"Todo o departamento financeiro foi demitido pela gestão anterior poucos dias antes da renúncia. Estamos fazendo uma profunda apuração para saber a real situação. Nem mesmo o montante da dívida temos certeza. Possivelmente seja menor que os
R$ 260 milhões que imaginamos há alguns dias. Mas o caso é grave", analisa o dirigente.
Cooperativismo
- Publicada em 30 de Junho de 2023 às 00:10Reestruturação vira arma contra crise de cooperativas
Paulo Birck e Fábio Secchi estão à frente da Languiru, que fez readequação após dívida de R$ 1,1 bilhão
/Languiru/Divyulgação/JC
Claudio Medaglia
Circunstâncias adversas de mercado e gestões equivocadas são dois ingredientes que, combinados, potencializam a derrocada de negócios de todos os tamanhos e segmentos. Não é diferente no sistema cooperativo. E tampouco foi diferente nos casos da Languiru, com sede em Teutônia, e Piá, de Nova Petrópolis, duas das mais tradicionais cooperativas gaúchas, que, após renúncia de suas diretorias, buscam se reequilibrar e retomar um caminho seguro, conduzidas pelos novos gestores, eleitos nas últimas semanas.
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Circunstâncias adversas de mercado e gestões equivocadas são dois ingredientes que, combinados, potencializam a derrocada de negócios de todos os tamanhos e segmentos. Não é diferente no sistema cooperativo. E tampouco foi diferente nos casos da Languiru, com sede em Teutônia, e Piá, de Nova Petrópolis, duas das mais tradicionais cooperativas gaúchas, que, após renúncia de suas diretorias, buscam se reequilibrar e retomar um caminho seguro, conduzidas pelos novos gestores, eleitos nas últimas semanas.
Agora, os novos presidentes Paulo Birck, da Languiru, e Jorge Dinnebier, da Piá, correm contra o tempo, ombreados pelos colegas de diretoria e conselhos de administração. O objetivo comum é conhecer a fundo os problemas das duas cooperativas e encontrar o ponto de equilíbrio para a retomada. Aos poucos, estão tentando encontrar soluções para devolver às empresas credibilidade junto ao mercado e proteger suas marcas, por meio da continuidade das operações-chave.
A Languiru, com dívida total estimada em cerca de R$ 1,1 bilhão, sendo R$ 788 milhões junto ao sistema financeiro, a partir de investimentos em alto grau num momento em que a cadeia diminuiu seu ritmo e margens, decidiu, com a nova diretoria, descontinuar diversos negócios não diretamente relacionados à atividade principal. Suinocultura e bovinocultura de corte, farmácias, postos de combustíveis, agrocenters e supermercados deverão ser negociados.
Já a produção leiteira, cuja captação já vem sendo feita pela Lactalis, em parceria firmada em março, seguirá preservada, assim como as atividades no segmento de grãos, com estrutura na área portuária de Estrela. A Fábrica de Rações continua com a nutrição animal para associados da cooperativa e com a prestação de serviços de industrialização para parceiros. O segmento de hortifruti não sofreu alterações, e a produção dos associados continua abastecendo os Supermercados Languiru.
Por outro lado, a Languiru reduziu o volume de produção na avicultura, buscando o equilíbrio da cadeia. Para alcançar o resultado operacional do Frigorífico de Aves, em Westfália, o volume de abate foi reduzido a 60 mil frangos ao dia e outros 15 mil frangos diariamente, por meio da prestação de serviço a uma empresa parceira. Com a consequente redução do plantel no campo, a cooperativa também reduz a necessidade de nutrição animal.
"De posse dos números e prospectando cenários futuros, estamos trabalhando com um novo modelo de negócio. Diante da situação atual, é primordial que a Languiru reveja suas estruturas, em todos os segmentos em que atua, procurando administrar a questão financeira por meio da descontinuidade de atividades ou negócios que não gerem resultado ou, ainda, que estejam drenando recursos", explica Birck.
Além das mudanças no seu modelo de negócio e tamanho das operações, a cooperativa intensifica ainda mais a busca por parcerias para prestação de serviços ou venda de ativos, renegociações com instituições financeiras e apoio nas esferas políticas municipais, estadual e federal. "É um momento muito duro para todos, mas são definições que precisam ser tomadas. Os prazos são muito curtos e a situação é extremamente difícil. Além de todo o processo de reorganização, urge a busca por aporte financeiro", acrescenta o vice-presidente, Fábio Secchi.
No caso da Cooperativa Piá, com sede na Serra, embora o volume de endividamento seja muito menor, os problemas deixados pela gestão anterior são um desafio à parte. Nomeado interinamente pela Justiça, ao lado de outras figuras da comunidade local, para gerir a empresa até a eleição de nova diretoria, Jorge Dinnebier, agora presidente de fato e de direito, verificou um verdadeiro caos financeiro na empresa.
Filho de fundadores da Piá, ele é associado desde 1986, e pretende restabelecer um modelo de gestão que foi instituído junto com a criação da cooperativa, há 57 anos. "Teremos, abaixo da diretoria, cuja função será pensar a Piá estrategicamente, dois diretores remunerados. Profissionais do mercado, especializados nas áreas comercial e financeira. Estamos, agora, trabalhando para escolhê-los, moldá-los e introduzi-los na rotina. Queremos ter essas funções estratégicas definidas em algumas semanas. O da área comercial já temos um bom caminho", revela Dinnebier.
O presidente calcula que a Piá precisará diminuir de tamanho, talvez enxugando para menos da metade do que é atualmente. Defende que a saída é voltar às origens e atuar regionalmente. "Nosso raio de atuação terá de ser em torno de 100 a 150 quilômetros da sede. Deixaremos de trabalhar com grandes redes de supermercados e também deveremos parar de atender os mercados de Santa Catarina e Paraná."
As medidas, drásticas, fazem parte do contexto de reestruturação, que, finalmente será, de fato, implementada. Dinnebier, com 26 anos de experiência no sistema financeiro de crédito, diz que o diálogo transparente com agentes do sistema financeiro será primordial para destravar as operações da cooperativa. O endividamento terá de aumentar para, depois, começar a ser reduzido. "Precisaremos, e seremos, transparentes. Vamos mostrar aos bancos quem somos e o que pretendemos. Nosso patrimônio é muito maior que a dívida, mas banco não trabalha com imóveis, e sim com dinheiro. Vamos nos desfazer de ativos, mas não a qualquer preço."
A boa notícia é que o processamento de leite, interrompido quando a coleta caiu de 200 mil litros diários para menos de 10 mil litros, por falta de pagamento aos produtores, já está sendo retomado. E, nesse momento, a cooperação entrou em cena no ambiente cooperativo. A Santa Clara vem recebendo o leite dos associados da Piá e, aos poucos, devolve, quando os volumes chegam a ser suficientes para compensar a operação. A parceria funciona como uma espécie de depósito ou empréstimo, até que a Piá possa retomar seu fluxo.
"Estamos assim: produzimos, paramos, voltamos a produzir. Nosso negócio é o leite. Isso não podemos deixar. Queremos recuperar nossos fornecedores. Mas eles precisam ter segurança de que irão receber. E vamos dar a eles essa segurança", promete Dinnebier.
O dirigente explica que uma auditoria está sendo feita para levantar a situação deixada pela gestão anterior e, eventualmente, ir à Justiça, caso irregularidades ou crimes sejam confirmados. Mas também mostra confiança na capacidade de cumprir a missão de reerguer a cooperativa. "Nossa gestão será sustentada pela volta do diálogo, da transparência e da verdade junto aos associados. Vamos recuar vários passos, para poder voltar fortes e com segurança", conclui.
As dificuldades enfrentadas pelas cooperativas Languiru e Piá vinham sendo acompanhadas pela Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul (Ocergs). A entidade via com preocupação os rumos dos negócios e as iminentes crises se consolidando. O cenário dramático, entretanto, é pontual, assegura o presidente do Sistema Ocergs, Darci Hartmann.
Ele analisou os casos da Piá e da Languiru. "As origens das crises das cooperativas são sempre variadas. As cooperativas de proteína animal enfrentam uma crise estrutural há três anos, na qual operacionalmente as contas não fecharam e continuam não fechando. Então, quem não tem uma gordura de recursos acumulada, quem não teve uma gestão muito austera, passou por dificuldades. E, evidentemente, esses processos se aceleram ou não, de acordo com a capacidade de gestão, a transparência da gestão, a comunicação clara que os dirigentes fazem com os associados, a gestão transparente dos profissionais gestores, no sentido de que todos os atores envolvidos, associados, colaboradores e direção possam estar olhando para o mesmo horizonte, para a mesma direção, e isso possa ser um processo de integração e fortaleça a cooperativa para que ela possa enfrentar essas dificuldades unidas", interpreta.
Para Hartmann, essas situações começaram a se deteriorar há cerca de três anos. Além da crise da proteína animal, o dirigente menciona a transparência de gestão. "Foram decisões que o tempo mostrou que não foram as corretas e isso acentuou as dificuldades. Mas, acima de tudo, mesmo com todas as dificuldades, as cooperativas estão conseguindo transpô-las. Fundamentalmente, porque conseguiram se comunicar de forma adequada em nível interno e externo, com transparência perante o Conselho, os quadros sociais, os colaboradores e os integrados, expondo as dificuldades", analisa.