Somente as parcelas das dívidas dos produtores rurais gaúchos com vencimento em 2025 somam mais de R$ 30 bilhões. O montante representa mais de 25% do total do passivo, que supera os R$ 113,6 bilhões em contratos junto ao Banco do Brasil, Banrisul, BRDE, Santander, Sicoob e Sicredi, conforme levantamento feito pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) há cerca de um mês. E, com esse volume em jogo, entidades do setor e o governo federal tratam da renegociação do passivo em uma mistura entre jogos de Paciência e Xadrez.
Nesta quarta-feira (23), a suspensão e o alongamento das dívidas foi assunto de uma reunião virtual entre técnicos das federações da Agricultura (Farsul), dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS), das Cooperativas Agropecuárias (FecoAgro-RS) e da Ocergs com representantes dos Ministérios da Fazenda, da Agricultura (Mapa) e do Desenvolvimento Agrário (MDA). No encontro, o governo avisou que o Conselho Monetário Nacional (CMN) irá publicar uma resolução ampliando o leque de contratos passíveis de prorrogação dos pagamentos conforme o Manual de Crédito Rural para operações de custeio, atualmente restrito a 8% dos contratos pelo Pronaf. A medida abarcará também empréstimos pelo Pronamp e demais produtores.
A reunião ocorreu na sequência de encontro realizado na terça-feira, na Farsul, da qual participaram as superintendências estaduais de agentes financeiros envolvidos na negociação. A conversa havia sido alinhada na semana passada, quando o secretário de Política Econômica da Fazenda, Guilherme Mello, condicionou a interrupção da cobrança da parcela que vence em abril à elaboração de um diagnóstico detalhado sobre as perdas e avisou que o benefício não será concedido de forma geral, mas limitada.
Conforme a Fetag, a resolução do CMN seria uma medida inóqua, já que não há fonte de recursos financeiros disponível para suportar a prorrogação dos pagamentos. E, sem isso, a tendência é de os bancos, que têm autonomia para decidir, não aceitarem os pedidos dos produtores.
A entidade vê com muitas reservas os movimentos do governo federal, que estaria arrastando a negociação. Afinal, os próprios números exigidos pela União para que fossem apresentados pelo setor, consolidando o montante e o perfil da dívida, já são de domínio do governo. E a decisão sobre o atendimento ao pleito do agronegócio do Rio Grande do Sul é mais política do que técnica. Mas, sem o acolhimento do ministro Fernando Haddad, o tema não avança, avaliam fontes ouvidas pela reportagem.
Ainda assim, foram levadas à reunião algumas ideias já aventadas. Uma delas, apresentada pelo governo gaúcho, contempla o uso do Fundo Social do Pré-Sal para a criação de um fundo de investimentos gerido pelo Banco do Brasil (BB), com repasse de recursos às cerealistas e cooperativas, que emprestaram dinheiro ao setor, e também aos produtores.
Esse tema não prosperou no encontro. Mas, ainda à noite, estava prevista conversa entre Haddad, senadores gaúchos e representantes do agronegócio para tentar avançar nas conversas.
“O problema é que conversar com os representantes dos bancos do RS não resolve muito. Eles escutam nossos argumentos, nos ajudam a estratificar o perfil do endividamento e a atualização desses R$ 113 bilhões apurados em março, como quer a União, mas não passa disso, observou o secretário-executivo da Fetag-RS, Kaliton Prestes, antes de ingressar na reunião virtual.
Segundo ele, o principal complicador para os produtores são as sucessivas perdas nas lavouras. Esse é o quinto ano consecutivo em que os produtores enfrentam dificuldades climáticas, frustrações de safra e de receita.
"A questão não se restringe a esta safra ou à passada. Há um acúmulo de passivos, o que torna a situação muito complicada”.
Para o economista-chefe da Farsul, Antonio da Luz, que participou da reunião virtual, a resolução é um pequeno avanço, já que antes não havia nenhum sinal positivo por parte do governo. Ele avalia que a medida pode dar um respiro aos médios e grandes produtores, mas vê com contrariedade o poder de discricionaridade dos agentes financeiros para decidir sobre cada pleito. Ainda assim, Luz recomenda que os produtores com finanças efetivamente comprometidas formalizem o pedido de prorrogação o quanto antes junto aos bancos.
“Estamos em uma renegociação de dívida em meio à pior situação fiscal do governo federal que já vi. Tudo será muito complicado, difícil e dificultado. Eles irão restringir ao máximo quem poderá ser atendido”, disse o economista ao JC.
Ele, porém, destacou ter percebido alguma abertura da União para discutir o uso do Fundo Social do Pré-Sal. Para Luz, esse é o único caminho viável para colocar dinheiro novo na mesa. A Farsul defende que, se aprovado esse formato, o alongamento das dívidas tenha a máxima abrangência. Mas, principalmente, que comece por quem já está com crédito negativado ou na iminência.
“Precisaremos de muitas reuniões para chegarmos a um acordo. Mas entendo que precisaremos avançar um pouquinho de cada vez, embora ainda tenhamos entendimentos muito distantes”, concluiu.