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Responsabilidade Social

- Publicada em 10 de Setembro de 2022 às 19:24

Boca de Rua denuncia problemas sociais

O jornal é a fonte de renda das pessoas em situação de rua

O jornal é a fonte de renda das pessoas em situação de rua


LUIZ ABREU/DIVULGAÇÃO/JC
Nas terças-feiras à tarde, religiosamente, na Vila Cabo Rocha, acontecem reuniões de pauta. Diferente do formato de uma redação jornalística tradicional, os cerca de 30 integrantes do jornal Boca de Rua sentam em uma roda de forma que todos possam se olhar nos olhos.
Nas terças-feiras à tarde, religiosamente, na Vila Cabo Rocha, acontecem reuniões de pauta. Diferente do formato de uma redação jornalística tradicional, os cerca de 30 integrantes do jornal Boca de Rua sentam em uma roda de forma que todos possam se olhar nos olhos.
Neste momento, surgem as ideias para a edição publicada trimestralmente. Há 21 anos, o projeto faz circular pelas ruas de Porto Alegre um jornal pensado, produzido e escrito por pessoas em situação de rua. Os integrantes se autointitulam doutores em "rualogia", pois conhecem e vivenciam essa realidade.
Michele Aparecida Marques dos Santos tem 39 anos e faz parte do Boca de Rua há mais de 20 anos. Neste longo período, a iniciativa foi e continua sendo a sua forma de trabalho e de sustento. "É uma oportunidade que eu tive de conseguir uma renda pra mim como em qualquer serviço. Eu vivo do jornal, e assim como eu, muitos aqui vivem disso hoje em dia".
Com o custo de R$ 3,00, o valor das vendas dos exemplares é convertido para os próprios participantes da equipe, que os comercializam nas ruas da Capital. O grupo é autogerido e todas as decisões são tomadas em conjunto. Possuem inclusive, leis e regras determinadas, que são cumpridas por todos.
Para Michele, o Boca - como é carinhosamente chamado -, possui um reconhecimento da população e serve para denunciar aquilo que acontece com quem vive nas ruas mas que não recebe a visibilidade necessária.
"Logo que o jornal começou, em 2001, era discriminado. Nem chegavam perto da gente quando íamos oferecer. Agora, com esses 21 anos de história, o Boca de Rua é conhecido no mundo todo. A gente mostra para a sociedade como a gente está vivendo. Eles pensam: 'em que parte desta situação que eu li aqui nessa matéria eu posso ajudar?", diz.
A história do projeto cruza com a história da ONG Alice - Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação. O coletivo autônomo, que busca o direito à comunicação, é quem auxilia na edição e diagramação do jornal. Apesar de o Boca de Rua ser a única ação permanente da Alice, a organização já atuou com outros grupos sociais como presidiários e jovens da periferia - sempre com a missão de promover uma comunicação democrática.
A jornalista Rosina Duarte, uma das fundadoras da ONG, e editora do Boca de Rua, acredita que a palavra "juntos", é a que melhor define o projeto. "O Boca surgiu dessa proposta de mostrar pra sociedade, a realidade de grupos que não são vistos, que só aparecem na mídia episodicamente", afirma.
Foi em agosto dos anos 2000 que o grupo teve início. Na praça Dom Sebastião, Rosina Duarte e Clarinha Clock faziam ações com uma turma de moradores de rua recém-saídos da adolescência, quando a ideia do jornal partiudeles mesmos. Tanto o nome quanto a logo, desenhada por um dos meninos em cima de um banco da praça, foram construídos por eles. A primeira publicação aconteceu um ano depois, no Fórum Social Mundial de 2001.
"Tinha dias que a gente chegava e a gurizada estava muito sofrida, com muitos problemas. Era uma época de muito sofrimento, uns morriam ou eram presos, ou chegavam com uma bala na perna. Mas, aos poucos, o grupo foi se organizando", comenta Rosina.
 

Jornal é o único no mundo integralmente escrito pela população em situação de rua

O Boca de Rua integra a Rede Internacional de Publicações de Rua (International Network of Street Papers - INSP), entidade que reúne jornais e revistas vendidos por populações em situação de risco de 40 países. Porém, de todo o mundo, é só no Boca que os conteúdos são produzidos pelos próprios moradores de rua.
Em 2020, a publicação foi assunto de audiovisual. O filme "De Olhos Abertos", da diretora e roteirista Charlotte Dafol e lançado pela Alice, conta toda a história do projeto, com relatos dos integrantes. O documentário já foi indicado, inclusive, em várias premiações mundiais.
Em breve, o Boca de Rua vai ganhar um novo espaço para sediar as suas reuniões. O grupo está se organizando para que uma casa abandonada na Azenha, comprada com a ajuda de doadores, se torne a nova sede do jornal e da Alice. O local, que está sendo reformado, será também um ponto de cultura e contará com mostras e exposições artísticas.