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Reportagem especial

- Publicada em 30 de Abril de 2023 às 15:00

Sebos resistem e se reinventam com novas formas de vendas

Lojas físicas contam com o apoio indispensável do e-commerce

Lojas físicas contam com o apoio indispensável do e-commerce


/ANA TERRA FIRMINO/JC
Lívia Araújo, especial para o JC*
Lívia Araújo, especial para o JC*
Os sebos físicos, com seus vastos acervos e livreiros experientes, enfrentam as mudanças do mercado editorial mas estão longe de desaparecer. Para isso, contam com o apoio indispensável do e-commerce, mas também de redes de contatos valiosas. Os sebos dividem seu espaço com livros novos, são valorizados por bibliotecas pessoais consagradas e no formato online podem ainda servir de antessala para a abertura de lojas físicas.

Ledur diz que estabelecimentos que vendem livros usados são essenciais para o mercado editorial

Ledur diz que estabelecimentos que vendem livros usados são essenciais para o mercado editorial


Câmara Rio-Grandense do Livro/Divulgação/JC
O mercado editorial brasileiro e gaúcho se vê à volta com inúmeras transformações nos últimos anos, ocasionadas tanto pelos efeitos da pandemia como pelo fechamento de grandes redes da área e a volta das livrarias de rua, que expressam a ascendência de uma gama mais diversificada de autores e temas.

Esses elementos, no entanto, não escantearam um dos atores mais emblemáticos do universo dos livros: os sebos, livrarias devotadas ao comércio de livros usados, que contêm tesouros editoriais pertencentes a todas as áreas do conhecimento. Os sebos são um reflexo posterior do mercado de livros novos, já que todo tipo de títulos inevitavelmente irá para essas prateleiras veteranas: aqueles fora de catálogo, os lançamentos promissores que ficaram aquém das expectativas e os que mantiveram o interesse eventual do público para muito além da sobrevida das próprias editoras.

Porém, esse comércio tampouco está imune às transformações do mercado editorial e, com o fortalecimento do comércio online, fechou portas Brasil afora e partiu, em muitos casos, para ter de físico somente os espaços para estoque, economizando com os gastos decorrentes de manter um espaço para a circulação do público.

Em vez, porém, de investir em sites individuais, os sebos acabaram se unindo em diversos marketplaces. O principal deles é a Estante Virtual, plataforma criada em 2005 e que, só em 2020, ano em que foi adquirido pelo Magazine Luíza por R$ 31,1 milhões, possuía um volume cadastrado de mais de 16 milhões de livros em todo o País.

Embora a empresa não tenha dado retorno aos pedidos de entrevista do Jornal do Comércio, um levantamento feito pela reportagem na própria plataforma mostra que, no Rio Grande do Sul, há 230 sebos e livreiros individuais que têm livros à venda em marketplaces. Destes, 59 vendedores contam com acervos disponíveis de mais de mil livros, 25% dos livreiros da plataforma.

Somente entre as dez maiores livrarias gaúchas na Estante Virtual, o volume de títulos ofertados é de quase 700 mil livros. O maior acervo do site no Rio Grande do Sul pertence ao Balaio Digital, com 133.656 livros cadastrados na plataforma desde 2006.

Mesmo para os sebos que ainda contam com lojas físicas - a maior parte deles em Porto Alegre -, a venda online representa uma fatia importante no faturamento e no alcance das vendas. Denise Filippini, da Livraria Erico Verissimo, aponta que metade do valor faturado é decorrente da Estante Virtual. "Na livraria física, o volume de vendas acaba sendo maior por compra, porque o comprador presencial leva uma quantidade maior de livros do que no online, onde o leitor busca muitas vezes por um título específico", acredita.

Diferentemente do comércio de livros novos, que tem um estoque regular abastecido pelas editoras e distribuidoras, nos sebos a chegada de produtos de maior valor agregado depende principalmente de uma sólida rede de contatos dos livreiros, construídas em anos de atuação. É assim que esses empreendedores têm acesso a vastas bibliotecas, que chegam nos sebos por transformações da vida de seus proprietários e suas famílias, seja por mudança, aposentadoria ou morte.

Outra forma pela qual os livros vêm para os sebos é pela troca ou venda de um volume pequeno de exemplares oferecidos às vezes pelos próprios frequentadores das livrarias. "Eu recebo cerca de 10 ligações por dia com pessoas oferecendo livros e isso é sintoma da crise que estamos todos atravessando. O livro é uma das primeiras coisas que as pessoas começam a vender em tempos difíceis", admite Mauro Messina, dono da Ladeira Livros, em Porto Alegre. Por esses meios, não há escassez de produtos em se tratando de sebos.

Ainda que o sucesso da performance dos sebos online represente lucro, com uma margem necessariamente maior do que a praticada entre editoras, distribuidoras e livrarias, a existência dos sebos físicos está longe de desaparecer. Isso porque eles oferecem uma experiência valiosa tanto para o empresário quanto para o consumidor, já que há mediação do livreiro, o que gera relação de fidelidade e confiança com seus clientes.
Outro aspecto que garante a sobrevivência dos sebos é a lacuna preenchida no que diz respeito ao comércio de livros novos. Segundo Maximiliano Ledur, presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, ainda que não haja um número de sebos tão grande quanto nas décadas anteriores, a existência desse tipo de comércio é essencial para o mercado editorial.
"No caso das livrarias físicas, e com o enfraquecimento das grandes redes, temos espaços cada vez menores e isso prejudica a diversidade de títulos. Os exemplares que você não encontra nas livrarias podem ser achados nos sebos", aponta. Ledur, que atua como editor na AGE, fala que boa parte do seu catálogo está presente nos sebos, o que é uma forma de manter em circulação esse patrimônio intelectual.

No entanto, Ledur aponta que, se depender da produção anual de livros, os sebos ainda terão vida longa nos próximos anos. "O volume de títulos editados no Brasil vêm crescendo, de acordo com os registros da Biblioteca Nacional, inclusive na pandemia", revela. Segundo a Câmara Brasileira do Livro (CBL), em 2021, ano da pesquisa de mercado mais recente, o Brasil produziu 391 milhões de livros, dos quais 16% foram de novos títulos - 3% a mais em relação a 2020.

Dullius é proprietário do Beco dos Livros, que conta com três filiais em Porto Alegre e tem presença confirmada nas edições da Feira do Livro da Capital

Dullius é proprietário do Beco dos Livros, que conta com três filiais em Porto Alegre e tem presença confirmada nas edições da Feira do Livro da Capital


LUIZA PRADO/JC
Em Porto Alegre especificamente, a tradicional Feira do Livro é um cartão de visitas dos sebos para os leitores. Como os acervos dos sebos são muito grandes, conta Peter Dullius, proprietário do Beco dos Livros, que conta com três filiais em Porto Alegre, o livreiro escolhe para levar à feira o que há de melhor nos seus acervos, mostrando ao consumidor o que ele pode esperar ao visitar o sebo pessoalmente.

Atualmente, segundo Ledur, a Feira do Livro tem 10 sebos entre as bancas expositoras, que na última edição do evento, em 2022, representaram 15% dos volumes vendidos - em uma Feira do Livro que teve um crescimento de 40% desde 2019, ano anterior à pandemia.

Já segundo Dullius, que já teve oito filiais de sua loja, as livrarias do Centro Histórico, sebos em sua grande parte, sofreram com a falta de interesse pelo bairro em anos anteriores, e com a migração de negócios, lazer e moradias outros bairros da Capital. Agora, a revitalização do Centro e a volta dos eventos tem beneficiado os livreiros.

Ventura mescla oferta híbrida de novos e usados

Estante Virtual é uma das plataformas que proporciona a venda de livros usados

Estante Virtual é uma das plataformas que proporciona a venda de livros usados


/freepik/divulgação/jc
Apesar da loja aberta no bairro Petrópolis há menos de dois meses, Gustavo Ventura Gomes é um livreiro veterano e há mais de 30 anos trabalha com livros usados: já passou por sebos históricos de Porto Alegre como o Aurora, já trabalhou em livrarias como Vozes e Bamboletras, e foi paralelamente formando seu próprio acervo, estoque, e rede de contatos. Esse trânsito lhe possibilitou a construção de um público cativo por toda a cidade, interessado principalmente nas Ciências Humanas.
Quando Gomes, que já vende entre 2 mil e 3 mil livros mensalmente na Estante Virtual, optou por expor seus produtos em uma loja física, a Ventura Livros, percebeu a importância de ter também livros novos na vitrine. Segundo ele, as novidades de editoras grandes e pequenas possibilitam a frequência de um público que está atrás de novos expoentes da literatura e que conquistam merecidamente cada vez mais espaço no mercado editorial: escritores de autoria feminina, negra e periférica.
"E isso veio para ficar. As pessoas querem ler mais mulheres, querem ler mais negros. Eles é que estão discutindo o mundo de hoje, e isso faz a juventude ir em direção à literatura. É importante ter na livraria um fundo de catálogo, claro, mas temos de estar atentos às novidades que fazem parte dessa nova geração", acredita.
Portanto, os livros de Filosofia, Ciências Sociais, Jornalismo, e de diversas vertentes literárias, dividem o pequeno espaço da Ventura com títulos de autores contemporâneos como Itamar Vieira Júnior, o gaúcho José Falero, Conceição Evaristo e muitos outros que vêm chamando a atenção desse novo público leitor. E é a partir desse chamariz contemporâneo que o livreiro faz com que essa clientela também passe a garimpar os títulos usados, já que uma das principais características dos frequentadores dos sebos é a aquisição de múltiplos títulos e a existência de um objetivo de compra mais flexível.
Essa oferta, segundo Gomes, é uma forma de se apropriar de uma produção editorial que é mais focada em diversificação do que em grandes tiragens. "Há autores de todos os matizes conseguindo publicar, e temos que fazer com que tudo o que é produzido em termos de texto chegue nos leitores que querem aquele conteúdo. Se somos um meio, temos de fazer com que esses títulos cheguem no público que a gente escolhe ter", reflete.
Para dar conta dessa tarefa grandiosa, além da Ventura, Gomes tem oferecido seus livros como convidado no Brique da Redenção aos fins de semana, na Amazon, na própria Feira do Livro, onde Gomes já expôs com sua livraria própria. No online, além da Estante Virtual, o livreiro dá conta de um fluxo intenso de mensagens nas redes sociais. "Os clientes da loja passam pela rede social. Agora que estou aqui, há um público espontâneo que eu não tinha há muito tempo. Mesmo comprando pelo virtual, o comprador muitas vezes quer vir buscar o livro pessoalmente, o que já dá sentido em você ter uma porta aberta para este cliente. É um estoque aberto", analisa.
Aberta para a rua no espaço de uma garagem, a Ventura Livros é um dos primeiros empreendimentos de uma casa de cômodos amplos e um vasto terreno que se propõe a ser um espaço multiuso para eventos, cursos e outras manifestações culturais, e que tem a livraria como carro-chefe. Além da estruturação de seu "show-room", Gomes pretende, adiante, ter um espaço extra para estoque e expedição e acredita que a abertura de um café no local poderá intensificar a circulação de público na livraria.

Bibliotecas de personalidades ampliam público de sebos

Messina recebeu cerca de 3 mil livros que eram do acervo de Tatata Pimentel

Messina recebeu cerca de 3 mil livros que eram do acervo de Tatata Pimentel


/ANA TERRA FIRMINO/JC
Os estoques das livrarias de livros usados podem receber contribuições vultosas a partir de transformações sociais e pessoais inevitáveis. No caso da primeira, a mudança de casas para apartamentos, a troca por imóveis menores, acaba por disponibilizar aos livros um espaço cada vez mais limitado e, consequentemente, o envio desses volumes para doação ou venda.
No segundo caso, o óbito de grandes colecionadores de livros - profissionais de vários segmentos que embasaram seu conhecimento na formação de grandes bibliotecas - resulta na venda de acervos inteiros que têm um valor que transcende o do preço de capa e transferem o vínculo afetivo, antes entre o livro e seu proprietário, aos admiradores da personalidade que morreu.
Um desses acervos que passou a ser cobiçado era do jornalista, apresentador e professor Tatata Pimentel (1938-2012), que brilhou na televisão gaúcha desde os anos 1970 e tinha uma paixão particular pelo escritor francês Marcel Proust (1871-1922), autor dos sete volumes de "Em Busca do Tempo Perdido".

LEIA MAIS: Tatata Pimentel: um legado de inteligência e bom humor

Com a morte de Tatata, sua família doou uma parte de sua biblioteca para a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), e outra parte acabou chegando às mãos do livreiro Mauro Scheuer Messina, da Livraria Ladeira, sebo que existe desde 2006 na Rua General Câmara (antiga Rua da Ladeira, daí o nome), no Centro Histórico de Porto Alegre.
Foi através de uma amiga em comum do livreiro e da família de Tatata que Messina recebeu cerca de 3 mil livros que eram de propriedade do jornalista. "Ele era um comprador compulsivo de livros, mas também um leitor voraz. Posso dizer que uns 80% dos livros dele que tive aqui tinham marcações feitas por ele, foram certamente lidos", observa.
Com a divulgação que aconteceu com a chegada do acervo, ao público habitual dos sebos do Centro Histórico foi acrescida a afluência de pessoas que procuravam explicitamente títulos que haviam pertencido ao jornalista. Era um público, segundo Messina, mais acostumado às livrarias dos shoppings e que pôde descobrir, a partir de uma primeira visita à Ladeira, outros "tesouros" que são mais facilmente encontrados nos estoques de livros de segunda mão do que em tiragens recentes. Assim, não só os livros desse acervo específico trouxeram lucro para o livreiro, mas a presença gerou interesse por diversos outros títulos dentre as dezenas de milhares que Messina disponibiliza na Ladeira.
Além disso, os livros de Tatata eram valorizados por características como anotações de beira de página, dedicatórias feitas para ele, além, é claro, do Ex-libris, antigo carimbo ou etiqueta que simboliza a biblioteca da pessoa. No caso de Tatata, muitas vezes havia a data de aquisição do livro e o local onde ele foi comprado. "Para esses admiradores, os livros do Tatata não eram só um objeto de coleção, mas tinham um 'plus' para além da leitura e do objeto-livro, que era pertencer a uma pessoa que era uma referência cultural, uma figura histórica da cidade e do Estado".
Messina, no entanto, afirma que não havia sobrepreço nos antigos exemplares do apresentador. "O que valorizava era por muitos deles serem livros raros, como uma primeira edição autografada pelo Guimarães Rosa", por exemplo. A paixão de Tatata Pimentel por Proust fez com que ele tivesse diferentes edições e traduções de Em Busca do Tempo Perdido, uma delas inclusive adquirida por uma amiga pessoal do jornalista.
O livreiro vê a exaltação desses "acervos póstumos" de uma maneira positiva. "Não é só pelas obras. Várias pessoas que vieram aqui, me contaram várias histórias do Tatata. Elas acabaram vendo o livro da biblioteca pessoal dele como algo que lhes pertence também, de alguma forma. Foi um momento muito especial da minha livraria", celebra.

Venda online pode servir de preparação para abertura de loja física, demonstra Paralelo 30

Da esquerda para a direita, os amigos Alfredo Obino, Camila Konrath, Nathalia Paro e Vinicius Riskalla

Da esquerda para a direita, os amigos Alfredo Obino, Camila Konrath, Nathalia Paro e Vinicius Riskalla


LUIZA PRADO/JC/LUIZA PRADO/JC
Foi com uma coleção de 5 mil livros, entre obras pessoais e um grande acervo comprado em conjunto para alavancar vendas, que os amigos Camila Konrath, Nathalia Schelini, Alfredo Obino e Vinicius Riskalla entraram cada um no mercado de livros usados. Esse foi o início da Paralelo 30, que abriu uma loja física no bairro Farroupilha, em Porto Alegre, no final de 2022.
A partir de 2020, logo antes da pandemia, eles estrearam a venda online por meio de marketplaces que, sem os custos significativos de uma loja física, permitiu que eles crescessem tanto em volume como diversificação sem sofrer com o fechamento ocasionado pelas medidas sanitárias.
Porém, em vez de permanecer no comércio de usados em seu sebo virtual, os agora quatro sócios já negociavam com editoras e distribuidoras para poder também oferecer livros novos, segmento que foi aumentando sua proporção tanto no faturamento quanto no volume de vendas. A flexibilização das restrições pandêmicas marcou a volta das feiras, e os sócios mantinham uma curadoria de títulos que conquistava cada vez mais leitores em diferentes pontos da cidade.
"Sempre tivemos essa perspectiva, de poder abrir uma loja física para vender livros novos principalmente", conta Nathalia. Ela pontua que, pelo Instagram, por exemplo, os anúncios eram exclusivamente dos títulos atuais das editoras.
Desde que foi aberta ao público presencial, a Paralelo 30 promove eventos regulares - lançamentos de livros, saraus, entre outros, e prepara um espaço para receber cursos e oficinas, todos em torno do livro e da literatura. Pausada pela sobrecarga de tarefas relacionadas à inauguração, a venda de livros usados também está no radar dos sócios e deve voltar até o fim de 2023, com a chegada do antigo estoque do sebo virtual ao espaço próximo ao Brique da Redenção.
Apesar do afastamento temporário, Camila enxerga que negócio de livros novos - pelo menos no caso da Paralelo 30 - fica próximo aos sebos físicos no âmbito do atendimento. "Estamos no caminho inverso do que aconteceu no início dos anos 2000, com o auge das megalivrarias. Nos últimos anos os consumidores têm novamente se voltado para a livraria como um lugar de trocas e encontros, porque é um atendimento muito especializado, em conhecer o cliente para poder sugerir novas leituras e fazê-lo se sentir abraçado. O perfil das livrarias de rua é um diferencial positivo", sugere a livreira.

Acervo da livraria Erico Verissimo se tornou nacional

Parte da clientela de Denise é de colecionares de livros, que vão em busca de títulos raros

Parte da clientela de Denise é de colecionares de livros, que vão em busca de títulos raros


/LIVIA ARAUJO/ESPECIAL/JC
Há 25 anos no ramo de livros usados, a livreira Denise Filippini, da Livraria Erico Verissimo, no Centro Histórico da capital gaúcha, enxerga a migração dos sebos para plataformas online como a Estante Virtual como uma verdadeira "bênção".
A adoção do e-commerce aconteceu em 2007, quando Denise relembra que a loja passava por um momento difícil para a manutenção das contas. Para a livreira, ter passado a vender pelo site compensou o trabalho intenso da catalogação de parte do acervo para a venda e a adaptação ao meio de venda online, que na época, era ainda inédita para a maior parte dos sebos gaúchos, que tinha um método de organização muitas vezes baseado somente no papel e na organização das prateleiras.
Hoje, a Livraria Erico Verissimo possui cerca de 15,8 mil livros à venda na Estante Virtual, no 18º lugar entre os maiores acervos de sebos e livreiros gaúchos na plataforma, pouco mais de 10% dos 150 mil livros que Denise tem na livraria e no estoque. A Erico Verissimo tem parte de sua operação ligada ao Martins Livreiro, de Ivo Almansa, um dos sebos mais antigos de Porto Alegre. Ivo é marido de Denise e o filho do casal também atua no segmento - as aquisições de acervos acontecem por meio da livraria parceira.
A melhora no faturamento decorrente da nova operação online também aconteceu pela repentina ampliação do escopo geográfico da livraria. Se antes a loja dependia da circulação de pessoas no Centro e sofria com a descentralização de atividades naquela região da Capital, agora a Erico Verissimo vende para todos os cantos do País e, frequentemente, une leitores a livros que raramente seriam encontrados no formato antigo.
"Quando comecei a catalogar os livros, havia um livrinho com a história do município de Juazeiro do Norte (CE), que há tempos estava na prateleira. Assim que o inseri na Estante Virtual, ele foi vendido justamente para um leitor de Juazeiro. Para mim foi uma alegria, porque eu estava ajudando uma pessoa de longe, vendendo um livro que dificilmente eu venderia em Porto Alegre", relembra.
A livreira conta que o atendimento atencioso - Denise expressa a gentileza para com os clientes enviando cartões com palavras amistosas, respondendo rapidamente às dúvidas dos leitores e mostrando conhecimento vasto de seu ofício - muitas vezes faz com que clientes de diversas partes do Brasil venham visitar a loja quando vêm conhecer o Rio Grande do Sul.
Apesar de ter livros de todas as áreas - onde o principal interesse do público recai sobre livros técnicos, Denise aponta que a principal especialidade do acervo é de livros de História. Nesse caso, a livraria não se atém aos itens usados, oferecendo também as novidades do segmento que chegam das editoras. Mas, mesmo também com livros novos na vitrine, estes ocupam apenas cerca de 5% de toda a oferta da livraria, que conta também com reedições de títulos de clássicos da literatura brasileira e estrangeira, vendidos principalmente para estudantes. "São livros que sempre terão demanda", garante Denise.
A vocação para a História também está no próprio nome da loja, já que o escritor Erico Verissimo, apesar da obra ficcional, tem a saga familiar O Tempo e O Vento vivida no pano de fundo dos principais eventos reais que aconteceram no Estado.
E enfim, a História também está presente nas antiguidades expostas no espaço amplo e bem organizado, em especial a partir de um item que se repete na decoração da loja: os relógios. São mais de 60 modelos, entre cucos, relógios de parede e despertadores antigos. "A coleção começou com um cuco que havia na casa do meu avô. Ficou bonito e eu fui trazendo e ganhando outros", conta.
Para a livreira, existe de fato uma relação entre aqueles objetos, os livros que vende e o próprio espaço da livraria. "As pessoas falam muito, quando vêm, que aqui dentro tem muita paz, que o tempo para. E, no caso dos livros, com certeza a gente não quer que um livro muito querido acabe. Então acho que os relógios simbolizam isso", pondera.
Outra parte que compõe a clientela de Denise é o de colecionadores de livros, que vão em busca de volumes raros e mais caros. "Já tive aqui um pergaminho, ou um livro português impresso do século XVI, que eu me arrependi de ter vendido.
Para quem é colecionador esses itens são um achado, porque eles não estão necessariamente atrás de um título, mas da própria raridade do item", explica. Por outro lado, há quem queira completar a coleção de um autor favorito com títulos de tiragem esgotada, ou que não foram traduzidos nem lançados no Brasil, por exemplo.
Apesar de ter uma atuação online sólida, a Erico Verissimo conta com uma divulgação predominantemente "boca a boca": a loja não tem Instagram e as vendas pelo Whatsapp são mais pontuais, além de ter parado de realizar eventos a partir da pandemia de Covid-19. No entanto, a participação na Feira do Livro de Porto Alegre continua sendo imprescindível. "A feira é uma porta aberta para as pessoas conhecerem a livraria", declara.

* Lívia Araújo é jornalista formada pela Universidade Estadual Paulista. Já atuou nas redações da Gazeta do Povo, DCI e Jornal do Comércio e passou pela Diadorim Editora.