O conceito do uso do solo o ano inteiro, coberto com diferentes culturas ao longo dos 365 dias, ganha força e adesões no Rio Grande do Sul. Especialmente após os estragos causados pelas chuvas extremas de maio, que provocaram forte erosão e comprometeram as condições para as próximas semeaduras nas áreas mais afetadas. Esse manejo, porém, já é usado em algumas regiões, com resultados animadores.
Emater, Embrapa e cooperativas gaúchas vêm trabalhando em iniciativas e experiências para validar a utilização de diferentes culturas como alternativas eficazes e rentáveis nas propriedades, especialmente no período entre as safras de verão e de inverno. O objetivo é identificar espécies e cultivares que se adaptem aos diferentes microclimas do Estado e possam recompor, proteger e preparar os solos para novos plantios.
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Especialistas do setor concordam que solos cobertos estão mais protegidos. Também, que determinadas espécies ajudam a penetração e acúmulo de água no solo, além de restituir nutrientes que serão importantes para a fertilidade das terras.
“É uma questão para a qual precisamos nos abrir. Uma percepção que, felizmente, vem avançando, devagar, entre os produtores. Mas que será fundamental para o futuro da atividade agropecuária”, avalia o diretor técnico da Emater/RS, Claudinei Baldissera.
O tema, aliás, já é tratado em diversas frentes de pesquisa pela autarquia. Somente na região Norte do Estado, pelo menos cinco propriedades destinam alguma fração de terra para experimentar esse manejo. Conforme Luciano Schwerz, gerente regional da Emater em Frederico Westphalen, os resultados dessas iniciativas são disseminados pela assistência técnica, estimulando a ampliação do uso com plantas tecnicamente viáveis para cada situação.
“Trabalhamos há cerca de 15 anos nesse caminho, a partir do desenvolvimento de variedades de sementes híbridas mais modernas, e já conseguimos estabelecer alguns padrões em sistemas de rotação e sucessão de culturas”, diz o agrônomo.
Uma atenção especial é dedicada justamente ao cultivo outonal, no intervalo de aproximadamente cem dias, entre o fim das safras de verão e o início das semeaduras de inverno. Nesse período, muitas propriedades rurais deixam o solo descoberto e vulnerável.
Testes em unidades de produção mostram que após o ciclo da soja, ou do milho, a semeadura de plantas destinadas à produção de grãos, pastagem, silagem, feno, pré-secagem ou regeneradoras de solo leva a melhor produtividade na cultura subseqüente. Uma delas é o nabo forrageiro, que faz uma renovação dos micronutrientes, com aproveitamento do nitrogênio dos restos da cultura da soja, e otimiza a lavoura de trigo implantada sobre a palhada.
“Mas temos um gargalo, que é a disponibilidade de sementes dessas culturas ainda pouco utilizadas, embora importantes nesse processo. Então, estamos estimulando produtores, cooperativas e cerealistas a plantarem e reservarem sementes dessas culturas e variedades para a safra seguinte ou mesmo a comercialização”, acrescenta Schwerz.
Outra alternativa em uso é o plantio de sorgo, para grãos ou silagem. A planta, rica em fibra, é fonte de energia e tem alta aceitação na fabricação de ração animal. E, com o déficit na oferta de milho, o cereal ganha espaço no Norte do Estado, com resultados satisfatórios na semeadura entre o final de fevereiro e o início de março.
Propriedades assistidas pela Emater na região também utilizam o trigo mourisco, igualmente para produção de grãos destinados à alimentação animal e ainda para contribuir com os melhoramentos do solo. No mesmo caminho, o triticale e a cevada vêm mostrando desempenho e agregando benefícios às propriedades. A última, aliás, na variedade precoce batizada como BRS Entressafras, desenvolvida pela Embrapa, pode ser plantada entre março e abril, para, já no mês de junho dar lugar à cultura do trigo.
E mesmo o milho, embora menos rentável na comparação com a soja, tem papel importante para proteger e melhorar a qualidade dos solos, já que é mais eficiente no que diz respeito à produção de massa verde, destaca Schwerz. O agrônomo reforça a importância da rotação de culturas sobre as diferentes frações de terra na propriedade.
“São muitas oportunidades e composições que podem ser feitas. O produtor que precisa de mais palha, em áreas mais afetadas por erosão, por exemplo, pode utilizar gramíneas de verão, como o milheto, o capim-sudão e o sorgo, para cobertura. Assim, obterá boa oferta de palhada e também um sistema radicular capaz de estruturar esse solo”, completa.
CCGL, RTC e Embrapa conduzem Operação 365 pelo interior do RS
Técnicos da Cotrijal e produtores fazem avaliação da condição do solo em propriedade do Norte gaúcho
COTRIJAL/DIVULGAÇÃO/JCA recuperação e preservação dos solos agrícolas está no topo das atenções de entidades ligadas ao setor agropecuário gaúcho. E impulsiona a Operação 365, cujo propósito é estimular a melhoria da qualidade química, física e biológica dos solos agrícolas, procurando elevar a sustentabilidade, a estabilidade produtiva das lavouras e maximizar a rentabilidade das propriedades rurais no Rio Grande do Sul.
Para o presidente do Sistema Ocergs, Darci Pedro Hartmann, inclusive, os danos causados pelas chuvas intensas de maio poderiam ter sido muito menores, caso uma série de cuidados estivesse sendo observada pelos agricultores. Entre as medidas está a correção da acidez do solo, que melhora a disponibilidade de nutrientes e o aprofundamento das raízes das plantas. Também, a rotação de culturas, com o uso de gramíneas de verão, que contribuem para barrar o surgimento de doenças e o aumento da produtividade, assim como a adoção de diferentes práticas, como a semeadura em contorno.
O dirigente é um entusiasta da adoção de modelos agrícolas que mantêm o solo coberto o ano todo, como forma de proteção e melhoramento da estrutura.
“Ao longo do ano, durante praticamente 10 meses, o produtor está com seu solo totalmente coberto. Mas há entre 45 a 60 dias, que são o calcanhar de Aquiles da agricultura, após a colheita da soja e antes da implantação das culturas de inverno. E foi exatamente nesse momento que choveu intensamente em 2024”, lembra.
E as alternativas vão aparecendo. Entre elas, a semeadura com forrageiras feita com avião ou com pulverizador, ainda quando a soja entra na fase de maturação. Assim, no momento em que as folhas da oleaginosa começarem a cair, essa planta estará brotando.
“E quando tu colheres a soja, já terás uma cobertura vegetal em cima do solo. Tenho absoluta convicção de que se o solo estivesse coberto como está agora, a perda seria, talvez, de 20% do que tivemos”, afirma o dirigente.
Nesse viés é que entra a Operação 365, programa coordenado pela Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL) e pela Rede Técnica Cooperativa (RTC), juntamente com a Embrapa e outras instituições. A iniciativa contempla a qualificação dos consultores técnicos das cooperativas, como a Cotrijal, com sede em Não-Me-Toque, com informações atualizadas, relativas às boas práticas de manejo, visando à melhoria da qualidade do solo e da produtividade rentável das culturas.
“Uma vez habilitados, os consultores estão aptos para realizar as avaliações de áreas agrícolas, aplicando a metodologia do programa e avaliando os indicadores que servem como métricas que constituem o Índice de Qualidade do Manejo (IQM), para a certificação. Com o IQM, além da certificação, o produtor pode fazer uma análise crítica do seu sistema produtivo e atacar os principais pontos, por meio da implementação de boas práticas agrícolas”, explica o gerente de Pesquisa da CCGL e coordenador da RTC, Geomar Corassa.
Os talhões certificados são tecnicamente validados como de excelência em manejo de solo e culturas, exemplos de sustentabilidade, produtividade e rentabilidade e habilitam o produtor a participar de programas de sustentabilidade, promovidos pelas cooperativas e instituições financeiras, entre outros.
Os diagnósticos nas propriedades começaram a ser feitos no ano passado, mas a validação das métricas para a construção do IQM acontece desde 2020. Até o momento 175 áreas já se candidataram a avaliação do protocolo da Operação 365 e estão agora em processo de avaliação.
No diagnóstico, acrescenta Corassa, são avaliados indicadores de diversificação de culturas, de uso rentável da terra, de conservação do solo e da água, de nutrição de plantas e de qualidade do solo. Os dados levantados são cadastrados na plataforma Smartcoop, ferramenta de uso obrigatório para o produtor interessado em participar da Operação 365.
As informações são avaliadas por equipes da RTC e da Embrapa, que calculam o IQM da área. Os produtores são informados pelo técnico da cooperativa sobre o nível de qualificação da área e recebem um diagnóstico que contém os principais pontos de melhoria a serem priorizados. As estratégias de manejo são definidas em conjunto entre técnico e produtor. A intervenção conduz os produtores a um aumento significativo na produtividade das áreas dentro de um curto espaço de tempo, afirma Corassa.
Conforme o coordenador da RTC, muitos produtores não sabem que podem inserir plantas de cobertura de outono. E, a partir dessa ação, melhoram a produção e diminuem as perdas. Os diagnósticos técnicos podem apontar, por exemplo, a necessidade de efetuar a calagem do solo, corrigindo o pH do solo. Ou, ainda, mudanças no manejo que minimizem a compactação desse solo, uma estratégia que facilita a infiltração de água e o aprofundamento das raízes das plantas, melhorando os resultados.
“As áreas se tornam mais resilientes a problemas climáticos e, consequentemente, resultam em maior estabilidade produtiva. Tudo isso se traduz em uma produção mais eficiente e mais sustentável quanto ao uso de recursos ambientais, gerando benefícios para toda a sociedade”, finaliza.
Em Rodeio Bonito, 30 anos de plantio direto dão estabilidade e renda a propriedade
Máquinas fazem a colheita do milho e já iniciam o plantio de soja em terras da família Strapasson, em Rodeio Bonito
ANDRÉ STRAPASSON/ARQUIVO PESSOAL/JCNo sistema produtivo da família Strapasson, desenvolvido em cerca de 700 hectares próprios e arrendados no município de Rodeio Bonito, no Norte gaúcho, trigo, milho e soja são as culturas-chefe, desenvolvidas há 30 anos com plantio direto na palha. E, desde o inverno passado, a soja sucedeu o trigo e deu lugar a um mix de sementes de trigo mourisco, nabo forrageiro e milheto.
E, dentro de duas a três semanas, a família já estará semeando milho, para colher em janeiro de 2025. Ato contínuo, estará plantando soja novamente, com colheita planejada no final de abril.
“É um ciclo que melhorou muito nossa produtividade e rentabilidade. Atividades que no passado nos demandavam uso de 10 litros de óleo diesel nas máquinas, hoje não consomem mais do que dois litros. Diminuímos também os gastos com insumos. E, principalmente, superamos adversidades climáticas com mais facilidade”, conta André Strapasson, um dos 12 membros da família, composta pelo pai e cinco irmãos, além dele e dos primos, que tocam a atividade.
Segundo ele, a enxurrada de maio afetou a rotina. Mas o impacto foi pequeno na comparação com os danos causados em áreas vizinhas, em que as terras são mexidas repetidamente.
E a qualidade do solo também garante alta produtividade. Na última safra, a família ultrapassou a marca anterior, de 84 sacas de 60 quilos de soja por hectare, e alcançou as 90 sacas, ou 5,4 mil quilos. Mas a média histórica da propriedade não baixa de 60 sacas por hectare.
A cultura é a que garante a renda dos Strapasson, enquanto trigo e milho cumprem papel coadjuvante, mas com direito a Oscar, na linguagem cinematográfica, pela relevância que têm no sistema da propriedade. O trigo, na rotação de culturas. E o milho, como importante complemento financeiro, já que toda a produção é comercializada para produção de ração animal junto a uma empresa próxima que desenvolve a suinocultura.
O desempenho eficiente nas terras da família também é resultado da proximidade com a assistência da Emater e de profissionais que auxiliam com orientação para um manejo adequado. Aliado a isso, a busca constante por conhecimento e informação atualizada é uma obsessão entre irmãos e primos Strapasson.
E esse profissionalismo na condução da propriedade também desperta a atenção de produtoras de sementes, que oferecem suas novas variedades para testes em pequenas áreas e, depois, promovem dias de campo para mostrar os resultados e difundir as tecnologias.