{{channel}}
Produtores gaúchos apostam na 'safra da esperança' após dois anos de estiagem
Previsão é colher mais de 36 milhões de toneladas, ante as 24,2 milhões de toneladas do ano passado
Ana Esteves, especial para o JC*
Continue sua leitura, escolha seu plano agora!
Já é assinante? Faça login
A safra que não pode dar errado
A safra 2023/2024 tem que dar certo, não existe outra possibilidade. A afirmação é do produtor Marcos Fridrich que cultiva soja e milho no município de Ajuricaba, Noroeste do Rio Grande do Sul. "Tivemos duas safras medonhas, com quebra enorme pela estiagem. Essa é a safra da esperança", diz. E com certeza não há um único produtor de grãos no Estado que discorde com Fridrich. A fala dele é consenso entre os agricultores gaúchos que amargaram duas safras com quebras recordes e que precisam de resultados positivos nas lavouras para recuperarem os prejuízos. E, ao que tudo indica, é o que vai acontecer: segundo dados da Emater, a safra 2023/2024 deve ser quase 50% maior do que a passada, com a previsão de colher mais de 36 milhões de toneladas, ante as 24,2 milhões de toneladas colhidas em 2023. A área cultivada chegou a 8,3 milhões de hectares, ou seja, 1,72% a mais do que a Safra 2022/2023, de soja, arroz, milho e feijão 1ª safra. "É um cenário de recuperação e como pontos favoráveis, além da expectativa positiva a campo, o produtor tem os preços dos insumos mais baixos. Porém a remuneração está abaixo também. É bem difícil ter o cenário ideal que seria produção e remuneração em alta e custos dos insumos em baixa", afirma o assistente da Emater/RS, engenheiro agrônomo, Alencar Rugeri.
A soja, principal cultura do Estado, tem expectativa de recuperação com crescimento de 73% em produção, resultando em uma colheita de 22,4 milhões de toneladas, depois de amargar uma quebra de mais de 30% no último ciclo. Em área, o acréscimo é de 1,3%, totalizando 6,7 milhões de hectares, com produtividade média de 3.327 kg/ha. "A área semeada com a oleaginosa atingiu 100%, e o desenvolvimento das lavouras mais precoces é considerado satisfatório. O porte das plantas está classificado como mediano devido às limitações impostas pelo excesso de umidade no solo e pelos grandes períodos nublados, que sucederam ao plantio", afirma Rugeri. Em uma parte do Estado, onde os volumes de precipitação têm sido menores desde o final de dezembro ou em solos mais drenados, algumas lavouras começaram a manifestar sinais de déficit hídrico, especialmente as recém estabelecidas. "Em relação ao aspecto fitossanitário, prosseguiu o monitoramento da ferrugem asiática e a aplicação de fungicidas de forma preventiva, além do controle químico de ervas concorrentes", afirma Rugeri.
Já o milho, que foi o grão mais intensamente atingido pela estiagem da safra passada, deve atingir uma produção de 6 milhões de toneladas, ou seja, 53,24% acima do produzido do período anterior, que foi de 3,9 milhões de toneladas. Isso deve ser obtido com a boa produtividade projetada, de 53,15% acima da safra anterior, que foi de 4.841 kg/ha, chegando a 7.414 kg/ha nesta safra. A área plantada ficou em 817,5 mil hectares, 0,7% menor do que na safra anterior. Parte das áreas que foram semeadas com milho já foram colhidas, chegando a 21% da área cultivada. O plantio foi um pouco mais intensificado, especialmente em regiões onde os produtores concluíram a semeadura de soja ou iniciaram uma nova semeadura do cereal. Da área prevista, 96% já foi implantada. Os rendimentos atuais de colheita são ligeiramente superiores aos inicialmente obtidos, porém ainda demonstram potencial produtivo abaixo do projetado durante o plantio. "O que houve é que as chuvas de outubro e novembro obrigaram os produtores a mudar os planos de plantio, pois as cultivares que deveriam ter sido plantadas nesses meses foram plantadas mais tarde, o que pode afetar em termos de produtividade, pois reduz o potencial das mesmas. Isso em todas as culturas, soja, milho, arroz e feijão", afirma o especialista da Emater.
O arroz irrigado, cultura com a segunda maior área de produção no Estado, terá 902 mil hectares cultivados, segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), 7,44% acima da safra anterior, que foi de 839 mil hectares. Com uma produtividade estimada de 8.359 kg/ha, os gaúchos devem produzir na próxima safra 7,5 milhões de toneladas de arroz irrigado. Assim como ocorre com a soja, a semeadura do arroz também foi encerrada. As primeiras lavouras estabelecidas em outubro estão ingressando na fase de floração. Diante do elevado valor do grão no mercado e das condições climáticas favoráveis à ocorrência de doenças, especialmente para cultivares sensíveis, os produtores intensificaram o investimento no uso de fungicidas, que consequentemente se reflete no aumento do número de aplicações em comparação às práticas usuais.
Dados da Emater para o feijão 1ª safra, apontam uma produção de 51.5 mil toneladas, 26,59% a mais do que a safra anterior, que foi de 40,7 mil toneladas, com produtividade média 23,40% superior ao registrado na safra anterior, que foi de 1.438 kg/ha, atingindo para esta safra uma produtividade estimada em 1.775 kg/ha. A área a ser cultivada com feijão deve aumentar 2,44%, passando de 28,3 mil para 29 mil hectares. As lavouras aproximam-se do final da implantação na Região Nordeste, marcando o encerramento do cultivo em primeira safra no Estado.
Planejamento e boa administração são chave para sobreviver às perdas na lavoura
Três gerações de agricultores e um consenso: se administrar e planejar bem é possível se manter de pé, mesmo diante de tantas adversidades climáticas que resultaram em safras com quebra recorde. "Se eu pudesse dar um conselho para os agricultores seria: profissionalização em todos os aspectos, do gerenciamento da propriedade ao uso das máquinas.
Muitos se preocupam só com trabalhar e plantar, mas a administração do negócio não pode ser esquecida. Isso é uma tendência das novas gerações e eu percebo que muitos agricultores da velha guarda não dão a devida importância para essa parte de gerenciamento", afirma o agricultor do município de Ajuricaba, Noroeste do Rio Grande do Sul, Marcos Fridrich que junto com a filha e o pai administra a propriedade.
Mas, mesmo com gerenciamento de excelência que permitiu à família sobreviver a duas estiagens consecutivas, não existe margem para que a safra 23/24 dê errado, pois a redução na produção fez com que os agricultores perdessem picos históricos no preço da soja, porque não tinha o grão para vender. "Quem tinha reservas nos dois anos passados conseguiu se manter, mas quem não tinha vai levar anos para zerar o prejuízo. Houve anos bons antes e nós conseguimos ter um pouco de reserva, mas conhecemos muitos produtores endividados, aqueles que têm arrendamentos terão dificuldades para pagar por ele", afirma o agricultor.
Além do fantasma da estiagem que, ao que tudo indica, passará longe desses pagos neste ano, algumas doenças, como a Ferrugem da soja assombra as lavouras. "Já foi observada no Paraná, está chegando em Santa Catarina e pode chegar no Rio Grande do Sul. E essa doença é favorecida justamente por clima mais chuvoso e temperaturas mais amenas", diz Fridrich. O sojicultor afirma que a previsão de mais chuva os deixa mais tranquilos do que em anos de seca, mas que podem acontecer problemas como doenças e atraso no plantio da soja, em função das chuvas de setembro, outubro e novembro. "Não podemos esquecer: nos últimos três anos, a agricultura gaúcha enfrentou a tempestade completa com a pandemia, disparada nos custos de produção, secas históricas e para finalizar, em 90 dias na primavera 2023, a chuva de um ano inteiro, que ocasionou aumento de custos pela necessidade de combater doenças, além de casos de erosão e necessidade de replantio. Por isso acredito que será uma safra mediana", afirma o agricultor. Quanto aos preços, ele afirma que há um sinal de alerta, pois a saca da soja chegou a R$ 120,00 e pode cair mais. "Mas a expectativa é otimista".
Especialista do IBGE diz que safra recuperará produtividade dentro da normalidade no RS
Após dois anos de seca e dificuldades climáticas, a expectativa é que o produtor gaúcho consiga uma boa safra esse ano de 2024, mas não se pode falar em recorde. "Como viemos de safras ruins, aparentemente parece que temos aumentos grandes de produção e produtividade da safra passada para a atual, mas nada mais é que que a recuperação de produtividades dentro da normalidade para o Estado", destacou a chefe de seção de Pesquisas Agropecuárias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Rio Grande do Sul, Fernanda Assaife de Mello.
A especialista diz que milho, arroz e soja correspondem a 99,4% da área cultivada com grãos de verão no Estado e 99,8% da produção. "A soja passou a ser a queridinha do agricultor gaúcho, registrando aumento de área a cada ano, avançando em áreas de outras lavouras, temporárias e permanentes, pastagens e campo. Essa tendência se deve a bons preços, pacote tecnológico e aumento das exportações".
No caso do milho, há uma tendência de retorno de colheita do cereal como grão e não como silagem. "Em anos de estiagem, o produtor tende a colher o milho como silagem para evitar perdas maiores". Já o arroz, com as chuvas do ano passado, tem garantia de disponibilidade de água para irrigação até o final do ciclo, o que aquece a intenção de plantio. No caso do feijão, já é uma tendência de pequenas reduções de área, por "desistência de pequenos produtores e trocas por lavouras mais rentáveis, normalmente soja", diz Fernanda.
Com exceção das lavouras plantadas no tarde e de segunda safra, os principais produtos da lavoura de verão do Estado estão plantados e se beneficiando da umidade do solo e da luminosidade. Caso haja excesso de chuva, pode ocorrer aumento do custo de produção por conta das reaplicações de fertilizantes lavados pela chuva e defensivos para manutenção de um bom status sanitário nas plantas. "O que traz a necessidade de ótimos preços de venda, para compensar esses aumentos de custos", diz a especialista. Segundo ela, as chuvas fortes ocorridas em setembro de 2023 causaram algumas perdas nas lavouras de milho, plantadas no cedo, que estavam em floração e apresentaram alguns problemas quanto à polinização e granação das espigas. Já as lavouras que estavam em crescimento vegetativo tendem a conseguir se recuperar, desde que haja luminosidade suficiente e chuvas sem excessos, alternando em dias de chuva para manutenção da umidade do solo e dias de sol, para um bom desenvolvimento das plantas. "As lavouras permanentes também sofreram algum prejuízo por conta das chuvas, ventos e granizo do fim do ano passado, principalmente as que estavam em fase de floração e frutificação, como a azeitona, os cítricos e o pêssego", completa.
- LEIA TAMBÉM: Exportações do RS atingem US$ 22,3 bilhões em 2023
Agrônomo do IRGA diz rotação de culturas é saída para tornar lavouras menos vulneráveis
A manutenção de um projeto de rotação de cultura nas lavouras, de verão e de inverno, pode tornar os campos menos vulneráveis às mudanças climáticas abruptas que vêm ocorrendo nos últimos anos. A opinião é do gerente da Divisão de Assistência Técnica e Extensão Rural do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA), Luiz Fernando Siqueira que acrescenta que as lavouras mais organizadas, nas quais os produtores rotacionam as culturas sofrem menos com as oscilações meteorológicas. "As lavouras de arroz estão passando por um processo de transição muito importante. Nós estamos migrando de uma monocultura para um sistema com rotação de cultura, com soja, com milho, com trigo, com culturas de verão, coisas que há 20 anos atrás pareciam ser impossíveis de ser cultivadas na várzea, nas terras baixas". Segundo ele, essa evolução permite transformar a lavoura, mantendo-a mais equilibrada em relação à drenagem e com o sistema de produção consolidado. "Nos próximos anos, as lavouras vão evoluir muito nesse caminho, nós não trabalharemos mais com culturas isoladas. Logicamente o desafio é grande para o produtor e para nós da área técnica também. Porque quando se maneja uma cultura apenas, a facilidade é maior, mas quando são três, quatro, cinco culturas no mesmo ano, englobando as de inverno, a dificuldade aumenta".
Sobre a safra 2023/2024, Siqueira explica que foi uma lavoura bem difícil em função do excesso do volume de água em setembro, outubro e novembro. "Começamos com pouca água em agosto para semear, mas depois vieram chuvas extremamente acima da média, o que acabou atrasando um pouco a semeadura". Junto com esse atraso, houve retardo no manejo inicial da lavoura e reflexo em produtividade, o qual o especialista diz ser muito cedo para estimar. "Ainda não sabemos como é que o tempo em fevereiro e março vai se comportar, principalmente em termos de radiação e temperatura, que é o que influencia muito a fase reprodutiva, então ainda é precipitado a gente descrever como vai ser nossa safra, o que nós sabemos hoje é que não vai ser uma safra recorde como foi nas duas últimas, isso nós podemos afirmar com muita veemência, agora qual é o tamanho do impacto ainda é muito cedo para a gente dar um número oficial". Sobre mercado, Siqueira afirma que os preços são considerados históricos, pois nos últimos meses a cotação elevou muito. "O setor arrozeiro acumulou muito prejuízo nos últimos 10 anos. Porque as cotações normalmente ficavam abaixo do custo em produção. Então aqueles produtores que mantinham a média do Estado, o resultado líquido final não era um resultado tão bom. Tomara que nesses próximos anos as cotações se mantenham. E permitam que esses produtores retomem a capacidade de investimentos".
Alto custo e redução da cobertura do seguro agrícola faz agricultor produzir por conta e risco
Tocar uma empresa a céu aberto como a agricultura não é tarefa fácil, pois a todo momento há riscos: de falta de chuva, ou excesso dela, ocorrência de granizo, de geada. E se tem risco, deveria ter seguro para todo o tipo de sinistro. Mas a realidade dos agricultores gaúchos é bem diferente: os altos custos para contratação de seguro agrícola têm feito com que muitos optem plantar por conta e risco. "A situação do Rio Grande do Sul é gravíssima, pois estamos com dificuldade de acessar o crédito rural, sem limite de crédito e sem mitigação", afirma o 1° vice-presidente da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul/RS) e coordenador da Comissão de Política Agrícola, Seguro e Crédito Rural da entidade, Elmar Konrad. Segundo ele, foram poucos os produtores que optaram por contratar seguro já que os custos para proteger as lavouras subiram 17%, ao mesmo tempo em que o nível de cobertura reduziu entre 30% e 40%. O dirigente destaca ainda que o Estado perdeu mais de 16 milhões de toneladas na safra 2022/2023 e 14,4 milhões no período de 2021/2022, ou seja, mais de 30 milhões de toneladas considerando apenas os grãos, sem retorno do governo sobre as reivindicações do setor por renegociação no sistema financeiro. "Diversas reuniões e promessas foram feitas, tanto em Brasília como na sede da Farsul em Porto Alegre, mas absolutamente nada foi feito", diz Konrad. Além disso, em função de cortes orçamentários, o valor que o governo destina como seguro rural aos produtores através do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) foi reduzido no Estado.
O produtor de soja no município de Cachoeira do Sul, Nestor Paulo Markus, diz que sempre preferiu fazer uma reserva financeira que ele chama de "seguro particular", ao invés de depender dos Bancos. "Como trabalhamos com integração lavoura-pecuária, uso um número determinado de gado para cobrir os problemas na lavoura. Seguro não vale a pena, as taxas que pagam são poucas, custo alto para contratar e depois é uma dificuldade para pagarem, quando ocorre um sinistro", pondera.
Conforme o presidente da comissão de seguro rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Joaquim César Neto, as perdas relacionadas aos eventos climáticos têm aumentado drasticamente nos últimos anos, em quatro safras, o Rio Grande do Sul teve quebra em três (2020, 2022 e 2023). "Para equilibrar o resultado, as seguradoras tiveram que adequar suas taxas e coberturas, mas sem recurso de subvenção para todos que pretendem contratar o seguro, somados ao percentual de subvenção de somente 20% para os grãos de verão, como é o caso da soja, enquanto que para as demais culturas agrícolas o percentual de subvenção federal é o dobro (40%), muitos agricultores têm deixado de contratar o seguro, o que prejudica ainda mais o risco para eles", diz Neto. Dados da FenSeg apontam que entre janeiro e outubro de 2023, a arrecadação do seguro rural no Estado foi de R$ 2,1 bilhões, queda de 7,5% na comparação com os 10 meses de 2022 (R$ 2,2 bilhões). Enquanto isso, o pagamento de indenizações despencou em 2023 (- 57,6%), de R$ 3 bilhões em 2022, para R$ 1,2 bilhões, em 2023. A despeito da queda, o Rio Grande do Sul concentrou o pagamento de indenizações no Sul de janeiro a outubro, representando 75,4% do total. "Numa situação de perda de colheita, os produtores perdem duas safras, em geral, até voltar à ativa. Precisam recorrer a refinanciamentos bancários ou acabam por vender parte do patrimônio", afirma.
Neto acrescenta que o setor de seguros demandou para o novo Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura (MAPA), o aumento de recursos de subvenção federal para R$ 3 bilhões e a utilização da liberação desse recurso por calendário de plantio, de modo a atender à necessidade dos agricultores. "Temos amargado resultado negativo por conta destes eventos climáticos e da redução de recurso de subvenção federal. Nos demais países onde a produção agrícola é relevante o seguro agrícola só existe por conta de participação e apoio governamental. Como Estados Unidos, Canadá, China, Índia, dentre outros. Para o dirigente, o caminho ideal seria definir um percentual fixo do Plano Safra para o subsídio aos seguros. "O risco do agricultor não contratar o seguro é ter o seu plantio afetado por algum evento climático e não conseguir atender aos seus compromissos financeiros de compra de insumos ou de financiamento, prejudicando severamente a possibilidade de comprar os melhores insumos para a safra seguinte, diminuindo a probabilidade de bom resultado, ou até de sair da atividade", acrescenta Neto.
De acordo com a FenSeg, entre janeiro e novembro de 2023, , o seguro Agrícola arrecadou R$ 1,1 bilhão, queda de 22,0%, e pagou R$1,1 bilhão, queda de 60,1% num comparativo com igual período em 2022. O seguro rural no Rio Grande do Sul concentrava, em outubro de 2021, 47% da arrecadação do Sul, em outubro de 2022 passou para 48% e em outubro de 2023, 47,9%. Em 2022, a arrecadação no estado foi de R$ 2,2 bilhões, crescimento de 33,4% sobre igual período anterior (R$ 1,720 bi). Já o pagamento de indenizações disparou: foi de R$ 378 milhões (jan a out 2021) para R$ 3 bilhões (jan a out 2022), salto de 708%.
Especialista defende foco na gestão de excelência para driblar a crise
Confira a entrevista de Alessandro Acosta, sócio consultor da Safras & Cifras, sobre as safras de verão.
Empresas & Negócios - Como especialista nessa área de mercado, que conselho daria para os produtores gaúchos, depois de três safras frustradas (2020, 2022 e 2023) e frente à nova safra, que, ao que tudo indica, será de recuperação?
Alessandro Acosta - Nossa orientação é sempre a mesma, claro que, nesses anos desafiadores, essa instrução ganha força: o produtor precisa fazer o dever de casa bem-feito, precisa atentar cada vez mais para a gestão de sua propriedade, já faz alguns anos que somente altas produtividades eram sinônimos de sucesso, hoje em dia o produtor precisa produzir bem, gerenciar muito bem os custos e comercializar muito bem sua produção. Os produtores que têm um processo de gestão bem estruturado, superarão com mais facilidade essas consecutivas frustrações. Cito, por exemplo, a gestão do fluxo de caixa, não adianta o produtor sair acessando crédito a qualquer custo, é preciso saber o quanto vai precisar e quando vai precisar, já que o mercado cobra juros, e é natural que isso aconteça, portanto, acessar mais crédito que o necessário, pode representar uma elevação no custo desembolsado com juros.
E&N - Quais os principais desafios dos produtores para superarem suas duas estiagens seguidas, nas safras passadas?
Acosta - A produção rural é sempre desafiadora, já que, além das duas estiagens de verão, os produtores que se dedicam também a cultivos de inverno, especialmente o trigo, tem que superar também a frustração da safra do inverno 2023, dessa vez não por falta de chuvas, mas sim pelo excesso dela na colheita, portanto essa safra de verão que está no chão, é fundamental para o setor e para a economia do estado como um todo. Ao meu ver, essas estiagens das duas últimas safras de verão têm que nos trazer algum aprendizado, e aí eu me detenho especialmente a irrigação. Precisamos investir cada vez mais em irrigar a nossa produção, precisamos de políticas que permitam que o produtor invista em meios de armazenar água na propriedade, de nada serve o investimento em mecanismo de irrigação se não houver água para que esses sistemas funcionem a pleno. Tenho um certo receio com análises imediatistas, pois em função das chuvas em excesso dos últimos meses, não temos mais visto as discussões que estavam tendo para viabilizar o aumento da área irrigada cultivada no estado, espero que as lideranças do setor continuem somando forças para isso. Quanto ao desafio para superar a falta de caixa ou alavancagem financeira, originada por essas frustrações consolidadas, não vejo outro caminho que não seja a gestão profissionalizada, o produtor deve investir tempo para fazer cálculos e obter indicadores que possam contribuir com sua tomada de decisão.
E&N - Como estão os preços das commodities no mercado, este ano será de recuperação ou os produtores irão apenas compensar os prejuízos passados?
Acosta - Espera-se que seja um ano para se recuperar sim, que possam sobrar resultados positivos para ajudar a compensar os prejuízos das safras anteriores. O arroz atingiu patamares históricos de alta, registrando negócios acima dos R$ 135,00, fortemente influenciado pala escassez do produto no mercado, no entanto, a chegada de produto importado tende a reduzir esse preço, somado a colheita dessa safra que se iniciará em março. De qualquer forma, é fundamental que o mercado siga praticando valores que mantenham a atividade viável, essas políticas de importação sempre causam uma certa preocupação, esperamos que não aconteça com o arroz o mesmo que aconteceu com o leite, onde o produto vindo de fora, produzido a um custo muito inferior ao nosso, acaba desestimulando a atividade como um todo. A soja apresentou um cenário de baixa nos últimos dias, R$ 120,00, pegando diversos produtores desprevenidos. O que reforça a nossa orientação nesses mercados especulativos, o produtor tem que ter o controle de seus custos para que possa trabalhar estratégias de comercialização com base nisso, na margem que deseja obter da atividade e não especulando mercado. O mercado da soja opera com a possibilidade da venda antecipada, o produtor que conhecer seus custos tem base sólida para estimar qual o valor de venda que lhe permite obter lucro e assim participar gradualmente desse mercado.
E&N - Qual a expectativa para a safra 2023/2024? Como será em termos de produção, produtividade e área para soja, arroz e milho principalmente?
Acosta - A expectativa continua positiva. Na cultura do arroz, soja e milho, iniciamos a safra com o custo desembolsado projetado para ser, em média, 15% inferior a safra anterior. Tivemos uma implantação das lavouras bastante desafiadora, onde as chuvas em excesso atrapalharam o cumprimento das janelas de plantio, inclusive temos regiões do estado que ainda não finalizaram o plantio da soja. Isso certamente repercutirá no teto produtivo das lavouras, no entanto, continuamos confiando em boas produtividades, já que a expectativa é que tenhamos chuvas dentro das médias.
E&N - Qual a situação atual das lavouras, algum risco de prejuízos, mesmo sem a possibilidade de estiagem no atual período?
Acosta - As lavouras de arroz e soja estão se desenvolvendo muito bem, fica a dúvida de o quanto o plantio pressionado pelas chuvas e as áreas de replantio irão impactar em produtividade, já que em determinadas regiões do estado essas áreas são bastante expressivas. Ainda é cedo para estimar algum prejuízo, até mesmo pelo potencial de compensação das culturas. O milho no noroeste do Estado enfrentou eventos climáticos adversos, já trazendo prejuízo aos produtores. A cultura enfrentou excesso de chuva e baixa luminosidade durante seu ciclo produtivo. Além de temporais com granizo e ventos fortes nas lavouras em final de ciclo. Enfim, como diz aquela velha máxima, agricultura é uma indústria a céu aberto, enquanto houver lavoura, existe risco.
E&N - Depois de dois anos extremamente difíceis, o que os produtores implementaram nas lavouras em termos de novas tecnologias?
Acosta - O Agronegócio é um setor que requer novas tecnologias constantemente, sejam tecnologias em genética, em máquinas, enfim. No entanto, esse é um momento de se organizar, mais do que investir em novas tecnologias, é o momento de qualificar a gestão do negócio. Certamente sairão com mais tranquilidade desses anos desafiadores aqueles que estão organizados, e quando me refiro à organização, me refiro a medidas simples que trarão muitos benefícios ao produto: implantar um modelo eficiente de controle de custos, organizar mecanismos para a gestão do fluxo de caixa, fazer uma análise de fechamento de ano agrícola que nos permita extrair indicadores úteis. O percentual do resultado está comprometido com investimentos já assumidos? Qual a minha atual dependência financeira dos Bancos? Qual atividade me traz o maior retorno por hectare? Qual tem a melhor margem? São indicadores como esses que farão nossa gestão mais profissionalizada, que farão com que possamos comparar a evolução do nosso negócio entre diferentes safras e até mesmo comparar entre diferentes propriedades, nos acenando onde estamos indo bem e onde temos margem para melhorar.
E&N - A questão do seguro agrícola sempre traz discussões no setor, como avalia essa ferramenta?
Acosta - A contratação do seguro sempre é algo delicado de se avaliar, já que em razão dessas frustrações seguidas, tiveram seus custos elevados significativamente, no entanto, é um importante mecanismo de proteção para o produtor. Cabe sim avaliar as empresas com quem o produtor irá se relacionar, pois vimos casos de não cobertura do seguro por subterfúgios variados.
*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela UFRGS.
Safra de Verão 2023/2024 - Dados Gerais
A Emater/RS prevê um aumento significativo na safra 2023/2024, estimando um crescimento de quase 50% em comparação ao ciclo anterior. A projeção é de uma colheita superior a 36 milhões de toneladas, em contraste com as 24,2 milhões de toneladas obtidas em 2023. A área cultivada atingiu 8,3 milhões de hectares, representando um aumento de 1,72% em relação à Safra 2022/2023, que engloba culturas como soja, arroz, milho e feijão 1ª safra. Destacando-se como a principal cultura do Estado, a soja apresenta expectativas de recuperação, com um crescimento expressivo de 73% na produção. Isso resultaria em uma colheita estimada em 22,4 milhões de toneladas.