Após polêmica em torno do leilão para importação de arroz, realizado na semana passada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o governo federal decidiu anular o certame. O anúncio ocorreu no começo da tarde desta terça-feira (11), no Palácio do Planalto. O episódio acarretou também a saída do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), Neri Geller.
A decisão foi adotada em função da repercussão das notícias de que empresas sem relação com o ramo e de capacitação técnica e financeira duvidosa estavam entre as arrematadoras dos lotes que, somados, totalizam 263,3 mil toneladas e R$ 1,3 bilhão. Também pesaram suspeitas de direcionamento do pregão, a partir de relações entre pessoas ligadas ao governo e bolsas de mercadorias.
A decisão foi adotada em função da repercussão das notícias de que empresas sem relação com o ramo e de capacitação técnica e financeira duvidosa estavam entre as arrematadoras dos lotes que, somados, totalizam 263,3 mil toneladas e R$ 1,3 bilhão. Também pesaram suspeitas de direcionamento do pregão, a partir de relações entre pessoas ligadas ao governo e bolsas de mercadorias.
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O filho de Geller, Marcelo Piccini Geller, é sócio do advogado Robson França, ex-assessor do então secretário do Mapa. França comanda a Bolsa de Mercadorias de Mato Grosso (BMT) e corretoras de grãos. Na Câmara dos Deputados, como assessor de Geller, França foi colega de Thiago dos Santos, atual diretor de Operações e Abastecimento da Conab e responsável pelo leilão.
Diante da repercussão, Geller procurou o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro pela manhã para comunicar que estava colocando o cargo à disposição.
"A empresa do ex-assessor do secretário Neri não participou do leilão. Não há fato que desabone, mas o transtorno o fez colocar o cargo à disposição. Eu aceitei", disse Fávaro.
No último sábado (8), quando suspeitas já rondavam o pregão, a Conab avisou as Bolsas de Mercadorias e Cereais que elas deveriam apresentar provas de que as empresas vencedoras tinham capacidade técnica e financeira de cumprir o contrato. Após a anulação, o presidente da Conab, Edegar Pretto, afirmou que um novo leilão será realizado para contratar empresas "com capacidade técnica e financeira".
“Somente depois que o leilão é concluído é que a gente fica sabendo quem são as empresas vencedoras. A partir da revelação de quem são estas empresas, começaram os questionamentos se verdadeiramente essas empresas têm capacidade técnica e financeira para honrar os compromissos de um volume expressivo de dinheiro público. Com todas as informações que nós reunimos, proposta que nós trouxemos, eu e o ministro Fávaro (Carlos Fávaro, da Agricultura) e Paulo Teixeira (do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), decidimos anular este leilão”, informou o presidente da companhia, Edegar Pretto, na coletiva.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Paulo Teixeira, explicou que a realização de novo leilão é convicção do governo, determinado a assegurar oferta do cereal a preços menores ao consumidor final.
A ideia, agora, é revisitar os mecanismos estabelecidos para a realização dos pregões. "Com apoio da Advocacia-Geral da União e da Controladoria-Geral da União, pretendemos fazer um novo leilão, quem sabe em outros modelos, pra que a gente possa ter as garantias que vamos contratar empresas que tenham capacidade técnica e financeira. Para que não tenha como a gente depositar esse dinheiro público sem ter as reais garantias que esse leilão, esses contratos posteriores serão honrados", acrescentou Pretto.
Reviravolta no leilão de arroz gera incertezas no mercado do cereal
Incertezas no mercado fazem indústrias e produtores se retraírem, diz Alexandre Velho
Carlos Queiroz/Divulgação/JCO imbróglio envolvendo a realização e a anulação do leilão para importação de arroz, que deve desgastar bastante o governo e pode, inclusive, custar outras cabeças, além da do secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária, Neri Geller, não causou estragos apenas na política. Os desdobramentos no mercado do cereal também são grandes.
Conforme Evandro Silva, analista de arroz da Safras & Mercado, o episódio acabou por confirmar que a importação era uma medida “desnecessária e de difícil operacionalidade”, como já afirmava a cadeia produtiva do cereal.
“O governo não tinha noção do quão difícil seria importar uma quantia dessa magnitude no momento que o mercado vive. E ainda, com o vaivém nos tribunais, sobressai a fragilidade da Justiça”, avalia o especialista.
Silva ressalta que o leilão não poderia passar insuspeito quando quatro empresas desconhecidas do mercado foram as grandes vencedoras. “Nenhuma tinha capacidade pra empacotar o cereal importado internamente, condição que constava no edital. Algumas delas com capital minúsculo”.
Para o analista, a entrada do governo bagunçou o mercado. “No mercado de concorrência, é a previsibilidade dos movimentos. E vínhamos em uma temporada de muitas dificuldades com o clima. Não apenas no Rio Grande do Sul. Lavouras de Santa Catarina, Uruguai e Argentina também sofreram. O Paraguai com perdas acima de 10%. Toda a região arrozeira do Mercosul com muita dificuldade. E agora, esse novo elemento de incerteza surgindo, que é o governo, entrando para bagunçar o mercado”.
Evandro Silva relata que agentes, vendedores e compradores não sabem o que fazer. E que até mesmo para efetuar um levantamento de preços ficou difícil. “Por exemplo, no Litoral Norte gaúcho, caiu R$ 10 a saca de 50 quilos no início desta semana. E agora, provavelmente, vão reajustar de novo. Bagunçou preço e escoamento”.
A situação é corroborada pelo presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho. Segundo ele, a incerteza gerada no mercado faz indústrias e produtores se retraírem, prejudicando o andamento das negociações.
“O governo não tem por que entrar em uma seara que não é dele. Quando necessário, são as empresas privadas que o fazem. O papel do governo deve ser dar segurança para uma produção sem ameaça de preços abaixo dos custos de produção, que é o efeito prático de uma medida precipitada e desnecessária como essa”.
O dirigente avalia o recuo do governo com a anulação do pregão como um sinal importante, mas espera que a União aproveite a oportunidade para voltar a conversar com as entidades e entender que o cancelamento das importações deve ser definitivo.
“Esse leilão foi um grande erro, e espero que corrijam. Foi uma decisão unilateral, mesmo os ministros Carlos Fávaro (Mapa) e Paulo Teixeira (MDA) tendo ouvido os argumentos técnicos do setor. Não é o momento de intervir, em um ano em que estamos aumentando em 500 mil toneladas a produção”, diz Alexandre Velho.
Maior arrematante do pregão lamenta anulação e diz estar preparada para importar
Empresa de queijos do Amapá arrematou 147 mil toneladas e se diz pronta para importar
APPA/DIVULGAÇÃO/JCQuatro empresas arremataram os lotes comercializados no leilão realizado no dia 6 de junho e anulado nesta terça-feira (11) pelo governo federal. Por manterem atividades em diferentes ramos, e não apenas no comércio de alimentos, além do tamanho dos negócios, algumas delas despertaram a atenção e a desconfiança sobre a lisura do certame.
É o caso da Wisley A de Sousa Ltda, de Macapá (AP), cujo nome fantasia é Queijo Minas e que foi a maior arrematante de lotes no pregão, com 147,3 mil toneladas de arroz. Após o anúncio da anulação pelo governo, a empresa comentou a anulação do certame.
“Lamentamos e ficamos surpresos com esta decisão. Ontem (segunda-feira) a Conab já havia oficiado a empresa para apresentação de documentação complementar demonstrativa de capacidade técnica, operacional e financeira. O documento está pronto para ser protocolado, junto com aprovação bancária referente à caução de garantia que iríamos apresentar antes do prazo estipulado. Estamos preparados para realizar a importação e continuamos à disposição para colaborar com o País no abastecimento de produto essencial para a alimentação dos brasileiros”, diz o texto.
Ainda no domingo, quando as desconfianças sobre a operação já faziam ferver os bastidores políticos e colocavam em xeque a idoneidade das vencedoras, a Wisley se comprometeu com a entrega da quantia arrematada, “dentro do cronograma estabelecido pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e cumprindo rigorosamente as normas de controle e qualidade”. No texto, o proprietário lamentou que “grupos com interesses contrariados” estejam tentando “afetar sua imagem e deturpar a realidade".
Ainda de acordo com a nota, a empresa tem 17 anos de experiência no comércio atacadista, na armazenagem e na distribuição em todo Brasil de produtos alimentícios, “com um faturamento de mais de R$ 60 milhões apenas no ano passado”.