Os associados da Cooperativa Languiru deverão aprovar nesta quinta-feira (30), em assembleia geral ordinária, o avanço das negociações entre a empresa e o grupo chinês ITG Tianjiao para a criação de uma joint venture. O negócio é considerado a salvação para manter a viabilidade das atividades da cooperativa, com dívida líquida de R$ 780 milhões junto ao sistema financeiro e outros R$ 200 milhões com fornecedores de proteína animal, insumos e prestadores de serviços.
O aval dos cooperados será a materialização do esforço da diretoria, que nos últimos dias intensificou o diálogo com os associados em reuniões para abrir os números da Languiru e as perspectivas em cenários de aprovação e de rejeição da proposta chinesa. Ao ouvir os relatos, muitos daqueles que se mostravam reticentes passaram a entender a importância do acordo para a sobrevivência da própria atividade.
Ainda que o faturamento da cooperativa tenha sido de R$ 2,7 bilhões em 2022 e que o patrimônio supere os R$ 1,2 bilhão, a tendência seria fechar 2023 com prejuízo de R$ 500 milhões. E a situação se tornaria ainda pior.
Por isso, a parceria alinhavada na semana passada, com a assinatura de um protocolo de intenções entre as partes, envolvendo as operações de aves, suínos, bovinos e ração, é considerada um marco para o renascimento da Languiru. O formato do negócio e os valores envolvidos somente serão definidos após a vinda de uma comitiva chinesa para uma imersão nos números e na estrutura da cooperativa, mas é certo que o controle acionário da nova companhia será estrangeiro, caso a parceria se confirme.
A parte gaúcha do negócio deverá ficar com entre 20% e 45% das operações de aves e suínos, segmentos que renderam prejuízo de R$ 400 milhões nos últimos dois anos. Daí vem grande parte das dificuldades de caixa da cooperativa, que na última década investiu em modernização das plantas frigoríficas. Outra parte dessa equação está no aumento exponencial do preço dos principais insumos, como milho e soja, atrelado às taxas bancárias além da capacidade de pagamento dos financiamentos, com a Selic a 13,75% e sem sinalização de tendência de queda, justifica o presidente da Languiru, Dirceu Bayer.
"Quanto maior for o percentual adquirido pelos chineses, maior será o tamanho da dívida que poderemos quitar. Buscamos parcerias com outras cooperativas, mas o negócio que surgiu foi esse. E não há mais como fugir da globalização. Não temos como sobreviver sozinhos. Se o negócio se concretizar, a cooperativa estará totalmente viabilizada novamente", garante Bayer.
Com faturamento anual de US$ 71 bilhões, a gigante ITG atua em diversos segmentos e tem a oferecer grande capacidade de mercado para os produtos gaúchos, inclusive a partir de um porto naval próprio. Antes de assinar o compromisso com a Languiru, representantes do grupo chinês passaram cerca de 10 dias conhecendo a cooperativa e colhendo as primeiras impressões sobre o potencial do negócio sob o ponto de vista asiático.
"O negócio desafogará enormemente a nossa situação e ampliará a penetração de nossos produtos no mercado externo. Estamos tentando há nove anos habilitar uma planta frigorífica para exportar à China, sem sucesso. Por outro lado, para os chineses, a valorização dos mesmos produtos é 60% maior que os preços praticados no Brasil, e as taxas não passam de 4%", acrescenta o dirigente.
A condição imposta pela própria Languiru para o negócio é a participação nas discussões e na administração da nova empresa. A gestão seria chinesa, com a garantia de que representantes gaúchos estariam no Conselho de Administração.
A COOPERTIVA LANGUIRU
-Fundada há 67 anos, a cooperativa já teve mais de 6 mil associados
-Atualmente, conta com 5,7 mil membros no quadro social
-Atua nos segmentos de aves, suínos, bovinos, leite, ração animal, supermercados, postos de combustíveis e lojas com produtos de sua própria linha
-O patrimônio imobilizado é estimado em R$ 1,2 bilhão
-O faturamento em 2022 foi de R$ 2,7 bilhões
-A dívida líquida é de R$ 780 milhões com agentes financeiros e outros R$ 200 milhões com fornecedores e prestadores de serviços
- As dificuldades financeiras começaram no início da década, quando os preços das commodities para produção de proteína animal dispararam
- Aliado a isso, as altas taxas bancárias para cobrir financiamentos contraídos para modernização das plantas industriais comprometeram o caixa
- A queda nas exportações foi outro fator a pesar contra os negócios da Languiru
- A empresa iniciou um processo de reestruturação no ano passado para evitar o fim das atividades
- No início de março, um acordo foi firmado com a Lactalis do Brasil para fomentar a produção de leite gaúcha. Conforme o contrato, toda a produção leiteira da cooperativa em um período de cinco anos será entregue à Lactalis, que garantirá a remuneração a produtores e transportadores, além de assistência técnica com foco no aumento da produtividade.
- Na semana passada, a Languiru e o conglomerado chinês deram os primeiros passos para a parceria que pode ser definida a partir da assembleia de associados
Crise da cooperativa gera impacto na região do Vale do Taquari
A crise na Languiru preocupa a região. Com 5,7 mil associados, mais de 50 mil pessoas seriam afetadas por um eventual fechamento da empresa. Afinal, as operações da Languiru têm impacto sobre a economia de municípios como Teutônia, Westfália, Poço das Antas e Estrela, por exemplo. Prefeitos têm manifestado receio quanto ao futuro da cooperativa e torcem por uma solução para o caso.
A situação se complicou para a empresa na virada da década, quando importante componente na formulação de rações, o milho disparou no mercado doméstico. Enquanto entre janeiro e março de 2020 o preço médio real da saca de 60 quilos de milho custava R$ 70,02. Em maio de 2021, o preço já ultrapassava os R$ 100,00.
O cenário inviabilizou a produção de frangos e levou na esteira a suinocultura. Naquele período, a Languiru reduziu um turno de abates. A perda por quilo de frango chegava a R$ 2,00. E agregado a isso ainda pesavam os altos investimentos feitos poucos anos antes. Com um aumento de 43,3% no custo de produção de frangos e um repasse pelas empresas de apenas 26,6% desse valor, a defasagem comprometeu o negócio.
Dirceu Bayer vê ambiente mais promissor
Bayer acredita na aprovação da negociação com os chineses
/MARCOS NAGELSTEIN/AGÊNCIA PREVIEW/DIVULGAÇÃO/JC
Pressionado por um ambiente de discussões no âmbito da diretoria, desconfiança dos associados e dificuldades de caixa, o presidente da Languiru Dirceu Bayer, no comando da empresa desde 2002, respirou aliviado ontem, ao final do segundo encontro com cooperados. Ele acredita piamente que o quadro desconfortável foi compreendido, bem como os seus movimentos em busca da solução que surgiu com os asiáticos.
Jornal do Comércio - O senhor acredita na aprovação da parceria pela assembleia?
Dirceu Bayer - Acredito plenamente. Temos sido muito transparentes com os associados. Eles entenderam que esse é o caminho que temos a trilhar para seguir operando. Não temos mais como sobreviver sozinhos.
JC - O senhor disse que os resultados contábeis melhoraram nos último ano. Mas ainda assim é preciso entregar o controle das operações?
Bayer - Sim. No ritmo em que estávamos, chegaríamos a um prejuízo de R$ 500 milhões ao final de 2023. A oportunidade surgiu agora. Vai nos dar fluxo e novos ares. A cooperativa estará totalmente viabilizada novamente.
JC - O que tornou a cooperativa atraente para os chineses?
Bayer - Fizemos investimentos importantes que, embora tenham comprometido nossas contas, fizeram de nosso patrimônio, moderno, um ativo muito forte. Vestimos a noiva para que ela se tornasse atrativa.