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Mercados de vizinhança conquistam mais espaço
Lojas de vizinhança qualificam layout e investem em serviços para atrair consumidor
Karen Viscardi, especial para o JC*
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Supermecados de bairro estão mais rápidos e multifuncionais
O mercadinho de bairro já não é mais o mesmo de uma ou duas décadas atrás. As prateleiras abarrotadas e corredores apertados dão lugar a lojas modernas, climatizadas e com oferta de produtos que atendem aos consumidores do entorno, mesmo as necessidades mais específicas. Atentos às mudanças significativas no perfil das famílias, as lojas de vizinhança se destacam pelo atendimento ágil e humanizado e em disponibilizar itens de qualidade, especialmente nos setores de padaria, hortifrutigranjeiros, açougue e fiambreria.
Este formato se fortaleceu fomentado pela pandemia. Passou a ganhar destaque na preferência e nas escolhas do consumidor pelas entregas de proximidade e localização, e também pelas transformações nos hábitos de consumo, que passaram a preferir compras menores, mais rápidas e frequentes. Outra diferenciação é a experiência do cliente. "As lojas menores, se bem trabalhadas, podem transmitir um ambiente de loja mais aconchegante e amistoso", afirma João Lopes de Almeida, sócio da PLDA, empresa especializada em expansão de redes varejistas.
O consumidor tem um repertório de lojas que atendem a necessidades diferentes. O varejo é um organismo vivo que se reinventa a partir das necessidades dos clientes. "Costumamos dizer que a tendência é não ter tendência. Há muitos modelos e formatos, para todos os gostos e bolsos", afirma Antônio Cesa Longo, presidente da Associação Gaúcha dos Supermercados (Agas). Há momentos em que a pessoa opta por ir em um atacarejo para abastecer a casa com maior economia.
Em outros, busca facilidade. "A conveniência pode estar associada à loja de proximidade ou ao supermercado, o que está mais perto e que vai exigir menos tempo e esforço. Vai ter sucesso aquele que tiver menos atrito", considera Olegário Araújo, pesquisador do FGVcev - Centro de Excelência em Varejo da Fundação Getulio Vargas e cofundador da Inteligência360.
Uma experiência de compra com maior fluidez é almejada por consumidores de diferentes gerações que frequentam o varejo, explica Araújo. "São pessoas com expectativas e necessidades diferentes, mas que a pandemia fez diminuir parte desse distanciamento", destaca. Há uma conectividade mais intensa, mesmo que os nativos digitais tenham maior facilidade. "É preciso mais proximidade e, especialmente para as novas gerações, significa oferecer menor atrito. Um dos caminhos é investir na ominicalidade", diz o pesquisador da FGV.
A questão tempo é uma das principais variáveis no momento da escolha. "Algumas tendências que se consolidaram e que ajudam a fomentar o mercado de vizinhança tem a ver com proximidade, agilidade, praticidade e conveniência", explica Fátima Merlin, CEO da Connect Shopper, empresa especializada em melhorar a experiência do consumidor e shoppers nos pontos de vendas, seja físico ou online. A loja precisa ser prática, fácil, resolutiva, onde o comprador entre e navegue/caminhe de maneira fluida e rápida, que encontre facilmente o que foi buscar com agilidade e facilidade.
Para Almeida, da PLDA, o mercado de vizinhança é capaz de oferecer outro diferencial que as grandes redes estão perdendo: a humanização do varejo. O funcionário do mercado, banca ou empório conhece seu vizinho e cliente pelo nome, sabe que gosta do presunto serrano cortado em fatias finas e de experimentar azeites de baixa acidez, exemplifica. E o delivery, por ser menor escala, consegue ter um nível de serviço melhor.
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Mix de produtos e serviços considera perfil do consumidor
No formato de loja de vizinhança, as empresas menores são beneficiadas pela capacidade e agilidade de entender o cliente. "Ninguém conhece tanto a comunidade e seus integrantes como o supermercadista local. O supermercadista que tem uma loja de vizinhança escuta e corrige os problemas em tempo real", afirma Antônio Cesa Longo, presidente da Agas.
Os mercados de vizinhança têm vantagens competitivas como o olho no olho com o cliente e a agilidade. O dono do mercado do bairro pode ver se amanhã irá chover, e colocar guarda-chuvas à venda na porta, enquanto as grandes redes têm menos agilidade para se movimentar, exemplifica o dirigente.
Mais do que a proximidade, o empresário tem a disposição uma ferramenta que reúne informações sobre o consumidor, o Customer Relationship Managemen (CRM), termo em inglês que significa Gestão de Relacionamento com o Cliente. O desafio é saber trabalhar com esses dados. "É muito difícil um supermercado grande trabalhar em um CRM efetivo, entender e conversar com o consumidor a partir do que ele consome", considera João Lopes de Almeida, da PLDA.
Nos empórios e lojas de vizinhança, a apropriação desses dados é maior. Focada em estudo de geomarketing, a PLDA utiliza dados que possibilitam verificar, entre outras características, o público-alvo, os dados sociodemográficos e o potencial de faturamento e de consumo por categoria e classe social antes da tomada de decisão. Nesse arcabouço de informações, entram ainda características básicas da cidade, bairro e região, nível de instrução, faixa etária, renda, condição domiciliar, população economicamente ativa, mapeamento dos polos geradores de fluxo e concorrência.
As informações permitem definir no projeto, entre outros aspectos, a quantidade e o espaçamento das vagas de estacionamento, o layout do mercado para melhor fluxo do consumidor. "Não basta apenas estar no ponto certo. É preciso estar no ponto certo, com o projeto certo, com o mix certo e com a integração da loja física com a digital", enfatiza Almeida.
"Quando escuto de um empresário que 'todo mundo é meu cliente', fica muito claro que aquele lojista não tem um público-alvo definido. Ou seja, não tem uma identidade", afirma Olegário Araújo, do FGVcev, destacando que há empresas especializadas neste serviço. O entendimento profundo do cliente e do contexto da comunidade em que a loja está inserida servem, inclusive, para escolha e definição acertada dos produtos e serviços ofertados. Até porque um mix mais amplo implica em custo e espaços maiores de estoque e exposição, o que as lojas menores têm restrição.
De acordo com o Sebrae, esse tipo de comércio vem crescendo e ganhando espaço, a ponto de fazer com que os grandes varejistas também apostem nele. Estima-se que 40% do volume total de vendas do setor de autosserviço já se faça nos minimercados, e essa tendência ainda é de alta.
"Tudo indica que a tendência de compras mais frequentes, em menores porções e na medida do possível, customizadas, deve orientar o comportamento do consumidor nos próximos anos. A participação direta e diária do proprietário, tomando decisões rápidas que valorizam a equipe e os clientes, cria laços e fideliza a relação comercial", diz o Sebrae em nota.
Aumentar tíquete médio é desafio para os supermercados menores
Fator fundamental para o sucesso de uma loja é a frequência de compras do consumidor. Em lojas de vizinhança é comum o cupom ser mais baixo e a frequência mais alta. "O desafio é aumentar o cupom. O caminho é entender o que está associado ao consumo de determinado produto", diz Araújo. O cross merchandising, que em português significa venda cruzada, é uma estratégia que mostra para o cliente o que ele precisa para preparar determinado prato, como massa, estrategicamente colocada ao lado de outros ingredientes como parmesão. Essa conveniência ajuda a aumentar o tíquete para o varejista.
Como o empresário tem acesso a informações sobre comportamento de vendas e de ranking de itens mais vendidos, pode analisar o que está vendendo junto com o pão. A comercialização de manteiga, margarina, requeijão e muçarela segue uma boa proporção? O que vai junto no cupom que vende o pãozinho? "É ali que pode estar a oportunidade de entregar a solução para o cliente. Não é olhar para o item, é olhar para a ocasião de consumo do cliente quando ele está comprando tal coisa", ensina o pesquisador da FGV.
"O exemplo mais clássico é o churrasco. Quando a pessoa vai assar, não quer só a carne, quer uma solução: gelo, carvão e a grelha. Como é oferecido para o consumidor, como é a exposição na loja? Se a empresa vende pelo WhatsApp, que é importante para a vizinhança, como é essa comunicação? Esses procedimentos, tecnicamente se chamam análise de SWOT (sigla para Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats. Em português, é análise FOFA (Forças, Oportunidades, Fraquezas e Ameaças)", detalha Araújo.
Soluções mais prontas para o consumidor, que economizem tempo, seja em uma salada de frutas já cortada, ou corte de carne de menor unidade em bandejas menores são sempre bem-vindas se conversarem com o público-alvo. Em tese, o mercado de vizinhança consegue atender melhor porque está mais atento ao consumidor final. "Criar um ambiente de loja que entregue mais serviços, que economize o tempo do consumidor, ou seja, com entrega de ofertas relevantes no caminho a ser percorrido", diz Almeida.
Experiências dentro do ponto de venda também são entregas valorizadas. Para isso, é preciso avaliar custos e se perguntar se não atrapalha a funcionalidade mais tradicional do supermercado, que é abastecer e vender, reforça Almeida. Ele cita a rede de orgânicos Whole Foods Market, dos Estados Unidos, onde há um cuidado com a forma de organização de cada item do mix. "É um call to action (chamada para a ação). A pessoa nem está pensando em comprar água de coco, mas está tão bem apresentado que chega a dar sede", conta.
Se uma pessoa avaliar apenas preço, a decisão de compra tende a ser no atacarejo ou no online. Isso porque o produto industrializado é idêntico em diferentes lugares, diferentemente dos itens de padaria, açougue e Frutas, Legumes e Verduras (FLV). "O mercado de conveniência pode até ser competitivo, mas não será o mais barato. Se tenho a conveniência do digital, que motivos dará para ir até a loja física?", questiona Araújo. Ele sugere criar eventos, interagir e se relacionar com os clientes. Assim, a loja de vizinhança poderá fazer algo efetivamente diferente, e irá atrair o consumidor ao entregar uma solução.
No verão e no Carnaval, Araújo diz que o empresário deve se perguntar o que as pessoas consomem. Sugere colocar uma mesa na frente da loja e fazer o consumidor, que tem comportamento automático quando vai a uma loja, perceber algo que complementa o que ele iria comprar. "Trabalhar a loja nesse conceito de solução para o cliente faz ele perceber que encontra tudo o que precisa para fazer, por exemplo, uma salada diferenciada", conta Araújo.
Nessa proposta, pode juntar e usar online para dar dicas de receita. Ter o produto na loja não é suficiente, tem de entregar uma solução na comunicação, dar dicas sobre o prato e expor os ingredientes necessários. Os especialistas são unânimes em considerar que a loja de vizinhança deve oferecer mais serviços. Tudo o que agregar na venda ajudará a conquistar uma margem maior. Tem de ter produtos e serviços e comunicar da melhor forma possível.
Em vez de produto, os consultores orientam a propor soluções. Em vez de falar de promoção no sentido de reduzir preço, falar em entretenimento, em conveniência. Disponibilizar uma comida pronta resolve a questão de tempo e do planejamento do que cozinhar. Ou seja, é mais do que preço, é entrega de valor. Em vez de falar da loja, falar de acesso físico e digital. E, é fundamentalmente importante ter uma equipe treinada, capacitada, com foco e agilidade em solucionar problemas, com atendimento receptivo e cordial para criar um vínculo emocional dentro desse processo.
Confira as dicas preparadas pelo Sebrae
Minimercado, Mercado de Vizinhança, Mercadinho e Mercado de Bairro, entre outros, são nomes dados a esse tipo de comércio que tem como uma de suas principais características, a proximidade ao consumidor.
Ofereça serviços diferenciados como entrega em domicílio ou reserva de produtos. Esses detalhes são valorizados pelos clientes.
Realize breves pesquisas de opinião, um simples formulário no check-out (caixa) com perguntas muito claras do tipo - "Faltou algum produto?" - são eficientes e podem direcionar decisões de compras. Além disso, demonstra que você se interessa pela opinião do cliente.
Quando fizer publicidade através de panfletos ou digital, convide o cliente a conhecer sua loja, numa demonstração de cordialidade e hospitalidade, esse gesto contribui para fixar sua marca.
Caso disponha de espaço, sinalize no chão as vagas de estacionamento ou tenha parceria com algum local próximo que tenha vagas disponíveis, esse detalhe, apesar de simples, agrada, atrai e fideliza clientes.
Avalie se sua fachada e seu ambiente interno da loja transmitem o valor que você quer passar aos clientes. Tenha consciência de que a simples mudança de cor pode transformar a comunicação visual do seu minimercado
Para destacar gôndolas ou produtos específicos, acrescente luminárias direcionadas, spots coloridos ou luz indireta, seguindo padrões e recomendações; são ações de baixo investimento e costumam dar ótimos resultados.
Valorize sua equipe, ela é o cartão de visitas do seu minimercado. Promova e fomente a capacitação de sua equipe. Adotando novas técnicas, é possível gerar vendas adicionais e complementares no processo de compra.
Procure entender seu cliente, isso facilita o bom atendimento. Ouça seu cliente e transforme sua solicitação em resultado.
Disponibilize um canal para ouvir seu cliente, pode ser até mesmo pelo WhatsApp, e entenda que o cliente que faz reclamações ou dá sugestões, é o que quer continuar consumindo no seu estabelecimento, pois o cliente insatisfeito que não reclama, tende a não voltar mais.
Analise as sugestões apresentadas pelos clientes e pelos colaboradores e avalie a possibilidade de implantá-las.
Às vezes, uma boa sugestão surge de onde menos se espera. Sempre que receber alguma crítica ou sugestão, mesmo que improcedente, dê retorno ao interessado, isso demonstra que você está atento às contribuições.
Agilidade é uma decisão e direito do cliente. Seu papel é tornar isso possível. Deixe que ele decida quanto tempo quer utilizar nas compras.
A correta distribuição e exposição dos produtos também agiliza o processo de compra, além de promover vendas adicionais
Serviços de entrega e recebimento de pedidos por telefone ou outro meio digital, também são estratégias que costumam agradar
Flexibilize ao máximo os meios eletrônicos de pagamento.
Quando possível, amplie os horários de atendimento buscando atender alguma necessidade especial ou a sazonalidade.
Produtos perecíveis requerem máxima atenção, portanto, evite perdas comprando somente o necessário.
Estabeleça sua real necessidade e fique atento às ofertas de produtos secundários que são "empurrados" pelos representantes.
Exponha nas gôndolas os produtos de prazo de validade mais próximos e dê destaque ou coloque em liquidação os produtos próximos o vencimento.
Nunca comercialize produtos vencidos, no Brasil isso é crime.
Procure estabelecer uma rede de fornecedores parceiros, que inclusive podem contribuir com melhor exposição dos produtos em gôndolas, implantando gerenciamento por categorias
Agilidade é uma decisão e direito do cliente. Seu papel é tornar isso possível. Deixe que ele decida quanto tempo quer utilizar nas compras.
A correta distribuição e exposição dos produtos também agiliza o processo de compra, além de promover vendas adicionais.
Serviços de entrega e recebimento de pedidos por telefone ou outro meio digital, também são estratégias que costumam agradar.
Flexibilize ao máximo os meios eletrônicos de pagamento. Quando possível, amplie os horários de atendimento buscando atender alguma necessidade.
Planejamento e estudo são fundamentais antes da abertura de uma loja de vizinhança
Ao decidir abrir uma loja de vizinhança, o empreendedor precisa se perguntar se dará ênfase em serviço, se oferecerá um mix premium reduzido e ou se dará enfoque a um mix popular. "O primeiro passo é ter muito bem delineado essa estratégia porque vai pautar todas as atividades de todos os Ps conectados", explica Fátima Merlin, da Connect Shopper, referindo-se a produto, preço, promoção e prateleira. Os quatro princípios, explica a consultora, referem-se a garantir o produto certo, disponível (sem ruptura), no momento em que o cliente necessita e deseja, na quantidade adequada, com as variações de preço que o cliente quer pagar e com promoções inteligentes. Também precisa estar bem sinalizado e exposto adequadamente de modo a facilitar o processo de compra e decisão do cliente.
Antes de instalar uma operação, pesquisa é ainda mais fundamental. Tem de estudar a área de influência e o público da região. Saber quem é o potencial consumidor, qual o poder aquisitivo e o perfil das famílias. Ou seja, precisa conhecer hábitos e comportamentos para nortear o processo de escolha e de decisão. Se o empreendedor não tiver interesse ou verba para contratar um especialista, pode fazer esse estudo internamente.
"Se um empresário não analisar a concorrência e o perfil de consumo ou simplesmente escolher o lado errado da rua para colocar seu mercado de vizinhança, pode comprometer o resultado de um investimento que pode variar entre R$ 1 milhão e R$ 5 milhões", alerta João Lopes De Almeida, da PLDA. Em relação à administração do negócio, é preciso ter uma boa gestão do caixa e dos ciclos de recebimento e pagamento. "O caixa é rei! De nada adianta uma boa loja, um bom mix e boa equipe com uma má gestão do caixa", explica Almeida. Por isso, a precificação deve ser estudada, assim como as perdas por prazo de validade, FLV que estragam ou furtos.
Saber avaliar as fortalezas e fraquezas também ajuda a direcionar esforços. Por vezes, em lojas de vizinhança, o pequeno depende muito de sua origem: se trabalhou em feira, açougue ou padaria acaba dando uma atenção diferente a estes setores, que são suas fortalezas. "Se tenho fortalezas, vou analisar as oportunidades. Todos que têm fortalezas têm fraquezas. Onde estão? Podem estar no açougue, na padaria, na FLV. A fortaleza e a fraqueza são análises internas. Do lado de fora, se tem oportunidade e ameaças", detalha Olegário Araújo, pesquisador do FGVcev e cofundador da Inteligência360.
Após analisar suas aptidões, definir a proposta de valor e conhecer o público-alvo, o varejista terá condições de desenhar as estratégias e os papéis de cada categoria, se será destino, rotina, conveniência ou sazonal. Essa definição determinará como atuar em termos de abrangência e profundidade de mix, quanto mais relevante a categoria destino, maior a necessidade de um mix mais amplo. Já em uma categoria de conveniência, pode trabalhar um ou duas marcas.
"Uma vez determinados os papéis de cada categoria, o empresário tem condições de aplicar esse conhecimento nas decisões de produto, de preço, de promoção, de prateleira, como será layout de loja e a jornada para oferecer uma loja prática e resolutiva", ensina Fátima. Com clareza da proposta de valor, conhecimento profundo do comprador, definidos todos os papéis de categoria e desdobrando essas informações em ações práticas e direcionadas para produto, preço, promoção, prateleira, o empresário começa a tomar decisões de mix e de precificação, também a partir de metodologia e processos.
Fátima detalha que há uma proliferação de pequenos mercados, mas grandes redes também estão de olho nesse perfil de loja. Mesmo que a fatia seja pequena, a representação das lojas de vizinhança no faturamento das 500 maiores empresas supermercadistas vem crescendo, passando de 4,15% em 2021 para 5,6% em 2022, segundo Ranking 2023, da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), em pesquisa realizada em parceria com a NielsenIQ.
A rede Oxxo, com unidades estabelecidas em São Paulo, oferece produtos e serviços de acordo com o perfil de cada região, com um núcleo central de produtos para assegurar escala e sortimento para atender a peculiaridades do entorno. Enquanto isso, o Carrefour, empresa líder do mercado brasileiro, também aposta no modelo de vizinhança por meio de franquia do Carrefour Express. Apesar de não ter previsão de data para chegar no Rio Grande do Sul, já há interessados locais na parceria. Enquanto os grandes contam com a vantagem de negociar pelas compras em maiores volumes, o pequeno tem de se especializar, ter clareza na proposta de valor do seu empreendimento, o conceito do negócio e se o que vende e oferece de serviços é adequado ao consumidor do entorno.
Projeto de rede de minimercados concebido por dois jovens, Brasco chega à quinta unidade em 11 anos
O Mercado Brasco, que mistura mercado, conveniência, café e gastronomia, tudo isso em um espaço que lembra uma sala de estar, abriu sua quinta loja há menos de seis meses. Criado há 11 anos com objetivo de se tornar uma rede de minimercados, o Brasco é resultado da vontade de dois amigos e estudantes de Administração de Empresas Arthur Bolacell e Gabriel Moraes. A insatisfação com seus estágios, compartilhada em conversas no trajeto de ônibus e nos corredores da faculdade, os levou a planejar um projeto juntos. Foram viajar por oito meses entre Inglaterra e Portugal. Foi quando viram grandes supermercados com lojas de conveniência, modelo quase inexistente no mercado brasileiro, e decidiram ter o próprio negócio antes mesmo de se formarem.
Assim, cinco meses após retornarem da Europa abriram em dezembro de 2012 a primeira loja do Brasco na rua Florêncio Ygartua, no bairro Moinhos de Vento. O projeto foi levado à sério pelos jovens que tinham menos de 20 anos à época. O trabalho de conclusão de curso na ESPM de Arthur foi sobre como abrir uma rede de minimercados de bairro em Porto Alegre, enquanto Gabriel fez um plano de negócios.
De lá para cá, foram inauguradas mais quatro operações do Mercado Brasco, a mais recente foi em novembro de 2023 na Rua Padre Chagas, também no Moinhos de Vento. Há ainda uma unidade no Jardim Europa, aberta em 2015, no Bom Fim, de 2020, e no Instituto Caldeira, em 2021. "A essência do Brasco sempre foi e será um ponto de encontro do bairro. Trouxemos para a Capital a relação mais humana que tínhamos no Interior, de olho no olho, mais acalorada", explica Arthur, que é natural de São Luís Gonzaga. Já o sócio Gabriel é de Uruguaiana.
Ao longo da trajetória, a empresa foi sendo estruturada para possibilitar a abertura de uma rede de lojas. Reforçaram o administrativo com a contratação de profissionais, criaram processos para que as operações pudessem ficar mais focados no gerenciamento e administração, cuidando da parte estratégica do Brasco. Hoje, a rede conta com cerca de cem funcionários.
A base do Brasco é o mercado, com os chamados itens curva A, produtos de marca própria. Tem um mix padrão em todas as lojas. Nas lojas novas, há menos itens de mercado e mais de alimentação, pela preferência das pessoas consumirem no local. O carro-chefe é a padaria, onde há parceria de café com a Williams & Sons Coffee. Mas cada loja tem suas particularidades, definidas por meio de pesquisa com os clientes do entorno. Assim, são oferecidas experiências de acordo com a demanda. Na Padre Chagas, a experiência tem como foco o café da manhã. Para isso, foi contratada uma chef para desenvolver um cardápio para o café da manhã.
No Bom Fim, a operação foi desenhada a partir de entrevistas com 60 vizinhos para descobrir o que o bairro necessitava. No mezanino do mercado, funciona um coworking, onde as pessoas podem trabalhar, foi instalada uma adega reforçada. Viram ainda a necessidade de oferecer bebida gelada, sorvete, café e almoço por meio de restaurantes de parceiros, além de sobremesas.
"Temos por cultura valorizar os fornecedores locais. Assim, todos os produtos de marca própria, como doce de leite, cerveja, café e o vinho a ser lançado no final de janeiro são produzidos localmente", explica Arthur, que tem uma estratégia de divulgação destes parceiros nas redes sociais do Brasco. A ideia não é concorrer com preço e produtos mais massificados. "Fazemos a curadoria para termos produtos que as pessoas só encontram no Brasco. As pessoas vêm pela experiencia, mas voltam por causa do chocolate, a cerveja que é nossa, o nosso doce de leite", conta.
Uma das iniciativas que vem trazendo resultados é o programa fidelidade, lançado há dois anos. Hoje, de cada dez pessoas que compram no Brasco, sete participam do programa de fidelidade, totalizando 40 mil cadastros, permitindo ações e promoções especiais. Outro serviço oferecido para o consumidor é o TeleBrasco, serviço de entrega a partir da loja da Florêncio, em um raio de sete quilômetros.
Para este ano, o foco da rede é remodelar as operações da rua Florêncio Ygartua, no bairro Moinhos de Vento, e do Viva Open Mall, no Jardim Europa. As mudanças servirão para melhorar a experiência do consumidor e adequar ao conceito desenvolvido em 2023, de transformar o Brasco na sala de estar do bairro, com direito à sofá e tapete. Outra mudança promovida no ano passado foi a unificação do nome Mercado Brasco, com único Instagram de toda a rede.
Dell Osbel busca garantir mais conforto e comodidade
A mudança do número 37 para o 73 da Praça Menino Deus em setembro de 2023 representou mais do que uma alteração de endereço para o Mercado Dell Osbel. Foi a realização de um sonho para o casal Elena Pfeifer Berté e André Berté, que assumiu em 2005 a administração da empresa familiar. "É o resultado de trabalho de uma vida", conta Elena. A qualificação da operação vem sendo adotada por parte dos varejos de vizinhança como forma de atenderem às exigências dos consumidores e a fazer frente à concorrência.
A nova loja do Mercado Dell Osbel dobrou de tamanho, apesar do terreno mais estreito. Mudou também o estilo, com setorização mais harmoniosa. "Os produtos têm de estar ao alcance do cliente. A loja está mais organizada, setorizada e confortável. Tem uma adega bacana, frutas e verduras em ambiente climatizado, açougue. Fizemos como a gente imaginava", detalha a empresária. Com mais de 2 mil itens, a operação conta com 200 metros quadrados de loja, sendo a mesma metragem no andar superior destinada aos setores de administração, produção e estoque.
Quando começou a trabalhar há mais de 20 anos, o Menino Deus era um bairro de idosos, conta Elena. "Entrou nova geração, com novos costumes e famílias menores. Foi uma mudança gradual, assim como os hábitos alimentares, e fomos nos adaptando", diz. Para ela, a principal transformação se deu pela entrada da tecnologia, com acesso até por pessoas mais velhas, movimento intensificado a partir da pandemia. Foi quando começaram a trabalhar com WhatsApp, Facebook e Instagram, sempre com o cuidado de não bombardear com mensagens. "Trabalhando com produtos de qualidade, bom atendimento, o cliente vai lembrar de ti", ensina Elena. A promoção se restringe ao setor de carnes, às quartas-feiras. Já outras ofertas são eventuais, pois o mercado é pequeno e os proprietários decidiram trabalhar com margem de lucro baixa para oferecer preços acessíveis.
O controle de perdas é meta diária. "O maior lucro é não perder. Fechamos às 20h e, às vezes, o cliente chega às 19h e não tem mais pão. Sempre informo que não repomos mais no final do dia para começar o dia seguinte com produtos frescos. É bom para o cliente e para mim não ter esse desperdício", conta. A padaria e a confeitaria são o carro-chefe do mercado, mas o leque de produtos é amplo para que o consumidor encontre quase tudo o que precisa: carne, fruta, verdura, pão. Com uma unidade do Dmae e um colégio nas proximidades, os lanches e itens de padaria têm bastante saída.
O mercado, que tinha sete funcionários, passou para dez. Este número que deve crescer em razão da telentrega, produção própria da padaria e confeitaria e açougue. "Buscamos oferecer tudo o que nossos clientes precisam, nem que seja apenas uma fileira de um produto, vamos colocar", detalha Elena. A empresária reconhece que é um trabalho árduo, buscar sempre ter o produto certo, com qualidade e bom atendimento, mas se diz recompensada. "Não entra um cliente sem dizer bom dia. Conhecemos cada um pelo nome, pois prezamos por um atendimento mais humanizado".
Se um consumidor está no corredor, os funcionários são orientados a perguntarem: "procura alguma coisa? Encontrou o que procura? As pessoas dizem que o pessoal é muito querido", conta. O Dell Osbel registrou maior rotatividade durante um tempo, mas hoje há funcionários com até 15 anos de loja. "Aprendi que cada pessoa tem o seu tempo. A gente amadureceu junto com o mercado", informa Elena que, assim como o marido e a maioria dos funcionários, é de Lajeado e Progresso.
Completando 50 anos este ano, Mercado Princesa tem administração familiar
O Mercado Princesa completará 50 anos no mês de fevereiro. Localizado na Avenida Icaraí, no bairro Cristal, começou a operar como uma tenda inaugurada por uma prima de Enio Sonaglio, que é o patriarca da atual família proprietária. Em 2013, foi comprada a parte da prima, e hoje são quatro pessoas à frente do mercado. Além de Enio Sonaglio (63 anos), trabalham a esposa Salete Sonaglio (57 anos) e os filhos Bruna (27) e Daniel (32).
Atualmente, está em fase de estruturação um projeto para reformar a loja de 200 metros quadrados para qualificar a operação, já que não há espaço para ampliar. Nos últimos anos, foram feitos ajustes, com mudança de lugar do setor de hortifrutigranjeiros, reforma na área de açougue e aumento do número de checkouts. Já a reforma do piso e a substituição de prateleiras devem ocorrer ainda em 2024. Enquanto Bruna atua como diretora de Recursos Humanos e trabalha com o pai Enio na área financeira, Daniel gerencia o setor de compras e TI e a mãe Salete cuida da frente de caixa.
O diferencial do Mercado Princesa é o setor de hortifruti, que passou por consultoria para qualificação. "Hoje, é muito difícil mercado bater nossa representatividade nesse quesito", afirma. O pai implementou a feira quando chegou o Big. Precisávamos fazer algo para fazer frente. A família é toda do interior, da roça, e o que eles mais entendem é isso. Ele montou a feira e tem maior orgulho disso", conta Bruna, detalhando que o mercado tem cerca de 7 mil SKUs.
Nos dias de feira - terças e quintas -, aumenta o tíquete médio do mercado em relação aos demais dias, mostrando o acerto da ideia. E, desde 2023, também há promoções no açougue nas sextas-feiras e no sábado. Tem ainda a quarta verde, da Rede Grande do Sul, da qual o Princesa faz parte. Segundo Bruna, participar da rede facilita as negociações com fornecedores, permite a redução das taxas de cartões e a parceria com a empresa que faz a conciliação de cartões. Há ainda reuniões e palestras informativas, além do marketing e dos encartes.
Desde a compra da sociedade, o mercado está em expansão. E, com a consultoria, o foco é fazer mercado comercializar o máximo dentro da mesma área de vendas, ou seja, gerar maior valor por metro quadrado. Há planos para reestruturar a padaria após as mudanças adotadas no açougue. Sobre a concorrência, Bruna considera fundamental trabalhar com nicho, ter um atendimento diferenciado e se especializar cada vez mais em padaria, açougue e hortifrutigranjeiros.
Atualmente, é possível fazer compras por WhatsApp, iFood, no site mercado e por telefone. Mas o multicanal é recente, começou na pandemia com a necessidade de entrega de produtos nas casas dos clientes. "Atendi o telefone e perguntaram se fazíamos telentrega. Respondi que sim, mas não tínhamos nada estruturado, começamos a partir daquele momento", conta Bruna, que conta que o canal está funcionando a pleno hoje.
Nos últimos dez anos, Bruna percebeu mudanças no consumo. Segundo a varejista, muitos consumidores frequentam supermercados, mas, quando precisam fazer uma compra mais rápida para ir embora, optam pelas lojas de vizinhança.
Super Tchê considera o perfil do consumidor de cada loja
O supermercado Super Tchê na avenida Tramandaí, bairro Ipanema, inaugurado há um ano, é a terceira loja do casal Ana Cristina e Claudiomar Marchese. A unidade tem um perfil diferenciado em relação às operações do bairro Cavalhada (24 anos), e do bairro Campo Novo (17 anos). Integrada à Rede Grande do Sul, o Super Tchê conta ainda com um Centro de Distribuição, também no Sul da Capital, também inaugurado há um ano.
O objetivo da loja de Ipanema era ser um mercado de passagem, de compras rápidas, para uso de cestinhos. Foi inaugurada com apenas 10 carrinhos, passou para 15 e recentemente foram adquiridos mais 10. Chegou também um carrinho infantil e o primeiro de pet. Todos adequados para uma loja menor, que é a proposta da rede. Com 300 metros quadrados de área de loja, teve em um ano o retorno esperado para 18 meses. "Tivemos uma antecipação na programação de valor de venda de quase seis meses pela aceitação", conta Ana Cristina Marchese, sócia-proprietária, que é formada em Administração de Empresas.
O mix é selecionado de acordo com a preferência dos consumidores de cada loja. Enquanto em Ipanema, os produtos pré-prontos, dietéticos, veganos, frutas fora de época, padaria e a fiambreria têm maior procura, as outras duas operações as buscas são mais populares, por produtos da cesta básica e açougue. Já o número de clientes é maior no Campo Novo, e o tíquete médio em Ipanema é superior, deixando as duas unidades equivalentes no resultado final.
As lojas rodam cerca de 7 mil SKUs por mês e, com sazonais, chegam a 12 mil itens nas lojas maiores. Na Cavalhada, são 450 metros quadrados. Já a unidade do Campo Novo conta com 750 metros quadrados de loja e, quando finalizar o novo prédio que está em construção, terá 800 metros quadrados de vendas, além de estacionamento coberto. "O estacionamento tem de ser fácil de entrar e de sair. Sempre queremos deixar o carro o mais próximo à porta. Sempre digo para as gurias: o cliente pode passar duas horas comprando, quando ele chegar no caixa quer ser atendido em três minutos. Por que é a hora mais dolorida, que é pagar", explica Ana Cristina.
Nos últimos dez anos, mudou significativamente o mix. "A própria zona Sul está mudando, crescendo e se renovando. Isso traz necessidade de um comércio para atender esse público. Somos o primeiro mercado, desde o Centro até a chegada no bairro, localizado à direita", explica a empresária. Os demais são padarias, fruteiras, quiosques. Saindo do Centro, todos os mercados estão localizados à esquerda.
O consumidor exige preço e atendimento nas três filiais e se surpreendeu que o mercado de Ipanema oferecia produtos de mesmo valor em relação às demais lojas. "Priorizamos a cordialidade, orientamos nossos colaboradores a conversarem com o cliente no caixa ou a auxiliar quando está à procura de um item. Esse atendimento nos ajudou a crescer", considera. No Campo Novo, houve abertura de três supermercados. Para Ana Cristina, o Super Tchê conseguiu manter a clientela pelo atendimento, pelo trabalho de mais de duas décadas e por atender o gosto e a necessidade dos clientes.
A relação é mesmo de proximidade. Ana Cristina conta que uma cliente gosta de maracujá doce, e somente ela opta pela variedade. Mas, por ser uma consumidora que compra em quantidade, analisamos a viabilidade e passamos a ofertar o maracujá doce. Assim como o aumento da oferta de produtos veganos e os alimentos sem lactose foram solicitações dos consumidores. Enquanto nas lojas da Cavalhada e do Campo Novo, o leite integral representava quase a totalidade, em Ipanema é o desnatado e semidesnatado, assim como leite de arroz e de castanha, o que gerou adaptação do mix, apesar do menor espaço de loja. Outro diferencial da nova operação é a oferta de grãos a granel, operado pelo próprio consumidor, na quantidade que preferir.
Com a abertura do CD e da loja há um ano, o número de funcionários chegou a 126 funcionários no final de 2023, sendo dois temporários. Responsável pela área de Recursos Humanos do Super Tchê, Ana Cristina se divide entre as lojas e o CD e explica a necessidade de uma boa gestão de pessoas. "Tenho de contar com os gerentes para funcionar e tenho de valorizar isso. Não podemos ser somente empresa, temos de conciliar o lado humano. Pelo menos 30 colaboradores já se foram e retornaram, e mais de cinco estão há 17 anos", conta. Alguns setores dentro da loja têm maior rotatividade, como operadoras. Já o pessoal de açougue e frente de caixa têm maior estabilidade.
"Virou moda abrir supermercado, mas manter a equipe é o mais difícil, tem de ter lado humano de compreensão, de entender algumas situações. As grandes redes não conseguem ter esse contato direto, de conhecer o nome de cada um. Eu sei quem é cada um, seus defeitos e qualidades. Quando monto uma escala, sei quem pode trabalhar com quem, sei quem é mais atendimento, outro é mais organização, cada um tem suas qualidades", reforça a empresária.
*Karen Viscardi é formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica (Pucrs). Atuou como editora no Jornal Zero Hora, e como editora e repórter no Jornal do Comércio.