Uma mudança nas diretrizes da União Europeia para importação de sete commodities de risco florestal, que começa a valer em 30 de dezembro, coloca o agronegócio em alerta. A medida, aprovada em abril do ano passado, determina que todas as cargas de soja, carne bovina, madeira, cacau, café, óleo de palma e borracha, bem como seus derivados, embarcadas para o bloco sejam acompanhadas por documentação comprobatória de que não têm passagem por áreas de florestas desmatadas, legal ou ilegalmente, a partir de janeiro de 2021.
No Brasil, as áreas diretamente atingidas são os biomas Amazônia e Mata Atlântica. Mas todos os exportadores, de qualquer região, precisarão mostrar que seus produtos não passaram pelas áreas proibidas, além de atender a regras de direito sobre o uso da terra, normas trabalhistas, direitos humanos e proteção ambiental, por exemplo.
Para a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o movimento é muito mais uma barreira comercial, imposta de forma unilateral, de caráter discriminatório contra diversos países e que contraria os preceitos da Organização Mundial do Comércio (OMC). E, ao entrar em vigor, irá prejudicar fortemente o País.
“Não teremos condições de comprovar todas essas exigências rapidamente. Até porque a própria regulamentação ainda não está clara. O sistema eletrônico criado pela própria União Europeia para registrar todas as operações vem sendo criticado por diversos países até mesmo do bloco. Alguns, como Alemanha e Itália já pediram o adiamento da medida, por não terem, ainda, criado seus mecanismos de controle”, diz a diretora de Relações Internacionais da CNA, Sueme Mori.
Segundo ela, o impacto será grande. Afinal, 44% das exportações de farelo de soja brasileiro têm a Europa como destino. Quase metade do café nacional também embarca para lá. As carnes têm participação menor, de 4,5%, mas nem por isso são menos importantes.
Conforme a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), o Brasil exportou no ano passado US$ 554,4 milhões para a União Europeia, com 77,6 mil toneladas. Em 2024, foram US$ 354,8 milhões até agora, para 50 mil toneladas do produto. Já o Rio Grande do Sul teve resultado de US$ 14,5 milhões em 2023, com o embarque de 2,9 mil toneladas, e, neste ano, US$ 6,5 milhões, com 1,2 mil toneladas.
A CNA, assim como os governos brasileiro e de outros países, como os Estados Unidos, e diversas organizações do continente europeu já se posicionou formalmente contra a medida. Mas o bloco ratificou, recentemente, a intenção de manter o cronograma de implantação das novas regras, que, inclusive, poderão ser revistas e ampliadas para outros biomas no futuro.
“Não queremos simplesmente adiar. Somos contra a medida. A União Europeia não difere áreas de desmatamento legal ou ilegal. E, ao mesmo tempo, quer que os produtos estejam dentro da legislação do país de origem. O Brasil tem o Código Florestal, que está sendo desprezado pelo bloco. E, além disso, exige um processo de compliance”, aponta Sueme.
Ainda, de acordo com a dirigente, ao classificar os países exportadores com diferentes graus de risco, por taxa de desmatamento e de expansão agrícola, que é uma das medidas da nova regulamentação, o Parlamento Europeu impõe uma marca negativa na imagem dos produtores e seus produtos, com impacto comercial.
Mas qualquer mudança precisaria passar por nova análise do Parlamento. E, mesmo que a maioria dos representantes que votaram e aprovaram as novas diretrizes já não estejam no órgão, esse processo não seria célere a ponto de impedir a implementação.
Paralelamente, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) está desenvolvendo a plataforma AgroBrasil+Sustentável, que visa integrar informações de bancos de dados e instituições governamentais de modo organizado, rastreável e confiável sobre a produção agropecuária sustentável no Brasil. É uma ferramenta projetada para atender o mercado internacional global.
“Mas o que a União Europeia quer é ainda diferente. O Brasil é o terceiro exportador do mundo. Se adapta a normas e movimentos de mercado. O que estamos vendo é a criação de uma barreira unilateral”, completa a representante da CNA.
Para Daniela Stump, sócia do escritório DCLC Sociedade de Advogados e mestre em Direito Ambiental pela USP, ainda que o tema possa suscitar discussões, a primeira medida a ser adotada pelos produtores brasileiros é buscar o diálogo com os operadores europeus para tentar entender a melhor forma de atendimento às novas demandas e deixá-los confortáveis quanto aos produtos a serem embarcados.
“O responsável por assegurar que as cargas estão dentro das determinações é o operador. Ele é que irá entrar no sistema eletrônico da União Europeia e emitir uma declaração de due diligence dos produtos, de acordo com o regulamento. E vai querer segurança de que não sofrerá sanções”.
A jurista avalia também que as novas regras poderão “bagunçar o mercado”, com elevação de preços ao importador ou o escoamento de produtos não aprovados para outros destinos, talvez até com perdas ao exportador. E alerta:
“Essa situação cria um precedente de comércio internacional, e outros países podem passar a adotar exigências similares. A base da justificativa é o pacto ecológico europeu pra reduzir o efeito estufa, para cumprir metas do Acordo de Paris. Tem fins ambientais. Mas pode acabar gerando questionamentos na OMC”.
Abiec vê exigências como novo desafio, mas diz poder atender
Rastreabilidade de todos os locais por onde passou cada animal será uma das exigências
ESTÂNCIA CERRO DO OURO/DIVULGAÇÃO/JCDiretor de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Fernando Sampaio vê a medida imposta pela União Europeia como uma nova camada de requisitos entre tantos já criados desde o início dos anos 2000, à época com caráter sanitário.
“Em 2002, criamos o Sistema de Rastreamento Bovino (Sisbov). A partir de 2008, as fazendas exportadoras precisam ser auditadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o que reduziu o número de propriedades habilitadas. Agora, essa lei anti-desmatamento é um novo momento. É importante ter a geolocalização de cada fazenda onde o animal abatido viveu, para mostrar que está fora das áreas vedadas, e cumprir as demais legislações. É um novo desafio”, avalia.
Sampaio observa que, embora apenas 4,5% da carne brasileira seja comercializada para a Europa, há interesse em manter aquele mercado.
“Quase a metade do que exportamos vai para a China. Depois vêm destinos com Estados Unidos e Emirados Árabes. A União Europeia é o quarto mercado. Mas é para onde encaminhamos os cortes de maior valor, como filé mignon, alcatra e contrafilé. Enquanto vendemos uma tonelada de filé mignon a US$ 12 mil para a Europa, o mesmo produto é negociado a US$ 8 mil para Dubai, por exemplo”.
Embora apreensivo com o que chamou de “queda de braço” entre países, Sampaio acredita que o Brasil está preparado para atender às exigências.
“São cerca de 1,2 mil fazendas rastreadas pelo Mapa. As informações existem. Então, é viável. Precisamos reunir as informações de trânsito dos animais em cada estado, assim como os outros dados exigidos”, completa.