Eventos climáticos trazem desafios e oportunidades

Reportagem especial mostra que o enfrentamento do problema é complexo

Por JC

Roteiro se repete: monitorar o tempo e emitir alertas, mitigar danos, prestar socorro e voltar à normalidade
Loraine Luz, especial para o JC*

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Aprimorar a previsão de curto prazo é desafio para as cidades

Um raio sobre a Igreja das Dores, no Centro Histórico de Porto Alegre PG3
Uma das fragilidades da meteorologia brasileira se concentra no chamado nowcasting - ou previsão imediata. Fenômenos climáticos podem ocorrer numa escala de clima (meses a ano) - como as secas, cuja antecipação permite tempo hábil para a ação coordenada a fim de minimizar danos - e numa escala de tempo, que é de minutos a dias. É aqui que entram as chuvas intensas de curto período, as rajadas de vento severas, os tornados e granizos, que conseguem ser previstos com no máximo dois dias de antecedência.
Segundo Izabelly Carvalho, chefe da Divisão de Previsão de Tempo e Clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o nowcasting cujo produto final é um alerta meteorológico exige um monitoramento 24h por uma equipe especializada em identificar assinaturas características para a ocorrência de tais fenômenos. Ela aponta: "Não há profissionais suficientes para esse monitoramento em tempo real e emissão de alertas, em nível de Brasil. Precisa investir na qualificação desses profissionais. Atualmente, os meteorologistas não saem da faculdade com essa especialização, necessária para um monitoramento e emissão de alertas eficiente".
Izabelly integra o Comitê Científico de Nowcasting, formado por ela e mais 17 profissionais, que concluiu em dezembro um documento com 85 páginas contendo as diretrizes para a Implementação do Nowcasting no Brasil (confira a seguir mais detalhes da iniciativa). É com base nesse estudo que ela também afirma haver, no País, carência de ferramentas específicas que possam agrupar todas as informações necessárias para a previsão de curto e curtíssimo prazo.
"Mas apenas a compra dos equipamentos não é suficiente. Um país com dimensões continentais e características bem específicas em cada região requer uma organização em nível federal e uma atuação em nível municipal ou de microrregiões", argumenta a pesquisadora. Conforme informações no documento assinado pelo comitê científico, dos 5.570 municípios do País, apenas 2.132 (cerca de 38%) contam com Coordenação Municipal de Defesa Civil.
O tamanho do Brasil e sua diversidade também são lembrados pelo climatologista chefe do Departamento de Geografia da Ufrgs, o professor Francisco Eliseu Aquino. Para ele, mesmo que o País esteja capacitado técnica e cientificamente para o monitoramento - o que, na sua visão, não exclui o fato de que essa rede precisa de manutenção, qualificação e até ampliação -, a informação demora a chegar.
Meteorologista e head para projetos governamentais da Climatempo, Cátia Valente também destaca que "o alerta chegar até a ponta, até o cidadão na hora certa e no local certo, não é fácil e isso não é um problema no Brasil. Em grande parte dos Países, o gargalo é exatamente este".
De fato, o desafio é de ordem global. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) tem insistido na importância da precocidade dos alertas a fim de que se tenha tempo hábil para mitigar os impactos de um fenômeno climático severo. Segundo a OMM, os países com alertas limitados têm uma mortalidade por desastres oito vezes maior do que aqueles com alertas completos.
Coliderada pela OMM e pelo Gabinete das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UNDRR), a iniciativa "Alerta Antecipado para Todos" busca garantir que, até 2027, todos os países tenham um sistema de aviso precoce. Com investimentos iniciais na ordem de US$ 3,1 bilhões, a ação tem o apoio da União Internacional de Telecomunicações (UIT), da Federação Internacional da Cruz Vermelha e da União Europeia. A iniciativa completará dois anos de seu lançamento em março. Durante a COP28, em dezembro passado, um relatório do UNDRR e da OMM revelou que metade dos Países no mundo ainda não conta com sistemas adequados.
Para o professor Aquino, a discussão vai mais além: como melhorar a comunicação do alerta - o que, para ele, envolve ainda lidar com a descrença da população diante da previsão do tempo. O problema engloba a necessidade de um padronização - como aponta o documento do Comitê Científico do Inpe - mas não somente.
Quando esteve em Muçum (um dos municípios mais castigados pela enchente do Rio Taquari), conversando com os moradores, Aquino percebeu que eles tinham na memória enchentes de anos anteriores, consideradas eventos extremos, mas que não atingiram a sua casa. Essa era a referência. Mas o fenômeno de setembro foi pior. "O que é extremo? Se vem um novo aviso de extremo, o que pode ser mais extremo para alguém que já perdeu tudo?", pondera o professor. "É importante que o alerta seja acessível, de fácil entendimento e com credibilidade", reconhece Cátia.

Comitê Científico elabora guia sobre nowcasting

Porto Alegre, RS 29/10/2019: A Defesa Civil de Porto Alegre, diante dos prognósticos climáticos divulgados por Institutos Meteorológicos, emite alerta para o risco de chuva intensa, acompanhada de rajadas de vento e descargas elétricas (raios), nas próximas 24 horas na Capital. Foto:
Percebendo a necessidade de uma padronização de termos, de um monitoramento climático mais efetivo e de uma comunicação clara para alertas e avisos, um Comitê Científico de Nowcasting ligado ao Inpe concluiu, em dezembro, um guia com mais de 80 páginas contendo diretrizes para todas as ações na área de previsão imediata no Brasil. O documento é assinado por 18 especialistas e, além do Inpe, reúne USP, UFSM, Suny (sistema de faculdades e universidades públicas no estado de Nova York), Censipam, Igam e Semagro.
"Acreditamos que, havendo um esforço conjunto e coordenado no País para implementar um sistema de nowcasting robusto e eficiente, o Brasil estará muito mais preparado para lidar com desastres naturais derivados de eventos meteorológicos extremos, desastres que tendem a se tornar cada vez mais frequentes e intensos, devido não apenas às mudanças climáticas, mas também à expansão urbana não planejada e ocupação de áreas de risco", anuncia o documento.
Segundo Izabelly Carvalho, uma das integrantes do comitê, até o momento não se constatou nenhum resultado prático após a divulgação do estudo - que desde dezembro está em posse da direção do Inpe. "Apenas os relatórios enviados às instituições que possuem radares meteorológicos, contendo sugestões de alterações nas receitas dos radares, é que já temos resultados, ou seja, algumas instituições já aplicaram as sugestões", afirma ela.
A situação de radares meteorológicos pertencentes a órgãos nacionais e estaduais é um exemplo dos aspectos sobre os quais o comitê científico se debruçou. São 54 radares cobrindo aproximadamente 55% do território nacional. "Foram identificados diversos problemas", diz o documento. "Identificou-se a falta de profissionais especializados em radar, o que mostra a importância da formação de profissionais nesta área", pontua.
 

Principais pontos recomendados pelo comitê do Inpe para fortalecer a previsão imediata

  • Padronização do procedimento de envio e definições de avisos e alertas;
  • Organização regional do nowcasting, porém com uma governança nacional; coordenação nas esferas nacional e regional/estadual
  • Padronização das receitas de radares meteorológicos
  • Unificação dos bancos de dados meteorológicos
  • Desenvolvimento de novos produtos para monitoramento de tempo severo; de modelos numéricos e produtos derivados com foco em tempo severo; e de uma ferramenta operacional para nowcasting (web e local)
  • Comunicação efetiva (emprego de protocolos objetivos, padronizados e específicos para a emissão de alertas)
  • Ampliação do banco de registros de tempo severo
  • Capacitação de profissionais
 

Emissão de avisos e alertas são pontos importantes segundo o Inpe

  • Necessidade de uma centralização institucional para exercer a função de emissão de avisos e/ou alertas tanto a nível nacional quanto estadual/regional
  • Adoção de uma padronização quanto ao que se pretende precisamente veicular com o uso de expressões como "aviso", "alerta" etc.
  • Estabelecimento de definições mais claras dos fenômenos sendo alertados e do que se entende por tempestade severa
  • Emprego de protocolos objetivos, padronizados e específicos para a emissão de alertas com o intuito de reduzir ao máximo a subjetividade individual envolvida no momento de decidir pela emissão ou não do alerta
  • Implementação, dentro dos centros de meteorologia já existentes, de núcleos dedicados exclusivamente à previsão e ao monitoramento de tempo convectivo severo, permitindo o estabelecimento de equipes especialistas nesta escala de movimento e reduzindo a sobrecarga de atribuições no processo de previsão
  • Necessidade de reduzir a latência existente entre a identificação de uma condição atmosférica merecedora de alerta e a comunicação deste alerta aos usuários finais
 

Prejuízos locais, nacionais e globais

Remediar danos das intempéries mexe com recursos em diversas esferas
A conta perde de vista se considerar que os recursos destinados à recuperação de municípios atingidos acabam deixando de ser aplicados em outros setores, como saúde, educação e segurança. Em 2023, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) destinou mais de R$ 1,4 bilhão para ações de proteção e defesa civil em 24 estados do País, beneficiando cerca de 16 milhões de pessoas. Foram R$ 397 milhões para socorro e assistência à população, R$ 310 milhões para recuperação de infraestruturas e moradias danificadas ou destruídas por desastres e R$ 184 milhões para restabelecimento de serviços essenciais.
Remediar estragos resultantes de intempéries do clima também mexe com uma "poupança" alimentada pelo próprio cidadão: o FGTS. Em quase 10 anos, os saques do FGTS em calamidade atingiram R$ 3,7 bilhões, uma média de R$ 300 milhões ao ano. O levantamento foi feito pela Caixa Econômica Federal a pedido do jornal O Globo, em matéria publicada em novembro passado. Esse montante supera os investimentos em prevenção. Segundo a mesma reportagem, com base em dados da Consultoria de Orçamento da Câmara, recursos efetivamente pagos para a redução de riscos de desastres pelo governo federal chegaram a aproximadamente R$ 1,1 bilhão.

O estrago em números

+ de 100 municípios gaúchos foram assolados pela enchente de setembro passado. Foi a maior catástrofe natural em 40 anos.
93% das empresas no Vale do Taquari foram diretamente afetadas pela enchente de setembro do ano passado. Os prejuízos totais atingiram a marca de R$ 420 milhões conforme levantamento liderado pelo governo do Estado.
R$ 231 milhões foi a estimativa do prejuízo econômico sofrido por Muçum, também no Vale do Taquari, número 6x maior do orçamento do município.
50% dos cerca de 8 mil empregos formais de Encantado foram impactados direta ou indiretamente pelos estragos das chuvas de setembro, segundo dados da associação comercial e industrial da cidade.
+ de R$ 45 milhões foi o prejuízo econômico no Vale do Taquari decorrente das inundações de julho de 2011, conforme a Defesa Civil regional, afetando mais de 83 mil pessoas.
3,6 milhões foi a soma de prejuízos somente na área de educação para o município de Caraá, no Litoral Norte gaúcho, decorrentes de um ciclone extratropical em junho do ano passado.
R$ 149 milhões foi a estimativa de dano econômico para a agricultura gaúcha, segundo a Emater/RS, após a passagem do ciclone de junho de 2023. O relatório divulgado ainda em junho apontou que mais de 8 mil propriedades foram atingidas. Maquiné e Caraá concentraram mais da metade das perdas.
+ de R$ 3 bilhões foi a conta das inundações para o Estado, entre novembro de 2009 e janeiro de 2010, afetando 960 mil pessoas. O montante só considera os municípios que decretaram Situação de Emergência, então, o prejuízo pode ter sido bem maior. O dado consta em estudo da ABRH.
+ de 890 mil é o número de pessoas atingidas, em 2022, por desastres ligados a chuvas no Brasil. Significa 150% a mais do que em 2012. O dado é da Defesa Civil Nacional e Inclui mortos, feridos, desabrigados, desalojados e desaparecidos.
+ de 14 mil é o número de pontos, no país, com alto risco de deslizamento, segundo dados da Defesa Civil Nacional.
34% dos municípios brasileiros têm parte da população em áreas suscetíveis a deslizamentos, enxurradas e enchentes. O levantamento é da Casa Civil e do Ministério das Cidades, que aponta uma alta de 136% ante um estudo de 2012.
8,9 milhões de pessoas moram em locais considerados de maior vulnerabilidade, conforme o estudo atual da Casa Civil e do Ministério das Cidades.
7 em cada 10 brasileiros já passaram por pelo menos um evento extremo associado às mudanças climáticas, segundo pesquisa divulgada em dezembro pelo Instituto Pólis e pelo IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica). Ciclones e tempestades de vento preocupam proporcionalmente mais a população da região Sul — 29%, frente à média nacional de 13%.
100% a 200% é a estimativa de crescimento no número de pessoas atingidas por enchentes e deslizamentos no Brasil se considerar o cenário de aquecimento global de 1,5 graus Celsius. O alerta faz parte de relatórios publicados em 2022 pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.
US$ 81 bilhões do comércio global e pelo menos US$122 bilhões da atividade econômica mundial estão expostos a riscos sistêmicos devido a eventos climáticos extremos, conforme pesquisa publicada na revista Nature em julho de 2023.
US$ 555 milhões são os prejuízos decorrentes de inundações e secas que atingiram o Brasil entre janeiro e setembro do ano passado. O dado é do Global Catastrophe Recap Q3, um relatório elaborado pela Aon, uma multinacional de seguros, resseguros e gestão de riscos.
 

População tem papel fundamental no combate à crise climática

1. Mude seu meio de transporte - Os meios de transporte contribuem para cerca de um quarto das emissões globais de gases de efeito estufa, e muitos governos estão implementando políticas para descarbonizar a mobilidade em todo o mundo. Você pode começar essa mudança: deixe seu carro em casa e caminhe ou pedale sempre que possível. Se a distância for muito grande, opte pelo transporte público, de preferência elétrico. Se tiver que dirigir, ofereça caronas para que menos carros ocupem as ruas. Além disso, é possível ir ainda mais longe, compre um carro elétrico e tente reduzir grandes trechos de voos em viagens.
2. Controle seu consumo de energia - Se possível, tente mudar para uma companhia elétrica com políticas de zero carbono ou energia renovável. Instale painéis solares. Seja mais eficiente: aumente a temperatura do ar condicionado em alguns graus, se puder. Desligue aparelhos e luzes quando não os estiver usando e, melhor ainda, sempre prefira produtos mais eficientes (dica: isso economizará seu dinheiro!). Isole seu sótão ou telhado: você sentirá menos frio inverno, menos calor no verão e também gastará menos.
3. Consuma produtos sustentáveis e de origem local - Para reduzir a pegada de carbono do que você come, opte por alimentos locais e da estação. Com isso, você estará ajudando as pequenas empresas e plantações da sua região e reduzindo as emissões de combustíveis fosseis associadas ao transporte e à armazenagem refrigerada. A agricultura sustentável usa até 56% menos energia, produz 64% menos emissões e admite uma maior biodiversidade do que a agricultura convencional.
4. Não desperdice comida - Um terço de toda comida produzida no mundo é perdida ou desperdiçada. Segundo o relatório de Índice de Desperdício de Alimentos 2021 do PNUMA, a população mundial desperdiça um bilhão de toneladas de alimentos anualmente, o que corresponde a cerca de 8% a 10% das emissões de gases de efeito estufa. Aproveite toda a parte comestível dos alimentos que compra. Meça as porções de arroz e outras comidas básicas antes de cozinhá-los, armazene os alimentos corretamente (no freezer, se tiver um), seja criativo com as sobras e compartilhe-as com seus amigos e vizinhos, e contribua para um sistema local de compartilhamento de alimentos. A compostagem com restos não comestíveis também pode ser útil para fertilizar o seu jardim, além de ser uma das melhores opções para a gestão de resíduos orgânicos, ao mesmo tempo em que reduz os impactos ambientais.
5. Plante árvores - A cada ano, aproximadamente 12 milhões de hectares de floresta são destruídos e esse desmatamento, unido à agricultura e outras conversões de terras, é responsável por cerca de 25% das emissões globais de gases de efeito estufa. Todos e todas podemos desempenhar um papel em reverter essa tendência por meio da plantação de árvores, como um trabalho individual ou coletivo.
FONTE: PNUMA/UNEP
 

Reação adequada dos cidadãos precisa ser ensinada

Aquino, climatologista chefe do Departamento de Geografia da Ufrgs, aposta nas saídas de campo como instrumento fundamental de aprendizado
Como se não bastasse o esforço técnico e científico para monitorar e prever um evento climático extremo, outro obstáculo para a eficiência das respostas se impõe: a conscientização do cidadão sobre os riscos, uma concordância em obedecer à risca os alertas e as orientações de segurança das autoridades. Segundo especialistas, o enfrentamento desse problema - identificado como uma deficiência cultural que inclui um senso comum antigo de que o Brasil seria um país livre de desastres naturais - passa pela incorporação do tema nos currículos escolares.
"É imperativo que as pessoas sejam ensinadas a compreender o que ocorre à sua volta. É necessário que a população tenha entendimento e consciência do risco a que está exposta e só assim o alerta se tornará eficiente", argumenta Cátia Valente, meteorologista e head para projetos governamentais da Climatempo.
Climatologista Chefe do Departamento de Geografia da Ufrgs, o professor Francisco Aquino corrobora: "Quando se emite um alerta, parte da população é refratária, reativa negativamente. O tomador de decisão (nos poderes públicos) tem de compreender esse desafio e nos ajudar a criar a mentalidade adequada. Lamentavelmente, no Brasil, nem mesmo passando pelas maiores calamidades, a percepção adequada de risco se instala".
Para o engenheiro civil Filipe Falcetta, pesquisador no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), a construção desse entendimento sobre os perigos se faz com treinamento, simulações reais e participação ativa dos cidadãos no mapeamento de áreas de risco. "Um exemplo é o treinamento da população japonesa frente a terremotos que ocorre desde a infância, com simulados de emergência realizados comumente em escolas e nas comunidades. Conhecer o problema e saber o que fazer e não fazer diante de uma situação adversa, ser constantemente informado e treinado garantem o melhor preparo possível", comenta o especialista em Cidades, Infraestrutura e Meio Ambiente no IPT.
Pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Ufrgs também apontaram nessa direção. Dias depois da tragédia no Vale do Taquari, em setembro passado, o IPH divulgou uma extensa nota assinada por nove professores. Com críticas à cadeia de prevenção, que teria falhado, o texto foi finalizado com propostas de enfrentamento, entre as quais a necessidade urgente de desenvolver uma cultura de prevenção e compreensão de perigos, "com conscientização da população sobre o risco de inundações em áreas habitadas, além da popularização das ferramentas de gestão de risco, como mapas de perigo e de áreas de autossalvamento, de maneira disseminada na população, com inclusão desses elementos no currículo escolar de nível fundamental e médio", escreveram.
Admirador da rede de proteção e resposta que a Defesa Civil de Santa Catarina conseguiu construir, Aquino ilustra o assunto com um fato recente: "O Vale do Itajaí inundou, justo perto da Oktoberfest. Eles fizeram o alerta e o pessoal desmontou a festa. O lojista fechou a loja, recolheram o palco... Não é legal ver isso?! Passou o problema (evento climático), volta a festa. Essa comunicação e essa percepção de risco está nítida nesse caso, para a gente aprender com eles", observa.
Professor na disciplina de Desastres Naturais e Mudanças Ambientais Globais no curso de Geografia da Ufrgs ao lado de outros dois colegas, Aquino tem procurado aproximar os futuros geógrafos das realidades de localidades impactadas, como o Vale do Paranhana e o Vale do Taquari, no ano passado, por meio de saídas de campo. "Penso que os futuros geógrafos possam ser atuantes junto às defesas civis... Ou que, diante um desastre provocado pelo clima, alguém diga 'olha, lá naquela escola, tem um professor de geografia que entende disso.'"

Recorrência de eventos climáticos extremos cria um novo medo na população

Seis em cada 10 pessoas sentem medo de precipitações intensas e temporais. Uma a cada três pessoas já foram impactadas ou tiveram um familiar diretamente envolvido em consequências de fenômenos climáticos extremos.
Os dados fazem parte da pesquisa Natureza e Cidades: a relação dos brasileiros com a mudança climática, apresentada na COP28, em dezembro passado, em Dubai (Emirados Árabes). Foram ouvidas duas mil pessoas com idades de 19 a 64 anos, de ambos os gêneros, de todas as classes sociais nas cinco regiões do País.
Os resultados também estabeleceram uma ligação entre a construção de uma percepção de risco adequada e o nível de educação. O estudo mostrou que a compreensão de causas e consequências da crise climática varia de acordo com a escolaridade dos entrevistados. O estudo foi realizado pela Fundação Grupo Boticário, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Brasil, da Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anamma) e da Aliança Bioconexão Urbana.

*Loirane Luz é jornalista formada pela Ufrgs, atua como freelancer desde 2007, depois de 12 anos de experiência em redação de jornal impresso.