Das 537 vinícolas do Rio Grande do Sul, espalhadas pela Serra, Campanha e Campos de Cima da Serra, 25% se dedicam exclusivamente à produção de vinhos finos. São 135 estabelecimentos que escolheram enveredar por um segmento em expansão desde o final da década de 1990. E agora, graças ao desenvolvimento da vitivinicultura, produzem rótulos de alta qualidade e participam de um disputadíssimo mercado.
Afinal, 90% dos vinhos finos e espumantes consumidos no Estado saem dos parreirais das vinícolas Salton, Chandon, Miolo, Casa Valduga e Aurora e de seus associados. Pequenas e médias empresas lutam, portanto, em uma fatia de 10% para fazer com que seus produtos cheguem aos olhos e conquistem o paladar dos consumidores.
“São diferentes estratégias para alcançar visibilidade e posicionamento nesse mercado. Mas uma característica comum entre esse segmento, especialmente entre os pequenos empreendimentos familiares, é a venda direta e a distância das prateleiras de grandes redes de supermercados. O risco de se tornar refém de um único cliente, que absorva toda a produção, pode levar à quebra da empresa”, analisa Daniel Panizzi, presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) e diretor da Vinícola Don Giovani, em Pinto Bandeira.
Um dos requisitos para permanecer no mercado é o que ele chama de maturidade empresarial. Dependente do ciclo da fruta e de circunstâncias climáticas que interferem na performance a cada safra, esses negócios precisam equalizar produção e demanda para projetar a busca de novos mercados.
“Pequenas e médias empresas dificilmente irão crescer. Precisariam ampliar a capacidade de recebimento e estocagem de uvas, bem como a produção. A Don Giovani, que é média, não quer crescer. E outras também não. Preferimos manter nosso perfil, qualidade e posicionamento já consolidados”, acrescenta Panizzi.
A introdução de novas variedades e o desenvolvimento de clones mais resistentes à escassez hídrica são algumas ferramentas que sustentam a produção diferenciada desses empreendimentos, cujos vinhos podem alcançar preços bastante superiores à média dos rótulos nacionais.
Exemplo disso é a Quinta Barroca da Tília, localizada no distrito de Águas Claras, em Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre. São quatro hectares de vinhedos – 2,5 hectares em produção, onde 36 variedades de uvas são produzidas e combinadas em uma alquimia cheia de rigor.
O negócio surgiu em 2010, conduzido pelo casal de agrônomos Eduardo Giovannini e Simone Gonçalves Teixeira Giovannini. Apoiados ainda pela filha Maria Vitória e o genro Daniel Martuscelli, eles têm 30 rótulos no catálogo disponível na internet.
A vinícola aposta em uvas pouco usadas no RS, como Vermentino, Caladoc, Petit Monseng e Mouvèdre, essa última encontrada apenas nas terras da empresa. E dá destaque para a Nebbiolo, presente em diversos vinhos da família.
“Colhemos, em média, cerca de 20 mil quilos de uva a cada safra. Um processo manual, cuidadoso e com ênfase na seleção. Todas as uvas são lavadas”, diz Givannini.
Uvas limpas têm pouca acidez volátil e resultam em um vinho com o gosto e o cheiro da fruta, sem interferência de resíduos. E, depois de armazenadas nas câmaras frias, ocorre a produção dos vinhos da Barroca da Tília, às vezes misturando uvas diferentes já na fermentação, com temperatura controlada, também fazem a diferença no resultado final.
Entre os destaques da vinícola está o Kalani 2013, um vinho tinto produzido com 70% de uvas brancas e que mistura seis variedades. Encorpado e equilibrado, foi maturado em barricas de carvalho francês novas durante 12 meses e envelhecido em garrafa por seis anos. É um vinho pronto para consumo, mas com boa capacidade de guarda, fazendo jus ao preço top do catálogo.
Mas há também o Muros Velhos 2021, feito 100% com uvas Mouvèdre, e cuja recomendação é para ser consumido após pelo menos cinco anos na garrafa, ou seja, a partir de 2026. E o Caos Calmo 2021, com 180 dias de maturação em carvalho francês novo, encorpado, com bom equilíbrio e taninos clássicos de Nebbiolo. Pronto para consumo ou para tempo de guarda superior a 10 anos.
“Mas é difícil atuar nesse segmento de vinhos finos, em que há muita concorrência aqui e também produtos de outros países. Definimos um modelo e seguimos nele, agora com mais naturalidade, depois de quitar o financiamento para a estruturação da indústria. Temos um volume de produção que nos dá equilíbrio e permite que trabalhemos nossos vinhos na venda online, em uma loja parceira e dois restaurantes, apenas”, conta o agrônomo, que também é professor no curso superior de Tecnologia em Vitivicultura e Enologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.
Desafio do setor é aumentar consumo per capita de vinhos no País

Diferentes variedades de uvas e modernas tecnologias são ferramentas para o surgimento de vinhos de alta qualidade
MARIA VITÓRIA GIOVANNINI/DIVULGAÇÃO/JCO desafio do setor vitivinícola é conseguir aumentar o consumo no País, estagnado há anos em menos de três litros per capita. Mesmo considerando os índices no RS, em torno de 6 litros per capita, e de 16 litros na Serra, conforme o presidente da União Brasileira de Viticultura (Uvibra), Daniel Panizzi, ainda estamos distantes dos parâmetros europeus, que ultrapassam os 30 litros por pessoa ao ano.
Sócia proprietária da Di Vino Experiências - loja online de vinhos & experiências, Adriana Martello vê um extraordinário potencial de crescimento do Brasil no mundo dos vinhos.
“Nos últimos anos, temos visto uma evolução notável na qualidade, variedade e criatividade dos rótulos nacionais, com destaque para o Rio Grande do Sul. Foi a partir das experiências com a produção local que decidimos investir nesse universo rico em história, cultura e arte”.
Regiões como a Serra e a Campanha gaúchas, com suas denominações de origem e indicações geográficas, reforçam, segundo ela, a autenticidade e excelência dos vinhos. O acesso a tecnologia e conhecimento tem impulsionado pequenos produtores, que transformam paixão e tradição em rótulos de alta qualidade.
“A Di Vino Experiências acredita nesse movimento e quer conectar apreciadores a vinhos que contam histórias, expressam terroirs únicos e representam o melhor da vitivinicultura brasileira”, acrescenta Adriana.
É com base nessa proposta que a Uvibra pretende concentrar seus esforços. “Estamos trabalhando no sentido de aumentar o consumo de vinhos e espumantes no Brasil. Com isso, será possível criar mais oportunidades para o crescimento das empresas que já estão no mercado, bem como o surgimento de novos empreendimentos”, conclui Panizzi.