Doces do Vale do Taquari ganham o mundo

As indústrias de chocolates, balas, guloseimas, sorvetes e refrigerantes projetam a região para o mundo

Por JC

A história da Haenssgen iniciou com a produção de balas de caramelos no século passado, mas logo se tornou pioneira em chocolates na região
Eduardo Torres, especial para o JC*
"Aqui na região é assim. Quando se chega na parte de alimentos, principalmente de doces, do mercado, é comum as pessoas olharem na embalagem a origem do produto. Se é daqui, tem prioridade. Porque é uma tradição nossa. Quase todas as famílias têm ou conhecem alguém que trabalha na fabricação de chocolates, balas, doces ou outros alimentos."
Quem conta é a gerente de marketing da Divine, Verônica Dadalt. Há cinco anos ela trabalha na empresa fabricante de chocolates de Encantado, no Vale do Taquari. Faz parte dos pelo menos cinco mil trabalhadores entre as maiores indústrias doceiras da região que pode ser chamada de Vale do Doce - mais do que as populações de 60% dos municípios do Vale.
Somente entre 2021 e 2022, os setores de chocolates, balas, doces e confeitaria dos municípios de Lajeado, Encantado e Arroio do Meio exportaram mais de US$ 84 milhões, com uma alta acima de 22% nas exportações de um ano para o outro, mesmo sem considerar os números de dezembro.
Foi a tradição do conhecimento em produção de doces passado por gerações, em uma sinergia única entre imigrantes alemães, italianos e açorianos, e o espírito empreendedor - muitas vezes como única forma de sustento -, que transformou o cenário do Vale do Taquari a partir do final do século XIX.
Em 1895, Frederico Haenssgen, imigrante alemão da região da Prússia e que havia chegado ao Rio Grande do Sul apenas cinco anos antes, como um caixeiro viajante, viu-se obrigado a colocar em prática o seu ofício de confeiteiro, trazido da sua terra. Nascia na casa da família, junto da esposa, Eleonora Veeck, uma produção de balas e caramelos, na localidade de São Gabriel de Estrela, até então um distrito de Lajeado, e que décadas depois - muito pela influência do empreendedorismo de Haenssgen - seria o município de Cruzeiro do Sul. Na década de 1910, a Haessgen já produzia chocolates e se tornava pioneira no Vale do Taquari.
Iniciativas como esta coincidem no histórico das atuais grandes indústrias doceiras que prosperaram no Vale do Taquari. Para que se tenha uma ideia, se hoje fossem somadas as produções delas, chegaria a uma marca de 18,2 mil toneladas de doces produzidos a cada mês. E em crescimento, seguindo a tendência de consumo de todo o País. Conforme a pesquisa ConVid, da Fiocruz, a partir da pandemia, houve aumento de quase 50% no consumo de doces no Brasil. No Ranking Nielsen Super Varejo, de 2022, que aponta os maiores fornecedores brasileiros, pelo menos três empresas do Vale do Taquari aparecem entre as principais do Brasil neste setor.
A Docile, de Lajeado, que já é a líder de exportações do setor de balas e guloseimas, é a quarta maior no Brasil e na Região Sul. No segmento de chocolates, a Neugebauer aparece como quarta maior na Região Sul e quinta maior no Brasil e, entre as bebidas, a Fruki é a líder em água mineral na Região Sul e quinta do País, e a quarta entre os refrigerantes da Região Sul do país - liderando no Rio Grande do Sul.
"A produção sempre fez parte da nossa vida, desde criança. Mas nunca nos contentamos em manter uma tradição estagnada. Sempre estamos pensando em inovação. Seja em produtos ou em processos, nós sempre incentivamos os nossos funcionários e fornecedores. Saber inovar é perpetuar a marca no mercado. Todos sabem que estamos sempre abertos ao novo, e as ideias surgem diariamente, mantendo realmente viva a nossa marca", explica o sócio-diretor da Docile, Ricardo Heineck.
Foi assim, por exemplo, com o lançamento deste ano, do marshmellow sabor pipoca, que envolveu pesquisa da indústria e de fornecedores. A Docile foi a primeira empresa brasileira a entrar no mercado norte-americano com os marshmellows. E isso explica a obsessão em inovar. Uma rotina que está longe de ser exclusividade. Na Florestal, também de Lajeado e líder na América do Sul na distribuição de pirulitos, por exemplo, a cada ano são lançados ou testados entre 70 e 80 novos produtos. "Todos trabalham para criar novas ideias e um comitê de projetos avalia", diz o gerente de marketing da Florestal Alimentos, Adriano Orso.
Ao final, é a relação de pertencimento das indústrias de doces, chocolates e bebidas que é reforçada no Vale do Taquari, muito além dos muros das fábricas. Uma amostra bem-sucedida desta relação aconteceu com a Divine, em Encantado. Em uma recente proposta de mudança de embalagens, enviou mensagens aos consumidores locais, de Encantado, para que participassem da decisão.
Esta demanda por inovação encontra também na universidade o ambiente para ser desenvolvida. Entre as sete principais linhas de pesquisa do Polo Tecnológico da Univates (Tecnovates), de Lajeado, cinco estão relacionados aos alimentos. E boa parte delas demandadas justamente pelas empresas da região. "O mais importante é que temos afinado este diálogo. O setor estimula a universidade a encontrar as soluções para demandas que são importantes na prática. É uma via de mão dupla, porque, assim como desenvolvemos pesquisas, formamos mão de obra mais qualificada e pronta para o que a indústria procura", explica a gerente de relacionamento com o mercado da Univates, Cíntia Agostini.
 

Um setor mobilizado

"O segredo da prosperidade do nosso setor no Vale do Taquari é que estamos sempre nos profissionalizando, crescendo, mas sem perder a essência de pensar nas pessoas. No nosso caso, temos um DNA na empresa desde o seu início. Pensamos nos resultados, mas com um olhar muito humano. Pensamos do Vale do Taquari para o mundo", afirma a CEO da Fruki, Aline Eggers.
Ela lidera a mais recente iniciativa do setor de alimentos no Vale do Taquari, e que tem justamente as indústrias de doces, chocolates e bebidas como protagonistas. Em junho deste ano, foi reconhecido formalmente o Arranjo Produtivo Local (APL) dos alimentos e bebidas do Vale do Taquari, e 33 empresas já aderiram.
O próximo passo da formalização do APL é garantir o enquadramento junto ao governo estadual, que poderá resultar em garantias de vantagens como incentivos fiscais para novos investimentos no Vale do Taquari. Os dados econômicos da região dão motivo de sobra para esta mobilização. Com 3% da população gaúcha, o Vale do Taquari garante 10% do valor adicionado à economia pela indústria de transformação de alimentos.
"O nosso vale é o vale dos alimentos, e há muito tempo tínhamos a intenção de formalizar esta característica, que pode ser muito favorável ao fortalecimento dos atuais negócios na região e também à atração de novos negócios vinculados a este setor", aponta a empresária.
Para Cíntia Agostini, além do espírito empreendedor, uma das chaves para explicar a realidade do Vale do Doce é o associativismo, como demonstrado no movimento para formação do APL. "Assim como no início do século XX o conhecimento que vinha com os alemães sobre a produção de doces e confeitaria era compartilhado e se multiplicava, agora, cria-se um ecossistema que se estimula permanentemente pela inovação e a busca de qualidade. O resultado é ainda maior competitividade", define.

Os peixinhos que saíam do 'cinturão baleiro'

No ano passado, para marcar a tradição de 85 anos da família na produção de balas, os filhos dos atuais diretores da Docile levaram adiante o projeto de lançar promocionalmente para o público local, do Vale do Taquari, as balas em formato de peixinho. Poderia ser uma ação sem maior significado se for considerado o posto conquistado em 2022, de maior exportadora brasileira de guloseimas. No entanto, o simbolismo tem muita força. Eram neste formato as primeiras balas açucaradas criadas por Natalício Heineck, a partir de 1936, e vendidas de porta em porta na região. Tudo era feito manualmente no porão de casa.
O motivo para este formato escolhido pelo avô é um mistério para o sócio-diretor Ricardo Heineck. Havia, porém, um cenário efervescente de iniciativas de imigrantes e descendentes de alemães na confeitaria. Bonn, na Alemanha, desde meados da década de 1920, havia se tornado uma referência mundial, quando a Haribo passou a produzir balas de goma no formato de ursos dançantes. "Pode ter sido uma coincidência, mas o era um ambiente de muita troca de informações e conhecimento", conta Ricardo Heineck.
É que o avô havia adquirido o conhecimento na produção de doces como funcionário daquela que provavelmente foi a primeira indústria estruturada deste setor na região, as Balas Schaan, empresa que pertencia a João Frederico Schaan, que viria a ser prefeito de Lajeado na década de 1930. Também nos tachos da Schaan se formou Amos Wallerius, que no início da década de 1950, assim como o ex-colega Natalício, empreenderia. Criou a Wallerius em Arroio do Meio.
"Neste período, Lajeado, Arroio do Meio e Cruzeiro do Sul eram frequentemente referidas como o 'cinturão baleiro'. Os alemães trouxeram o ofício da confeitaria para cá porque precisavam, ao mesmo tempo, garantir o sustento, e viam na proximidade com a Grande Porto Alegre, a partir do Rio Taquari, como uma oportunidade de comercialização. Boa parte deles era de caixeiros viajantes, com facilidade para negociação", diz o professor de gestão, e especialista em mercados, Marlon Dalmoro.
No começo da década de 1930, quando são registradas as primeiras carteiras de trabalho, a partir da criação das leis trabalhistas, o Vale do Taquari já tinha pelo menos quatro pequenas indústrias de doces com um total de dez funcionários registrados. Em todo o Interior, eram apenas sete fábricas de doces e chocolates registradas. Em comum, levavam nomes de famílias e eram artesanais.
O maior desenvolvimento doceiro estava em Porto Alegre, onde a Neugebauer, pioneira na fabricação de chocolates no Brasil a partir de 1891, já empregava mais de 400 pessoas. Havia 13 indústrias do setor na Capital. E as maiores, como a Neugebauer, buscavam na Alemanha ou no Interior confeiteiros alemães para multiplicar o conhecimento nas linhas de produção. Em Lajeado, a multiplicação na Schaan rendeu frutos a partir de Natalício, que fundou, e logo teve os dois filhos ao seu lado, a Florestal. O legado da família Heineck, no entanto, está na Docile, criada no começo dos anos 1990 pelos netos de Natalício.
"Começamos em 1991 como distribuidores de amido e xarope de glucose para a produção de balas. Meu pai nos aconselhava a não nos envolvermos cm produção, porque era muito complicado, mas era inevitável para quem foi criado dentro da indústria de doces", brinca Ricardo.
Em 1995, os irmãos iniciaram a produção de suco em pó, e em 2001, a de pastilhas de hortelã. "Havia outras gigantes no mercado, e quando oferecíamos as nossas, diziam que era a 'pastilha do Paraguai', ironicamente, há sete anos produzimos as pastilhas da Garoto, com a maior produção de pastilhas da América Latina", orgulha-se o empresário. Hoje, a Docile emprega 1,5 mil funcionários e produz 4 milhões quilos de doces por mês, e até o final de 2023, pretende chegar a 4,5 milhões, com 170 produtos na sua linha.
 

A transformação dos pioneiros

Na quinta geração à frente da Haenssgen, que chega aos seus 127 anos em Cruzeiro do Sul, foi preciso se reinventar para seguir competitiva no mercado de doces.
"Nossa marca hoje está diretamente relacionada à linha de food services, e não no consumidor final. Nos especializamos nos chamados chocolates 'formáveis', que são usados com recheios e coberturas pela indústria, restaurantes e confeitarias em geral. Também atuamos com a nossa linha zero lactose e light, com produção para terceiros", explica o diretor comercial da empresa, Maurício Haenssgen.
Herdeiro de Frederico Haenssgen, ele foi um dos envolvidos em uma transformação que não foi nada fácil. Em 2006, a tradicional empresa entrou em recuperação judicial. "Iniciamos praticamente do zero, e não é fácil uma transformação em uma empresa com a história que a Haenssgen acumula. O momento hoje é muito bom", garante. Com investimento de R$ 8 milhões em 2022 em maquinário, a empresa tem hoje capacidade para produzir 500 toneladas de chocolate por mês, com um crescimento de 30% nos últimos três anos.
A Haenssgen hoje emprega 100 funcionários, e 90% são moradores de Cruzeiro do Sul. A história da localidade, aliás, é muito relacionada com a da indústria. A empresa surgiu em 1895, e logo mobilizou o desenvolvimento do então bairro de Lajeado. A construção do hospital São Gabriel Arcanjo, em 1941, teve participação direta dos dirigentes da Haenssgen e a emancipação do município, em 1963, também.
À essa altura, a fábrica empregava mais de 400 pessoas. "Havia inclusive casas construídas pela indústria para que os trabalhadores morassem na cidade", conta Maurício. Entre os anos 1980 e 1990, a Haenssgen foi pioneira em coberturas hidrogenadas, muito antes, foi a primeira no Estado a produzir balas de goma em escala industrial. A empresa já exportou para 26 países. Hoje, o mercado da Haenssgen concentra-se nas regiões Sul e Sudeste do Brasil.

Incêndio não abalou a maior produtora de pirulitos da América Latina

Uma semana. Foi este o tempo que levou para que todas as linhas de produção da Florestal Alimentos, em Lajeado, voltassem a operar a pleno, no ano passado, após um incêndio que comprometeu 7 mil metros quadrados da fábrica, em setembro. Uma demonstração de resiliência que também ajuda a explicar a força do setor produtivo de doces no Vale do Taquari.
"Claro que abalou a todos, mas a resiliência demonstrada foi uma experiência que mostrou toda a nossa capacidade de passar pelos obstáculos e seguir prosperando", diz o gerente de marketing da empresa, Adriano Orso.
Com um investimento de R$ 53 milhões em 2022, o novo prédio da empresa já está pronto e novas linhas de produção estão chegando. Destas linhas saem, por exemplo, 750 milhões de pirulitos por mês, e fazem parte da linha mais completa de candies do Brasil, com 1.250 produtos que chegam a 82 países.
A empresa nasceu há quase 87 anos, mas foi a partir de 1994, quando a família Weiand, que migra do setor calçadista para os doces, assumiu as operações da empresa que, inclusive, dá nome a um dos principais bairros da cidade.
"Hoje temos 1.450 funcionários, e todos são do Vale do Taquari. É uma das empresas mais conhecidas e abraçadas pela população da região. Faz parte da história dos moradores de Lajeado e dos municípios vizinhos", conta Orso.
Em 2023, a produção em Lajeado terá uma novidade que representa um retorno. Durante pouco menos de 10 anos, no começo deste século, a Florestal assumiu as operações da Neugebauer, mas após este período, afastou-se da produção de chocolates. Em 2018, no entanto, a empresa adquiriu a Planalto e no ano seguinte, a Caracol, ambas da Serra Gaúcha. As produções seguem lá, mas no próximo ano, uma linha de produção que fará os chocolates da marca Florestal passarem a operar na sua planta, em Lajeado.
É a sequência de quatro anos de muita evolução da empresa histórica. Em 2020, a Florestal deu início à produção de uma nova linha de marshmallows. Em 2021, uma nova linha produtiva dedicada exclusivamente à produção de balas de goma, balas de gelatina e de pectina entrou em operação.

Os forasteiros que foram bem-vindos ao Vale do Taquari

A mais antiga fábrica de chocolates do Brasil é do Vale do Taquari. Mas ela não surgiu no Vale. Esta poderia ser a história de forasteiros que chegam a uma região tradicionalmente doceira e enfrentam a desconfiança do consumidor local, naturalmente bairrista. Mas não foi o que aconteceu com a Neugebauer sob o comando da divisão de alimentos do Grupo Vonpar, e desde 2013 instalada em Arroio do Meio.
Três anos antes, a empresa adquiriu a marca Neugebauer, que surgiu em Porto Alegre em 1891. Ao mesmo tempo, comprou a tradicional fabricante de balas, pirulitos e chicletes Wallérius, que funcionava em Arroio do Meio.
"Nosso primeiro passo foi valorizar esta história do Vale do Taquari, e este movimento, eu acredito, foi fundamental para que a comunidade nos recebesse tão bem. Os trabalhadores da antiga planta industrial da Wallerius, por exemplo, foram mantidos", conta o diretor de operações da empresa, Rogério Martins.
Ele conta que a planta industrial da Neugebauer na Capital era bastante defasada. Para manter a produção na cidade seria preciso reconstruir uma fábrica. Já a planta da Wallerius estava pronta e tinha uma área propícia para expansões. A decisão por Arroio do Meio, porém, levou em consideração outros aspectos.
"É uma região com uma infraestrutura muito boa, uma logística positiva para as intenções que tínhamos de consolidação no Rio Grande do Sul e a mão de obra desta região, na produção de doces e alimentos, é muito qualificada. Vir para o Vale foi o aproveitamento de toda essa sinergia que existe na região", comenta o diretor.
No primeiro momento, foi mantida a produção de candies da Wallerius, mas, com a evolução da Neugebauer, que projeta chegar em 2023 à capacidade produtiva de 40 mil toneladas por ano, naturalmente os chocolates agora ocupam todas as linhas da produção. Desde então, a planta de Arroio do Meio já foi duplicada, com a instalação de equipamentos modernos, trazidos da Alemanha e Itália.
Ao todo, entre as produções da Neugebauer e da Mu-Mu, a empresa emprega 800 funcionários, e dois terços deles vivem em um raio de 20 quilômetros da fábrica.
Uma relação que vai além dos trabalhadores da Neugebauer ou da Mu-Mu, também transferida de Viamão para Arroio do Meio, com uma produção de pelo menos 18 mil quilos de doce de leite diariamente. O incentivo aos fornecedores locais do leite é permanente.
Segundo Rogério Martins, diariamente descarregam na fábrica um ou dois caminhões-tanque de leite fluido produzido no Vale do Taquari, para a produção do doce de leite. E para o chocolate, o fornecimento é de leite em pó, que também vem da bacia leiteira do Vale do Taquari. "É um sistema que se fortalece em conjunto. Nós sempre pensamos desta forma desde que optamos pelo Vale do Taquari", garante o diretor.

Bacia leiteira da região é fundamental para o abastecimento das indústrias

Entre os elementos que fortalecem a vocação do Vale do Doce está uma das maiores produções agrícolas da região. Está no Vale do Taquari a terceira maior bacia leiteira do Rio Grande do Sul. Somente na Cooperativa Languiru, que é considerada a maior empresa da região, diariamente são recolhidos 400 mil litros de leite em todos os municípios do Vale do Taquari, produzidos por mil famílias cooperadas.
Boa parte do destino deste leite é justamente a indústria dos doces, especialmente o chocolate e o doce de leite.
"Nós fornecemos leite in natura para diversas empresas deste ramo, entre elas, a Neugebauer. Este é um negócio que interessa muito ao produtor, porque agrega valor ao leite. O que o produtor recebe para fornecer a matéria-prima do chocolate, por exemplo, é superior ao que recebe para endereçar o produto ao varejo. É uma cadeia toda que se movimenta e fortalece quando os produtores de doces crescem", avalia o gerente de fomento do setor de leite da Languiru, Mauro Aschebrock.
E para crescer, assim como a indústria final dos doces, é preciso inovar. Na Languiru, desde 2019 a rastreabilidade completa da produção do leite é uma realidade que faz a diferença no momento de fornecer o seu produto.
A própria cooperativa tratou de aproveitar este potencial. Há quase 20 anos produz em Teutônia suas próprias marcas de doce de leite, creme de leite, nata e achocolatado, chegando atualmente a uma capacidade de produção de 1,4 milhão de litros de derivados de leite por mês. Toda a produção é oriunda das famílias leiteiras do Vale do Taquari.
E, segundo o gerente de varejo da cooperativa, Robson Souza, isso faz diferença nas prateleiras dos supermercados mantidos pela Languiru.
"Os moradores valorizam muito o produto que é nosso, da nossa região. Ele é resultado de um padrão muito regular e alto", diz. A nata produzida por eles, por exemplo, é a base para muitas outras produções confeiteiras pela região.

Sorvetes também movimentam o Vale

O leite também garante a movimentação dos sorveteiros, que representam um importante eixo do Vale do Doce. Entre as 41 indústrias relacionadas entre as participantes da Associação Gaúcha de Gelados Comestíveis (Agagel), sete são do Vale do Taquari. E, segundo Martin Eckerdt, que criou a associação, há ainda outras que nunca se associaram.
Em janeiro de 2023, a Sorvebom, fundada por Eckerdt, completará 40 anos em Lajeado. Quando ele comprou uma pequena máquina que pertencia a uma sorveteria de mesmo nome, em Carazinho, a capacidade de produção era de apenas 100 litros por hora. No verão, chegava a um máximo de 300 litros de sorvete produzidos por dia. Hoje, com uma fábrica moderna reconhecida pela sua sustentabilidade, a Sorvebom tem capacidade de produzir 5 mil litros de sorvetes e 5 mil picolés por hora. A meta é chegar ao final do verão tendo produzido 2,5 milhões de litros de sorvete durante os meses da estação mais quente.
"Quando eu comecei esse negócio, eu não sabia o que estava comprando. Mas sou um empreendedor nato, e vi naquele momento uma grande chance", conta o empresário.
E mesmo que ele fosse um novato no ramo de sorvetes, tem um traço em comum com os demais empreendedores dos doces no Vale do Taquari. As receitas a partir de frutas para as bases dos sorvetes que ainda hoje são o diferencial da Sorvebom foram ensinadas pela sogra, como uma tradição familiar.
Lá em 1983, Martin resolveu abrir a sua sorveteria em Estrela, porque temia a concorrência. Na época, havia duas grandes sorveterias em Lajeado. Meses depois, já estava instalado no local onde até hoje está a principal loja deles, em Lajeado. Em 1994, foi pioneiro no interior gaúcho na implantação do bufê de sorvetes. Em 2009, foi inaugurada a fábrica, também em Lajeado.
Empregando 110 pessoas entre a fábrica e as lojas, a Sorvebom hoje tem a chamada "indústria amiga", pelo design e principalmente pelas certificações que conquistou ao longo dos últimos anos. Foi a pioneira em implantar o ISO 22000, e atualmente é certificada com o FSC 22000, que garante, entre outros atributos, a rastreabilidade plena de todos os seus produtos.
"Somos muito bairristas neste aspecto. Nossos insumos vêm, em primeiro lugar, do Vale do Taquari. Desde os laticínios, dos nossos fornecedores da região, até as frutas que, inclusive, incentivamos o cultivo aqui no Vale", conta Eckerdt.

Aposta no produto diferenciado

A Divine, de Encantado, já surgiu para fazer diferente no Vale do Taquari com tantas concorrentes consagradas. Há 11 anos, o casal José Mario e Maria, que formam a Turatti e Turatti, tinha o desafio de suprir a necessidade de coberturas em chocolate para os sorvetes Sabory, empresa da mesma cidade, da qual são sócios. Tornariam-se fornecedores da própria fábrica de sorvetes, mas foram muito além.
"Eles partiram em busca de conhecimento, conheceram todos os processos de produção do chocolate e logo perceberam que o caminho certo não seria concorrer com os grandes deste mercado. Então, inovaram, pensando, de fato, no chocolate acessível a todos", conta a gerente da marketing da Divine, Verônica Dadalt.
Maria Turatti tem restrições alimentares ao glúten, e a partir do caso dela, eles desenvolveram as pesquisas e o produto diferenciado. A linha de produção em Encantado é totalmente livre de glúten. Os produtos da Divine não têm gordura hidrogenada e o chocolate é produzido somente com manteiga e licor de cacau. Com o teor de concentração do cacau muito superior ao exigido pelo mercado.
Também são produzidas as linhas zero açúcar e zero lactose. Todos os produtos que têm acima de 50% de cacau não levam leite, por exemplo, O resultado tem sido extremamente positivo. Nos últimos anos, a Divine tem se consolidado como presença garantida em feiras internacionais de alimentos. A cada ano, a empresa experimenta entre 30% e 40% de aumento das vendas. Os produtos chegam a 19 estados e sete países, especialmente na América do Sul, Nova Zelândia, Catar e Arábia Saudita.
"É visível que o público está em busca do produto diferenciado. Nós conseguimos oferecer um chocolate que permite que todos consumam sem medo ou restrição", explica Verônica.
Na fábrica de Encantado, trabalham mais de 200 funcionários, todos moradores da cidade ou dos municípios vizinhos, no Vale do Taquari. Dali, saem até 15 mil quilos de chocolates por dia.
 

O refri que une a região do Taquari

Muitas das empresas doceiras do Vale do Taquari têm suas histórias intimamente ligadas ao desenvolvimento dos municípios em que estão instaladas. Mas poucas dessas indústrias têm no DNA tanto a integração da região quanto a Fruki.
Originária de Arroio do Meio, em 1924, a empresa migrou para Lajeado e, neste ano, iniciou as obras de uma segunda fábrica, em Paverama. "Somos do Vale do Taquari, mas pensamos no Rio Grande do Sul e no mundo", garante a CEO da empresa, Aline Eggers.
Uma visão empreendedora que inicia durante o período da Primeira Guerra Mundial. Emílio Kirst era um colono com uma propriedade de sete hectares em Arroio do Meio, que tinha por ofício uma especialidade em obras de engenharia. Foi contratado pelo município para construir uma ponte de ferro que ligaria Lajeado a Forquetinha. A ponte ainda está lá.
Ao final da obra, porém, Emílio adoeceu, mas não desistiu dos planos de empreender pelo desenvolvimento daquela localidade. Decidiu que construiria um pequeno hospital em Arroio do Meio. Não deu certo, mas ele encontrou um livro que ensinava a arte da cervejaria. Surgia a Cervejaria Bela Vista, que em 1935 já havia entrado para o hall das empresas de doces da região, produzindo o refrigerante Kirst e Cia.
Já em 1971, com o lançamento da marca Fruki, a inaugurou a fábrica em Lajeado. Hoje, a Fruki emprega pelo menos 950 pessoas e, com sete linhas de produção, fabrica 420 milhões de litros por ano. Em Paverama, somente com uma linha, ampliará em mais 200 milhões de litros a sua capacidade.

*Eduardo Torres é jornalista, com passagens pelos jornais Zero Hora, Diário Gaúcho e Correio de Gravataí.