'2021 será o ano da vacina', define secretária da Saúde do RS

Arita Bergmann analisa os 11 meses de pandemia e fala sobre o começo da vacinação

Por Patrícia Comunello

Entrevista com a Secretária Estadual de Saúde, Arita Bergmann
Atualizada às 12h30min de 18/01/2021 - Tem uma pergunta que a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, ainda não tem a resposta, mas que deve ser a mais fácil de resolver após 11 meses de pandemia do novo coronavírus: quem será a primeira pessoa a receber a vacina contra a Covid-19 no Rio Grande do Sul?  
Tudo indica que será um profissional da linha de frente de atendimento, principalmente quem está em hospital - nesta segunda-feira (18), foi divulgado que será uma profissional que atua na UTI Covid do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
O questionamento sobre quantas doses o Estado vai receber, após a aprovação do uso emergencial pela Anvisa, teve resposta também nesta segunda, com a informação do Ministério da Saúde. O governador Eduardo Leite foi para São Paulo "buscar" as doses
O que se sabe é que para atender os grupos prioritários da primeira fase, seriam necessárias quase 1 milhão de doses, contabiliza ela, em entrevista ao Jornal do Comércio.
"Se vierem 100 mil doses, teremos de fazer escolhas", previne a secretária, que tem como marca em meio ao enfrentamento da pandemia a voz pausada e toda calma para detalhar cada aspecto da maior crise sanitária da história em 100 anos, e a paixão por flores. Enquanto aguarda as definições de Brasília, a titular da pasta garante que a estrutura está pronta para receber as remessas dos imunizantes e rapidamente despachar as 18 coordenadorias de Saúde. 
A incerteza sobre o "Dia D e Hora H", como disse o enigmático ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, não deixa em segundo plano uma preocupação da equipe da pasta estadual: a evolução dos casos, que ganharam mais velocidade e ultrapassaram 500 mil infectados na sexta-feira (15), ao lado de óbitos crescentes, que se aproximam de 10 mil. Para evitar que a chegada da vacina sugira mais relaxamento com os cuidados, Arita diz que já tem campanha de comunicação pronta para entrar no ar quando começar a imunização.  
Jornal do Comércio - O que vai significar a vacinação neste momento de combate à pandemia? 
Arita Bergmann - O ano de 2021 será o ano da vacina. A imunização significa a possibilidade concreta de proteger as pessoas contra o vírus. A vacina vai significar salvar vidas e ocupar menos leitos de UTI. Houve todo o esforço em tempo muito curto da possibilidade de oferecer imunizante com eficácia e segurança para pelo menos evitar casos graves e óbitos. Já foi comprovado em outros países de que há eficácia na aplicação. É importante proteger os grupos mais vulneráveis, como os que estão fazendo o atendimento a casos de Covid-19, os mais velhos e com comorbidades - o Rio Grande do Sul tem 280 mil pessoas com mais de 80 anos. Mas não basta só ter a vacina, pois nem toda a população será vacinada. No Estado, a estimativa é de vacinar 4,5 milhões de pessoas. Até meados do ano, pretendemos alcançar um terço da população, se recebermos as doses suficientes. Como muitas pessoas não serão vacinadas, até porque não tem imunizante testado para crianças e gestantes, por exemplo, é preciso manter os cuidados até porque o vírus vai continuar circulando, a exemplo do que temos com o Influenza (gripe A). O uso de máscara, álcool em gel e lavar as mãos com frequência ficarão por muito tempo.
JC - A chegada da vacina pode fazer as pessoas relaxarem nos cuidados. Como o Estado vai agir para evitar isso?
Arita - Essa sensação que a vacina pode dar de que as pessoas estão seguras exigirá um trabalho muito forte de comunicação. No plano estadual da imunização, tem um item que vai tratar especificamente sobre isso. Vamos levar à população a mensagem de que a vacina ainda é um processo que vai acontecer durante todo o ano - e estou falando aqui da primeira dose. Não temos ainda o planejamento da segunda dose, quando as pessoas estarão mais protegidas do ponto de vista do imunizante. Teremos materiais, vídeos e atendimento on-line para tirar dúvidas. Mas é importante lembrar que a vacinação ocorre junto com o município, que, além de organizar a aplicação, terá de informar ao público que não será vacinado sobre suas responsabilidades em se proteger. 
JC - A expectativa de que as flexibilizações e festas de fim de ano tenham elevado a contaminação e agravado o quadro da pandemia se confirmou?
Arita - Tivemos um repique bem importante de aumento de casos, que apareceu em nosso modelo do Sistema do Distanciamento Controlado, com 11 indicadores, que medem a progressão do vírus, desde números da semana com a anterior, as taxas de ocupação de leitos clínicos e de UTI e pacientes de fora para não impactar no mapa da região e de óbitos. Tivemos a alta em julho e agosto, depois uma queda de setembro a novembro. Mas em dezembro tivemos um efeito visível nos números dos feriados prolongados de novembro e das eleições. É só olhar o número de candidatos e de deputados com a Covid-19. Fizemos protocolos específicos para o pleito, sem contar os de fim do ano. Muitos municípios fizeram a lição de casa cancelando os eventos. Mesmo assim, as pessoas foram para a rua. As pessoas podem estar com o vírus, sem sintomas e estar transmitindo. Em dezembro, tivemos o maior número de internados, acima de mil com a doença em UTIs. Ultrapassamos as médias dos piores momentos da pandemia. Tivemos duas regiões com bandeira preta. Isso nos deixou em estado de alerta, por isso as medidas como reativar leitos e abrir novos, que somarão 100 vagas - 20 já estão funcionando. Mas ainda não tivemos o efeito do fim do ano. Mas pode ter havido uma baixa de registros no sistema de caso, devido aos feriados, que podem aparecer agora.
JC - O que estamos vendo em Manaus, de colapso do sistema de saúde e cenas dramáticas coma falta até de oxigênio, não há risco de termos no Rio Grande do Sul? 
Arita - Posso dizer com tranquilidade, por conhecer o SUS há tantos anos, que o Estado tem rede de atenção à saúde. Temos mais de 6 mil leitos clínicos e sempre sobraram 4,5 mil vagas. Temos também leitos de UTI. É importante citar que teve unidades da federação que abriram, na pandemia, 40 vagas de terapia intensiva! Não conheço a rede do SUS no Amazonas, mas lá pela condição geográfica deve estar concentrada na capital. Aqui temos 21 regiões da Covid-19, sendo que a Costa Doce, que abrange Guaíba, não tinha nenhum leito e abrimos 40 de UTI para criar a região. A cobertura de atenção básica de quase 80% do território gaúcho. Temos uma das maiores coberturas vacinais do País, claro que há problemas.
JC - O Estado pode receber pacientes de Manaus?
Arita - Recebemos um pedido da Secretaria de Saúde da cidade e íamos sim receber doentes com Covid-19. A solidariedade também tem de existir entre os estados. Como resolveram com a oferta de vagas em estados mais próximos, acabamos não ajudando agora. Esta semana já tinham perguntado se tínhamos oxigênio hospitalar e entramos em contato com as empresas, que iam ajudar. O Rio Grande do Sul também recebeu auxílio com medicamentos, no começo da pandemia. A pandemia resgatou esse valor não só no setor público, mas entre empresas privadas e o terceiro setor, que colaboraram no enfrentamento ao novo coronavírus. Também houve apoio importante do Ministério da Saúde no envio de respiradores e kits de testes de R-PCR para detectar o vírus ativo.  
JC - Nas duas primeiras semanas de 2021, foram notificadas mais de 900 óbitos no Estado. Muitas pessoas consideram que não é um número alto e ainda dizem que são idosos ou que doenças que se agravam. O que explica este número elevado de mortes e como a senhora vê este tipo de pensamento?
Arita - É muito triste o número de mortes. Não gostaria que ninguém tivesse morrido. Não existe esta fatalidade, de que os doentes iam morrer. Temos de evitar que morram por Covid-19, é possível prevenir. Muitas pessoas ficam 30, 60 dias e conseguem superar a infecção. Além disso, temos de destacar o esforço das equipes de profissionais, que são os grandes heróis na pandemia. Ao mesmo tempo, temos a etapa do pós-Covid, que envolve a continuidade da assistência, pois ficam sequelas. Estamos levantando experiências de criação de ambulatórios de pacientes que tiveram a doença. Hoje 95% das pessoas se recuperam do vírus, o que mostra o efeito de um bom atendimento, mesmo que hoje não haja um tratamento específico.
JC - A testagem conseguiu ser efetiva no combate da disseminação do vírus?
Arita - Em relação a isso, no começo, não havia estrutura de laboratório, insumos e kits de extração. Tivemos licitações desertas ou com preço muito alto, que inviabilizou a aquisição. O que levou a uma demora para engrenar a aplicação de testes. Hoje são seis centros que recebem as coletas no Estado pelo SUS. Em dezembro, chegamos a 85 mil testes de RT-PCR e mais de 350 mil testes rápidos. Hoje são 5 mil novos exames ao dia do RT-PCR. Se todas as pessoas que tiveram contato com sintomáticos ou confirmados com a Covid-19, tivessem ido para quarentena - não precisa nem fazer o teste -, teríamos maior controle. As pessoas fazem hoje vários exames e nem seguem muitas vezes o protocolo, como fazer após três dias de sintomas, por isso muitos dão negativo.
JC - Como vai ser o começo da vacinação esperada para esta semana?
Arita - Temos toda a organização para a campanha da vacinação. Agora não temos a informação número 1: quantas doses chegarão ao Estado. Se chegassem 972 mil doses, iríamos distribuir para o grupo prioritário da primeira fase da imunização, que são os trabalhadores da saúde, idosos de mais de 80 anos e aqueles que residem em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) e quilombolas. Se vierem 100 mil doses e preciso de mais de 900 mil, teremos de fazer escolhas, que serão feitas a partir de critérios, alguns que já discutimos. Os primeiros a serem vacinados seriam os profissionais que estão em UTIs e nas enfermarias, ou seja, dentro dos hospitais, e trabalhadores que estão em centros de triagem Covid (onde os casos chegam, mas sem confirmação) e no transporte de pacientes. 
JC - Localidades com mais casos ou agravamento da pandemia podem ter prioridade para receber doses? 
Arita - Isso não vai pesar. Teremos de fazer escolhas e distribuir de forma igualitária e proporcional à população do grupo prioritário. Não posso escolher que vou vacinar primeiro Porto Alegre e não Pelotas. Mesmo que a quantidade seja pequena, tenho de ter imunizante para colocar em todas as pontas, mesmo que o número não seja e não será suficiente. Assim como o Ministério da Saúde projeta 5 milhões de doses e vai colocar para todos os estados, temos de seguir esse princípio. A menos que o ministério diga que é para aplicar as doses primeiro nas capitais, o que não acredito que vá acontecer. Não seria justo, pois estaria tratando de forma diferente as pessoas e todas têm direito ao acesso. 
JC - Como vai ser quando chegarem as doses?
Arita - A vacina chega em um dia, colocamos em nossos estoques, que já estão preparados para receber hoje 2 milhões ou 3 milhões de doses. Compramos equipamentos para reforçar a rede de frio (refrigeração). Em fevereiro, chega um caminhão que foi comprado para ampliar a capacidade. A vacina chegará as 18 coordenadorias regionais da saúde, que também têm sua logística para guardar as doses.
JC - Discute-se sobre dar ou não a segunda dose. Há posição da área técnica?
Arita - Os estudos foram feitos por quem fez os estudos. No começo, se falava em menos prazo. Mas essas orientações terão de ser dadas pelo Ministério.
JC - Quem vai receber a primeira dose da vacina no Estado?
Arita - Conversamos sobre isso e deve ser um profissional da saúde. Mas ainda não está definido quem será esta pessoa.
JC - A senhora acha que o presidente da República manterá a postura de não fazer a vacina?
Arita -  Vou dar a minha opinião pessoal e posso ter de morder a língua nos próximos dias: por tudo que tenho observado, a tendência é achar que ele não vai se vacinar. Até porque o presidente não tem idade para receber a imunização entre os grupos da primeira fase. 

Perfil

Arita Bergmann nasceu em São Lourenço do Sul e é graduada em Serviço Social pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Na cidade natal, ela comandou a Secretaria da Saúde de 1983 a 1991, quando criou o primeiro Centro de Atenção Psicossocial público municipal da localidade. Atuou como coordenadora da Unidade de Saúde e Meio Ambiente da Federação das Associações dos Municípios do RS (Famurs) na década de 1990, onde foi responsável pela coordenação de implantação da municipalização da saúde e descentralização da gestão de meio ambiente nos municípios. Na Secretaria Estadual da Saúde, foi diretora de Planejamento, entre 2003 e 2006. Entre outros projetos, conduziu a implantação do Programa Primeira Infância Melhor. No governo de Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010), foi secretária-adjunta da Saúde. Em 2010 assumiu a titularidade da pasta. Arita foi secretária de Saúde de Pelotas de 2011 a 2016. Implantou a Rede Bem Cuidar (Prêmio InovaSUS), o projeto de Mão de Obra Prisional (Prêmio InovaSUS) e informatizou 100% da Rede de Unidade Básicas de Saúde (UBS), entre outras realizações. Antes de voltar a assumir a Saúde do Estado, Arita esteve à frente da Secretaria Municipal da Saúde de São Lourenço do Sul.