Segue forte a polêmica em torno do leilão de importação de arroz pela Companhia Nacional de Abastecimento, agendado para esta quinta-feira (6). O pregão, cujo objetivo é adquirir 300 mil toneladas do cereal, é objeto de representações no Tribunal de Contas da União (TCU), no Supremo Tribunal Federal (STF) e também na Justiça Federal do Rio Grande do Sul. Medida provisória assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva autoriza a estatal a importar até 1 milhão de toneladas, sob o argumento de garantir abastecimento ao país e evitar a disparada do preço ao consumidor final.
Em nota, a Assessoria Especial de Comunicação da Advocacia-Geral da União respondeu ao Jornal do Comércio que "monitora as instâncias judiciais e extrajudiciais de modo a garantir a segurança jurídica das medidas emergenciais adotadas pelo governo federal para enfrentar a calamidade climática no Rio Grande do Sul, mas até o momento a União não foi intimada em nenhum processo que trata da suspensão da importação e/ou leilão de arroz para mitigar o desabastecimento do produto. Tão logo isso ocorra, a AGU irá solicitar subsídios aos órgãos competentes e se manifestará nos autos dos processos dentro do prazo".
O mais recente movimento é o ajuizamento de uma ação popular movida pelos deputados estadual Felipe Camozzato e federal Marcel van Hattem, ambos do Partido Novo, na Justiça Federal do Rio Grande do Sul. No processo, alegam irresponsabilidade fiscal, violação à Constituição e ausência de motivação técnica.
Também questionam a compra a Federação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), em Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF, e o presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Setor Produtivo de Arroz da Assembleia Legislativa, Marcus Vinicius (Progressistas), no TCU.
Todas as demandas pedem a suspensão imediata e, posteriormente, o cancelamento do processo de importação. Entre os argumentos, apontam que o alegado risco de desabastecimento, sustentado pelo governo federal para justificar a compra, não existe.
Para Camozzato, a importação de arroz, em um momento delicado para o Rio Grande do Sul, vai agravar a crise, prejudicando o produtor e, consequentemente, o próprio consumidor.
“Essa medida representa uma interferência injustificada na economia, que irá punir justamente o Rio Grande do Sul, que é o Estado mais castigado do País”, pontua.
O entendimento é compartilhado pela CNA, que vê na importação uma violação da Constituição Federal e uma medida abusiva de intervenção do Poder Público na atividade econômica, restringindo a livre concorrência.
“O arroz produzido e colhido pelos produtores rurais gaúchos certamente sofrerá com a predatória concorrência de um arroz estrangeiro, subsidiado pelo governo federal e vendido no Brasil fora dos parâmetros econômicos de fixação natural de preços”, argumenta a entidade.
A CNA alega também que a importação irá afetar gravemente a cadeia produtiva "com potencial de desestruturá-la, criando instabilidade de preços, prejudicando produtores locais de arroz, desconsiderando os grãos já colhidos e armazenados, e, ainda, comprometendo as economias de produtores rurais que hoje já sofrem” com a tragédia climática e os impactos das enchentes. A entidade questiona a constitucionalidade das normas que preveem a importação.
As demandas levadas ao STF e ao TCU ressaltam que 84% da área plantada do Estado foi efetivamente colhida antes do início das chuvas e destacam que não existe o risco de desabastecimento. Para isso, apoiam-se em dados do setor que apontam para uma safra aproximada de 7,1 milhões de toneladas de arroz na temporada 2023/2024, patamar aproximado ao volume alcançado pelo Estado na colheita anterior, de 7,2 milhões de toneladas.
Conforme a entidade ruralista, os produtores, especialmente os de arroz do Rio Grande do Sul, “nunca foram ouvidos no processo de formulação dessa política de importação” do cereal.
“Não só os sindicatos locais, mas também a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) e a própria CNA detêm informações técnicas relevantes e dados de produção e colheita do arroz que demonstram que o risco de desabastecimento não existe e que a política de importação do arroz se revelaria desastrosa e contrária ao funcionamento do mercado.”
O fato de o governo não ter planejado a medida de importação do arroz com a participação do setor produtivo seria uma das razões “que levou aos equívocos de diagnóstico da situação, bem como à incapacidade de se identificar com precisão onde estariam os gargalos que poderiam suscitar investimentos imediatos”, afirma a entidade nacional.
Também nesta terça-feira (4), a Farsul divulgou nota técnica abordando os potenciais impactos da entrada do arroz importado sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). No documento, a entidade ressalta que o RS já convive com dificuldades financeiras antes das enchentes de maio de 2024, e que “a situação deve se agravar severamente caso não haja medidas por parte do governo federal”. E destaca a importância do tributo estadual gerado pelo cereal como fonte de receita aos municípios.
Conforme o estudo, a perda de arrecadação pode superar os R$ 440 milhões, em caso de queda de até 20% nos preços pagos ao produtor, o que representaria R$ 76,00 a saca de 50 quilos, abaixo do custo de produção. E somente haveria incremento na receita em caso de manutenção dos valores atuais.
Ao final da análise, os técnicos da Farsul sustentam que, diante da devastação causada pelas enchentes e da necessidade urgente de reconstrução do Estado, o tabelamento do preço do arroz “parece descabido e imprudente, visto que a arrecadação do ICMS é essencial para gerar o caixa necessário para que os municípios possam manter o funcionamento de suas funções governamentais”.