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Santa Catarina e Paraná suprem demanda gaúcha por erva-mate
Cerca de 14 mil famílias estão hoje envolvidas com a produção da planta no Estado
Iuri Müller, especial para o JC*
economia@jornaldocomercio.com.br
No livro "História econômica do mate", publicação de 1969 e há tempo esgotada nas livrarias, o escritor e pesquisador Temístocles Linhares escreveu que "(a produção gaúcha do mate), com o aumento da população regional, passou a ser totalmente absorvida por ela, como ocorre hoje, não dispondo o estado de produção suficiente para se auto abastecer".
Na sequência, amplia Linhares que "suprem assim as faltas os estados de Paraná e Santa Catarina, não só com o mate em rama, para ser moído nos soques locais, como também com o mate beneficiado". Mais de cinquenta anos depois, a constatação do autor paranaense continua correta. O Rio Grande do Sul ainda é um estado que, apesar da enorme produção, consome mais chimarrão do que prepara a erva em suas empresas e indústrias.
Ilvandro Barreto, engenheiro agrônomo da Emater/RS-Ascar, explicou à reportagem algumas das semelhanças e diferenças entre os modelos produtivos hoje vigentes no sul do país: "no Rio Grande do Sul, a produção é menor que o consumo; Santa Catarina e Paraná possuem produção bem superior ao seu consumo. Os sistemas produtivos, em todos os estados, passaram pelo extrativismo, tanto da erva-mate nativa no interior de florestas como na região dos campos. Hoje, com a evolução tecnológica, há áreas cobertas por florestas em que a erva-mate se insere (casos de Santa Catarina e Paraná) e áreas de cultivos abertos, de áreas implantadas, que é basicamente o que ocorre no Rio Grande do Sul e no Mato Grosso do Sul. São diferenças significativas".
A produção gaúcha de erva-mate, hoje, se dá principalmente ao redor de cinco polos ervateiros: o polo Celeiro-Missões, que engloba a região de Palmeiras das Missões; o do Alto Uruguai, que tem como centro as áreas de Erechim e Barão do Cotegipe; o polo Nordeste Gaúcho, em que se situa a cidade de Machadinho; o do Alto Taquari, zona que reúne as produções de Arvorezinha, Ilópolis e Putinga; e, ainda, o polo dos Vales, no qual está presente a região de Venâncio Aires, conhecida como a capital nacional do chimarrão. As cinco regiões apresentam não só diferentes características ambientais, tais como as de altitude, relevo e solo, como se diferenciam pelas práticas de produção que ali se dão. "Também há diferenças pela forma de condução dos seus ervais e pela gestão do setor ervateiro", explica Barreto.
"Cerca de 14 mil famílias estão hoje envolvidas com a produção de erva-mate no Estado; dessas, quase 5 mil já se encontram num estágio de profissionalização na produção da erva", estima o engenheiro agrônomo, que prevê desafios para a manutenção do trabalho no campo e modificações na distribuição dos ervais para o futuro próximo. "Vemos uma tendência de redução de produtores trabalhando com erva-mate, principalmente os que possuem baixa tecnologia e produtividade, os que não se profissionalizaram. Há ervais que não terão viabilidade econômica para a sua manutenção", afirma Barreto. Por outro lado, os números recentes apontam para um aumento da produtividade nos ervais gaúchos.
Hoje, a produção gaúcha média (estimada em 650 arrobas por hectare em cada ciclo produtivo) é superior à média do mate nacional, em números que encontram grande oscilação mesmo dentro do Rio Grande do Sul. "Há propriedades gaúchas que já passaram de 2.000 arrobas de erva-mate por hectare, então existem distanciamentos muito grandes de um produtor para outro quanto à produtividade e aos ganhos. Isso se explica por razões tecnológicas e por operações técnicas realizadas nos ervais", detalha Ilvandro Barreto.
Quanto à localização dos ervais plantados no território rio-grandense, para Barreto a concentração da erva-mate em áreas montanhosas, de declives e morros, pode se modificar para que a produção siga crescendo. "É possível prever um movimento inverso, de recolocar a erva-mate em áreas maiores e que hoje estão ocupadas por cultivos agrícolas como soja e milho. Isso configuraria uma mudança no sistema de produção, pois também implicaria na mecanização dessas áreas. A tecnologia já existe, embora no Brasil não tenha entrado", explica o engenheiro agrônomo, que menciona a região ervateira argentina (situada nas províncias de Misiones e Corrientes) como mais avançada nos processos de mecanização nos ervais.
Segundo dados da Fiergs atualizados em 2019, o Rio Grande do Sul é o estado brasileiro com a maior produção absoluta de erva-mate (45,1% do todo nacional), embora dedique à erva praticamente a mesma área plantada que o Paraná (39%). Os ervais gaúchos também são os que mais alcançaram as exportações: de acordo com a Fiergs, mais de 80% da erva-mate brasileira exportada em 2019 saiu da indústria do Rio Grande do Sul. A liderança no cenário da exportação também se mantém para 2022, segundo dados de março e abril deste ano veiculados pelo informativo Roda de Mate, organizado pelo governo do estado.
Do passado missioneiro à tecnologia nos ervais
Desde o Século XVI, os registros, documentos e depoimentos narram trajetória da erva-mate cercada por superstições, proibições de uso, trabalho escravo e livre, multiplicação do consumo, tentativas de inserir o produto em mercados além-mar e inserção da bebida como elemento próprio da rotina, entre outras dobras, avanços e recuos de uma caudalosa viagem sempre por recomeçar.
Os primeiros séculos da história documentada da erva-mate na América meridional ganharam, neste primeiro semestre de 2022, um aporte bibliográfico de peso. "Mateando: os ervais dos povos indígenas" é o quarto volume da série "A Fronteira", trabalho de fôlego do historiador gaúcho Luiz Carlos Tau Golin, publicado pela editora Méritos, de Passo Fundo. Em "Mateando", Golin recorre ao farto material deixado principalmente pelos jesuítas que, há mais de quatrocentos anos, trataram de levar adiante o projeto missioneiro nas áreas hoje formadas pelos estados do Sul do Brasil e por territórios da Argentina, do Paraguai e do Uruguai.
"Mateando" se abre para distintas vozes que, à época, e ao menos quanto às primeiras impressões estrangeiras sobre o consumo da erva, eram vozes céticas e desconfiadas. O jesuíta francês Nicolás del Techo, por exemplo, escreve sobre a sua experiência sul-americana (viveu entre terras argentinas, paraguaias e brasileiras entre 1640 e 1685, ano da sua morte) em meio aos indígenas mateadores: "iniciou-se a conhecer o valor das folhas que pertencem a certas árvores que espontaneamente crescem em sítios húmidos e são conhecidas pelo nome de Erva do Paraguai. Estas folhas, uma vez tostadas e reduzidas a pó, se misturam com água quente, e, assim, resulta um licor que tanto os espanhóis como os índios tomam várias vezes ao dia, tendo a propriedade de excitar o apetite".
Nicolás del Techo, no documento citado por Luiz Carlos Golin, passa do reconhecimento dos ainda supostos benefícios da erva para o espanto e a desconfiança que naquele momento do século seguia existindo ao redor da bebida. Relata o jesuíta que "muitas são as virtudes que se atribuem à referida erva; reconcilia o sono; também acalma a fome que a estimula e favorece a digestão; repara as forças, incute alegria; cura várias doenças.
Os que se acostumam a ela não podem passar sem usá-la. E afirmam que se deixarem tal hábito se debilitariam e não poderiam prolongar a existência; e de tal maneira os domina este vício que se não podem adquirir normalmente a referida erva, vendem tudo o que têm para consegui-la". O missionário francês ainda anota que a erva-mate exige a mesma prudência que o vinho e que não raro ela levava à indigência os que não conseguiam consumir o licor com a necessária cautela.
Outro jesuíta, o espanhol Martín Javier de Urtasun, menciona no começo do século XVII o uso da chamada "Erva do Paraguai" e explica como se dava o processo de produção, em trecho citado no quarto volume de "A Fronteira": "chamam-na assim (Erva do Paraguai) os espanhóis impropriamente, porque é uma folha de uma árvore que se parece à laranjeira, e o indígena a chama de Caa. Nasce essa árvore espontaneamente por todos aqueles montes, que são grandíssimos, e não se cultiva. Cortam as ramas dos galhos, tostam-nas na chama do fogo. Depois, a folha tostada cai; moem-na. E, assim, a trazem para vender em grande quantidade (na cidade de Assunção)". Outro padre jesuíta, no mesmo período, cita em um informe anônimo o uso "odioso" da erva por espanhóis, índios e mestiços, e menciona a proibição da bebida, autorizada unicamente "com licença de médico".
Em entrevista à reportagem, Tau Golin conta que a erva-mate ficou conhecida primeiramente por meio dos guaranis: "o contato se deu através do Rio da Prata, subindo ao rio Paraná e ao Paraguai. Foi nesse território, na bacia do Paraná, que se deu o contato com os indígenas que consumiam essa erva que, na verdade, não é uma erva. É um produto extraído de uma árvore, com toda uma tecnologia envolvida. Esse produto os espanhóis chamaram inicialmente de 'Erva do Paraguai', porque os contatos se deram na então província do Paraguai". Se a palavra erva foi uma imprecisão que resistiu à passagem do tempo, o termo mate tem origem ainda mais antiga e se refere mais ao instrumento que à bebida em si. Esclarece Golin que "a erva era preferencialmente tomada em cabaças, o porongo, mas os indígenas também tomavam em recipientes de cerâmica, em chifres de animais, nem sempre utilizando o canudo, que hoje chamamos de bomba. A cabaça já era muito conhecida no império inca, e o nome desse recipiente, em quéchua, era mate. Mate, então, era a bebida que se tomava nessa cuia de porongo".
Da proibição à disseminação por diferentes setores
Ainda no século XVII, para além das tentativas de proibição por parte dos funcionários do sistema colonial, o uso da erva-mate se dissemina por diferentes setores da população. Os indígenas que já bebiam o produto extraído dos ervais nativos seguem tomando; soldados provam a erva, percebem os benefícios da bebida estimulante e a incorporam ao hábito; os jesuítas se aproximam do mate e passam a compreender os processos produtivos junto aos ervais.
Algo se quebra na superstição inicial e as proibições em curso no que diz respeito à erva-mate se esvaem por dois motivos principais: porque já não seria possível controlar o alastramento do uso entre as populações e porque são constatados os possíveis ganhos econômicos na extração das folhas e galhos da caa.
"Havia uma espécie de maldição em torno da erva porque ela fazia parte dos rituais dos pajés e era usada como rapé e em momentos de transe", afirma Tau Golin. "Para os padres, a erva era uma influência maligna, e foi chamada popularmente, nos inícios, também de 'Erva do Diabo'. Havia uma série de punições para aquele que usasse a erva em público. Mas isso foi sendo quebrado, porque foi percebido por encomenderos (proprietários de terras concedidas pela metrópole), soldados, mestiços, que não havia bebida melhor. A população vai assim aderindo ao mate", explica o historiador.
Ao mesmo tempo, a estrutura colonial acaba por perceber que os ervais nativos, situados nas terras altas dos territórios do sul, poderiam compensar uma ausência. Em uma terra desprovida de minas, a extração das folhas que serviam para a preparação de uma bebida tão estimada poderia resultar em poderosos lucros para quem liderasse a exploração nos montes e florestas.
A posição da erva-mate como item valioso no mercado colonial modifica e reorganiza as relações de trabalho, a organização dos povoados e as tensões entre jesuítas e funcionários do Reino. Milhares de indígenas serão enviados para o trabalho forçado nos ervais, alguns de difícil de acesso, e penarão sob as exigências desumanas dos encomenderos.
Por outro lado, os jesuítas tentam impedir a servidão e organizar o trabalho dos ervais para o benefício econômico e social das primeiras reduções, num desproporcional embate entre forças do período. "Era preciso ter conhecimento, ciência, para explorar os ervais, transformar as folhas em erva-mate e colocar no mercado; para isso se precisava de mão de obra e do conhecimento indígenas. Povos e povos foram submetidos à produção de erva-mate, milhares morreram neste trabalho em serras íngremes e frias. O paradigma (econômico) era a erva-mate", relata Golin.
Os ervais nativos, dessa forma, se constituíam como uma das principais fontes de renda do período missioneiro. Para frear a servidão já mencionada, os jesuítas buscaram amparo junto ao Reino, obtendo para as Missões conquistas intermitentes. Ainda no século XVII, para proteger os indígenas das jornadas infinitas de trabalho nas serras sob o mando dos encomenderos, conseguiu-se que os indígenas reduzidos - isto é, que viviam sob a organização das Missões jesuítas - fossem considerados súditos do Reino, garantindo assim alguma sorte de proteção. Mas, para tanto, os indígenas cristianizados e integrados precisavam pagar impostos à metrópole - e o comércio da erva-mate em boa parte do território colonial se tornou um dos meios mais utilizados para alcançar tal suporte econômico.
"Essa taxa era cobrada em moeda, não em produtos, o que obrigava os missioneiros a vender a erva-mate, transformá-la em dinheiro e então pagar ao rei. Era uma operação desgastante, terrível, que envolvia levar a erva a Buenos Aires, a Assunção, e quem se encarrega dessa venda nos mercados das capitais são os procuradores dos padres. Vendiam em grandes quantidades, para distribuidores, e com isso os procuradores pagavam a taxa de súdito dos indígenas e compravam o que era necessário para as reduções, ferro, tecidos que não eram produzidos ali, materiais para as igrejas, por exemplo", afirma Golin.
A leitura de "Mateando" mostra como a história das Missões jesuítas se mescla e se confunde com a história da própria erva-mate, intercalando períodos de perseguições, exploração econômica, saídas diplomáticas e momentos de relativa autonomia e avanço. A localização dos ervais nativos, justamente, acabaria por se tornar condição essencial para a formação de novas localidades missioneiras no Sul do continente americano.
O volume 4 de "A Fronteira", dedicado à história da erva-mate, se encerra com a consolidação dos Sete Povos das Missões no que viria a ser o estado do Rio Grande do Sul, mas a obra ganhará desdobramentos. Um segundo tomo completará a investigação proposta pelo volume, que se ocupará do apogeu da atividade missioneira no século XVIII. "O século XVIII é o auge das Missões, até a crise da Guerra Guaranítica. Acompanho no segundo tomo as ocorrências do mercado internacional, porque a erva-mate se consagra como remédio, é exportada para a Europa como grande descoberta, uma descoberta exótica que médicos, viajantes e militares de passagem pela América meridional propagam, pois voltam à Europa viciados em erva-mate. As tropas missioneiras também fazem uma grande difusão da erva. A tensão segue até a expulsão dos jesuítas, em 1767, e então começa o processo de autonomia da erva-mate, administrada agora pelos chamados Povos de Índios. O segundo tomo chega até a virada para o século XIX", discorre Golin.
Século XX começa com investimentos em busca de melhores resultados de produção
As primeiras décadas do século XX começam a apresentar ao beneficiamento da erva-mate novos aportes da tecnologia que permitem melhores resultados na produção e no estado final do produto. Várias dessas práticas foram integradas aos processos produtivos e aperfeiçoadas ao longo dos anos.
O pesquisador Marcos Gerhardt, professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), aponta três técnicas distintas que, no período, coexistiam como formas de secagem e beneficiamento: "o carijo, primitivo e rudimentar, que expunha as folhas e ramos diretamente ao calor do fogo e à fumaça, adquirindo o sabor marcante desta; o barbaquá, que possui um separador de calor e fumaça, diminuindo o contato desta com a erva, mas não eliminando completamente o problema; e o cilindro de secagem, que é o processo atual no qual se evita todo o contato da fumaça com a erva. Nas três tecnologias existe, de modo decrescente, o risco de contaminar a erva com benzopireno, uma substância nociva à saúde humana, isto é, mais no carijo e muito menos no cilindro", descreve Gerhardt.
Os avanços tecnológicos da virada do século dividiram espaço com tentativas, públicas e privadas, de expandir as vendas da erva-mate para além dos tradicionais mercados, campo reduzido aos países que tradicionalmente se valiam da erva.
O pesquisador da Universidade de Passo Fundo afirma que "foram diversas as tentativas de ampliar o consumo e o mercado. Governantes e produtores se esforçaram para isso e adotaram a propaganda como a principal estratégia. Nos arquivos de documentos fora do Brasil, pude encontrar vários materiais de propaganda do mate escritos em inglês e alemão, por exemplo".
Gerhardt conta que "um argumento muito usado nessa divulgação foi o benefício do mate para a saúde. Houve algum exagero na propaganda, que apresentava o mate com qualidades e princípios que iam além do que se podia esperar dele, como um remédio ou como um alimento".
É certo que, apesar das expedições europeias, que apresentaram a erva para potenciais consumidores e conquistaram pequenos espaços, o consumo massivo da erva-mate permaneceu enraizado no sul do continente americano.
"Parte da população que consumiu a bebida ao longo da história viveu nas regiões produtoras, ou seja, nas florestas ou próximo delas. Outra parte dos consumidores habitava regiões de campo, onde não havia produção de mate e o comprava em expressiva quantidade. De qualquer modo, o grande consumo sempre ficou restrito à América meridional", esclarece o historiador.
De origem indígena e sul-americana, a erva-mate atravessou as décadas em peregrinações econômicas e geográficas, sem nunca se desvencilhar de determinados lugares, que não por acaso remontam aos começos: várias das províncias argentinas, os estados do Sul do Brasil, o Paraguai e o Uruguai, entre outras faixas territoriais e brechas de mercados.
Exploração descontrolada e novos mercados marcam o século XIX
Com o hábito da erva-mate disseminado pelos territórios emergentes da América do Sul, o novo século apresentará, para o percurso histórico do mate, alterações significativas nas práticas de produção, na preservação dos ervais nativos e nas tentativas de encontrar novos públicos para o consumo do produto.
O pesquisador Marcos Gerhardt, hoje professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), defendeu em 2013 a tese de doutorado intitulada “História ambiental da erva-mate” junto à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na pesquisa, Gerhardt examina as condições ambientais relacionadas à erva-mate no período que se estende do começo do século XIX até os anos 1930.
“A principal mudança ao longo do século XIX e na virada para o século XX, até a década de 1930, foi a rápida redução dos ervais nativos, que desapareceram na mesma velocidade do desmatamento e de sua intensa exploração para abastecer o mercado consumidor de madeira e de erva-mate”, afirma o pesquisador, que assinala que as tensões ambientais já envolviam a sociedade civil e se infiltravam no debate político de então.
“Diversas foram as queixas, as denúncias e os relatos de destruição dos ervais nativos. As câmaras municipais, ainda no século XIX, tentaram regular o extrativismo do mate e conservar os ervais, mas as medidas adotadas foram insuficientes”, explica.
Segundo Gerhardt, as dificuldades para a conservação dos ervais não se limitaram ao Rio Grande do Sul, mas abarcaram os estados de Santa Catarina e Paraná, além de territórios da Argentina e do Paraguai. A zona ervateira, em sua extensão para além das fronteiras, começava a ter a sua sobrevivência ameaçada pela exploração descontrolada nas florestas.
No período estudado pelo pesquisador, a erva-mate manteve o seu protagonismo como um dos eixos mais relevantes da economia regional. Modificavam-se as formas de produção, novas técnicas surgiam e outros eram os recursos para a comercialização do produto, mas a importância da erva para a economia gaúcha seguia vigente, acompanhada agora pelo desafio da preservação ambiental.
“As duas atividades mais rentáveis no Rio Grande do Sul do século XIX eram a pecuária e o extrativismo da erva-mate. Em geral e de modo simplificado, os proprietários de terras de campo se dedicavam à pecuária extensiva, enquanto a população mais pobre vivia, principalmente, da pequena agricultura, da pequena pecuária e da extração do mate nas florestas que cobriam parte da província. Essas florestas, mesmo sendo exploradas economicamente, não deixaram de existir antes do século XIX, pois o extrativismo não inviabilizava sua continuidade”, afirma Marcos Gerhardt.
Distinção entre tipos de folhas e de produção ditam regras de mercado
A distinção entre a erva-mate pura folha e a erva mesclada com outras partes da planta está presente desde (ao menos) o período missioneiro; tal diferença era central para o comércio da época. “A erva missioneira era de muito valor. As Missões produziam também a erva inferior, a chamada erva de paus, mas a erva de consumo dos indígenas era a erva pura folha. O modo de produção indígena da erva-mate envolvia toda a aldeia. A delicadeza da produção estava nas mãos das mulheres e crianças, são elas que desbastam os galhos depois do sapeco e selecionam o que irá para a moagem. Os colonizadores produziam uma erva inferior porque não contavam com um número tão grande de pessoas no processo; então pedaços de galhos, de talhos, iam junto. Era uma erva com valor mais barato, a erva de paus, enquanto a caamini, na língua guarani a pura folha, era uma erva mais sofisticada. É uma questão de sabor, de gosto”, explica Luiz Carlos Golin.
* Iuri Müller é jornalista formado pela UFSM e doutor em Letras pela PUCRS. Foi repórter do jornal Sul21 e editor do site Impedimento, entre outros trabalhos.