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O espaço urbano deve ter diversidade, defende Newton Burmeister
"A cidade que amanhece não é a mesma que anoitece; ela nunca para, está sempre mudando", diz urbanista
Secretário do Planejamento em duas oportunidades, o arquiteto e urbanista Newton Burmeister foi protagonista na elaboração do Plano Diretor de Porto Alegre aprovado em 1999 e que entrou em vigor no ano 2000. Um dos princípios da lei é fazer revisões de tempos em tempos. A primeira foi concluída em 2010. Uma década depois, a segunda avaliação, cujo debate era para ter sido concluído em 2020, atrasou em função da pandemia.
Provocado a falar do assunto, Burmeister comenta o projeto específico de revisão do Plano Diretor do Centro, que está na Câmara Municipal, e prevê estímulos à construção civil. Ele sustenta que o mais importante é promover a diversidade de usos, com habitação, comércio e serviços. "Não é aumentar os índices (construtivos) para construir escritórios que vai resolver o problema. É a diversidade. Se for mais do mesmo, não adianta. Tem que ter habitação junto, é o que dinamiza", expõe.
Para o urbanista, outro ponto fundamental é promover o debate com a população, para saber qual é a cidade que as pessoas desejam. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Burmeister ainda fala da importância de espaços públicos para as pessoas usufruírem da cidade.
Jornal do Comércio - Porto Alegre está revisando o Plano Diretor. Qual é a sua avaliação?
Newton Burmeister - O primeiro Plano Diretor é de 1959, o segundo, de 1979, passaram-se 20 anos, com ajustes de acordo com a situação, demandas. De 2000 para cá, a dinâmica urbana se tornou muito diferenciada. Meu filho é arquiteto e trabalha em home office para uma empresa de Singapura. Isso altera a organização urbana: deslocamentos que eram imprescindíveis deixaram de ser. A pandemia demonstrou outro fator.
JC - Afeta o planejamento?
Burmeister - Sem dúvida. Investidores de edifícios comerciais para escritórios já estão revisando isso, lançamentos imobiliários (residenciais) que não tinham escritório para fazer home office... Essas coisas estão trazendo uma alteração nas relações. Espaços públicos ficaram muito valorizados e necessários. É importante, quanto mais espaços públicos, mais abrangência, próximos e acessíveis... A orla do Gasômetro, que por décadas ficou abandonada, tinha usos secundários, foi cadeia, usina, hoje é uma complementariedade urbana de lazer, tanto é demandada pelo público que congestiona.
JC - É imperativo ter atenção maior com espaços públicos?
Burmeister - Sem dúvida, porque a cidade é o que você pode usufruir dela. A cidade é o cenário da vida; se ele não te ampara, como é que tu vais usufruí-lo? Espaços públicos configuram a cidade para ser usada. Tu tens que te sentir confortável na tua rua, no Centro da cidade... A Rua da Praia há 40, 50 anos, era o shopping principal da cidade, com lojas, restaurantes, bares, cinemas, equipamentos urbanos que se estendiam da rua Doutor Flores até o Hotel Majestic. Percorrendo a pé, tinha movimentação, e voltada para a rua. Em 40 anos, mudou, atividades que eram extrovertidas ficaram introvertidas, foram para dentro de shoppings e a rua foi ocupada por outras atividades.
JC - Uma frase sua ficou famosa nos anos 1990, início dos anos 2000, sobre a cidade, que ela não para, independentemente do que se fizer no planejamento. Isso continua valendo?
Burmeister - Sim, a cidade é absolutamente dinâmica. A cidade que amanhece não é a mesma que anoitece, nunca, ela nunca para, nunca se dá um tempo para, digamos, um período de descanso. Não, a cidade está permanentemente mudando. E por essas mudanças e necessidades, é um território de disputas. As diversidades que compõem a cidade querem se apropriar da sua parte nela, as pessoas querem se apropriar de sua parte. A questão do capital, por exemplo, a cidade para ele é um instrumento de ganho, se puder multiplicar um terreno por 10 vezes, está muito bom. Se puder multiplicar por 20, muito melhor. E tem outros interesses. Como somos uma sociedade muito desigual, tem partes da cidade que se qualificam e partes que perdem... Não é possível uma cidade como Porto Alegre ter o nível de saneamento básico que tem - e mesmo assim é alto comparando com o Brasil... Então, qual a cidade que está crescendo mais? A cidade formal, organizada, com equipamentos, ou aquela que vai ocupando as franjas das cidades, que a gente chama de periferia...
JC - Há grandes problemas nas periferias, mas a atenção maior ainda é para o Centro...
Burmeister - Os Centros têm nas referências das cidades praticamente a sua identidade. Essa situação começa a se diluir na medida em que a cidade vai crescendo e essas regionalidades de centralização vão se modificando. Veja o que está acontecendo na área do Iguatemi, é a cidade do século XXI que está sendo feita, Parque Germânia, lançamentos (imobiliários)... Mas a estrutura viária permanece a mesma, só se modifica na parte que é urbanizada nova. Na parte antiga, a (avenida) João Wallig é a mesma de 50 anos atrás. Então, essa situação de necessidades, à medida que vai se afastando do Centro, vai ampliando, porque a velocidade de crescimento e a velocidade de investimento são diferenciadas, (a cidade) cresce mais do que se investe. A periferia é sempre muito castigada, e o Centro sempre está a requerer manutenção que lhe mantenha a identidade urbana. São circunstâncias que se dissipam à medida que se faz do território o objeto do planejamento como um todo. E na medida em que se subdivide nas regiões de gestão de planejamento, como é o Plano Diretor (de Porto Alegre), as pessoas têm melhores condições de participar, entendendo seu território.