marrecos e cabritos. Além dos serviços de hotelaria, os proprietários Cíntia Santos e Cláudio Flores de Fraga idealizaram o espaço para turismo rural, competição de tiro de laço e venda de cavalos e bovinos. Hoje, contam com a parceria das filhas Thaiane e Isadora.
A Figueira está em plena expansão. "Cresce cada vez mais a vontade das pessoas de procurarem o campo para desestressar e sair da poluição da cidade. A cabanha remete a lembranças da família, como diz o slogan dos Caminhos Rurais: na mesma cidade, um outro mundo", afirma Cíntia. Cerca de mil pessoas passam mensalmente pela propriedade, que conta com seis funcionários, número que precisava ser maior, segundo Fraga. A atividade de cuidar do campo e dos animais é difícil, faltam incentivos e a mão de obra é cada vez mais escassa, detalha Cíntia.
A empresária cita ainda a importância da preservação da zona rural: recentemente, foram plantadas árvores nativas, iniciativa que pretende repetir para ampliar o verde na cabanha. "No ano passado, se não fossem os campos do lago Guaíba, o que seria do Centro de Porto Alegre?", questiona. Vacas tiveram de ser remanejadas em razão da enchente, conta, destacando a importância deste recurso para a cidade não alagar. "Foi uma forma de proteger os urbanos", ressalta.
"Com o turismo, damos a oportunidade a outras pessoas terem convívio direto com a natureza e também despertem para a importância da preservação", considera Cíntia, que diz não precisar de ar condicionado pelo ar fresco oferecido pelas árvores. Segundo a empresária, a zona rural é importante para o clima, para preservar o meio ambiente, o rio, os açudes, os animais livres, como famílias de bugios.
Quem tiver interesse em conhecer, pode locar o espaço para evento ou passar o dia na cabanha, mediante pagamento de ingresso, o que possibilita fazer um assado nas churrasqueiras. É possível alugar cavalos para passeio, a um custo por hora. E, quem quiser pernoitar, a cabanha também oferece apartamento para locação em cima das cocheiras dos cavalos. O prédio, centenário, era do antigo Haras Corejada, nome em homenagem a uma égua sangue puro inglês. A Corejada foi a primeira fêmea a vencer o Grande Prêmio Bento Gonçalves.
Produção orgânica para alta gastronomia
Rafael (esquerda) e Patrícia (direita), juntamente com o irmão Rodrigo, decidiram retornar para a propriedade e retomar o cuidado com o solo
/TÂNIA MEINERZ/JCOs irmãos Patrícia, Rodrigo e Rafael Cirne Lima retomaram o plantio no Sítio do Sol, propriedade de 14,5 hectares herdada do pai no Beco do Chapéu do Sol, após um período de cuidados com o solo e preparo para início da produção orgânica. A propriedade era um sonho de família junto com o pai. Os três filhos moravam fora. Dois no exterior e um em Porto Alegre. O pai cuidava da produção, junto com parceiros. O pai faleceu, e a primeira a fazer inversão foi Patrícia.
"Fizemos o êxodo rural inverso", conta a agricultora, que é formada em Artes Dramáticas, com especialização em Paris, onde morou por três anos. Depois, trabalhou com teatro no Rio de Janeiro e morou por 18 anos em São Paulo trabalhando com audiovisual. Há oito anos, Patrícia decidiu retornar e propôs aos irmãos a conversão do cultivo convencional para o orgânico na propriedade. Atualmente, o irmão caçula Rafael (formado em Educação Física, e que faz especialização em Psicologia do Esporte) passa o período da safra na Capital e o restante do ano nos Estados Unidos. Rodrigo, que é advogado, é o responsável pela parte administrativa e operacional.
A propriedade produz pitaya e cítricos diferenciados, como limões asiáticos (Japão, Tailândia e Indonésia), laranjas champagne da Embrapa, maçã Eva, entre outros. "Investimos em cultivos nichados para alta gastronomia, incluindo rizomas e espécies típicas do Rio Grande do Sul e fazemos rodízio com feijão, mandioca, batata doce, entre outros", conta Patrícia Wood. Em 2021, a produção recebeu certificação orgânica pela Rama.
Atualmente, o principal produto é a pitaya, são quase 5 mil plantas em quatro hectares e um hectare com milho, girassol e bananeira para atender as abelhas e maritacas e reduzir o apetite pelas pitayas, explica Patrícia. Entusiasta da produção orgânica, a publicitária e hoje produtora ensina que pragas são indicativos de desequilíbrio. Ela conta que ao começar a mexer na terra degradada, havia problemas com formigas cortadeiras. Hoje, em razão da composição biológica, cobertura de solo, mix de forração de inverno, não tem terra nua, não tem déficit de nutrientes, as formigas têm outras coisas para pegar.
Por ser um cultivo exótico, foi difícil o manejo da pitaya no início. Porto Alegre, por estar muito distante da camada equatoriana, berço ambiental destas cactáceas, representou um desafio climático. Começaram com uma variedade que haviam recebido de presente e hoje melhoraram o plantel de acordo com cultivares de qualidade melhor. Também são acompanhados pela Emater e Senar.
Neste ciclo, a alteração climática prejudicou, o inverno foi chuvoso e na primavera não floresceu como deveria. "Quanto mais orgânico é a produção, mais trabalho se tem, e maior a possibilidade de se ajeitar com as questões climáticas. Isso porque a terra mais saudável tem planta mais saudável, mais protegida à ataque de doenças e pragas", conta.
Hoje, a propriedade trabalha com a fruta in natura e o desafio é ganhar tempo de prateleira. Patrícia explica que a pitaya tem de 70% a 80% de líquidos e precisa ser colhida no ponto, nem antes, pois reduz sabor e fica ácida, nem depois. Toda o processo de logística, da colheita à entrega ou venda na feira dura apenas algumas horas. Agora, os produtores estudam destinar parte da produção para agroindústria, para resultar em alimentos minimamente processados para manter os benefícios e voltados para saúde nutricional, com certificação orgânica.
"A agroindústria será feita de acordo com a necessidade e alinhada à questão de custos, materiais e equipamentos. Enquanto isso, vamos trabalhando as receitas. Deve ser para 2025", conta Patrícia. A ideia é que a agroindústria beneficie outras frutíferas, também para ampliar tempo de prateleira.
Atualmente as frutas estão disponíveis em feiras orgânicas com banca de safra do Sítio do Sol na feira agroecológica do Bomfim, bancas coletivas da Rama, na Assembleia Legislativa e no Centro Administrativo. Também são comercializadas em duas lojas da rede Asun de Supermercados, em empórios orgânicos de Porto Alegre, Gramado e Canela. Os alimentos também são entregues ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do governo federal, que adquire alimentos de produtores locais e os distribui por meio do Mesa Brasil e do Banco de Alimentos para creches, escolas, asilos e outros.
Produção agrícola passa por quatro gerações
Oscar da Silva Goulart Neto distribui as hortaliças produzidas de forma convencional nos mercados da Zona Sul de Porto Alegre
/EVANDRO OLIVEIRAIntegrante da quarta geração de agricultores, Oscar da Silva Goulart Neto, 52 anos, se mantém na atividade apesar das adversidades. Em 2023, por exemplo, as perdas de hortaliças chegaram a 50% em meses do inverno, período em que a chuva castigou as plantações. O produtor se viu obrigado a aumentar os preços, mas não conseguiu compensar o prejuízo. Depois da água em excesso, veio a seca, que também impactou, mesmo com o sistema de irrigação em todos os canteiros.
Neste começo de ano, a situação se normalizou e os preços recuaram a um patamar mais baixo. Para se ter uma ideia, uma caixa de alface com 12 unidades chegou a R$ 30,00 em agosto, valor que caiu para R$ 10,00 em fevereiro. "Hoje, está quase de graça", lamenta Goulart Neto, que começou a ajudar a família na roça aos sete anos.
Com 60 hectares de plantio, a empresa Oscar é uma das maiores horticultoras de Porto Alegre. A produção está dividida em três propriedades, sendo duas próprias, que chegam a 45 hectares, e emprega 22 pessoas, incluindo dois irmãos do proprietário. Alface, beterraba e rúcula ocupam praticamente a metade da área. O restante é dividido entre couve verde, couve flor, repolho, brócolis e tomate. Além do cultivo, Oscar distribui as hortaliças produzidas de forma convencional entre os mercados da região Sul da cidade.
"A utilização de químicos nas hortaliças é fundamental para manter a produção", declara o empresário. Apesar disso, está produzindo orgânicos em uma área experimental junto ao Sindicato Rural de Porto Alegre. "Até para mostrar que não produz", afirma Goulart Neto. A cada ano, explica que as perdas na produção vêm aumentando pelas mudanças climáticas e pela maior incidência de pragas, como lagartas e mosca branca, mesmo com uso de defensivos.
O produtor, que é separado, tem duas filhas, mas nenhuma quis levar adiante o trabalho da família. Taís, de 32 anos, é cozinheira, e Eduarda, de 18 anos, entrou este ano para a Universidade. A falta de interesse tem relação com o desprestígio do trabalho do agricultor, considera Goulart Neto, e com a falta de políticas públicas efetivas.
As necessidades vão desde a redução de impostos incidentes sore adubos, fertilizantes e máquinas até acesso a crédito. Atualmente, a empresa Oscar tem quatro tratores e três caminhões. O agricultor detalha que todos foram adquiridos com recursos próprios pela dificuldade em contratar um financiamento.
"As pessoas não dão valor, mas tudo o que consumimos vem da terra", afirma. Sobre abandonar a atividade, o produtor descarta, mesmo com a insistência das filhas. "Daqui sai o sustento para todos. Sou o primeiro a chegar, às cinco horas da manhã e fechamos às 18h. E gosto muito, só tinha de ter maior consideração", considera Goulart.
Agricultores de Porto Alegre querem aumentar participação na Ceasa
Em torno de 54% dos hortifrutigranjeiros comercializados no Estado passam pela Ceasa-RS (Centrais de Abastecimento do Estado do Rio Grande do Sul), localizada na zona Norte da Capital. Do total de 1.576 produtores gaúchos que trabalham na Ceasa, apenas 18 são de Porto Alegre. "Se estamos estimulando os produtores a investirem, é importante que se abram novos mercados e a Ceasa é hub fantástico", destaca o diretor-presidente da instituição, Carlos Siegle de Souza. De acordo com o executivo, a Ceasa tem uma área de orgânicos - e Porto Alegre deve produzir somente orgânicos até 2032 -, mas o espaço é ocupado somente por alimentos convencionais, pois não tem produção sem agrotóxicos.
A viabilização da venda dos orgânicos foi tema de palestra durante o FestPoa Rural, que ocorreu em meados de março. Siegle conversou com agricultores e representantes da prefeitura e se colocou à disposição para buscar uma solução para a questão logística e custo de aluguel de espaço na própria Ceasa. O tema ainda precisa ser discutido, mas o primeiro passo foi dado. "A Ceasa se justifica pública para baratear custo logístico para o produto chegar mais barato para a mesa e para estimular o produtor rural para ter espaço de comércio", afirma Siegle.
A questão da comercialização também foi discutida com a Associação dos Produtores da Rede Agroecológica Metropolitana (RAMA) e o Sindicato Rural de Porto Alegre. Para o presidente do Sindicato, Cleber Vieira, há grande dificuldade por parte dos produtores para colocar seus produtos no mercado. "Precisamos de feiras exclusivas para produtores rurais de Porto Alegre, temos de montar outras feiras, não só orgânicos", cobra o dirigente.
Os problemas não são apenas logísticos e de custo, há ainda o desafio da qualificação. Para mudar este quadro, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural no Rio Grande do Sul (Senar-RS) e o Sindicato Rural de Porto Alegre prestam assistência técnica para produtores de olerícolas e para criadores de ovinos. Além disso, vêm realizando cursos de qualificação para produtores e comunidades da Capital. Em 2023, foram quase 80 cursos de operador de trator, roçadeira, motosserra, drones, produção de hortaliças, compostagem, paisagismo e jardinagem, entre outros. Este ano, já foram realizados outros 18, com duração mínima de 16 horas.
Entre os cursos mais acessados estão os de inclusão digital, pela maior dificuldade de acesso, especialmente o preenchimento da nota fiscal eletrônica, que mudou no final do ano passado, explica a secretária do Sindicato Rural, Karina Ferreira. Outro benefício viabilizado pelo sindicato foi o ônibus odontológico do Sesc/Senar, que esteve em março, pela segunda vez, na sede da instituição para atender os agricultores.
"Atuamos junto com o Senar, que faz parte do sistema Farsul, para ajudar os produtores. Estamos fazendo uma média de sete a dez cursos por mês para que os agricultores e pessoas que estão morando na zona sul plantem e se habilitem para ter renda no seu sítio", explica o presidente do Sindicato Rural, Cleber Vieira.
Na nova sede do sindicato, localizada há um ano no bairro Lami, há áreas demonstrativas em um hectare. No espaço, são cultivadas hortaliças. Foi plantado ainda laranja, limão, bergamota e, em breve, morango em estufa que foi instalada no local. Além de tesoureiro, Jonathan Paim, planta em parceria com os agricultores para fazer experimentos na propriedade.
*Karen Viscardi é formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (Pucrs). Atuou como editora no Jornal Zero Hora, e como editora e repórter no Jornal do Comércio.