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Semana de Porto Alegre

- Publicada em 28 de Março de 2021 às 20:40

Para Turkienicz, 4º Distrito pode atrair grandes investimentos a Porto Alegre

Arquiteto e urbanista Benamy Turkienicz coordenou a elaboração do plano para revitalizar o 4º Distrito de Porto Alegre

Arquiteto e urbanista Benamy Turkienicz coordenou a elaboração do plano para revitalizar o 4º Distrito de Porto Alegre


CLAITON DORNELLES/JC
O arquiteto e urbanista Benamy Turkienicz coordenou a elaboração do plano para revitalizar o 4º Distrito de Porto Alegre. Para tirar o projeto do papel, o professor da Ufrgs defende que a iniciativa seja implementada por partes, com o apoio da iniciativa privada. O especialista também observa que o corredor de ônibus da avenida Farrapos divide a área, sendo a parte de baixo a mais degradada e que mais precisa de investimentos. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Turkienicz fala sobre o desenvolvimento da Capital, analisa estímulos ao Centro Histórico e identifica uma nova centralidade em Porto Alegre, que tem como eixo o cruzamento da avenida Ipiranga com a Terceira Perimetral.
O arquiteto e urbanista Benamy Turkienicz coordenou a elaboração do plano para revitalizar o 4º Distrito de Porto Alegre. Para tirar o projeto do papel, o professor da Ufrgs defende que a iniciativa seja implementada por partes, com o apoio da iniciativa privada. O especialista também observa que o corredor de ônibus da avenida Farrapos divide a área, sendo a parte de baixo a mais degradada e que mais precisa de investimentos. Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Turkienicz fala sobre o desenvolvimento da Capital, analisa estímulos ao Centro Histórico e identifica uma nova centralidade em Porto Alegre, que tem como eixo o cruzamento da avenida Ipiranga com a Terceira Perimetral.
Jornal do Comércio - Como surgiu o trabalho do 4º Distrito?
Benamy Turkienicz - Foi um convite feito pela prefeitura ao Núcleo de Tecnologia Urbana (NTU, da Ufrgs), que eu coordeno. Isso em função da experiência do NTU na produção de planos diretores em cidades do Rio Grande do Sul e planos de habitação de interesse social. Foi na gestão do prefeito José Fortunati (então PDT), em 2015. E (o trabalho) foi concluído em 2016.
JC - Um plano para revitalizar o 4º Distrito...
Turkienicz - Era dividido em duas partes: uma com dimensões urbanísticas, planejamento territorial, e outra voltada a um plano de negócios, que viabiliza as melhorias propostas.
JC - O senhor define o masterplan como "Operação Urbana Consorciada desenhada". Um plano intermediário, que olha uma região da cidade...
Turkienicz - Operações consorciadas podem ter vários tamanhos. As mais difundidas são as de São Paulo, variam de 1.500 a 500 hectares. A Operação Urbana Consorciada do 4º Distrito é de 150 hectares, parecida com a dimensão de Puerto Madero (Argentina). A dimensão do 4º Distrito se aproxima mais de experiências no exterior, nos Estados Unidos, Canadá, Colômbia, Japão, uma escala semelhante a Barcelona, no 22@. Aqui, queríamos mostrar a importante intersecção entre custos de infraestrutura, qualificação ambiental, suplementação de soluções para problemas habitacionais, preservação do patrimônio histórico, com os recursos que iriam ser auferidos pela operação... O 4º Distrito é uma área dividida em duas metades.
JC - Quais?
Turkienicz - Acima da Farrapos e abaixo da Farrapos. Acima, é uma área razoavelmente bem infraestruturada, com qualidade urbana relativamente boa, quanto mais se aproxima de bairros como Moinhos de Vento. Abaixo da Farrapos, são necessárias ações, explicitadas no masterplan, principalmente reconectar o tecido da Farrapos para baixo com o tecido da Farrapos para cima, interrompido pelo corredor de ônibus.
JC - O que se espera quando o masterplan for implementado?
Turkienicz - O 4º Distrito tem 150 hectares. Entendemos que deva ser dividido em módulos de intervenção, que dariam ensejo ao que chamamos de "quadras rápidas". São quadras que têm poucos proprietários e lotes muito grandes, portanto, permitem uma rápida transformação e um rápido acordo comercial... Um termo que todo mundo conhece é "condomínio". Então, (seria) uma ação gerida por uma empresa ou por um conselho gestor que arrecada fundos para investimento numa determinada área. Dividimos o 4º Distrito em condomínios, pelo menos 10, que seriam áreas de intervenção prioritárias.
JC - Como funcionaria?
Turkienicz - Isso se viabilizaria através de um sistema de cogestão entre grupo gestor e prefeitura, com diretrizes urbanísticas específicas para essas áreas, para dar segurança para o empreendedor conseguir recursos para investir naquele lugar. É preciso pensar como essa área pode ser importante para o desenvolvimento econômico de Porto Alegre. Poderia abrigar empresas, parte da universidade que está estrangulada no campus central, parte do parque hospitalar que precisa de área para expansão. Precisaríamos ver como o 4º Distrito poderia oferecer um programa para Porto Alegre para que atraia negócios. Não podemos pensar no 4º Distrito como uma simples operação de venda de índices construtivos para arrecadar fundos para pagar dívidas do município ou resolver problemas específicos dispersos na cidade.
JC - Uma questão no debate do 4º Distrito é o investimento em infraestrutura que o poder público teria que fazer para atrair investidores privados...
Turkienicz - Fizemos uma simulação de arrecadação nos 149 hectares da área de intervenção: tem potencial construtivo de 7 milhões de metros quadrados. Em termos de negócios que poderiam ser feitos, através de ISS, de vendas de Solo Criado, de ITBI nas transações imobiliárias, isso daria um total somado de R$ 1,8 bilhão na área do 4º Distrito. E o custo da infraestrutura foi orçado em R$ 372 milhões.
JC - Que infraestrutura?
Turkienicz - Drenagem, tratamento de esgoto, iluminação pública, pavimentação... Hoje, o valor do solo no 4º distrito está na faixa de R$ 1 mil o metro quadrado. Com 1,49 milhão de metros quadrados de solo, isso valeria, na época, R$ 1,49 bilhão. Mas com a infraestrutura, que custaria R$ 372 milhões, o valor do solo saltaria para R$ 2,98 bilhões (o dobro), para ver como seria valorizado o solo público com esses investimentos. O poder público, junto com empresas consorciadas, poderia contrair empréstimos necessários à suplementação dessas infraestruturas.
JC - Mas esse ciclo de investimentos e valorização do solo, que atrairia novos investimentos, teria a largada por aporte público, privado ou misto?
Turkienicz - Totalmente privado. E o município, além de aumentar a arrecadação, não precisaria investir um centavo. O que precisaria é ter a coragem e a decisão política de se associar a empresas para tomar esse recurso no mercado. Existem recursos para obras de infraestrutura voltadas ao desenvolvimento sustentável, que inclusive são a fundo perdido. Buscar esses fundos, buscar fundos de investimento que teriam interesse em investir numa área que vai aumentar de valor, ou seja, esse papel que vai ser colocado lá fora poderia trazer a médio e longo prazo uma recompensa para o investidor.
JC - Poderia ser uma incorporadora, por exemplo?
Turkienicz - Certamente. Formariam-se consórcios incorporadores. Nesse grupo de gestão incorporadora, o município participa no órgão gestor, mas a responsabilidade pela promoção do negócio poderia ser exclusivamente privada.
JC - E a incorporadora é dona do solo necessariamente?
Turkienicz - Não, é o ente responsável pelo aglutinamento dos proprietários, reúne os proprietários... Sabe como se faz uma incorporação num edifício em Porto Alegre? Troca (o terreno onde será erguido o novo prédio) por área construída, oferece imóveis, uma série de operações em que possa contemplar o interesse dos donos dos terrenos... Não há em nenhuma hipótese a desapropriação, só em casos excepcionais, porque não se busca isso, se busca o consenso, valorizar a área. Eu disse anteriormente que o valor só do solo dobraria com a infraestrutura. E o município dá sua chancela para que esse empreendedor busque recursos para fazer a infraestrutura. Eu teria o maior interesse em ser proprietário de um terreno nessa área, porque vai ser objeto de investimento e valorização.
JC - Tem alguma área do 4º Distrito que o senhor indicaria para esse início de revitalização?
Turkienicz - Identificamos mais de 10 áreas com essas características, áreas que denominamos polígonos de intervenção prioritária, com a combinação de diferentes fatores, existência de comércio, atividade econômica, residências, sistema viário de alta acessibilidade, vários atributos. Existem áreas mais suscetíveis a despertar o interesse da iniciativa privada. Uma é a volta da (avenida) São Pedro, onde já tem outros investimentos.
JC - O senhor citou a avenida Farrapos como divisor de perfis do 4º Distrito, em função do corredor de ônibus. Poderia ser mudado o formato do corredor?
Turkienicz - Os ônibus que vem da Região Metropolitana e utilizam o corredor da Farrapos chegam no Centro com não mais que 30% de ocupação. Poderíamos ter terminais de transbordo antes de ingressar na Farrapos. A permeabilidade entre a parte de cima e a parte de baixo da Farrapos é muito reduzida pelo corredor de ônibus. A solução de transporte poderia ser algo mais leve, distribuído, uma solução específica para enfrentar esse duplo objetivo, fazer com que as pessoas que chegam da Região Metropolitana possam se distribuir através das perimetrais para o resto da cidade, e fazer com que o 4º Distrito possa ser irrigado pela movimentação no sentido leste-oeste.
JC - Isso teria impacto no Centro, menos ônibus chegando.
Turkienicz - Um grande problema do Centro de Porto Alegre é que não é mais centro. As cidades, quando crescem, aumentam o poder de centralidade de seu Centro Histórico ou ele é gradualmente diluído por áreas de nova centralidade. O centro de Porto Alegre, geográfico, hoje, é o cruzamento da Ipiranga com a Terceira Perimetral, é a área mais central que nós temos em Porto Alegre. Se olhar aquela área hoje, vai ver vários empreendimentos, o Tecnopuc é um marco. A área ao redor desse cruzamento tem um enorme potencial de crescimento. É uma área de imensa centralidade, que não é o Centro Histórico de Porto Alegre.
JC - E como está o Centro?
Turkienicz - Os edifícios do Centro Histórico estão se esvaziando na parte dos pavimentos superiores - salas, consultórios, escritórios, as pessoas estão indo para áreas de nova centralidade, e não agora só por causa da pandemia, é um movimento anterior. O Centro Histórico merece atenção. A reformulação passa pela reconceituação, de centro exclusivo de negócios, para ser também uma área de residência. Por que não ter esse redesenho? Teríamos que enfrentar diretrizes urbanísticas, fazer com que essas transformações possam acontecer de forma mais rápida e não entrar caso a caso. Se não fizermos em bloco, deixa de ser atraente sob o ponto de vista do investidor, ele não quer esperar três anos por uma resposta do poder público (licença para um empreendimento).
JC - E o Cais Mauá?
Turkienicz - O Cais Mauá deveria ter uma solução integrada com a avenida Mauá e região, em conjunto, não separadamente. Isso não foi feito no projeto anterior - o projeto dos espanhóis era de muita qualidade técnica, mas não foi pensado em conjunto. Toda essa área a partir da Praça da Alfândega, na linha da Rua da Praia para baixo (até o Cais) deveria ser pensada em conjunto, até a Usina do Gasômetro. Uma Operação Urbana Consorciada Rua da Praia-Guaíba.
JC - Nesse contexto, havia a ideia de rebaixar a avenida João Goulart e fazer uma esplanada, ligando o fim da Rua da Praia à orla do Gasômetro e ao Cais...
Turkienicz - Seria viável dependendo do modelo de negócios. Se for pensar numa operação exclusiva do Cais, não teria condições. Mas se pensar grande, envolvendo da Rua da Praia para baixo, poderia viabilizar o projeto. Mas eu retruco com uma escala e demanda de tráfego que talvez não justificasse esse rebaixamento.
JC - Infraestrutura...
Turkienicz - Porto Alegre é uma cidade que tem infraestrutura que poderia abrigar 5 milhões de habitantes. Isso significa que 1,5 milhão de habitantes estão pagando uma infraestrutura que poderia abrigar 5 milhões. Uma cidade que se dá ao luxo de se expandir desta forma está desperdiçando dinheiro. E Porto Alegre está perdendo população para a Região Metropolitana. Precisamos pensar Porto Alegre a partir das projeções de crescimento demográfico. Para isso, não podemos desvincular o custo da cidade do Plano Diretor.
JC - O senhor quer dizer que tem infraestrutura ociosa?
Turkienicz - Em muitos lugares sobra infraestrutura, em outros, falta. Precisamos ter uma visão de onde falta, onde está sobrando, e aproveitar onde está sobrando. No 4º Distrito, temos um potencial construtivo do Plano Diretor para 200 a 300 habitantes por hectare, e temos uma média de ocupação que não passa de 40 habitantes por hectare, na parte da Farrapos para baixo, um desperdício. Precisamos ter projetos que nos permitam equilibrar essa oferta. Quando tem infraestrutura e não tem densidade, outros acabam pagando por ela.

Perfil

Benamy Turkienicz, 69 anos, nasceu em Porto Alegre. Arquiteto formado pela Ufrgs (1976), tem Ph.D. em Urbanismo pela Chalmers University of Technology (Suécia, 1982), é mestre em Estudos Arquitetônicos Avançados pela University College de Londres Bartlett School of Architecture (1981), mestre em Desenho Urbano pela Oxford Polytechnic / Joint Centre for Urban Design (1979). É professor titular da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs desde 1989. Também lecionou na Universidade de Brasília (UnB) entre 1982 e 1986. É autor de diversos projetos de arquitetura e publicou vários artigos, capítulos e livros sobre arquitetura, urbanismo e educação em Design. Desenvolveu o CityZoom, software utilizado para modelar impactos ambientais do ambiente construído. Coordena o SimmLab, Laboratório para Simulação e Modelagem em Arquitetura e Urbanismo, e o Núcleo de Tecnologia Urbana (NTU), grupo multidisciplinar integrado por diferentes laboratórios de pesquisa da Ufrgs, que elaborou o masterplan do 4º Distrito de Porto Alegre.