Estado trabalha para ser referência no mundo dos games até 2030

Setor colhe os frutos do pioneirismo, organização e da parceria entre iniciativa privada, governo e a academia

Por JC

Setor colhe os frutos do pioneirismo, organização e da parceria entre iniciativa privada, governo e a academia
Liège Alves, especial para o JC*

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Estúdios gaúchos de games buscam escala e prestígio

Vieira destaca o pioneirismo da indústria de jogos do Rio Grande do Sul
O mercado de games não está de brincadeira e se transformou em um segmento que movimenta bilhões na economia mundial. Os números do site Newzoo, uma consultoria holandesa, indicam que a receita global dos games atingirá uma marca recorde de US$ 187,7 bilhões em 2023. No Brasil, os jogos digitais movimentam R$ 13 bilhões por ano e faturam R$ 1,2 bilhão anuais, despontando como um setor promissor da economia.
O Estado participa deste cenário com estatísticas importantes. Segundo a Associação de Desenvolvedores de Jogos Digitais do Rio Grande do Sul (ADJogosRS), o mercado gaúcho de games - cerca de 50 empresas - faturou R$ 79,7 milhões em 2022, um crescimento de 1,7% em relação ao ano anterior. Naquele mesmo ano, foram produzidos 219 jogos, 157 games próprios e 62 deles via prestação de serviços para outros estados e diversos países, como Alemanha, China, Canadá, Espanha, Estados Unidos e Inglaterra. O setor também registrou aumento de 9% no número de empregos gerados em 2022 em relação a 2021. Os desenvolvedores gaúchos já receberam 23 premiações nacionais e internacionais.
O plano desenhado junto ao governo do Estado tem como meta se tornar um polo de referência na América Latina até 2030. Para isso acontecer mais uma barreira precisa ser ultrapassada neste game cheio de desafios: ser capaz de distribuir os próprios jogos, ou seja, se tornar uma publisher, empresas que levam os games até as plataformas virtuais e fazem as estratégias de marketing para que o jogo seja posicionado corretamente nestas "prateleiras virtuais" para ser consumido pelos fãs deste tipo de entretenimento.
No contexto nacional, a Newzoo aponta o Brasil como décimo maior mercado de games do mundo. Quando se trata do volume de jogadores, a posição nacional sobe nessa escala. Segundo o presidente da ADJogosRS, Everton Vieira, o País é o quinto no ranking mundial. E os mais de 100 milhões de jogadores brasileiros gastaram US$ 2,7 bilhões em 2022. A perspectiva é de que esse valor aumente nos próximos anos.
E, neste quesito, como se situa o Rio Grande do Sul? Em uma posição de pioneirismo, defende Vieira, que também é CEO da Izyplay
Game Studio. Atualmente, o Estado perde apenas para São Paulo em termos de receita absoluta, por conta do número menor de empresas. Mas, quando se trata de receita per capita, os estúdios gaúchos ocupam o primeiro lugar. "Perdemos em número de empresas apenas para São Paulo e Rio de Janeiro, e estamos em segundo lugar em faturamento no Brasil", enfatiza Vieira.
O atual estágio de amadurecimento do polo de jogos digitais acontece graças ao trabalho que começou no final da década de 1990. Foi aqui no Sul que surgiu um dos primeiros estúdios nacionais. A primeira associação regional de games foi fundada no Estado e hoje é uma referência e auxilia outras entidades nacionais com seu modelo. "Um dos primeiros cursos superiores do País foi criado na Unisinos. Hoje temos a maior quantidade de universidades em proporção ao tamanho do Estado", orgulha-se.
O primeiro decreto público, o GameRS, foi forjado entre iniciativa privada, governo do Estado e academia. Criado em 2021, o documento traz uma série de ações para fomentar essa indústria. O cluster recém-inaugurado no Instituto Caldeira resulta dessa política de incentivo. A meta é tornar o Rio Grande do Sul uma referência na América Latina. "Essa é uma comunidade aberta e ajudamos os outros estados a criarem suas próprias associações. Somos muito unidos, nos principais eventos do mundo estamos juntos", enfatiza Vieira.
O dirigente lembra que uma das primeiras empresas de games do Brasil nasceu em 1997 aqui no Sul, a Southlogic Studios. "Foi por aí que a indústria brasileira começou a nascer e teve altos e baixos". Dentro dessa linha do tempo, é possível observar várias etapas e as soluções que foram surgindo. Como em um jogo em que o usuário vai passando de fases. No início, o desafio foi tecnológico, ou seja, como desenvolver os jogos, pois não havia cursos de formação. Por volta de 2005, quando a área passou a ficar mais popularizada, começaram a surgir os cursos e a tecnologia. A próxima etapa foi criar um modelo de negócios rentável. "Trata-se de um período pré-smartphones. A pergunta era como fazer jogos que fossem comercialmente significativos?", relembra Vieira.
Por volta de 2013, época em que foi fundada a ADJogosRS, começaram a surgir empresas que encontraram seu caminho nesse formato de negócios. As referências a serem seguidas foram importadas principalmente dos Estados Unidos e do Canadá. Em 2010, os estúdios gaúchos começaram a participar de feiras internacionais e a expandir seus horizontes. O desafio agora, que é o atual gargalo, é a mão de obra capacitada. A dificuldade é encontrar os games designers, o profissional que projeta o jogo, pensa as regras e no modelo de negócio. Não existem muitas ofertas de cursos técnicos e superiores consolidados ainda, mas a tendência é que isso mude. Em junho de 2023, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) lançou um curso dentro desse segmento.
"Esse profissional é muito importante porque não dá para separar a parte de marketing do conceito do game", pondera Vieira, lembrando que mais da metade dos games mundiais atualmente são na modalidade "free to play", na qual o usuário baixa, joga gratuitamente e os desenvolvedores se remuneram com propagandas durante a diversão e nas chamadas microtransações, quando são vendidos acessórios e itens que fazem parte do universo do game. O outro modelo de negócio seria o premium, no qual o jogador paga para usar.
 

Governo lança editais para fomentar inovação

Simone diz que o GameRS ajuda na busca de diferentes perspectivas
O Rio Grande do Sul foi pioneiro em ter um decreto estadual que define uma política de incentivos para o setor. Esse acordo entre governo e empresários do ramo resultou em um documento chamado de GameRS, lançado em 2021 dentro do Programa Avançar. A proposta é criar ações para fomentar o setor. A secretária estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia (Sict), Simone Stülp, define como um programa que foi criado para fortalecer o setor buscando diferentes perspectivas.
Um dos resultados concretos desse esforço conjunto é o novo Cluster GameRS, inaugurado em dezembro de 2023 no Instituto Caldeira. A iniciativa, que terá duração de três anos, nasceu de um projeto da Feevale, financiado pela Fundação Estadual de Fomento à Pesquisa (Fapergs), que conta com o Instituto Caldeira como parceiro. O local tem espaço de coworking, arena gamer e estrutura para eventos.
A ideia é unir empresas do setor para desenvolver o setor dentro de um ambiente colaborativo e estimular a capacitação de novos talentos. "O programa instituído lança editais dentro do nosso desenho de fortalecimento da ciência e tecnologia para o Estado. Todas as estratégias são feitas na comunicação com o setor, pois é uma indústria extremamente dinâmica e o programa tem que acompanhar a dinamicidade que o setor tem no mundo", frisa a secretária.
Em 2023, conforme Simone, o programa GameRS deu mais um passo para aproximar educação e inovação com o lançamento de mais um edital de criação de jogos digitais educativos. Em dezembro, foram selecionados dois novos projetos, um da Universidade de Caxias do Sul (UCS) com foco em educação financeira e outro da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) direcionado para a área de sustentabilidade.
O projeto Educar para Inovar possui um selo da Unesco, que destaca a relevância da iniciativa de trazer este tema para a formação de crianças e jovens do Ensino Fundamental e Médio. "Essas crianças e jovens precisam ser formados dentro dessa demanda do Século 21. Para isso acontecer, são necessárias parcerias com as escolas e capacitação de professores para que eles sejam multiplicadores no ambiente escolar".
Em relação a ações em 2024, Simone adianta que o primeiro movimento será olhar os dados produzidos e, a partir dessa análise, desenhar os passos seguintes. "Queremos aplicar novos recursos em cada um dos setores que estamos desenhando como estratégicos", diz.

Beta 2 Games mantém posto avançado na Europa

Beta 2 Games tem projetos em desenvolvimento nos EUA e na Polônia
Atual CEO e diretor criativo da Beta 2 Games, Eduardo Pras atuava na área de Publicidade e Propaganda antes de criar a empresa em 2014. Formado em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande (FURG), ele relembra que precisou estudar muito a parte de gestão e programação para criar projetos viáveis dentro do mundo dos games. Em 2018, a Beta migrou 100% para a área de entretenimento, inicialmente prestando serviços e, depois de ganhar experiência, desenvolvendo seus próprios projetos.
Presente no Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Arábia Saudita, a empresa se divide entre a Beta Brasil e a Beta Polônia. "Fomos selecionados pelo governo da Polônia em um edital em 2021. Assim, temos nosso escritório de contato na Polônia e, com isso, conquistamos um posto na Europa, o que facilita para entrar em concorrências e editais", comemora.
A empresa hoje tem projetos acontecendo nos Estados Unidos e na Polônia. O time de 12 colaboradores, na faixa dos 20 a 40 anos, trabalha em sincronia durante o ciclo de cada novo produto, que leva, em média, 18 a 24 meses para ser concluído. O foco do grupo é desenvolver jogos premium para console e computador. "Atualmente, a equipe executa muitos trabalhos simultaneamente. Alguns em etapa de produto de MVP, demonstrativo do que será o projeto, outros em fase de finalização em parceria com a publisher", diz.
Pras acredita que um dos problemas do setor é a fuga de talentos para o exterior, pois a mão de obra qualificada é sempre um problema desde o início nesse mercado. O empresário, que também participa como vice-presidente da ADJogosRS, explica que outro gargalo é desenvolver os produtos da concepção à publicação, pois a loja, plataforma em que os games são comercializados, recebe em torno de 30% do valor da venda e a publisher em torno de 50%.
"Nosso trabalho é muito invisível ainda no País. Funcionamos de forma diferente das startups. O ideal seria captar investidores aqui no Brasil ou ter um apoio mais forte no Estado para superar essa questão da publicação. As empresas do exterior têm subsídios governamentais para investir em projetos", finaliza.

Estúdio tem como meta ser referência no mundo esportivo

Uma vez por ano o time, que atua de forma remota, se encontra fisicamente para comemorar os resultados obtidos e projetar os próximos passos da empresa
A Hermit Crab nasceu com a proposta de desenvolver e publicar jogos digitais com foco no mundo esportivo e de grandes marcas. Criada em 2015, tem como fundadores Guilherme Gonçalves, que veio do mundo digital, e Matheus Vivian, ex-jogador de futebol. "Desde o início, a meta era atuar nessa área e ser um canal de comunicação entre a base de fãs dessas marcas. Sempre tivemos a preocupação de gerar jogos que impactem positivamente na vida dos jogadores, projetando sempre conteúdo de forma humana, engajada, divertida", garante Gonçalves.
Por entender às necessidades e falar a língua do mercado da bola, a dupla já fechou parcerias com grandes times internacionais, como o PSG, Arsenal, Manchester City, Benfica e Barcelona e a marca Diego Maradona. Além disso, produziu experiências digitais para a série The Walking Dead, a Warner Music e bandas de rock.
Após acumular experiências no exterior, a empresa agora foca também em buscar parcerias no mercado brasileiro, com marcas que atuam na área esportiva. A equipe de 90 colaboradores está espalhada pelo País afora e conta também com uma profissional do Canadá que atua de forma remota. É esse time interno que desenvolve jogos que podem ser acessados pelo celular ou em computadores, com o diferencial de também publicar seus produtos nas plataformas. "Cuidamos do início ao fim do processo, desde a pré-produção, o desenvolvimento e publicamos também. Sempre atuando nessa área esportiva, um nicho que a gente sempre quis", detalha Gonçalves.
O objetivo do estúdio é se tornar uma referência sul-americana na área de jogos digitais no mundo do esporte. Entre as novidades da Hermit Crab está a abertura de uma sede no Instituto Caldeira em dezembro de 2023. A empresa faz parte do cluster recém-inaugurado no local, mas resolveu ter um espaço próprio para servir de base. 
 

Cultura gaúcha se transforma em inspiração para jogo que simula uma fazenda

Equipe Epopeia recebeu premiação
Quando Ivan Sendin Silveira criou a Epopeia Games, em 2010, o mercado estava dando seus primeiros passos no Estado e os primeiros cursos superiores estavam surgindo. Foi depois de se formar pela Feevale que ele tomou a iniciativa de fundar a empresa com mais um sócio. Hoje, esse número passou para cinco sócios e mais 10 colaboradores. Desde o princípio, dedicaram-se a criar jogos virtuais para serem acessados em computadores e consoles.
Por um tempo, ganharam experiência prestando serviços de produção de jogos publicitários, os chamados advergames, para o Telecine, Eletrobras e outras marcas nacionais. Passada essa primeira fase, ganharam o mundo e passaram a produzir para clientes na Ásia e Europa. Em 2018, a Epopeia Games começou a produzir jogos autorais.
Atualmente, existem dois produtos no mercado e um terceiro em fase de finalização, o Gaucho and the Grassland. Assim como o nome adianta, o jogo simula uma fazenda com a cultura dos pampas e será lançado no primeiro semestre de 2024. "Todos os jogos que produzimos são em um sistema de self publisher. Queremos lançar também para outras empresas da América Latina", detalha Silveira.

O Gaucho and the Grassland será lançado no primeiro semestre deste ano e simula fazenda com cultura dos pampas
A Epopeia tem escritórios em Porto Alegre e São Francisco de Paula. É neste município do interior que o empresário fez parceria com a prefeitura e projeta construir um novo polo da indústria criativa. O local ainda está em fase de escolha e cerca de 10 empresas manifestaram interesse. "Essa parceria deveria envolver incentivo fiscal, mas queremos renunciar a essa possibilidade e que esse valor seja investido na educação do município", afirma o CEO.
 
 

*Liège Alves é jornalista e publicitária graduada pela Pucrs ,com especialização em Jornalismo Aplicado. Foi repórter do jornal Zero Hora e do Grupo Sinos e editora no Jornal do Comércio. Atuou na área de Comunicação Corporativa e atualmente é diretora da Editora Essência.