Saúde mental e comunicação interpessoal estão intrinsecamente ligadas dentro das empresas e, se incorporadas à cultura organizacional, podem proporcionar um ambiente de inclusão consolidado para além das exigências legais.
É o que defende a psicóloga e executiva da área de recursos humanos Mafoane Odara, que esteve em Porto Alegre como convidada de um evento da Fundação Dom Cabral. Depois de ter passado por empresas como Meta e pelo Instituto Avon, Mafoane se tornou, em outubro, diretora de pessoas, cultura e transformação na Zamp, detentora de marcas como Burger King e Popeye's.
Empresas & Negócios (E&N) - Você fala seguidamente sobre a importância de não se negligenciar a saúde mental dos colaboradores. De que maneiras as empresas podem abordar essas questões?
Mafoane Odara - Precisamos desmistificar esse lugar, né? Eu não posso trabalhar sob aquilo que chamamos de psicofobia, O que é esse medo de falar sobre esse tema? É porque isso pode me prejudicar? Não é que pode: vai prejudicar. Então, tem um problema das empresas de não conseguirem reconhecer isso e dizer: "o problema não é meu". Então eu delego esse problema para uma outra empresa, ou demito as pessoas porque elas têm os seus desafios emocionais, que inclusive, muitas vezes foram gerados por outras experiências dentro do mercado de trabalho, ou da própria empresa. Então você não pode criar um ambiente hostil para essa reflexão. É preciso a melhor condição de bem-estar físico, emocional e mental para que a pessoa possa desenvolver o máximo da sua potência. Para que a gente consiga avançar nesse processo há três níveis de estratégia: individual, que olha para as pessoas; relacional, que olha para os processos que são estabelecidos nas empresas, para que consigam trabalhar e desenvolver melhor as suas suas ações. E, por fim, que estratégias e políticas a empresa têm para, de fato, conseguir mostrar para as pessoas que elas importam. Então, as empresas que estão melhor estruturadas já conseguem sair de uma dimensão individual e começam a pensar políticas relacionais.
E&N - Em qual âmbito?
Mafoane - Toda política de saúde mental ajuda a criar relações e ambientes mais saudáveis. Eu preciso garantir que as pessoas consigam lidar com as adversidades que vierem. Outra coisa é fazer com que as pessoas consigam desenvolver melhor o seu potencial. Então, eu vou precisar criar políticas em que as pessoas possam trazer contribuições, um lugar onde as pessoas possam aprender, errar e criticar, que é o que eu chamo de ambiente de segurança psicológica? Para que as pessoas consigam desenvolver o melhor de seu potencial.
E&N - Grandes empresas têm a possibilidade de investir na criação de departamentos específicos para a promoção de inclusão e diversidade em suas equipes. Mas, no Brasil, as empresas são, em sua maioria, MPEs. Como isso pode se aplicar a empresas de menor porte, ser viável dentro da realidade delas?
Mafoane Odara - Há dois fatores centrais. Primeiro, uma empresa, para ser inclusiva, não tem a ver com tamanho, e sim cultura. Então, o grande problema das empresas pequenas é a questão da cultura, quando elas têm muito tempo de existência. As startups nascem pequenas e já inclusivas. Então, tem a ver com onde elas estão, ao que ela se propõe, quanto tempo de existência elas têm e como a cultura dela está estruturada. O segundo elemento é diferenciar o lugar que as empresas foram colocadas. Muito relacionada a performance, né? Então, olhando a geração de dinheiro pela geração de dinheiro, da cultura utilitarista e o modelo que a gente tem hoje de sociedade. Para além da performance, precisamos olhar o progresso que tem a ver com os contratos sociais, com o desenvolvimento da sociedade, com a governança. Então, sair de uma cultura utilitarista, para uma cultura de significado, onde as empresas não só são geradoras de recursos, mas que também são responsáveis por pensar a transformação que a sociedade tem que ter. Como é que elas dão voz para as pessoas? Olhamos toda a transformação dos nossos processos, ajuda as empresas a se transformarem também. E como que a tecnologia acelera esse processo? Então, esses quatro pilares por pessoas, cultura. Processos e tecnologia são centrais para construção de qualquer estratégia, independente de você. Se você é pequeno ou se você é grande, eu acho que essa é e é um fator importante nesse sentido.
E&N - Questões como o desemprego e a flexibilização das leis trabalhistas impulsionaram empreendimentos individuais. Como trabalhar com inclusão dentro dessa perspectiva?
Mafoane - Hoje, os empreendedores individuais que conseguem desenvolver melhor a sua estratégia são aqueles que trabalham de forma colaborativa, no sentido de entender que ninguém empreende sozinho. Você precisa ter outros stakeholders ao seu redor para fazer. Você pega redes de empreendedores como a Rede da Mulher Empreendedora, da Ana Fontes. A grande sacada dela foi entender que cada empreendedor tem uma necessidade específica e essa junção de habilidades diferentes é que vai fazer acontecer. Quando você pega, por exemplo, fundos de investimento que estão investindo em empreendedores de tecnologia, a lógica deles é pensar você é o fundador? Quem é o co-founder que vai ajudar você naquilo que você não sabe fazer? Então, a lógica já tem sido construir isso e a lógica que essas pessoas nascem e de que o negócio delas não é só uma geração de recursos, ela também é uma geração de valor, de transformação. Então, o que eu sinto é que estamos num momento da sociedade em que as pessoas estão entendendo que os negócios com maior valor agregado são os negócios que conseguem resolver uma condição que é uma condição e que a sociedade necessita, né?
E&N - No sentido da promoção de igualdade e diversidade nas empresas, é necessário que uma regulamentação estatal prévia pressione essas mudanças?
Mafoane - A discussão de inclusão tem processos de maturidade diferentes na sociedade. Saímos de um lugar onde a discussão de inclusão estava muito focada no cumprimento da legislação. E sim, a legislação é super importante para poder orientar o que é o limite e o que é fundamental. Quando olhamos para as leis de março desse ano, que diz que as empresas têm que pagar o mesmo a mulheres e homens que fazem as mesmas coisas... você precisou ter uma lei para dizer isso, que é o óbvio. Então, as leis regulamentam condições de trabalho que são essenciais para a garantia da não só da dignidade, mas da equidade. Mas isso não basta. Há outras alterações que são feitas a partir da pressão social que diz: "Gente, em 2023, é sério que as mulheres ainda ganham um terço do que os homens ganham?" Se estamos falando de mulheres negras, então, existe alguma coisa muito errada. Então vamos fazer todo o lobby, toda a regulação, todo o processo de pressão para que consigamos fazer as transformações. A transformação também precisa ser cultural. O componente regulatório é importante, mas o componente organizacional também é fundamental. Como executiva de Recursos Humanos, acho que o papel central, olhando para as lideranças, é exatamente construir esse lugar, O papel da liderança, da regulação, da cultura e da estratégia. São dimensões importantes para construir de fato uma inclusão. Quando olhamos para as pesquisas que analisam como as pessoas se sentem incluídas, vê que a maior parte tem a ver com comportamento. E quem é responsável? A liderança. Então, a legislação não será suficiente se você não tiver uma uma atmosfera, uma ambiência que possibilite isso.