Ovinocultura vive retomada no Rio Grande do Sul

Produtores e indústrias se unem para fortalecer a ovinocultura do Estado

Por JC

Iniciativas de fomento tanto da carne como da lã ganham cada vez mais espaço
Ana Esteves, especial para o JC*
 
Os anos dourados da ovinocultura gaúcha passaram faz tempo, exigindo que criadores de ovinos, seja com aptidão para lã ou para carne, se reinventassem e buscassem atender a demandas de mercado cada vez mais exigentes. O caminho de retomada da atividade começa a ser percorrido, seja por produtores ou pela indústria, ambos empenhados em fazer uma ovinocultura forte novamente por meio de uma série de iniciativas que pedem uma maior organização da cadeia como um todo.
 

Rio Grande do Sul chegou a ter 12 milhões de ovinos, mas reduziu seu estoque gradativamente; hoje, o rebanho gaúcho é formado por 3 milhões de exemplares
A ovinocultura gaúcha vive um momento de retomada com produtores e indústria empenhados em fortalecer o setor. Programas de certificação, frigoríficos exclusivos para abate de ovinos, planejamento de ações de fomento e organização da atividade, investimento em genética para ofertar produtos diferenciados são apenas algumas iniciativas que têm feito a atividade ganhar novo protagonismo no agronegócio do Estado.
Conforme levantamento do estudo Raio X da Ovinocultura no Rio Grande do Sul, elaborado pelo médico-veterinário, Ney Luzardo Ulrich Neto, o rebanho gaúcho conta hoje com 2,97 milhões de cabeças, criadas em 45,6 mil propriedades rurais, distribuídas em 494 municípios. São 6.019 ovinos por município, 65 animais por propriedade e 92 propriedades por município.
O Rio Grande do Sul que chegou a ter 12 milhões de ovinos, mais de 80% do rebanho brasileiro, diminui seu estoque, gradativamente. No ano de 1995 ocorreu a queda mais acentuada de nove para cinco milhões de ovinos no Estado. Depois, as reduções começaram a ser mais brandas, embora seguissem constantes.
Nos últimos três anos, estagnamos em 3 milhões de ovinos, que representam 15% do rebanho brasileiro, que cresceu consideravelmente em outras regiões. "Esta estagnação da diminuição constante já pode ser considerada um avanço. Tivemos um ponto de inflexão de uma curva que tinha tendência de queda", avalia Ulrich Neto.
Depois dos anos dourados vividos nas décadas de 1970, especialmente para quem trabalhava com lã, o setor amargou momentos difíceis na década de 1990, devido à substituição dos fios naturais por malhas sintéticas. Nas décadas de 1930 a 1950, o foco da ovinocultura era a produção de lã, e por isso a atividade prosperou, ganhou muita importância no Estado e chegou a estar entre as três atividades do agronegócio que mais geravam divisas. Hoje, o cenário para lã é diferente com a crescente valorização de malhas naturais e de alta fineza, as quais são obtidas de raças como Merino e Ideal.
Após a crise da lã, o mercado gaúcho optou, assim como o mundo, pelo caminho que parecia ser mais fácil: exportar a lã na forma suja para a China. A estratégia que os atores do mercado escolheram na época gerou bônus e ônus. "Tivemos, por muitos anos, liquidez em nosso produto, porém sem alcançar os melhores preços. Outra sequela dessa escolha foi a desindustrialização da cadeia", diz Ulrich Neto.
Nos últimos anos, os custos de produção e principalmente de frete marítimo aumentaram, fazendo com a China revisse sua política de compra, afetando principalmente as lãs mais grossas, acima 26 micra. As lãs mais finas, de maior valor agregado, seguem tendo interesse da China e liquidez.
Esta mudança de cenário afetou significativamente o mercado gaúcho da lã, já que cerca de 70% do nosso rebanho possui lãs acima de 26 micra. Essa nova política de compras da China causou impacto na lã ao redor do mundo e não apenas no Rio Grande do Sul.

Cresce a demanda por cortes nobres de ovelha

Empresas & negócios-especial ovinocultura-Ney Ulrich Neto-arquivo pessoal-JC
A demanda por cortes nobres, entre os quais se incluem diversos cortes de cordeiro, muito utilizadas em alta gastronomia, tem feito com que, de uns tempos para cá, a carne ovina se valorize no mercado. Para o médico-veterinário Ney Luzardo Ulrich Neto, quanto ao espaço de atuação, as indústrias que optarem por explorar a comercialização final da carne enfrentarão muitas dificuldades, uma vez que a informalidade acentuada ainda é um obstáculo, resultando em uma concorrência desleal.
"Se conseguirmos superar os desafios, teremos na ovinocultura uma atividade lucrativa para todos os elos da cadeia e com menores oscilações de preços", diz Ulrich Neto. Segundo o estudioso, é importante destacar que não teremos, o mesmo volume e as condições de comparação com as carnes bovina, suína e de aves. No entanto, isso não representa um problema, pois a chave para o sucesso está em explorar e valorizar os diferenciais da carne ovina. "Assim criaremos o nosso espaço, que será único, oferecendo uma proteína de alto valor biológico, nutritiva, com sabor, maciez e suculência, provenientes de animais criados a campo, de um sistema sustentável, com foco em origem e bem-estar animal", afirma.
Para a vice-presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco) e integrante da comissão de Ovinocultura da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Elisabeth Lemos, embora cada segmento da cadeia possua mercados, particularidades e obstáculos distintos, tanto a carne quanto a lã enfrentam desafios comuns, como a necessidade de se organizar como uma cadeia produtiva, com a efetiva participação dos elos e o protagonismo dos envolvidos, buscando representatividade e coordenando ações em prol de um objetivo em comum.
 

 

 

 

 

Alta demanda faz frigorífico dobrar capacidade de abate

Aumento de oferta no varejo é um dos motivos apontados por Silva Filho pela conquista de novos públicos
O mercado da carne de cordeiro vem crescendo nos últimos tempos, com incremento em termos de procura. Devido à tradição brasileira, o consumo de outros tipos de carne como a bovina, suína e de frango, ainda prevalece no País, mas esse cenário está em franca mudança: a demanda por carne de cordeiro, em cortes específicos, como carré ou o T-bone, vem crescendo e junto com ela se observa um aumento na frequência de consumo desses produtos. O frigorífico Carneiro Sul, do município de Sapiranga, pioneiro no abate exclusivo de ovinos no Estado, já sente o aumento da procura por carne de ovinos refletida no número de abates.
"Nossa capacidade de abate hoje é de 5 mil ovinos mês e estamos fazendo uma ampliação para dobrar essa capacidade, passando para 10 mil animais abatidos ao mês", informa o diretor-presidente da empresa, João Bernardo da Silva Filho. O consumo da carne de cordeiro vem crescendo por diversos fatores, entre eles o aumento de oferta no varejo por produtos que chegam nas gôndolas dos supermercados em cortes específicos e que permitem o consumo de forma mais prática e no dia a dia, fazendo com que mais consumidores possam ter uma experiência de compra dos produtos com valores acessíveis.
O empresário, que também é membro do Sindicato da Indústria de Carnes do Rio Grande do Sul (Sicadergs) e da Câmara Nacional de Ovinocultura, diz que o mercado já entendeu que o perfil dos consumidores de carne ovina mudou e que a preferência agora é por cortes mais nobres e práticos de produzir. "Por essa razão, oferecemos uma grande variedade de cortes: desde o pernil, pernil fatiado, pernil desossado, a tradicional paleta, passando pela costela inteira, costela janela, lombo, até os mais nobres para alta gastronomia como o T-bone, carré francês 13 ossos, carré francês 8 ossos, carré short, picanha e filé mignon".
A preferência por um ou outro tipo de corte depende da região do País e está muito ligada à cultura e tradição. Os restaurantes costumam comprar o carré francês, lombo ou filé de cordeiro, o varejo compra muito pernil, paleta e costela. "Então, depende muito do segmento, pois o ovino tem a possibilidade de atender desde a alta gastronomia, com alguns cortes premiuns, até os varejos mais simples que demandam cortes mais tradicionais, como pernil paleta e costela e ainda alguns mercados mais específicos que buscam cortes como pescoço e costela. É um produto flutua em várias classes sociais, o que facilita a venda", afirma Silva Filho.
No que diz respeito aos preços, a concorrência com o Uruguai tem feito com que os valores caiam, devido a uma grande oferta no país vizinho, frente à redução das exportações do mesmo para a China. "Nesse momento, estamos com os preços mais baixos dos últimos cinco anos. Em 2022, neste mesmo período do ano, chegamos a pagar R$ 11,00 o quilo do cordeiro vivo. Neste ano, os preços não ultrapassam R$ 7,50. É uma situação desafiadora tanto para o produtor, quanto para a indústria competir com a carne que vem do Uruguai", afirma.
A concorrência com o mercado uruguaio é grande não só em função dos preços, mas também da qualidade da carne e serviços oferecidos ao cliente. Por isso, muitos frigoríficos têm desenvolvido alguns movimentos comerciais voltados não somente para oferecer produto de qualidade, mas também serviço de primeira. "Buscamos um atendimento ao cliente e um suporte que muitas vezes esses distribuidores de fora não conseguem dar".
Segundo dados da Secretaria da Estadual da Agricultura (Seapi), o Carneiro Sul é o frigorífico que mais abate ovinos na região Sul do País e atende redes varejistas como Assaí Angeloni, de Santa Catarina, Festival, no Paraná, e a rede Zaffari, no Rio Grande do Sul.
Em termos de incentivos por parte do governo, o setor conta com o Fundo Ovinos, por meio do qual a indústria paga um valor, em torno de R$ 8,25 por animal, para este fundo e que deveria voltar ao produtor rural através de ações de instituições ou de associações.
No entanto, o produtor se queixa que esses valores não têm retornado. "O Estado cobra esse valor da indústria com o intuito de repassar ao produtor, mas não consegue ter uma política pública clara de repasse desse recurso, dificultando o acesso por parte das entidades que teria como objetivo principal fomentar ovinocultura, seja pelo lado do produtor, indústria e área técnica", protesta Silva Filho.
O Carneiro do Sul e outros frigoríficos aqui do Rio Grande do Sul têm atuado em vários mercados como Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, além de suprir a demanda gaúcha. "Entendemos que devemos olhar para o mercado de uma forma ampla, em mais estados possíveis, porque há o consumo dos produtos em diversos canais, que vão desde o pequeno varejo, restaurantes e também as grandes redes", finaliza.
 

Produtor aposta em lã naturalmente colorida para se diferenciar no mercado têxtil do País

Além de Merino, Bravo também se dedica à criação de ovinos Texel naturalmente coloridos
Um dos animais estreantes da 46 ª Expointer, a raça Merino Australiano Naturalmente Colorida, é uma das tendências do mercado de lã, por possuir o velo com cor natural, sem necessidade do uso de pigmentos artificiais para sua produção. O criador da raça, ovinocultor Everson Bravo, diz que a raça produz lã fina, com qualidade, bom comprimento de mecha, sedosidade e suavidade. "É um produto de alta qualidade que atende a indústria têxtil, que conta com um público consumidor cada vez mais exigente", diz Bravo.
Apaixonado pela raça Merino Australiano, o criador conta que ela se origina do Merino Espanhol, o mais antigo domesticado, vindo de uma descendência direta dos ovinos selvagens da Ásia. A partir do Merino Espanhol, foram surgindo vários outros, da Alemanha, da Hungria, do Uruguai e Argentina, o Francês. "A união de vários Merinos originou o Australiano que é o selecionado até hoje. É a raça mãe, a mais antiga e ela é muito adaptada ao nosso clima, vai muito bem na criação extensiva, e a fêmea tem uma condição produtiva de muitos anos", explica.
Ele conta que o surgimento dos Merinos coloridos naturalmente se deu a partir de cruzas entre os animais de lã branca e o aparecimento, vez que outra, de genes antigos que nem sempre vêm à tona. "Faz um fenótipo colorido, originando animais pretos e marrons", diz o criador.
Bravo explica que o mais usual é a seleção de animais Merino na cor branca, por demanda da indústria, para que possa fazer o tingimento correto da lã e harmonia de cores. Em função disso, os coloridos naturalmente eram descartados para que não diminuísse o valor da lã branca, que era muito mais valorizada. "Mas os criadores se deram conta das vantagens da lã com tingimento natural e começaram a fazer seleção genética só dos coloridos, fazendo cruzamentos que originaram os marrons, pretos e até tons de cinza, sem precisar de pigmento artificial nessa lã".
O criador, que também trabalha com a raça Texel, cuja aptidão é produção de carne, diz que está sendo um grande desafio iniciar a atividade com lã, já que o mercado não está tão favorável para quem cria. "Para as lãs finas está razoável, tem mercado e valorização, mas para as lãs grossas está bem difícil a comercialização", diz o criador. Mesmo com as oscilações de mercado, Bravo diz que a produção de lã sempre se manteve na propriedade, com altos e baixos, em algumas épocas dando lucro, em outras não. "Tem a vantagem de ser um tecido 100% natural, um pouco mais caro o que acaba dando um retorno melhor". Segundo ele, as vendas se concentram no mercado nacional e uruguaio. Sobre a certificação de lã, Bravo diz que ela vem numa hora necessária.
"A Arco abraçou a causa e fez com que o produto chegue na indústria melhor valorizado, desde a produção, colheita e envase e transporte para que a matéria-prima chegue com mais qualidade, proporcionando maior lucratividade ao produtor".
 

Cootegal foca na produção de tecidos nobres para atender consumidor exigente

Kich destaca que os consumidores se tornaram mais exigentes
Com mais de 120 anos de atuação no mercado da transformação da lã em tecidos, a cooperativa Cootegal, de Caxias do Sul, não tem do que se queixar.
Especialista na fabricação de fios e tecidos de lã e mistos para decoração, moda, calçados, corporativos e jogos, a empresa que atende o mercado nacional e a América Latina, comemora o momento de valorização das lãs nobres. "O momento é bom para aquisição de matéria-prima, porque a lã vem se mantendo com preços estáveis há três anos", afirma o diretor da Cootegal, Márcio André Kich.
Segundo ele, o que acontecia no passado era que, como a maior parte da lã produzida aqui no Rio Grande do Sul era exportada, tinha uma variação de preço muito alta de um ano para o outro, chegando a mais de 20%. A cooperativa foi formada em 1999 e tem como principal produto tecidos de lã para atender indústrias de confecções que produzem roupas para inverno.
Além disso, confecciona tecidos para móveis como revestimento de cadeiras, de sofás. Produz também cobertores, mantas e cachecóis para o consumidor final e também atende licitações de órgãos públicos como o Exército e a Marinha, para os quais fornece cobertores. Para ele, o programa de certificação de lã desenvolvido pela Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos (Arco) traz vantagens para a indústria, pois garante o recebimento de matéria-prima sem problemas de contaminação e impurezas que vêm junto com a lã e que são um dos principais problemas de qualidade do tecido.
"A mercadoria chega para nós com uma melhor qualidade, mas o programa não pode diferenciar muito a mercadoria certificada da não certificada, pois essa também tem uma pequena valorização, mesmo sendo de qualidade inferior, sendo possível ser absorvida pela indústria", afirma o empresário.
Além do mercado gaúcho, a Cootegal produz tecidos que diversos mercados como Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, além da exportação de peças prontas focada no Uruguai, na Argentina e no Chile. "Temos uma demanda constante de exportação por parte desses três países".
O empresário destaca que os consumidores se tornaram mais exigentes, principalmente na hora de escolher roupas confeccionadas com lã, por ser um produto natural, que tem maior durabilidade e que não forma bolinhas. Além disso, muitas pessoas têm interesse em saber de onde que vem a ovelha, qual a origem da lã, como esse animai foi tratado. "A rastreabilidade do produto passou a ser algo importante, especialmente questões de bem-estar animal", completa Kich.
Além disso, as características e vantagens do uso da lã em comparação com os sintéticos, são inúmeras: além de ser 100% natural, biodegradável e renovável, pois faz parte de um ciclo de vida, que em sua produção sequestra carbono do ambiente.
"É resistente a raios ultravioleta, isolante térmico, tanto para o frio quanto para o calor, resistente a cheiros, resistente a fogo, que não amassa, antialérgico, e não utiliza micro plásticos ou qualquer produto oriundo de petróleo", afirma o médico-veterinário Ney Luzardo Ulrich Neto.
 

Setor de carnes busca maior popularização dos cortes de cordeiro entre consumidores

Ana Menezes considera sazonalidade uma das barreiras a serem vencidas
O mercado gaúcho da carne ovina é um mercado jovem, que ainda está em processo de amadurecimento, buscando encontrar seu espaço e potencial. Para atingir esse objetivo, é preciso superar algumas adversidades, como popularizar a carne ovina entre os consumidores e reduzir a sazonalidade de oferta do produto. "Essa melhor comunicação com o público, incentivando o consumo, precisa vir acompanhada de outras ações, entre elas, a de uma classificação mais transparente da carne de cordeiro (animal jovem) para a carne ovina (animal adulto)", afirma o médico-veterinário responsável pelo estudo Raio X da Ovinocultura no Estado, Ney Luzardo Ulrich Neto.
A produtora Ana Doralina Alves Menezes diz que a demanda por carne de cordeiro tem aumentado, mas que o produto ainda é considerado como premium e acessível a uma parcela pequena dos consumidores, em função da sazonalidade do produto e da forma como costuma ser apresentado. "Existe o consumidor que valoriza a carne ovina e existe essa demanda, mas a questão é conseguir atendê-lo da forma que ele espera, com apresentação adequada, tipo de peça, se resfriado ou congelado", diz. Para ela, a cadeia tem que evoluir mais nesse sentido.
Além disso, os canais de acesso a esse produto ainda estão se organizando para encontrar a mesma qualidade, tamanho de peças características sensoriais ao longo do ano, e isso é fator que os produtores têm buscado trabalhar. "A cadeia precisa se estruturar melhor para ter um abastecimento contínuo. As pessoas têm muito hábito de comer cordeiro, paleta, costela aqui no Rio Grande do Sul, mas muitas vezes não conseguem acessar o produto em cortes específicos, mais práticos para o dia a dia", afirma a vice-presidente da Associação Brasileira de Criadores de Ovinos (Arco) e membro da comissão de Ovinocultura da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Elisabeth Lemos.
Para Ana, existe uma desconexão dentro da cadeia de carne, com fatores a serem melhorados, como projetos para incrementar o abastecimento, mantendo-o contínuo ao longo de todo o ano. "Ou entregamos os animais para abate, vendemos cordeiros para terminadores, para confinamentos e isso tudo depende do ano, se vamos ter pastagem para conseguir terminar ou não", afirma.
Sobre preços, Neto diz que os valores pagos aos produtores estão abaixo do desejado, o que naturalmente gera desestímulos. No entanto, ressalta que essa oscilação não é culpa da ovinocultura nem dos produtores. "Estamos enfrentando um período atípico, com o produtor rural perdendo poder aquisitivo devido à queda das commodities agrícolas, enquanto a população sofre com a perda do poder de compra devido à inflação e ao cenário econômico brasileiro e mundial", afirma o especialista. Além disso, a estiagem que castigou o campo em 2022 e 2023, reduziu a oferta de pastagem e obrigou os produtores a ofertarem mais animais ao mercado. Tudo isto, somado a outros fatores, resultou em uma queda natural de preços, que devem se recuperar em 2024.
Elisabeth diz que, em 2022, foram abatidos 222,4 mil animais no Rio Grande do Sul, e o consumo per capita é de 400 gramas ao ano. "Para se ter uma ideia, o consumo de frango é de 51 quilos por pessoa ao ano. O consumo de cordeiro tem muito espaço para crescer, mas para a cadeia tem que estar mais organizada e entrarmos mais agressivos no mercado para conquistar o paladar dos consumidores", afirma a dirigente.

Certificação de qualidade da lã busca melhorar concorrência com produto uruguaio

Em 2022, foram colhidos mais de 100 mil quilos de lã certificada no Estado
De olho na concorrência acirrada com a lã uruguaia, a Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos (Arco) lançou um programa de certificação da lã que busca aumentar a qualidade do produto brasileiro para concorrer de igual para igual com os fios uruguaios. A exemplo da Grifa Verde, programa que chancela as melhores lãs dos país vizinho, o selo da Arco busca garantir maior qualidade do produto.
"O grande objetivo é aprimorar a qualidade da lã gaúcha da colheita, através da esquila tally-hi, à armazenagem de lã, mantendo-a sem a incidência de contaminantes que desvalorizam a produção", afirma o inspetor técnico da Arco, responsável pelo programa de certificação, Sérgio Muñoz. Segundo ele, na safra de primavera de 2021, primeiro ano do programa, foram colhidos 14 mil quilos de lã certificada. Em 2022, foram mais de 100 mil quilos. "Sempre questionamos porque as nossas boas lãs valem muito menos no mercado internacional do que as uruguaias. Nós temos um nível de lã de Merino, Ideal e Corriedale basicamente igual e a explicação é que nós não acondicionamos, nem colhemos bem a lã", informa Muñoz.
Uma das ações do programa é o credenciamento das comparsas (grupo de profissionais que realizam a esquila) pela Arco, através de cursos, numa parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS). "Atualmente, é preciso contratar comparsas do Uruguai, pois eles são os melhores no método de esquila tally-hi, uma das formas indicadas para quem busca a certificação da lã dentro do programa da Arco", afirma.
Segundo Muñoz, a primeira das grandes vantagens dessa técnica é a possibilidade de promover bem-estar animal, uma vez que a ovelha não é amarrada e, por isso, não passa por estresse. Além disso, o método reduz perdas de lã, proporcionando que ela saia limpa da esquila, sem contaminantes, pois retirar as lãs de desborde e contaminadas com urina, sobra 70% do velo aproximadamente. "Sai do laneiro pronta para ir para a indústria", diz Muñoz.
Todo o trabalho deve ser feito no galpão e, durante a esquila, é feita a separação das lãs inferiores em embalagens específicas para que não haja contaminação de nada. Através do método tally-hi é possível manipular a lâmina na mesa, fazendo com que a lã saia das propriedades pronta, sem precisar ser trabalhada na indústria em máquinas de lavar.
Segundo ele, o programa de certificação também tem foco nos pequenos produtores, especialmente pela questão de logística, em função dos altos custos. "Temos que organizar a cadeia ainda mais para atingir também os pequenos".
Sobre a situação do mercado de lã, ele informa que, depois da pandemia, as lãs acima de 24 micra não conseguiram ter mais liquidez no mercado, em função da concorrência muito forte com o poliéster. Além disso, existem muitas dessas lãs dentro das propriedades rurais. "Para se ter uma ideia, no Uruguai se fala em quatro safras de lã dentro das propriedades e os produtores não conseguem vender, porque a China que é a grande consumidora do produto não entrou no mercado depois da pandemia", diz.
Já as lãs abaixo de 23 micra tiveram boa liquidez e dentro do programa de certificação os produtores recebem até 70% acima das lãs que não são certificadas, colhidas de maneira tradicional. "O momento é de muita incerteza para o mercado de lã, estamos aconselhando os produtores que estão esquilando agora de segurarem as lãs", conclui Muñoz.
 

*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela UFRGS.