Ana Esteves, especial para o JC*
Desde outubro de 2022, o Rio Grande do Sul está em alerta sobre a possibilidade da chegada da Influenza Aviária em terras gaúchas. O medo é grande, pois, ao contrário de doenças como a Febre Aftosa, que podem ser controladas por meio de barreiras sanitárias nas fronteiras, a "gripe" das aves voa junto com elas: pode facilmente transpor os limites entre países livres e os acometidos pela enfermidade através de aves migratórias.
A chegada da Influenza Aviária seria catastrófica, especialmente em um ano em que a avicultura brasileira vem batendo recordes mensais sucessivos nas exportações de carne de frango. Conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), os maiores volumes já alcançados para determinado mês do ano vêm sendo consecutivamente superados desde janeiro de 2022.
Os números mais recentes são de março e apontam o envio de 484,2 mil toneladas só de produto in natura e perto de 505 mil toneladas quando considerados os industrializados e a carne de frango salgada.
Até agora, o trabalho de governo, produtores e indústria tem surtido efeito, pois nenhum caso foi registrado, nem em aviários comerciais, ou nos de subsistência e nem mesmo nas aves de vida livre que circulam entre fronteiras. A diretora do Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (DDA/Seapi), Rosane Collares Moraes, destaca que, ao lado do ente público, produtores e indústria também têm feito sua parte.
Chegada da Influenza seria catastrófica para as exportações recordes de carne de frango
/Kleitton Pan/SEAPI/divulgação/jc
"No caso da Influenza, por exemplo, aprendemos muito com a pandemia de Covid-19, o que de certa forma facilita o entendimento, especialmente dos criadores, da importância de cuidados de higiene, como lavar as mãos, a relevância de observar sinais clínicos nas aves, como dificuldade respiratória, secreção nasal e ocular", aponta.
Ela acrescenta que a preocupação das pessoas aumenta quando descobrem que a Influenza Aviária é uma zoonose, ou seja, pode ser transmitida das aves para os humanos. "A doença viral é altamente contagiosa e afeta aves domésticas e silvestres, podendo atingir também o homem, o que, de certa forma, faz aumentar o engajamento nos cuidados e identificação da doença".
A delegada do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários no Rio Grande do Sul (DS-RS Anffa Sindical), Soraya Elias Marredo, diz que a chegada da Influenza na avicultura comercial seria um cenário aterrorizante para o País, com prejuízos muito altos. "Além de perda de empregos, existe ameaça de insegurança alimentar, já que o Brasil responde por pelo menos 30% das exportações mundiais de frango", completa.
O serviço veterinário oficial estabeleceu tolerância zero em relação à Influenza Aviária. "A secretaria tem utilizado drones e embarcações para monitorar aves de vida livre, além de observar as criações avícolas de subsistência, desde os primeiros registros de casos de Influenza Aviária na América do Sul", destaca o chefe da divisão de Defesa Sanitária Animal da Seapi, Fernando Groff. De janeiro até os primeiros dias de maio, foram realizadas 2.052 ações de vigilância ativa no Estado, com observação de mais de 1,6 milhões de aves. 842 mil aves.
A ocorrência de uma doença grave e de efeitos devastadores, bem ao lado do Rio Grande do Sul, faz acender o alerta não só do setor avícola, mas também de outras cadeias produtivas em relação a doenças tão graves quanto a Influenza Aviária.
Afinal, como estão as medidas de controle da Febre Aftosa no gado de corte, da Tuberculose e Brucelose em animais produtores de leite, do Mormo nos equinos, da Peste Suína Clássica e Aujezsky, nos suínos e da Epididimite dos Ovinos, para citar apenas as mais preocupantes? Cada elo da cadeia produtiva tem se envolvido no processo para proteger os rebanhos e, assim, evitar os impactos econômicos e sanitários, caso essas doenças fujam do controle.
Suíno positivo para Aujeszky amedronta produtores de São Gabriel
Foram vistoriadas 150 propriedades de suinocultura para controlar a enfermidade
/Wenderson Araujo/Trilux/CNA/JC
O caso de um suíno positivo para Doença de Aujeszky, detectado no final do ano passado em São Gabriel, deixou o setor em alerta máximo. "Foi feito saneamento da área, ou seja, um inquérito epidemiológico de todos suínos existentes nas propriedades rurais no raio de 5 km da propriedade que teve um animal positivo e resultou que nenhum reagiu positivamente, inclusive há duas semanas, quando os testes foram repetidos", esclarece o presidente do Sindicado da Indústria de Produtos Suínos (Sips), Rogério Kerber.
Ao todo, 150 propriedades passaram por vistoria e cerca de 650 amostras coletadas, todos os laudos negativos para a enfermidade. Além disso, foi realizado sacrifício sanitário de 46 suínos da propriedade positivada, no próprio estabelecimento de criação. Houve a realização de coleta de tecidos de três suínos sacrificados para pesquisa, com resultado negativo.
Outro grande fantasma, que felizmente não tem assombrado os criadores, é a Peste Suína Clássica, longe desses pagos desde 2017, quando a OIE (Organização Mundial de Saúde Animal) declarou o Rio Grande do Sul livre da doença. Mesmo assim, por se tratar de uma enfermidade infectocontagiosa, é preciso se manter sempre vigilante.
"Essa é uma doença que pode causar um dano econômico muito grande, porque ela fecha mercados e exige sacrifício de muitos animais", afirma o presidente da Associação dos Criadores Suínos do Rio Grande do Sul, Valcedir Folador.
Sobre os impactos para a suinocultura com a possível chegada da Influenza Aviária ao Estado, o dirigente diz que existe a chance de afetar os preços da carne suína, em função de uma maior oferta de carne de frango no mercado interno.
"Caso chegue por aqui, a 'gripe' das aves vai impactar a produção avícola comercial, pois gerará restrições de algum mercado na exportação da carne de frango, com suspensão de exportações, gerando um cenário de maior competição entre proteínas. Lembrando que os suínos não são suscetíveis a essa doença".
O mesmo ocorreria frente à eventual ocorrência de focos de Aftosa. O setor de proteína animal sofreria o impacto, pois o mercado seria inundado por carne de frango e não teria capacidade de absorção de uma produção dessa magnitude.
Sobre as medidas de controle de enfermidades nos planteis, Folador ressalta que, assim como na medicina humana, na suinocultura os animais são vacinados preventivamente para doenças respiratórias e entéricas, que são as que mais causam problemas nos animais dentro das granjas.
"O setor tem avançado muito nos últimos anos em relação ao controle de doenças e manutenção de um status sanitário elevado, mas é sempre importante estar atento".
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As granjas têm um sistema de biosseguridade que inclui a proibição de visitas e cercamento, além de quarentena de todo material genético importado. Kerber destaca também quanto à importância de o setor ficar atento à ocorrência de Peste Suína Africana na República Dominicana e no Haiti. "Está circunscrita àquela área e estão trabalhando para fazer o saneamento dos focos, mas é uma situação que exige cuidados."
Força-tarefa entre indústria e produtores visa conter a Influenza Aviária
Trabalho de forma conjunta tem ganhado força para evitar a entrada da enfermidade em solo gaúcho
/Emater/divulgação/jc
Uma verdadeira estratégia de guerra tem mobilizado produtores integrados e indústria avícola gaúcha. Na mira, a Influenza Aviária que ronda o Estado desde fevereiro deste ano, quando foram detectadas aves positivas para a doença na Argentina e no Uruguai.
O presidente-executivo da Organização Avícola do Rio Grande do Sul (Asgav/Sipargs), José Eduardo dos Santos, afirma que a probabilidade de a doença chegar existe, especialmente através de parques de aves migratórias e fronteiras, mas acrescenta que o setor está bem preparado para fazer uma ação rápida de detecção, restringir o local de ocorrência e, dessa forma, não impactar na comercialização da carne de frango e ovos.
"O setor teve que investir em procedimentos de biosseguridade para blindar as granjas e evitar ao máximo entrada de outros animais e pessoas contaminadas". Entre essas medidas, estão: evitar visitas às granjas, instalar arcos de desinfecção, verificar barreiras naturais, instalar telas de aviários para evitar entrada de aves silvestres, boas práticas de manejo, rigoroso uso uniforme e manutenção da qualidade da água.
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Segundo ele, existe um regramento de prevenção que tem sido cumprido pelas granjas ao longo dos anos, mas que agora está sendo intensificado. Além disso, o setor tem trabalhado muito a comunicação com ações pontuais nas regiões onde há muita produção de subsistência, nas fronteiras e nos parques.
"Estamos interagindo com os serviços oficiais no sentido de trabalharmos juntos as medidas de biosseguridade e atender aos requisitos necessários para manter a área de produção comercial livre de Influenza". Seguir livre é imprescindível para continuar atendendo à demanda por carne e ovos que tem crescido no mercado externo, justamente após a detecção de Influenza Aviária nos Estados Unidos e países sul-americanos.
O chefe da divisão de Defesa Sanitária Animal da Seapi, Fernando Groff, acrescenta que o grande problema no quesito disseminação da doença são as pequenas propriedades que criam os animais para subsistência. "O grande produtor que trabalha como integrado da indústria já está acostumado às normas de controle e biossegurança. O problema é o pequeno que tem um cocho de água no fundo de quintal, onde qualquer ave pode beber, inclusive as de vida livre", explica o médico-veterinário.
Santos diz que, em caso de animais positivos para a doença, os prejuízos serão muitos, por perda dos plantéis e com reflexo comercial, especialmente bloqueios nas exportações.
Além das medidas de biossegurança que devem ser tomadas, é importante que o produtor observe se alguma ave do plantel apresenta sintomatologia da doença: dificuldade respiratória, secreção nasal ou ocular, espirros, falta de coordenação motora, torcicolo, diarreia, alta mortalidade em aves domésticas ou silvestres.
Na ocorrência desses sintomas, é preciso entrar em contato imediatamente com a Inspetoria ou Escritório de Defesa Agropecuária do município.
Os produtores também têm feito o tema de casa. É o caso do proprietário da Granja Nienow, Jairo Nienow, que há muito tempo adotou medidas de biosseguridade, que visam garantir a saúde e bem-estar das aves, além da segurança dos alimentos produzidos.
"Com o risco da chegada da doença na América do Sul, de imediato reforçamos esses cuidados, além de estabelecer a restrição de visitantes e levar orientações sobre a Influenza Aviária aos colaboradores", destaca.
Livres da aftosa, mas sempre com estratégias para evitar a volta da doença
Vigilância e fiscalização são fundamentais para manter a proteção do rebanho bovino do Rio Grande do Sul e, caso ocorra a reintrodução do vírus, poder detectá-lo precocemente
/MARCELO GÖCKS/SAPDR/JC
Do pesadelo de Joia, no início dos anos 2000, à zona livre sem vacinação. Em 23 anos, o Rio Grande do Sul evoluiu muito no que diz respeito à prevenção, controle e erradicação da febre aftosa do seu rebanho, um trabalho árduo e que, graças a ele, permite ao Estado começar a colher os primeiros frutos.
Desde a retirada da vacinação, tem aumentado o recebimento de missões de países importadores, que visam creditar o serviço de defesa sanitária animal, apontando para a possibilidade de acesso a novos mercados ou abertura das exportações de carne com osso.
No entanto, apesar do cenário positivo, o estado de alerta é constante por parte do serviço veterinário oficial e dos criadores. A coordenadora Estadual do Programa Nacional de Vigilância para a febre aftosa da Seapi (PNEFA-RS), Grazziane Maciel Rigon, diz que as ações de prevenção da febre aftosa se baseiam em estratégias de educação e comunicação em saúde animal.
Toda essa responsabilidade é compartilhada entre a área pública e privada, em um sistema de vigilância sanitária formado por alguns componentes: "vigilância a partir de notificações de suspeitas de doença vesicular por produtores ou outros atores envolvidos na cadeia produtiva; vigilância ativa em estabelecimentos rurais e rodovias; vigilância em eventos pecuários e em estabelecimentos de abate através das inspeções na rotina ante e post mortem", explica a médica-veterinária.
A vigilância em áreas livres possui os propósitos de demonstrar a ausência da doença e, havendo a reintrodução do vírus, detectá-lo precocemente. Em relação ao risco interno, ou seja, a ameaça de que o vírus ainda circule na região, todas as informações coletadas pelos dados de vigilância passiva, estudos sorológicos e outras atividades, demonstram que não há circulação viral na América. "São evidências robustas, com exceção da Venezuela, que é um risco desconhecido, pois não possui reconhecimento de área livre e, logo, o risco de uma reintrodução não pode ser desprezado enquanto o vírus existir".
A última ocorrência de febre aftosa no continente Americano foi registrada na Colômbia, em 2017, No Brasil em 2006, no Mato Grosso do Sul, e, no Rio Grande do Sul, a última ocorrência foi em 2001, sendo que a última etapa de vacinação no Estado ocorreu em abril de 2020.
O maior desafio é manter a cadeia produtiva sensibilizada quanto às formas de prevenção da doença, a reconhecer os sinais clínicos compatíveis com a febre aftosa e a importância de notificar qualquer suspeita o mais rápido possível à Inspetoria de Defesa Agropecuária.
"A rápida detecção é fundamental para evitar a disseminação da doença e minimizar todos os tipos de impactos, sendo fundamental o papel do produtor rural e outros atores ligados ao ramo da pecuária como fonte de notificação de suspeitas", acrescenta Grazziane.
Outro desafio é conscientizar os produtores a respeito da importância da compra e venda de animais somente com a emissão da Guia de Trânsito Animal (GTA). Ela é o documento oficial para o transporte animal em todo o território brasileiro, só podendo ser emitida a partir de propriedades em dia com suas obrigações sanitárias, e fornece a rastreabilidade de rebanho (espécie, quantidade, origem, destino, finalidade, vacinações, entre outros), fundamental para o rastreamento epidemiológico em caso de reintrodução do vírus.
Há certa preocupação se os produtores estão devidamente sensibilizados quanto à importância de se manterem vigilantes em relação à doença. Uma das métricas que o serviço veterinário oficial usa para avaliação do comprometimento da comunidade é a quantidade de notificações de suspeitas de doença vesicular recebidas ao ano, no Estado. Esses números vêm se mantendo extremamente baixos desde o início da pandemia de Covid-19, em torno de 13 a 20, levando em consideração a quantidade de propriedades com espécies suscetíveis no Estado, cerca de 337 mil.
"Sintomas simples, como animais babando ou mancando, já são passíveis de notificação. Sendo assim, pode-se considerar que ou há uma baixa sensibilidade dos produtores em identificar sintomas compatíveis com doença vesicular ou um baixo engajamento do setor privado em notificar casos suspeitos", acrescenta Grazziane.
O gerente de fomento da Associação Brasileira de Angus (ABA), Mateus Pivato, diz que, dentro do controle sanitário dos rebanhos gaúchos, os criadores cumpriram com todos os protocolos necessários para que o Estado se tornasse uma área livre de aftosa sem a vacinação.
"Os criadores de Angus que fazem genética, eles têm um controle muito grande dos seus rebanhos devido à questão dos registros de genealógicos, do acompanhamento desde o nascimento, desde o acasalamento desses animais que são bem acompanhados."
Epididimite segue na mira de médicos-veterinários e criadores de ovinos em todo Estado
Doença gera prejuízos econômicos associados à diminuição da fertilidade e da vida reprodutiva dos carneiros
/CAMILA DOMINGUES/PALÁCIO PIRATINI/DIVULGAÇÃO/JC
Uma das doenças de notificação obrigatória entre os ovinos e que mantém autoridades sanitárias e criadores atentos é a Epididimite, também conhecida como Brucelose dos ovinos.
A doença gera prejuízos econômicos associados à diminuição da fertilidade e da vida reprodutiva de carneiros, períodos de parição prolongados e, ocasionalmente, abortos em matrizes.
"Estamos em fase de reformulação do Programa Estadual de Sanidade Ovina e uma das ideias é criar certificação para as propriedades livres dessa doença", explica o chefe da divisão de Defesa Sanitária Animal da Seapi, Fernando Groff.
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O zootecnista Amilcar Jardim Matos, proprietário da Cabanha Dom Levino, de Bagé, destaca ainda as verminoses em geral, a piolheira, os problemas nos cascos e as clostridioses (doenças causadas por bactérias) como enfermidades preocupantes.
"Não temos casos de Epididimite, mas a vigilância deve seguir severa. A verminose, a meu ver, é o maior desses problemas, devido à desinformação e à falta de acompanhamento técnico", afirma. Ele demonstra preocupação quanto à piolheira em função da retirada da obrigatoriedade do banho piolhicida por parte do governo.
Como criador, Matos ressalta a importância de fazer diagnósticos dentro da propriedade, assim com planejamento, seja nutricional, reprodutivo e sanitário.
"Quanto às verminoses, o controle é feito de maneira geral desordenado, sem acompanhamento técnico, sem coleta de dados. Uma simples coleta de fezes dos animais nos da informações importantíssimas, são pequenas atitudes, que vão fazer a diferença".
Sobre as clostridioses, como o Tétano, Matos diz se preocupar mais, pois são poucos que vacinam e, muitas vezes, os animais morrem e nem se identifica qual foi o motivo.
Obrigatoriedade de eutanásia de equinos com Mormo gera polêmica entre criadores
Enfermidade pode ser transferida de cavalos para humanos, o que faz com que os cuidados sejam redobrados
JONATHAN HECKLER/JONATHAN HECKLER/ARQUIVO/JC
Uma doença cujos sintomas demoram a aparecer e que, quase sempre, é detectada por acaso, quando algum cavalo precisa de uma Guia de Trânsito Animal (GTA) para se deslocar para algum evento. Trata-se do Mormo. Na imensa maioria das vezes, o animal com teste positivo se apresenta assintomático, mas, mesmo assim, deve ser eutanasiado.
Esse é um dos pontos mais críticos relativos à ocorrência de casos nos rebanhos equinos do Estado. Outro ponto importante é que a enfermidade pode ser transmitida dos cavalos para os humanos, na sua maioria resultando em óbito.
A diretora do Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal (DDA/Seapi), Rosane Collares Moraes, afirma que muitos criadores não acreditam na existência da doença e acham que a obrigatoriedade dos testes tem viés financeiro.
"Tem isolamento da bactéria, então as evidências nos ajudam muito nas tomadas de decisão dos programas sanitários", diz ela. Mesmo assim, ocorrem os questionamentos: "às vezes, o dono do cavalo de R$ 500 mil não vai te questionar, mas o dono do 'cavalo Mimoso, campeão do laço', questiona a validade do exame, o porquê de ele ter que arcar com esse custo a mais. Às vezes o apego sentimental com o animal também pesa", diz Rosane.
Atualmente, o Estado tem 24 focos da doença, espalhados por diversas regiões, com a ocorrência de animais diagnosticados vivos, em processo ainda de análise de amostra ou que já estão indo para eutanásia. O professor titular de Clínica Médica de Equinos da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Carlos Eduardo Wayne Nogueira, afirma que, nos últimos quatro anos, os números de casos de Mormo no Estado têm oscilado da seguinte forma: 41 em 2020, 49 em 2021, 28 em 2022 e 13 em 2023.
"Não entendo que estejamos frente a uma epidemia, pois, considerando a tropa de mais de 520 mil cavalos no Estado, o número de positivos é muito baixo, e, quando se compara os índices epidemiológicos no Brasil e no mundo, observa-se números entre 0,5 e 0,01%. Porém, necessitamos continuar trabalhando para a melhorias dos métodos de diagnóstico e controle do Mormo", diz Nogueira.
Na política de controle do Mormo, os testes são exigidos para solicitação da Guia de Trânsito Animal (GTA) que permite oficialmente a movimentação de animais que irão participar de aglomerações. Além da testagem para trânsito, há os testes realizados em laboratórios oficiais para saneamento de focos nas propriedades, ou seja, quando o cavalo tem contato com um animal positivo, e investigação de possíveis vínculos epidemiológicos.
"O maior número de casos e focos têm ocorrido em propriedades sem classificação e o menor número em estabelecimentos classificados como haras, cabanhas, fazendas, clube hípicos e dentre outros", explica o professor.
O chefe da divisão de Defesa Sanitária Animal da Seapi, Fernando Groff, afirma que a doença está disseminada em todo o Estado e que o contágio ocorre em animais que vão a eventos, convivem com outros equinos, bebem água do mesmo cocho ou o tratador usa o mesmo balde para mais de um cavalo, em época de cobertura.
"É importante que as pessoas levem e usem os seus equipamentos, não compartilhem freios, esporas. São nas pequenas coisas que favorecem a transmissão e as pessoas não percebem, elas sempre buscam uma coisa macro, parecido com o que vivemos durante a pandemia de Covid-19".
Sobre a denúncia de resultados falso positivos em equinos de Santa Maria, em função de coletas feitas de outros cavalos, ao invés do que deveria ser testado, Nogueira afirma que os profissionais denunciados, após a comprovação das irregularidades, são desabilitados do Ministério da Agricultura (MAPA) para a coleta de material para os exames e, após transitar em julgado o processo no MAPA, respeitado o direito à ampla defesa e ao contraditório, há a comunicação ao Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS) para apuração de infração ética.
"Nos últimos três anos, foram cerca de cinco profissionais denunciados e autuados pelo MAPA. Saliento a importância e responsabilidade do médico-veterinário na identificação do animal, na colheita do material, acondicionamento e entrega no laboratório credenciado. Esta sequência é fundamental para que não ocorram erros e fraudes", afirma.
Falta de engajamento de produtores dificulta diagnóstico de Tuberculose e Brucelose
Entre as doenças que mais afetam o rebanho leiteiro, estão a Tuberculose e a Brucelose, que são zoonoses, ou seja, passam dos animais para os humanos. A médica-veterinária consultora do Sindicato da Indústria de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat), Letícia de Albuquerque Vieira, diz existir uma deficiência no diagnóstico, pois nem todo o rebanho é testado.
"Há uma dificuldade em relação à sensibilização dos produtores em fazer essas testagens, em função do custo. Lembrando que são doenças que não são tratadas, logo os animais têm que ser abatidos quando são diagnosticados." Porém, existem vários tipos de programas que facilitam essa testagem e inclusive facilitam assim a questão da diminuição dos prejuízos por possíveis perdas.
A questão sanitária e de boas práticas do leite se baseia nas Instruções Normativas 76 e 77, de 2018, que estabelecem os critérios para a produção, acondicionamento, conservação, transporte, seleção e recepção do leite cru em estabelecimentos registrados no serviço de inspeção oficial. "Assim, a indústria tem a responsabilidade de fazer um trabalho junto aos seus fornecedores de leite, de educação sanitária, implantação de boas práticas agropecuárias".
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desenvolve, há alguns anos, o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal que prevê, entre outras coisas a certificação de propriedades como livres dessas doenças.
"O Estado tem mais de duas mil propriedades certificadas, as quais têm um diferencial em termos de biossegurança", diz Fernando Groff.
Além disso, a certificação favorece uma melhor remuneração do leite destas propriedades. As ações para a erradicação são fundamentais, pois asseguram a saúde de quem produz e de quem consome produtos e derivados da carne e do leite bovinos.
Letícia faz um alerta sobre o fato de serem zoonoses e poderem causar dano à saúde dos consumidores. "Existem trabalhos que demonstram que 5% dos casos tuberculose humanas são oriundos da tuberculose bovina e principalmente das pessoas que trabalham com gado de leite".
Uma pessoa que sofre de tuberculose tem um tratamento longuíssimo, que pode durar cerca de um ano, e muitas vezes não completando esse tratamento há recidivas e agravamento do quadro, podendo vir a óbito.
A Tristeza Parasitária bovina, que é uma doença a transmitida por pelo carrapato e que ocorre em novilhas em animais jovens, também vem causando um grande prejuízo na produção e morte dos animais. A Febre Aftosa que se mantém sem registro de foco, mas caso ocorra "ela bate qualquer outro tipo de doença em relação a prejuízos.
Já a mastite, que é inflamação do úbere da vaca, um tipo de doença que acomete quase todos os rebanhos em diferentes, não é uma doença que mata. Mas é uma doença que prejudica muito a qualidade e o volume de produção.
*Ana Esteves é jornalista formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atuou como repórter setorista de agronegócios no Jornal do Comércio, Correio do Povo e Revista A Granja. Hoje, atua como assessora de imprensa e repórter freelancer. Também é graduada em Medicina Veterinária pela UFRGS.