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Setor automotivo do RS busca melhorar vendas e resolver gargalos logísticos
Distribuidores sentem os efeitos da escassez de crédito e dos empecilhos logísticos
De olho em alternativas para reverter a gradual perda de competitividade do setor automotivo do Estado, o Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos do Rio Grande do Sul (Sincodiv-RS) lançou dois projetos que prometem incrementar a comercialização de veículos e resolver o problema logístico que dificulta o transporte para o restante do País: o Hub Grande do Sul, que propõe o transporte marítimo de carros, e o estímulo ao uso de um percentual do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para a compra de veículos.
A primeira ideia permite a realização do transporte de veículos partindo do Porto de Rio Grande, passando pelo Porto de Vitória, no Espírito Santo, até o porto de Suape, em Pernambuco. A intenção é formar uma parceria entre montadoras como Fiat, Jeep, General Motors e Hyundai com a empresa de logística Glovis Hyundai, que realiza esse tipo de transporte marítimo de veículos em diversos países.
O gestor de Projetos Especiais do Sincodiv/RS, Nísio Martins, diz que o problema é que as operações da GM no Rio Grande do Sul, uma das maiores montadoras do mundo, e da Fiat/Jeep, em Pernambuco, demandam manobras logísticas enormes pela distância dos grandes centros de mercado, como as regiões Centro-Oeste e Sudeste. "O objetivo do Hub é integrar gaúchos e pernambucanos através do transporte marítimo feito pela Glovis, aproveitando a demanda garantida pelo fluxo de produção dos veículos dessas duas montadoras, que nos permite criar uma frequência logística", explica.
Como os custos de frete via navio são elevados, a ideia é possibilitar que outros produtos peguem carona no projeto. "Podemos não só agregar o fluxo garantido da fábrica de Pernambuco e da fábrica de Gravataí, como podemos entregar todos os fluxos de importação e exportação para Argentina", acrescenta Martins.
O gerente de logística da Glovis Hyundai, Rogério Suzart, conta que a operação da empresa no Brasil consiste em distribuir veículos da Hyundai, mas a ideia é ampliar e contribuir para o crescimento e uma maior eficiência do setor automotivo do Rio grande do Sul e do Brasil. A empresa surgiu com o objetivo de distribuir veículos na Coreia do Sul, país sede da Hyundai e acabou expandindo sua operação para o mundo inteiro, atuando desde 2011 no Brasil, com sede em Piracicaba, São Paulo.
"Estamos expandindo as nossas operações em diversas frentes, não somente no setor automotivo. Internacionalmente falando, a Glovis integra as 10 maiores empresas de distribuição de veículos, com uma frota de 50 navios roll on e roll off, ou seja, que carregam cargas rolantes e que têm grande capacidade de transporte de veículos, chegando a 5 mil unidades por navio. Hoje, o processo logístico fica concentrado no estado do Espírito Santo, no porto de Vitória.
"Sabemos que, no Brasil, temos uma distribuição e uma infraestrutura logística bem complicadas. Temos que aproveitar de alguma forma os recursos naturais para tentar ser um pouco mais eficientes, seja no modal aquaviário marítimo ou ferroviário", acrescenta Suzart.
Para o especialista, essa concentração do transporte de cargas no modal rodoviário ocorre pelo fato de que o brasileiro aprendeu e se acostumou a fazer só esse tipo de transporte, por ter apenas esse modal de forma estruturada. "Temos recursos para ampliar mais de 10 mil quilômetros de rios com possibilidade de exploração." Martins acrescenta que o sindicato formulou a ideia e entregou o projeto, que agora depende do Estado para ser colocado em prática.
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Ernani Polo, disse que será avaliada a possibilidade de a operação logística de veículos via marítima ser realizada, inclusive com a utilização do porto de Arroio do Sal. "Temos todas as condições, inclusive manifestada pelo pessoal do Portos RS, para que a proposta avance. Por parte do Estado, faremos todo o possível e daremos todas as condições para que o projeto possa se concretizar", afirmou Polo.
Uso do FGTS pode impulsionar as vendas
Outra iniciativa, chamada Crédito Carnê 1.0, propõe o uso de um percentual do valor do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para financiamento de veículos. O projeto associa duas práticas financeiras: o mecanismo do penhor mercantil e o sistema de crédito imobiliário.
O crédito concedido tem limites vinculados ao valor do veículo, ao saldo do FGTS e ao percentual do salário do trabalhador, e o veículo adquirido serve como garantia do recurso utilizado temporariamente do FGTS, dando equilíbrio e segurança para todas as partes.
O gestor de Projetos Especiais do Sincodiv/RS, Nísio Martins, detalha que, em 20 anos, o trabalhador junta 20 salários, que são retidos como FGTS. Se ele ganha R$ 5 mil, ele terá R$ 100 mil na conta. "O financiamento não é de 100% para não sacrificar todo o recurso do Fundo, mas ele vai poder usar um pedaço da conta em função do perfil do carro."
Em um veículo que custe R$ 100 mil, o trabalhador poderá financiar R$ 50 mil. Vamos supor que essa pessoa tenha um carro usado que custe R$ 50 mil, ele entrega o carro e financia os outros R$ 50 mil pela conta dele no fundo, através de um agente financeiro, assim como um crédito imobiliário. O valor máximo da prestação sugerido seria 10% do salário, ou seja R$ 500,00 por mês. "Numa operação normal, ele pagaria R$ 1.650,00 por mês. Metade dos R$ 500,00 da prestação vão ser aplicados numa conta Selic gerenciada pelo agente financeiro e, no final, quando ele for vender o carro, ele devolve os R$ 50 mil que ele pegou do fundo acrescido dessa aplicação de R$ 250,00, o que vai garantir uma remuneração acima do que ele recebe tradicionalmente. Vai render mais e vai voltar para o governo", explica Martins.
Com a proposta, será possível a redução de até 70% dos juros, em comparação aos métodos tradicionais do mercado, com parcelas que cabem no orçamento familiar e prazos flexíveis para liquidação do crédito. Tudo isso com a vantagem de que os recursos liberados voltarão para a conta da quitação do financiamento.
O trabalhador terá acesso à linha de crédito com menor custo de juros, a venda de carro 0km será impulsionada, contribuindo para a recuperação do setor automotivo e mais empregos e investimentos serão gerados. "Lançamos a ideia e, para viabilizá-la, será preciso um projeto de lei ou um decreto. Não é simplesmente um resgate para aquisição, pois o valor voltará para os cofres do governo. Fizemos um levantamento e seriam 20 milhões de contas possíveis de serem vinculadas ao programa", acrescenta o presidente do Sincodiv-RS, Paulo Siqueira.
Fenabrave projeta alta de 5,6% no emplacamento
O presidente do Sincodiv/RS, Paulo Siqueira, diz que a projeção total de emplacamentos para 2023 é de 2,2 milhões de unidades, considerando veículos de passeio e comerciais leves, resultado que representaria alta de 5,6% sobre o volume emplacado no ano passado. "No auge do mercado, em 2013, chegamos a 3,5 milhões, depois, em 2015, enfrentamos uma recessão violenta e nosso mercado caiu 40%. Mas, a partir de 2017, vinha se recuperando em torno de 10% ao ano, até a eclosão da pandemia de Covid-19 e a ocorrência das guerras, quando voltamos a ter queda", analisa.
Conforme o presidente da Fenabrave, Andreta Jr., a queda dos juros e a maior oferta de crédito têm possibilitado ao setor automotivo gaúcho vislumbrar um cenário um pouco mais positivo para 2024. "Estamos otimistas com as medidas que foram tomadas no primeiro semestre e com a expectativa de vendas que serão realizadas agora no segundo semestre. Nossa projeção é uma mistura dos dados da macroeconomia e também com as expectativas da distribuição."
Números da Fenabrave demonstram ainda que, ao detalhar os dados de emplacamento, serão 2,1 milhões de unidades de automóveis leves, um resultado que, caso seja confirmado, representará alta de 7,3% ante 2022. No caso do mercado de caminhões, o acúmulo de resultados mensais negativos levou a entidade a confirmar o que já era esperado, ou seja, um desempenho comercial negativo no comparativo 2022-2023.
Os dados apontam para queda de 23%, com 96 mil unidades. As primeiras estimativas da federação que representa as concessionárias do País indicavam em janeiro um mercado flat, ou seja, similar ao de 2022, com 124 mil unidades. Andreta afirma que o setor responde por 5,01% do PIB nacional e que a federação conta com 7,4 mil concessionárias, presentes em mais de mil municípios, empregando diretamente 307 mil pessoa que geram renda para famílias que, juntas, chegam a 1,2 milhão de pessoas.
Situações econômicas local, nacional e estrangeira impactam nas comercializações
Uma das alternativas para as concessionárias gaúchas voltarem a crescer, incrementarem a comercialização e retomarem posições no ranking do mercado nacional é sair do Rio Grande do Sul. A sugestão é do economista, analista de investimentos e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Gustavo Moraes, que palestrou durante o Encontro Sincodiv-Fenabrave/RS, realizado no dia 22 de novembro, em Porto Alegre.
"Não temos elementos que possam indicar que o jogo vá virar no Estado e, se compararmos o setor com outros estados, vamos perceber que a perspectiva não é boa. Então, uma das saídas é sair", afirmou o especialista.
Moraes pondera que os gaúchos contam com marcas fortes na área de concessionárias, acostumadas com consumidores exigentes e que, por isso, não seria difícil se adaptar fora do Estado. "Vocês têm todo o potencial para crescer fora do Rio Grande do Sul, mantendo o centro de decisão aqui e buscando crescimento nos demais estados brasileiros, quem sabe até em termos de América Latina."
Para ele, esse movimento proporcionaria um respiro no fluxo de caixa e também alguma projeção com novos produtos. "A falta de perspectiva do Rio Grande do Sul é uma notícia triste, mas a notícia boa é que vocês já têm a base, o preparo. Todas as vezes que nós nos projetamos para fora, nos descobrimos", afirmou.
Moraes acrescenta que essa mudança seria uma estratégia possível, a partir do momento que outros estados têm uma capacidade de investimento que o Rio Grande do Sul não tem. "Ou nos preparamos para a mudança ou ficaremos permanentemente para trás, num Estado que tem a menor média de crescimento em termos anuais dos últimos 20 anos, com uma média de 1,6% ao ano no PIB."
Em termos de cenário macroeconômico brasileiro, o especialista demonstrou que, desde 1980, o Brasil não consegue resolver a questão do crescimento econômico, pelo fato de não conseguir financiar desenvolvimento.
"Tudo indica que, neste ano, não passaremos de 3% de crescimento, o que já é considerado bom se comparado aos números de 2019, quando não passamos de 1%. Mas é preciso sair desse conformismo de que crescimento baixo é bom e tentar entender o que está errado nesse cenário", ponderou.
Moraes explicou que existem três formas básicas de financiar o desenvolvimento: através de poupança privada, da poupança do governo ou poupança pública, e da poupança externa. E aqui está a resposta de por que o Brasil parou há 40 anos: naquela época, havia uma poupança pública, projetos importantes a partir do orçamento do governo. "Agora, só nos resta a poupança externa como porta de saída de financiamento do desenvolvimento e ela não constrói um futuro sólido e de expansão dos negócios. Especialmente na área industrial, onde o financiamento deve ser de médio prazo", disse.
Ele acrescenta que, se o Brasil não for capaz de criar um ambiente de negócios, de concorrência e seguro para investimentos, vai seguir dependendo da poupança externa e ela virá somente através de ondas, de eventos temporários. "E isso tem ligação direta com o setor das concessionárias, pois, infelizmente, vamos depender de crédito e, nesse cenário, esse crédito não estará disponível no nosso mercado."
Moraes explica que o atual momento de conflitos internacionais tende a ser favorável para investimentos externos no Brasil, mas que a tendência é de que sejam passageiros.
"O Brasil acaba sendo um porto seguro de recepção de investimentos, mas não pelos méritos do País, mas pelas crises de outros países." Para o especialista, outro grande gargalo é a disponibilidade de crédito, pois o setor automobilístico tem apenas 3% do crédito direcionado a toda a indústria.
"O crédito está direcionado para os setores que geram menos empregos, menos movimentação econômica e para aqueles setores que geram menos capacidade de renovação." Entre os sinais positivos está a perspectiva de uma queda permanente e consistente de juros e o aumento do fluxo de investimentos estrangeiros.
"A não ser que a gente consiga essa repatriação da poupança privada que está no exterior, dificilmente vamos crescer sem um investimento estrangeiro. Bater na porta do Kuwait, onde tem US$ 800 bilhões disponíveis na forma de um fundo soberano, na porta de Cingapura, dos japoneses e dos árabes talvez seja uma solução."
O ex-ministro de Minas e Energia do governo Jair Bolsonaro, Adolfo Sachsida, também palestrou durante o Encontro do Sincodiv-RS, quando afirmou que o Brasil está pronto para crescer. "Estamos num momento bom, ao contrário do que muitos imaginam: o capital internacional está procurando por um porto seguro para investir, frente a um cenário de guerras. Basta o Brasil dar pequenos passos e terá uma enxurrada de bilhões de dólares para a economia brasileira. Esse é o grande momento do Brasil", analisou.
O ministro acrescentou que, além dos investimentos externos, o futuro do Brasil depende fundamentalmente de evitar a deterioração da situação fiscal. "Buscar receitas extraordinárias que não sejam aumentos de tributos, reduzir gastos públicos, investir na digitalização de serviços públicos, rever gastos tributários e, acima de tudo, tentar impedir renovações sem avaliação de efetividade."
Concorrência com as locadoras preocupa lideranças do mercado de concessionárias
A concorrência das concessionárias com as locadoras de veículos tem tirado o sono de lideranças vinculadas às concessionárias gaúchas, em função da perda de espaço e da ameaça à livre concorrência. O problema vem de longa data, desde a recessão recorde no biênio 2015-2016, que gerou queda de 40% nas vendas anuais de veículos, de 3,5 milhões para 2 milhões, obrigando as montadoras a concederem expressivos descontos às grandes locadoras, única forma de esvaziarem os pátios.
Depois, o surgimento dos aplicativos de transporte gerou grande demanda por aluguel de veículos, alavancando o poder de negociação das locadoras junto às montadoras. "O agravamento ainda maior veio em 2022, com a aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) da fusão da Localiza e da Unidas, criando uma superlocadora, com 600 pontos de atendimento, 200 revendas, frota de 600 mil veículos e compras de 300 mil veículos 0Km naquele ano, o que possibilitou classificá-las virtualmente como a segunda maior montadora do Brasil", afirma o presidente do Sincodiv/RS, Paulo Siqueira.
Segundo ele, o erro do Cade foi ter aprovado a fusão, tomando como base apenas os efeitos que a iniciativa geraria no setor de locação, deixando de lado os impactos sobre as concessionárias. "Criou-se um monopólio da oferta de veículos com até dois anos de uso, além de forte poder na formação de preços e referências no mercado de seminovos, grande influência nos dados coletados para elaboração da tabela Fipe, capazes de estabelecer um novo padrão característico de um veículo, por ter menos de dois anos de fabricação e registrar no painel mais de 60 mil quilômetros rodados", afirma Siqueira.
O gestor de Projetos Especiais do Sincodiv/RS, Nísio Martins, diz que o sindicato é completamente a favor da livre iniciativa e da livre concorrência, mas que o que se observa é um desequilíbrio de forças com grande desvantagem para as concessionárias.
"Nossa preocupação e o grande desafio para 2024/25 são: como colocar no mercado os 800 mil carros que estão nos pátios das locadoras num mercado que só consegue absorver 250 mil. Ou as locadoras vão ter que baixar o preço para dar liquidez ou vão ter que esticar a idade média da frota para ajustar o ciclo, eventualmente reduzir um pouco a compra para se adequar à realidade, já que elas avançaram o sinal, foram além do limite do mercado."
O dirigente relembra que, em 2010, as locadoras começaram a ganhar corpo, pois criaram uma estrutura de revenda de veículos seminovos. Até essa data, a venda de um veículo era para troca de ativo, para reposição — e não como um negócio.
"A curva de crescimento seguiu em alta com o aumento das locações para uso dos aplicativos, já que as pessoas precisavam trabalhar e não tinham recursos para comprar um veículo."