Para o secretário municipal de Saúde de Porto Alegre, Mauro Sparta (PP), as aglomerações no Litoral e as mutações do coronavírus foram os fatores responsáveis pela disseminação crescente da Covid-19 nos últimos dias - o que provocou a lotação de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) dos hospitais. As aglomerações no Litoral foram protagonizadas, principalmente, por jovens. A nova variante do coronavírus tem atingido mais a população de 15 a 29 anos, que, na semana passada, chegou a ocupar quase 25% dos leitos de UTI disponíveis na Capital. Por isso, para tentar conter a disseminação do vírus, Sparta aposta em uma campanha focada no público jovem, apelando para que evitem aglomerações e respeitem os protocolos sanitários.
O secretário de Saúde avalia que a atividade comercial não tem relação com o aumento dos casos de Covid-19 e entende que o ideal, ao invés de fechar as operações, seria fazer cumprir os protocolos, evitar aglomerações, e ampliar leitos oferecidos nos hospitais. Na quinta-feira passada, anunciou a abertura de leitos no Hospital Beneficência Portuguesa. E estuda reabertura do Hospital Parque Belém.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Sparta avalia como "razoável" a velocidade com que o Ministério da Saúde tem adquirido e distribuído as vacinas contra a Covid-19 no Brasil. Quanto à possibilidade de o governo do Estado comprar vacinas por conta própria, Sparta observa que vai ser difícil adquiri-las, porque o Palácio Piratini terá que entrar em uma fila. "A menos que (a Anvisa) abra para mais tipos de vacina, de outros fabricantes. Aí são outras vacinas que não estavam disponíveis no mercado", pondera.
Jornal do Comércio - Tivemos um aumento na disseminação do coronavírus. UTIs ficaram lotadas em Porto Alegre. A que o senhor atribui o aumento das contaminações por Covid-19?
Mauro Sparta - Com essa alteração gênica que ocorreu no vírus, ele ficou mais agressivo. Não estou dizendo que ficou mais letal. Ficou mais virulento, contamina mais. Agora, está contaminando de uma maneira muito mais veloz. Além disso, também alterou a faixa etária afetada pelo coronavírus. Antes, era raro que jovens (de 15 a 29 anos) tivessem a doença. Agora, eles também estão sendo grupo de risco, começou a ter um aumento muito grande na faixa dos jovens, até 30 anos, mais ou menos.
JC - Na quarta-feira passada, o sistema de saúde de Porto Alegre registrou que quase 25% dos pacientes internados por Covid-19 eram jovens...
Sparta - Exatamente, é uma coisa muito séria. Isso (a expansão da contaminação) também se deve às aglomerações que acontecem em todo o verão. Por mais que as autoridades falem para cumprir os protocolos sanitários, evitando aglomerações, isso não foi seguido. Principalmente no Litoral, vimos que estavam acontecendo aglomerações e a fiscalização era insuficiente para desmanchá-las. O que estamos vivendo agora é consequência disso. Vamos ter que fazer um esforço tremendo no Estado, porque, veja, não é só em Porto Alegre, Região Metropolitana, é no Estado inteiro. Isso também começou a acontecer em muitos estados: Ceará, Maranhão, tudo que é lugar, tem aumentado a proliferação.
JC - Então, na sua avaliação, as causas para o aumento dos casos de Covid são as mutações do vírus e as aglomerações...
Sparta - As causas, no meu entender, são essas: a mutação gênica que o vírus teve e as aglomerações que a população fez. A comunidade não entendeu, não respeitou muito os protocolos de distanciamento social que a gente vem repetindo, recomendando o uso da máscara, álcool em gel etc.
JC - Qual é a estratégia da prefeitura para conter o avanço da Covid-19 em Porto Alegre? A prefeitura vai investir em campanhas de conscientização?
Sparta - As campanhas já vêm sendo feitas há muito tempo. Só estamos intensificando. Todos que falam - não só a Secretaria de Saúde, mas prefeito, vice-prefeito, outros secretários - procuram induzir as pessoas a respeitar os protocolos sanitários de distanciamento social. Mas isso não tem surtido efeito suficiente. Temos que continuar batendo em cima desse ponto.
JC - A ideia é apostar em uma campanha focada nos jovens, pedindo para que eles usem máscara, não aglomerem etc?
Sparta - Sim, a comunicação da prefeitura já está trabalhando, fazendo comunicações pontuais para a juventude. Essa comunicação deve tratar dos cuidados genéricos que toda pessoa deve tomar, independentemente de ser jovem, adulto, idoso. Todos devem tomar essas providências, porque está provado que a diminuição da aglomeração, principalmente, diminui a constância da doença.
JC - Na semana passada, a lotação nos leitos de UTI dos 17 hospitais da Capital chegou a 96,6%. Muitos hospitais operaram com 100% da capacidade. Qual o cenário que a Secretaria de Saúde projeta para as próximas semanas?
Sparta - As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) - do Cruzeiro, da Lomba do Pinheiro etc -, estavam com uma lotação muito grande. Conseguimos dar uma diminuída considerável, mas precisamos continuar atentos, para diminuir ainda mais essa tensão sobre as UPAS. Foram abertos mais leitos nos hospitais. Também começou a funcionar o Hospital Beneficência Portuguesa. Tem outros hospitais que estamos contratando, que vão abrir mais leitos, não só de UTI, mas leitos clínicos, para que possamos enfrentar a demanda, que aumentou bastante. Vamos ver se, durante esta semana, conseguimos diminuir. Isso é uma expectativa, não é uma certeza, porque o vírus está se movimentando de maneira muito veloz.
JC - O Beneficência Portuguesa já abriu leitos?
Sparta - Sim, na quinta-feira. Já recebeu pacientes (de Covid-19).
JC - Tem expectativa de abrir o Hospital Parque Belém?
Sparta - O Parque Belém está fechado há três ou quatro anos. Na quarta-feira, fomos ver se tinha condições de um reinício dos trabalhos. Levamos técnicos, estão fazendo um levantamento. Vou levar uns dias para saber se é possível reabri-lo, quanto custa, se vale a pena investir, quanto tempo vai demorar para ficar em condições. Tem questões jurídicas que estão sendo avaliadas pelos advogados. O levantamento é rápido. Depois que tivermos esse estudo, decidiremos se vamos fazer ou não (a reativação).
JC - Caso a situação se agrave, existe a possibilidade de a secretaria sugerir ao prefeito medidas mais restritivas?
Sparta - Caso aconteça um agravamento, vamos fazer medidas que julgarmos necessárias para que a doença não se propague mais. As restrições, se acontecerem, vão ser decididas pelo prefeito, secretários e vice-prefeito. Mas temos essa premissa de que a economia e a saúde podem andar juntas, sem haver prejuízo de uma ou outra. Acreditamos que não é a economia que está causando isso.
JC - A professora de Epidemiologia e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Lucia Pellanda, recomenda que, nas próximas duas semanas, as pessoas só saiam de casa para o essencial. Defende que uma restrição à circulação, similar a que ocorreu no início da pandemia em 2020, desafogaria o sistema de saúde. O que pensa sobre isso?
Sparta - Respeitamos a opinião de especialistas no assunto. Agora, em muitos estados... São Paulo fez lockdown e estão com imensas dificuldades. Muitos países fizeram lockdown e também não foi a solução. A restrição de horários é uma coisa questionada. Se vamos restringir horários do supermercado, as pessoas vão ter que ir em uma faixa de horário menor; se aumentar, dilui aquela população que vai procurar o mercado, a loja.
JC - O senhor mencionou antes que o aumento dos casos de Covid-19 está relacionado às aglomerações no Litoral e à falta de fiscalização...
Sparta - Extato. E os hospitais do Litoral estão todos lotados. O hospital de Torres, Capão da Canoa, Tramandaí e Osório estão com muito movimento. Eles sofreram a primeira consequência, porque foi lá que aconteceu esses fatos (aglomerações).
JC - E, quando os veranistas porto-alegrenses voltaram à Capital, as aglomerações que aconteceram no Litoral tiveram um efeito em Porto Alegre. O que pensa da suspensão da cogestão dos municípios enquanto durar a bandeira preta, para ter as mesmas restrições nas cidades litorâneas e em Porto Alegre, por exemplo?
Sparta - Estamos seguindo muitas regras do Estado (medidas mais restritivas determinadas pelos últimos decretos do governador Eduardo Leite). Seguimos, por exemplo, a previsão de fechamento às 20h (das atividades comerciais). Agora, o que existe de consciência é que não é o comerciante, não é a pessoa que tem seu restaurante, que está fazendo com que o vírus se reproduza de forma rápida e inadequada, porque eles trabalham com todos os protocolos sanitários. Para entrar em uma loja, tem que aferir a temperatura, estar de máscara, usar álcool em gel, distanciamento social, não pode entrar muita gente. Tudo isso está sendo cumprido. Agora, a culpa - se é que alguém tem culpa - de haver um aumento do vírus é desse comércio ou da aglomeração que vem lá do Litoral até aqui. Em Porto Alegre, a Guarda Municipal tem acabado com festas irregulares, clandestinas. A fiscalização de Porto Alegre é muito forte, estão trabalhando no sentido de evitar que aconteçam aglomerações.
JC - Na semana passada, chegaram 135 mil doses da vacina AstraZeneca ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre recebeu 21 mil. Quem receberá essas doses?
Sparta - Com essas vacinas que chegaram, vacinaremos idosos de 82 a 85 anos. Não temos vacinas suficientes para aplicar em uma faixa etária grande, como, por exemplo, dos 75 anos para cima. Quanto aos profissionais da saúde, ainda faltam por volta de 20 mil pessoas para serem vacinadas. São 82 mil profissionais da saúde, entre médicos, enfermeiros, técnicos. Em Porto Alegre, dos 1,5 milhão de habitantes, 638 mil estão em algum grupo de risco. Já vacinamos mais de 100 mil pessoas com a primeira dose. Já receberam a segunda dose 27 mil.
JC - A Assembleia Legislativa autorizou, na semana passada, o governo do Estado a comprar vacinas por conta própria. Como enxerga essa possibilidade?
Sparta - Vejo dificuldades no acesso a compra, porque todos os países já estão comprando. Então, como não tínhamos essa possibilidade até alguns dias atrás, vamos procurar as empresas fabricantes de vacinas, mas elas já tem uma longa fila de espera. Vamos ter que entrar nela. O próprio governo federal deve estar bem mais adiantado, porque já vem comprando.
JC - Existe a possibilidade de a prefeitura também comprar vacinas por conta própria?
Sparta - Essa é uma dificuldade. A Granpal (Consórcio dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre) já tocou nesse assunto (os prefeitos das cidades metropolitanas). Falaram em fazer um consórcio. Estou falando de uma ideia que ocorreu há um mês.
JC - Porto Alegre entraria no consórcio?
Sparta - Discutimos naquela ocasião... Porto Alegre, Canoas, Esteio, várias cidades da região metropolitana... Os prefeitos pensaram nessa possibilidade.
JC - O que o senhor pensa disso? Agilizaria a vacinação?
Sparta - Agilizaria, sim, sem dúvida. Mas vejo a dificuldade prática dessa ação, porque, se estamos agora começando a pensar nisso, vamos ficar numa fila. Não sei se vai ser possível, porque o Ministério da Saúde está comprando muitas vacinas e vai chegar aqui antes de conseguirmos adquirir (através do consórcio). A menos que (a Anvisa, que aprova o uso das vacinas no Brasil) abra para mais tipos de vacina, outros fabricantes. Aí são outras vacinas que não estavam disponíveis no mercado e agora estão começando a chegar. Essa possibilidade existe.
JC - Como avalia o desempenho do governo federal, através do Ministério da Saúde, na aquisição e distribuição das vacinas?
Sparta - O Brasil é o quinto país no mundo, considerando o número (absoluto) de pessoas vacinadas. Então, está razoável. Claro que poderia ser o primeiro, segundo, terceiro, mas é uma lista grande de mais de 20 países.
Perfil
Mauro Fett Sparta de Souza, 66 anos, nasceu em Santo Ângelo. Graduou-se em Medicina pela Universidade Católica de Pelotas. Fez residência em cirurgia geral e plástica/mastologia no Hospital de Ipanema, no Rio de Janeiro. É pós-graduado em Medicina do Trabalho pela Universidade Gama Filho (RJ) e em Administração Hospitalar pela Universidade de Passo Fundo. É médico especialista em cirurgia plástica. Em 1994, foi um dos fundadores e presidente do diretório do PSDB em Passo Fundo. Entre 1995 e 1996, foi delegado regional de Saúde da 6ª Região. Foi vice-prefeito de Passo Fundo de 1997 a 2004, nos dois mandatos do ex-prefeito Júlio Teixeira (MDB). Foi candidato a deputado estadual em 2002, ficando como 3º suplente da bancada do PSDB. Em junho de 2004, assumiu o cargo de secretário-adjunto da Casa Civil, durante o governo Germano Rigotto (MDB, 2003-2006). Foi secretário estadual do Meio Ambiente de dezembro de 2004 até 2006. Entre 2007 e 2009, foi diretor técnico do Hospital Parque Belém e superintendente geral da instituição. Atualmente é filiado ao PP. Em 2021, assumiu a Secretaria da Saúde na Capital.