O ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Neri Geller, nega ter pedido demissão do cargo após a polêmica em torno do leilão de importação de arroz realizado na semana passada e anulado na terça-feira. Ele garante não ter qualquer envolvimento com o certame e diz ter sido contra a compra pelo governo. O ministro Carlos Fávaro disse que ele havia colocado o cargo à disposição após suspeitas de irregularidades no pregão.
Em entrevista ao Jornal do Comércio na manhã desta quarta-feira (12), o ex-ministro da Agricultura no governo Dilma Rousseff e ex-deputado federal pelo Partido Progressistas afirmou que foi voto vencido nos diálogos que levaram à decisão de importar arroz quando a catástrofe climática atingiu o Rio Grande do Sul. E que defendeu o fortalecimento da produção nacional do cereal.
“Inclusive estender isso um pouquinho mais para o Centro-Oeste, para a região do Matopiba, para ficar mais perto da logística. Incentivando com políticas públicas para que acontecesse. Mas fui voto vencido, e até entendo, porque na crise houve uma sinalização de alta nos preços”.
Sobre sua demissão do Mapa, Geller contou que conversou com o ministro por duas vezes nesta semana, mas em nenhuma delas colocou o cargo à disposição e nem foi avisado que seria dispensado. Mas que no final da tarde de terça-feira um ofício foi enviado à Secretaria Executiva do Ministério pedindo providências para sua saída “a pedido”.
O gaúcho, natural de Selbach, disse ter tentado falar com Fávaro, sem sucesso, e que, então, formalizou solicitação para que fosse retificado o motivo da saída. “Não sou apegado ao cargo, mas não tenho motivo nenhum pra pedir (demissão)”.
De acordo com ele, chegou a ser negociada com os arrozeiros a retirada da Tarifa Externa Única (TEC) das importações para que a iniciativa privada tratasse de equalizar o mercado em valores menores. Mas, com a manutenção da ideia do leilão pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Geller disse ter se afastado das tratativas, que passaram a ser conduzidas por Fávaro.
Já no dia seguinte à realização do pregão, começaram a pipocar comentários vinculando seu nome à operação, por causa da participação da corretora de seu ex-assessor parlamentar Robson França. A empresa foi aberta em agosto do ano passado, em parceria com o filho de Geller, Marcelo Piccini Geller.
“Eu liguei para o meu filho, porque no primeiro momento falaram que (a corretora) era do meu filho. Perguntei ‘mas que confusão que é essa? Você tá participando de leilão? Você tocou a corretora?’. O Marcelo foi categórico. Ele falou, ‘pai, eu abri a empresa, mas quando eu vi que você ia assumir (no governo) e ia ter muito leilão público, ia dar muita confusão, eu não ativei ela. E eu não fiz nenhuma operação, nem conta bancária”, descreveu o ex-secretário do Mapa.
Na sequência, teria telefonado para França, que confirmou ser dono da corretora e que Marcelo Piccini saiu do negócio. Geller disse ter apontado desconforto com as suspeitas sobre seu nome e a vinculação entre eles.
“E ele (França) falou: ‘Deputado, você não paga mais meu salário. Você sabe que eu tenho escritório de consultoria desde 2022. Presto serviço na área. E eu abri a corretora ano passado. Se tivesse direcionamento... Eu já participei de leilão da Conab. Alguns eu ganhei, outros não’. Foi isso", relatou o ex-secretário.
Apesar do imbróglio e das desconfianças em torno das arrematadoras do leilão anulado, Geller não considera que houvesse risco de fraude.
“A Conab tem uma estrutura de profissionais altamente qualificados, comprometidos e um dos maiores sistemas de compliance... Eu acho que a Conab, inclusive, tem que ser resgatada um pouco, e a verdade ser restabelecida. Eu acho que o sistema foi mal conduzido”.
Questionado sobre o formato do pregão e se os participantes não deveria ter sido checados antes da realização, o ex-secretário reconheceu que se houver novo certame é preciso “certificar mais”.
Entretanto, assegurou que não há risco aos cofres públicos. “Qual é, num montante desses, a empresa que vai colocar 5% (do valor) se ela não tá viabilizada para fazer a operação? Se ela não depositar os 5 %, ela automaticamente é desclassificada. Ela não recebe. Se nunca teve problema antes, vai ter problema agora? A questão é mais política. É mais erro de condução do que qualquer erro técnico”.
Neri Geller avaliou que a realização de leilão para importar o cereal foi um erro de estratégia política. E questionou: “Será que era certo que precisava importar? Será que era o momento de fazer importação tão elevada? A TEC, será que não resolveria?”
O político, entretanto, afirmou não estar “atirando” no governo. “Eu não estou fazendo isso. Seria injusto. Reconheço que o presidente teve uma boa intenção. Eu acho que não precisava ter feito (o leilão). É ruim comprar uma briga muito grande, com um setor que é tão importante para a economia do Brasil. E o que a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) fala, o que a Federação das Associações de Arrozeiros (Federarroz) fala é verdade. O preço é globalizado. O preço internacional também está alto”.
Para o ex-secretário, as 300 mil toneladas seriam comercializadas por preço mais baixo porque estariam subsidiadas. Mas as operações voltariam aos patamares do mercado.
“O que temos de fazer é aumentar a produção. Mais oferta. Mais oferta. É a minha visão”, concluiu Neri Geller.