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Publicada em 14 de Março de 2025 às 14:23

Produtores rurais buscam alternativas para mitigar desafios climáticos

Áreas de lavouras de sequeiro com sistema de irrigação é de apenas 4% no RS, diz o secretário de Agricultura Clair Kuhn

Áreas de lavouras de sequeiro com sistema de irrigação é de apenas 4% no RS, diz o secretário de Agricultura Clair Kuhn

Wenderson Araujo/Trilux/Divulgação JC
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Claudio Medaglia
Claudio Medaglia Repórter
Desde a safra 2019/2020, eventos climáticos extremos já causaram quase R$ 117 bilhões em perdas na agropecuária gaúcha. Foram 40,6 milhões de toneladas de grãos não colhidos, conforme a Federação da Agricultura do RS (Farsul). Diante da sucessão desse cenário, a busca de medidas de enfrentamento, que já está na pauta do Estado há décadas, voltou a ganhar força e está no centro dos debates nos principais fóruns de discussão e eventos do setor.
Desde a safra 2019/2020, eventos climáticos extremos já causaram quase R$ 117 bilhões em perdas na agropecuária gaúcha. Foram 40,6 milhões de toneladas de grãos não colhidos, conforme a Federação da Agricultura do RS (Farsul). Diante da sucessão desse cenário, a busca de medidas de enfrentamento, que já está na pauta do Estado há décadas, voltou a ganhar força e está no centro dos debates nos principais fóruns de discussão e eventos do setor.
As perdas no atual cultivo de verão, irão aumentar ainda mais os prejuízos nos campos do RS por conta da quebra de 20,1% na produção de grãos, especialmente na cultura da soja, com quase 10 milhões de toneladas perdidas em decorrência da estiagem, segundo a Rede Técnica Cooperativa (RTC), disse nesta sexta-feira o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz, na Expodireto Cotrijal. Não por acaso, o governo do Estado vem trabalhando intensamente para destravar e impulsionar investimentos na implementação de estruturas para captação e retenção da água das chuvas - abundantes no outono e no inverno - para em irrigação nos períodos de escassez hídrica.
Conforme o secretário de Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação, Clair Kuhn, apenas 4% das áreas agrícolas de sequeiro são cobertas por sistemas de irrigação no Estado.
A irrigação é uma das grandes alternativas para alcançarmos resiliência climática. É o carro-chefe da Secretaria e uma das ferramentas a médio e longo prazo, pois nos dá garantia de produtividade depois de implantada”.
Ele aponta que a produção de milho, por exemplo, fundamental na suplementação animal e cuja demanda gaúcha acaba sendo atendida com produto de outras regiões, poderia passar de 130 sacas de 60 quilos por hectare para até 250 sacas com o auxílio de sistemas irrigados.
Para isso, o Programa de Irrigação do governo do RS, lançado em 2023, é considerado fundamental e visa a implementação de 100 mil hectares até 2028, o que representaria um crescimento de 33%. Na segunda fase, em fevereiro de 2024, o governo anunciou a destinação de R$ 213,2 milhões para subvencionar até 20% do valor orçado nos projetos de irrigação, limitados a R$ 100 mil por beneficiário. De acordo com o Palácio Piratini, pelo menos 720 projetos já foram recebidos nas duas etapas, para 9,6 mil hectares irrigados em 173 municípios. O investimento privado estimado chega a R$ 197 milhões.
Paralelamente, o governador Eduardo Leite anunciou na abertura da Expodireto Cotrijal, em Não-Me-Toque, decretos que irão agilizar e desburocratizar a outorga de uso d'água. Ele também mencionou instrução normativa que deverá ser publicada pela Secretaria do Meio Ambiente, tratando da possibilidade de intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APPs), tema contemplado em projeto aprovado pela Assembleia Legislativa e sancionado no ano passado.
Outra ação que deverá ser lançada em 2025 é um programa de melhoramento de solos, ressalta o secretário Clair Kuhn. A iniciativa, reunindo pesquisadores de universidades, da Embrapa e da Emater-RS, visa a ampliar o impacto positivo de ações agronômicas que potencializam o cultivo agrícola e a proteção ambiental.
A eletrificação rural é mais um tema que ganha força como instrumento para impulsionar ações de enfrentamento às mudanças do clima sobre o agronegócio. Com cerca de 60% das redes de transmissão ainda monofásicas, produtores encontram dificuldades para fazer uso de motores mais potentes, resfriadores, ordenhadeiras, aparelhos de ar-condicionado e até mesmo para puxar a água dos reservatórios para irrigação nas lavouras, por exemplo.
Uma medida em prática é a parceria entre o governo do Estado e cooperativas de energia para fazer o upgrade das redes e melhorar a capacidade elétrica nas propriedades.
Sem energia de qualidade, como o produtor vai movimentar a água em tempos de estiagem, por exemplo? Para ampliar o atendimento a essas demandas, estamos buscando junto à União financiamentos com juros compatíveis com a atividade, e não a custo de mercado. E defendemos a medida porque o retorno é grande, com maior produtividade, fixação do homem no campo, arrecadação de impostos, geração de emprego e renda”, observa o superintendente da Federação das Cooperativas de Energia, Telefonia e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul (Fecoergs), José Zordan.
Enquanto isso, o Programa Energia Forte no Campo, iniciado em outubro de 2020, já permitiu a implantação de 972 quilômetros de linhas de transmissão trifásicas por 123 municípios gaúchos ao longo das três primeiras fases, já concluídas, e da quarta etapa, em implantação. Conforme a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, investimento já chega a R$ 102,1 milhões da iniciativa privada, com contrapartida de R$ 19,9 milhões do Executivo estadual. O governo já trabalha no edital da 5ª fase.

Plano de reflorestamento é alternativa para ampliar oferta de água

Empresas & Neg?cios - energia no campo - capa - divulga??o  Photoangel - Freepik.com

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FREEPIK.COM/DIVULGA??O/JC
Embora sejam ações importantes para auxiliar na atividade agropecuária, focar em energia e irrigação já não será suficiente para conter o avanço das transformações climáticas que vêm acontecendo no clima pelo mundo todo. Com os mananciais se perdendo, o engenheiro elétrico José Zordan, superintendente da Federação das Cooperativas de Energia, Telefonia e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul (Fecoergs), acredita que já foi ultrapassado o limite do gerenciamento da água e sugere a implantação de um projeto amplo de reflorestamento. Afinal, quanto maior a área de florestas - plantadas ou nativas -, maiores serão a disponibilidade hídrica, a evapotranspiração e as chuvas.
Mais do que uma atividade econômica, a expansão das áreas com florestas plantadas pode também ajudar a mitigar o efeito estufa e o aquecimento global. E, pelo potencial de escala, absorver mais moléculas de carbono que qualquer outra.
A atividade, porém, pode gerar também impactos negativos sobre o clima e o meio ambiente. No lado positivo da balança estão a absorção de CO₂ pelas árvores, a proteção do Solo, reduzindo a erosão e melhorar a retenção de água no solo – desde que com manejo adequado -, e a redução da pressão sobre florestas naturais, por exemplo.
Mas plantações homogêneas, chamadas monoculturas, podem empobrecer a fauna e a flora locais. Além disso, espécies como o eucalipto e o pinus, por exemplo, têm alta taxa de evapotranspiração, podendo reduzir a disponibilidade de água em certas regiões. Além disso, o uso de agrotóxicos e fertilizantes pode contaminar solos e corpos d’água, entre outros efeitos negativos.
Por isso, para minimizar os danos, é essencial adotar práticas sustentáveis, como sistemas agroflorestais, certificações ambientais e o manejo responsável da vegetação nativa.
Na equação de levantamento de emissões e captação de carbono, o setor está sempre positivo”, afirma o empresário Daniel Chies, presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor).
Ao analisar as dificuldades extremas enfrentadas pela soja e o milho, por exemplo, Chies pondera que a expansão das fronteiras agrícolas levou a produção desses grãos para áreas diferentes das recomendadas pelos mapeamentos feitos por instituições de pesquisa na década de 1960. À época, diz o empresário, já era de conhecimento da comunidade acadêmica que a Metade Sul do RS teria dificuldades para o desenvolvimento dessas culturas, ao contrário do Alto Uruguai, com melhor condição hídrica.
“Então, desenvolveram-se variedades e materiais genéticos adaptados às condições das áreas com menor oferta de água. Mas ainda assim, incapazes de suportar a falta d’água por muito tempo. Irrigação é solução, mas não única. É preciso planejamento para alcançar resiliência climática e seguir com o cultivo de terminadas lavouras em regiões não recomendadas”.
Com grande capacidade de retenção da água no solo, o segmento de florestas comerciais também sofre menos com estiagens e, ainda que caracterizado pela monocultura, ocupa metade de sua área com a atividade produtiva, conservando outro tanto. No País, a área ocupada por florestas comerciais ronda a casa dos 9 milhões de hectares, menos da metade dos Estados Unidos. O Rio Grande do Sul tem, conforme dados do Serviço Florestal Brasileiro, cerca de 1,3 milhão de hectares, principalmente com eucalipto e pinus.
O dirigente apoia a ideia de um projeto federativo para incentivar o aumento do plantio, desde que com práticas de manejo sustentável e adoção de medidas para mitigar o impacto negativo da atividade sobre o ambiente. Mas ressalta que esse é um movimento que teria de ser planejado com a sociedade na busca de caminhos para um futuro de menos exposição às secas.
 

Conselheira do V20 propõe abordagem múltipla para construção de resiliência climática

Países do V20 já perderam 20% de seu potencial de crescimento do PIB, diz Sara

Países do V20 já perderam 20% de seu potencial de crescimento do PIB, diz Sara

RS RESILIÊNCIA E SUSTENTABILIDADE/DIVULGAÇÃO/JC
A aposta em sistemas de irrigação eficientes, em cuidados com o solo e também no desenvolvimento de sementes resistentes à estiagem é defendida pela economista de origem filipina e bangladeshiana Sara Jane Ahmed. Ela foi uma das painelistas do Seminário Científico “RS Resiliência & Sustentabilidade, realizado nesta sexta-feira (14), no Salão de Atos da UFRGS.
Sara é assessora do Grupo dos Ministros das Finanças do V20 - iniciativa de cooperação criada em 2015 reunindo 20 países sistemicamente vulneráveis às mudanças climáticas e que hoje já congrega 68 nações e 1,7 bilhão de pessoas, cerca de 20% da população do planeta. Ao Jornal do Comércio, ela apontou ações que estão sendo adotadas no V20 e que podem ser úteis também no Brasil.
Uma abordagem abrangente e multifacetada é proposta para a adaptação a inundações e secas, dada a escala e magnitude do problema. Para o setor agrícola, o cultivo de variedades resistentes à seca, a gestão da saúde do solo que preserve a retenção de água e nutrientes, e os sistemas de irrigação eficientes em água irão melhorar a adaptação e construir resiliência. Além disso, o treinamento e a educação comunitária são vitais, pois a conscientização pública sobre os riscos de inundações e secas e as medidas de adaptação são importantes”, disse.
Para isso, acrescenta, a política e a governança são fundamentais. Segundo ela, a legislação relacionada à proteção dos recursos naturais precisa ser fortalecida e aplicada, uma abordagem integrada para a gestão dos recursos hídricos precisa ser adotada, assim como esforços abrangentes de mitigação climática.
Fundadora do Financial Futures Center, que apoia os países em desenvolvimento na catalisação de uma transformação econômica para lançar uma década de progresso, com cinco anos de ações aceleradas buscando alcançar a prosperidade climática até 2030, a economista alerta para os efeitos da demora na tomada de decisão para a adoção de medidas de enfrentamento às mudanças no clima.
“Enquanto os desastres atingem de forma rápida e severa, as finanças se movem lentamente, enterradas sob barreiras que punem os vulneráveis com atrasos e dívidas. O custo da inação é muito maior do que o preço do investimento, e ainda assim o mundo hesita. Os gestores econômicos do V20 sabem muito bem que seus países já perderam 20% de seu potencial de crescimento do PIB devido aos impactos das mudanças climáticas sofridos nas últimas duas décadas, como as inundações de 2024 no Rio Grande do Sul causadas por chuvas e tempestades intensas. Nosso povo sabe que hesitar nunca é uma estratégia vencedora”, disse.
De acordo com Sara Ahmed, há uma necessidade urgente de passar da gestão de crises para a criação de oportunidades, incorporando a resiliência climática no centro de tudo o que fazemos. “E no nosso caso, isso significa nossos orçamentos, políticas e modelos de financiamento”.

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