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Publicada em 20 de Setembro de 2024 às 15:23

Cresce demanda por investimentos em recuperação de solos após enchente

Integração entre lavoura e pecuária é fundamental no sistema produtivo da Estância Cerro do Ouro

Integração entre lavoura e pecuária é fundamental no sistema produtivo da Estância Cerro do Ouro

ESTÂNCIA CERRO DO OURO/DIVULGAÇÃO/JC
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Claudio Medaglia
Claudio Medaglia Repórter
Passada a enxurrada de abril e maio, que danificou áreas agrícolas inteiras em algumas regiões do Rio Grande do Sul, os produtores rurais gaúchos se mobilizam para o plantio da safra de verão com uma série de dúvidas no horizonte. A capacidade de endividamento comprometida pelas sucessivas perdas nas lavouras nos últimos anos contrasta com a necessidade de investimento para recuperação de maquinário, estruturas e, principalmente de solos degradados.
Passada a enxurrada de abril e maio, que danificou áreas agrícolas inteiras em algumas regiões do Rio Grande do Sul, os produtores rurais gaúchos se mobilizam para o plantio da safra de verão com uma série de dúvidas no horizonte. A capacidade de endividamento comprometida pelas sucessivas perdas nas lavouras nos últimos anos contrasta com a necessidade de investimento para recuperação de maquinário, estruturas e, principalmente de solos degradados.
O movimento ainda é tímido, já que a operacionalização das medidas prometidas pelo governo federal durante a Expointer para ajudar o setor a quitar débitos anteriores e voltar a produzir ainda não aconteceu. Mas a busca por financiamentos para esse segmento é clara junto aos agentes financeiros.
Somente durante a 47ª Expointer, mais de R$ 250 milhões em empréstimos foram contratados. Uma das operações foi firmada entre o Banrisul e a centenária Estância Cerro do Ouro, de São Gabriel, onde em 2024 houve mais de 1,5 mil milímetros de precipitação entre 1º de janeiro e 19 de setembro. E, desse volume, 468 milímetros foram em abril e 275 milímetros em maio, no auge da colheita de soja.
Costumamos ter entre 1,2 mil milímetros e 1,5 mil milímetros ao longo de todo o ano. E na metade de setembro já superamos esse volume. Além disso, nos meses de abril e maio a média de precipitação é 30% a 40% do que tivemos neste ano”, conta o diretor jurídico-financeiro e sócio proprietário Ricardo Teixeira Gonçalves.
Ele faz parte da 5ª geração da estância, conduzida em parceria com os pais, médicos veterinários, e o irmão Murilo, agrônomo. E há ainda Guilherme, engenheiro civil, que integra a sociedade, mas não se envolve diretamente na atividade. A rotina, há décadas se dedica à busca pelas melhores práticas de sustentabilidade, com integração entre lavoura e pecuária, rotação de culturas e o policultivo.
E foi justamente esse conceito que ajudou a mitigar as perdas com as chuvas. “Temos áreas com oito culturas simultâneas, para ajudar a fortalecer e oferecer os nutrientes adequados ao solo. Apesar de tudo que fazemos, tivemos lixiviação e compactação de terrenos destinados ao plantio, comprometimento de estradas internas. Em alguns pontos, a enxurrada levou as coberturas de solo coxilha abaixo”, lembra Gonçalves.
Além da soja, carro-chefe do empreendimento, a estância mantém cria, recria, engorda e produção de genética Braford, bem como embriões e produção de sementes, em parceria. O modelo de negócio, estruturado em um sistema produtivo sustentável reduz custos e eleva a rentabilidade na Cerro do Ouro, na comparação com parâmetros convencionais. E a produtividade já chegou a 63 sacas de 60 quilos da oleaginosa por hectare. Por isso, mesmo em safras mais difíceis, com rendimento médio abaixo de 40 sacas, o ciclo financeiro costuma ser positivo.
"Pelo sistema que adotamos, seguimos em crescimento, inclusive reduzindo a vazão do pulverizador e obtendo o melhor uso de recursos naturais. Há alguns anos, estamos reduzindo o uso de fertilizantes químicos nas lavouras e ampliando o espaço para herbicidas biológicos. O custo da nossa lavoura diminuiu. Mas boas práticas exigem investimento”, ressalta o empresário, que projeta serem necessários pelo menos cinco a seis anos para retomar os padrões de solo de antes da chuvarada.
Com o dinheiro emprestado junto ao banco, foi possível colocar o maquinário em dia e seguir com a preparação do plantio, que a partir de outubro deverá cobrir cerca de 2,2 mil hectares com sementes de diferentes variedades de soja. O gado que estava sobre as terras a serem semeadas já foi removido para outras áreas da propriedade. E a expectativa é de colher a lavoura possível nesta safra cheia de novas variantes na Cerro do Ouro e no Rio Grande do Sul.
As práticas da Cerro do Ouro convergem com as recomendações de especialistas. Técnicos do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) e a Emater-RS produziram nota técnica conjunta abordando o uso de plantas para a recuperação de solos afetados.
De acordo com a publicação, as chuvas de abril e maio fragilizaram parcial ou totalmente a estrutura das áreas produtivas das propriedades rurais, comprometendo as condições para o desenvolvimento das raízes das plantas, para a infiltração e a retenção de água, entre outros impactos. 
A recuperação dos solos é de natureza biológica. Essas ações biológicas ocorrem a partir do cultivo de plantas, ou seja, se não ocorrer cultivo no solo, os processos ecológicos não vão se realizar”, destaca a professora do Departamento de Solos da Faculdade de Agronomia da UFRGS, Fabiane Machado Vezzani.
Entre outras práticas, o cultivo simultâneo de espécies com diferentes qualidade de resíduo vegetal e ou sistema radicular, como gramíneas, leguminosas e brássicas, tem demonstrado grande eficácia na recuperação de solos. Isso porque promove a diversidade funcional no solo, aumentando a resiliência do ecossistema e acelerando a recuperação das suas propriedades biológicas, físicas e químicas, conclui o estudo.

Bancos têm aumento nos pedidos de financiamento

Entre os principais agentes financiadores do agronegócio gaúcho, Banco do Brasil (BB) e Banrisul receberam mais de R$ 2,6 bilhões em pedidos de financiamento, para diferentes modalidades e segmentos, somente durante a 47ª Expointer. Para solos e pastagens, foram R$ 117 milhões no BB e outros R$ 179 milhões junto ao Banrisul, que conta com uma carteira de aproximadamente 70 mil produtores rurais com limites pré-aprovados.
O número equivale a cerca de 18% dos R$ 1 bilhão em propostas colhidas pelo banco gaúcho na mostra de Esteio. E, até 18 de setembro, 113 contratos já haviam sido assinados, totalizando R$ 137 milhões, conta o diretor de Desenvolvimento, Fernando Postal. Ele acredita que esse número deverá crescer, por conta da necessidade dos agricultores em resgatar a capacidade produtiva das terras principalmente nas regiões mais afetadas pelas chuvas extremas.
“Diferentes regiões do Estado têm períodos específicos para o plantio. Então, enquanto alguns produtores já estão trabalhando nisso, para outros ainda há tempo. Na Expointer de 2022, recebemos 19 propostas, mas apenas cinco se concretizaram. Na mostra do ano passado, foram 145 propostas, e somente 51 foram concluídas com êxito. E em 2024, já mais que dobramos esse número. E acredito que ainda iremos melhorar esse desempenho ao longo dos próximos meses”, diz Postal.
Enquanto isso, os associados do Sicredi no Estado concretizaram 1,9 mil operações de crédito para investimento em solos e pastagens neste ano. Com isso, os financiamentos operacionalizados pelo agente financeiro já somam R$ 211 milhões.

Empresas do setor projetam que mercadode insumos irá aquecer com proximidade do plantio

O ritmo das demandas por insumos agrícolas, como sementes, fertilizantes e defensivos, ainda é lento no Rio Grande do Sul, seguindo tendência verificada também em outros estados brasileiros, avalia Ivan Moreno, CEO da Orbia, maior plataforma digital do agronegócio do País. Segundo ele, os clientes deverão efetuar as compras mais perto do momento de utilizar os produtos.
Com cerca de 250 mil produtores cadastrados no Brasil, sendo o Rio Grande do Sul o território com maior adesão, equivalentes a 20% do total, a empresa intermedeia a comercialização de insumos para 75% da área plantada no País. E conta com um grande programa de fidelidade, por meio do qual o produtor acumula pontos e pode trocar por 15 mil produtos e cerca de 1 mil serviços.
Moreno avalia que essa demora na definição possa causar alguma dificuldade na logística dos fornecedores, pela provável concentração de pedidos em um mesmo período.
“O solo é o principal ativo do produtor rural. E esse evento climático extremo escancara a necessidade de investimento para reconstruir terrenos capazes de produzir com eficiência. Porém, o que estamos verificando, antes mesmo da busca por insumos, é a demanda por softwares para agricultura de alta precisão, com tecnificação. É um comportamento já natural no Rio Grande do Sul, cujo produtor é sempre um dos primeiros a incorporar novas tecnologias, como insumos biológicos, fertilizantes especiais e tecnologias digitais. Assim, o produtor pode reduzir a volatilidade nas etapas que ele pode controlar”.
Conforme a Yara, líder global em produção e comercialização de produtos de nutrição agrícola, as sucessivas secas e chuvas em excesso vêm empobrecendo a fertilidade do solo do Estado, ainda que em diferentes cenários em cada propriedade. A empresa projeta uma tendência de crescimento progressivo de demandas por insumos. Afinal, algumas propriedades tiveram toda camada superficial de nutrientes do solo perdida, enquanto em outras houve acúmulo de detritos, como areia e argila. E, em alguns casos, esses dois fenômenos ocorreram dentro de uma mesma propriedade rural. Mesmo nas regiões menos afetadas pelas enchentes, porém com chuvas intensas, foram perdidos nutrientes, palha e até solo por erosão.

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