O desastre climático que afetou 93,1% dos municípios do Rio Grande do Sul, colocando mais de 300 em situação de emergência e quase 50 em estado de calamidade, reacendeu a atenção sobre um tema vital para a atividade agrícola, mas que passa longe do foco em muitas propriedades rurais. O manejo adequado do solo ajuda não apenas na obtenção de melhores resultados na produção, como também na preservação ambiental e das próprias condições de cultivo.
Com experiência de 48 anos atuando como pesquisador na área de manejo e conservação de solos da Embrapa Trigo, em Passo Fundo, o engenheiro agrônomo José Denardin não tem dúvida. “Há falhas enormes no manejo, que potencializam o efeito das ações do clima, como ocorreu agora”.
O agrônomo afirma que muitos dos problemas enfrentados pelos produtores, com impacto negativo sobre a rentabilidade das propriedades, inclusive, decorrem do manejo inadequado do solo e dos recursos disponíveis. Nesse sentido, o Ministério da Agricultura e Pecuária solicitou, em março deste ano, que a Embrapa apontasse sugestões de medidas que pudessem incentivar a adoção de boas práticas nas lavouras e como os produtores poderiam ser incentivados a adotá-las.
Leia mais: Inmet divulga alerta de perigo para o sul do País
“Estamos trabalhando nisso ainda internamente. Mas entendemos que seria importante oferecer a quem escolhe caminhos mais eficientes e sustentáveis algum estímulo, como crédito com juros mais baixos, prêmios de seguro menores e outras iniciativas que estão sendo analisadas. Incentivar financeiramente, como forma de estimular a pensar métodos mais positivos”, conta Denardin, mestre em Hidrologia e doutor em Solos e Nutrição de Plantas.
O tema também está na pauta do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Na quarta-feira (22), a secretária-executiva da pasta, Fernanda Machiaveli, disse ao jornal Valor Econômico que “será preciso enfrentar uma agenda de adaptação às mudanças climáticas, com assistência técnica e extensão rural voltada para a recuperação de solo e produção regenerativa para que o Estado (do Rio Grande do Sul) siga referência na produção de alimentos saudáveis em pequena e média escalas”.
Assistência técnica e transferência de tecnologias, aliás, também fazem parte do escopo da Embrapa Trigo. Em uma das ações, a unidade acompanha e orienta três cooperativas de produtores de grãos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, abrangendo 27 lavouras, em diferentes regiões. A ideia é capacitar os produtores para que possam obter os melhores resultados, por meio de práticas mais assertivas.
Ainda, pelo projeto de manejo de solo, técnicos da Embrapa Trigo têm feito diagnósticos e prognósticos sobre o plantio em propriedades rurais, orientando para o melhoramento dos resultados.
“Não indicamos o que produzir, mas qual seria o melhor caminho. Nessa iniciativa, encontramos um produtor, no município catarinense de Cerro Negro, distante 130 quilômetros de Vacaria, com a lavoura perfeita”, diz o pesquisador.
Ali, se produz soja, milho e trigo, com alto rendimento, solos descompactados e diversificação de culturas por tempo e espaço. E, com base no entendimento de que o “solo é fruto das raízes das plantas”, Denardin alerta para a escolha dos vegetais que serão usados.
De acordo com ele, gramíneas de verão, com sistema radicular espesso, robusto e abundante, têm uma decomposição mais lenta e mantêm os microrganismos ativos no solo. Entre elas estão milho, milheto, capim-sudão, sorgo e braquiária.
“Os resultados são muito bons quando usamos esse manejo no outono, depois da colheita da soja. As gramíneas de verão ocupam o solo por cerca de 80 dias, até o início da safra de inverno. E, se na sequência, entrar o plantio de milho em agosto e setembro, os resultados podem ser ainda melhores. O resumo é o manejo adequado do solo e do ambiente”, justifica José Denardin.
Terraço agrícola na mesma propriedade do norte gaúcho em 6 de maio, após chuvas
O agrônomo também defende a implantação, por exemplo, de terraços agrícolas, com uso de camalhões, ou canais de terra para armazenamento da água da chuva que não infiltrou no solo. Segundo ele, uma medida “espetacular e necessária”, mas pouco acolhida por produtores. “O argumento é que a técnica atrapalha a mecanização das lavouras, porque as máquinas precisam andar entre eles. E preferem acreditar que a palha é suficiente para fazer uma boa cobertura de solo e reter a água”.
Denardin aponta que a palhada reduz o impacto das gotas que tocam o solo. Mas não retém a água que não infiltra. E essa água, em excesso, irá escorrer. Com a secção da declividade dos terrenos, a energia de arrasto da água fica menor, retardando o pico da chegada e levando para os lençóis freáticos e não aos rios, em um primeiro momento.
“Sem obstáculos físicos à descida das águas, o que poderia levar anos, acontece em minutos, carregando sedimentos, assoreando o solo e aumentando os riscos de eventos cada vez mais trágicos. Com os plantios em declive, estamos orientando a água a correr. Mais de 70% das lavouras são morro abaixo”.