O vice-prefeito eleito de Porto Alegre, Ricardo Gomes (DEM), promete que o governo liderado pelo prefeito eleito Sebastião Melo (MDB) vai promover um "choque de liberdade econômica" na Capital. Gomes acredita que, além da desburocratização e da agilização do licenciamento, uma das missões do poder público é promover a diplomacia econômica fora da cidade, como uma maneira de fomentar os quatro setores de destaque na economia porto-alegrense: saúde; turismo de negócios; inovação e tecnologia; e serviços.
Ele cita um exemplo: "Se nós queremos ser um polo de Tecnologia da Informação e de inovação, Porto Alegre tem que estar presente nos grandes eventos de inovação do mundo. A prefeitura tem que estar junto, acompanhando suas empresas, que vão lá representar a economia da cidade".
Vereador da Câmara Municipal até o final de 2020, Gomes é um dos autores da Lei de Liberdade Econômica municipal - que aguarda regulamentação do Executivo e promete simplificar o processo de abertura de negócios em Porto Alegre. Ele - que afirma que sempre foi liberal - já foi presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE).
Melo confia tanto no conhecimento econômico do seu vice que chegou a dizer que pretende deixar a gestão da economia da cidade nas mãos dele. Entretanto, Gomes garante que não vai assumir nenhuma secretaria na área.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Ricardo Gomes relembra a sua trajetória política, desde os estudos em liberalismo no IEE, passando pela organização das manifestações pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) até a eleição a vice-prefeito.
Jornal do Comércio - O prefeito eleito disse que pretende deixar a questão econômica nas suas mãos, porque o senhor foi um dos autores da Lei de Liberdade Econômica municipal e tem formação na área. Qual é a vocação de Porto Alegre?
Ricardo Gomes - Porto Alegre tem elementos, vocações que já estão manifestas. Uma delas é Tecnologia da Informação (TI) e o setor de inovação, em geral. Outra é o setor da saúde. Porto Alegre é uma das principais cidades do Brasil em (qualidade da) saúde. A terceira é o turismo de negócios. A capital chegou a ser a terceira cidade do Brasil (em sediar eventos relacionados ao turismo de negócios). Como está perdendo espaço nessa área, hoje é a quinta. Existe também a gastronomia e um polo cervejeiro bem interessante. O próprio setor de serviços, como um todo, é muito forte. A gente sabe que Porto Alegre é uma cidade de serviços, então qualquer ramo do serviço tem espaço. Por isso, o poder público tem que compreender que (o setor de serviços) faz parte do coração econômico da cidade. Em suma, eu diria que saúde, turismo de negócios, inovação e serviços são hoje a cara da cidade. Isso pode mudar, não é o poder público que manda, mas é o que está expresso hoje.
JC - O que o poder público pode fazer para fomentar as vocações da cidade?
Gomes - A primeira coisa é buscar competitividade. Não é possível que um sujeito que queira abrir um escritório em Porto Alegre tenha que esperar dois anos pela tramitação do licenciamento, enquanto, na cidade vizinha, esse processo tramita em dois meses. Além disso, existe uma carga tributária muito elevada (na Capital). Estamos falando de um Estado com alta tributação e de uma cidade, dentro desse Estado, que também possui alta tributação. Faz parte do poder público enfrentar esse problema para dar produtividade e competitividade às empresas daqui. De qualquer forma, se o governo parar de atrapalhar, já ajuda muito. A cidade precisa ter uma mentalidade empreendedora. Já teve no passado, mas a abandonou.
JC - Como se alcança uma maior competitividade?
Gomes - Por exemplo, uma doceira que queira registrar o seu negócio, ela vai a um aplicativo preencher os dados e, em alguns cliques, está liberada para funcionar - isenta de alvará, inclusive. Ela não precisará passar duas horas em uma fila, depois ir para um cartório reconhecer firma, apresentar cópia autenticada de documentos, para voltar à fila da prefeitura, retirar uma ficha, para poder trabalhar. Essa burocracia se traduz em todas as dimensões econômicas, da menor a maior das atividades econômicas. Por isso, Porto Alegre é uma cidade de mentalidade fechada para negócios.
JC - Essas medidas, como a desburocratização e a agilização de licenças, facilitam a abertura de novas empresas, ajudam a economia a girar. Isso é suficiente para fomentar, por exemplo, aqueles quatro setores que se destacam na cidade? O poder público pode fazer mais?
Gomes - Entre outras coisas que o poder público pode fazer, está a diplomacia econômica. Se nós queremos ser um polo de Tecnologia da Informação e de inovação, Porto Alegre tem que estar presente nos grandes eventos de inovação do mundo. A prefeitura tem que estar junto, acompanhando suas empresas, que vão lá representar a economia da cidade. A cidade tem que estar lá para trazer investimentos e dar respaldo às empresas locais que estão lá (participando desses eventos). O município tem que fazer um esforço, no sentido de apresentar a cidade para o mundo. Além disso, tem que estar presente (nos eventos internacionais), junto com as empresas porto-alegrenses, porque isso ajuda a captar investimentos, fazer negócios, trazer emprego e renda. Obviamente, os recursos são limitados. Por isso, temos que fazer as coisas com inteligência e visão de retorno para o público, não para as empresas privadas. Mas não tenho dúvida de que o município tem um papel importante na formação de fatos que permitam o crescimento das empresas locais.
JC - O senhor mencionou antes que a carga tributária elevada é um dos principais pontos contra a competitividade na cidade. O prefeito eleito já se comprometeu a revogar o aumento do IPTU, a partir de 2022. Além de impedir os novos aumentos, dá para reduzir a carga tributária?
Gomes - Ainda não tenho um anúncio para fazer. Mas já estamos montando um grupo para analisar quais são os espaços, nos quais a gente consegue fazer melhorias. É claro que quanto menor os impostos, melhor. A nossa visão de mundo é que a arrecadação do poder público cresce com o crescimento da economia. É necessário ampliar a arrecadação a partir do crescimento econômico, e não a partir da elevação da carga tributária. Em muitos casos, a redução da carga tributária é o que permite o crescimento da economia, o que, por sua vez, aumenta a arrecadação. Naqueles itens em que identificarmos que existe espaço para melhorar a arrecadação a partir da diminuição da alíquota do ISS, por exemplo, não teremos receio em fazer.
JC - No discurso da vitória, Melo comentou que pretende encaminhar uma solução ao Regime de Repartição Simples da Previdência dos servidores públicos municipais. Segundo dados da Secretaria Municipal da Fazenda, o déficit do Regime de Repartição passou de R$ 1 bilhão em 2019. O que pretende fazer nessa área, especificamente?
Gomes - O governo do Estado formulou um projeto, propondo a chamada "compra de vidas", que é a transferência de servidores do sistema de repartição para o sistema de parcialização. Esse pode ser um caminho, mas também temos que fazer uma proposta que seja responsável, legal e matematicamente (viável). Nossa ideia é constituir um grupo para tratar disso, com boas cabeças do setor, para discutirmos uma proposta junto com a Câmara.
JC - Pretende assumir alguma secretaria no governo?
Gomes - Não pretendo assumir secretarias. O vice-prefeito tem que olhar o governo inteiro, junto com o prefeito. Mas pretendo, sim, atuar muito decisivamente na condução da política de desenvolvimento econômico. Vou coordenar isso com o secretário (responsável pelo tema) e fazer um choque de liberdade econômica na cidade. Tem um esforço de reconhecer o que a cidade tem de potencial já manifestado, mas também temos que criar um ambiente de liberdade econômica para que novos potenciais se manifestem.
JC - Como ingressou na política? Como iniciou sua trajetória?
Gomes - A minha caminhada na política começou no IEE. Fui para lá com 27 anos. Fiz muitos cursos de preparação em liberalismo, sempre fui um liberal, desde a faculdade. Fui vice-presidente e presidente do IEE. Em 2014, quando eu já era ex-presidente do IEE, o (então deputado estadual) Marcel van Hattem (na época, filiado ao PP; hoje, ao Novo) me convidou para ser subchefe de gabinete.
JC - O senhor ganhou destaque durante os protestos, organizados pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que pediam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Qual a sua relação com o MBL hoje?
Gomes - Nunca fui formalmente do MBL. Participei das manifestações, fui um dos que estavam sempre nos caminhões (de som), vamos chamar de líder. Mas, aqui em Porto Alegre, as manifestações se formaram a partir de pessoas que não tinham, naquele momento, qualquer vinculação com o MBL, com exceção do hoje deputado estadual Fábio Ostermann (Novo) e do Felipe Petry. Tínhamos uma relação mais de pautas e agendas, para garantir que os movimentos acontecessem todos ao mesmo tempo no Brasil. Mas não existia uma subordinação ao MBL. Fui parar ali, em razão de ser presidente do IEE, já ter uma trajetória liberal importante, era diretor da Rede Liberal da América Latina. Então, acabei chegando ao caminhão (de som), a partir de um trabalho prévio em defesa de uma posição liberal.
JC - Como foi o caminho dos protestos à candidatura a vereador em 2016? Já era filiado ao PP?
Gomes - Não, quando eu estava no IEE, não tinha partido. Me filiei ao PP para concorrer a vereador em 2016, a convite do Marcel, com quem eu trabalhava. A partir dos protestos, muitas pessoas passaram a me encorajar a concorrer.
JC - Quando vereador, o senhor chegou a assumir a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico no governo Nelson Marchezan Júnior (PSDB), e explicou sua saída por não concordar com o projeto de revisão do IPTU.
Gomes - Fiquei oito meses no governo Marchezan. Promovi a fusão de quatro estruturas diferentes na Secretaria do Desenvolvimento Econômico. Ainda estava estruturando o trabalho quando, em razão do projeto de aumento do IPTU, saí do governo. Eu tinha assumido um compromisso com o meu eleitor - e ele (Marchezan), com o dele - de não aumentar impostos. Inclusive, fui um dos organizadores daquela iniciativa em Porto Alegre que vendia gasolina sem imposto durante um dia, para conscientizar as pessoas do tamanho da carga tributária. Então, eu tinha um histórico no enfrentamento da carga tributária. Quanto veio o projeto de aumento do IPTU, tentei demover o governo da ideia, em um primeiro momento. Fui vencido dentro do governo. Por isso, saí da secretaria para voltar à Câmara Municipal e votar contra o aumento do IPTU.
JC - Neste ano, o senhor trocou o PP pelo DEM. Por quê?
Gomes - Tenho simpatia pelo DEM. Foi o meu primeiro partido. Quando era jovem, quando tinha uns vinte e poucos anos, me filiei ao DEM, que, na época, se chamava PFL (Partido da Frente Liberal). Participei da juventude do partido e, depois, devido ao trabalho, não consegui me manter ativo e me afastei. O curioso é que, aparentemente, a ficha (de filiação ao DEM) nunca foi enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Então, formalmente, nunca fui filiado. De qualquer forma, depois de me afastar das atividades no DEM, fiquei sem partido até me filiar no PP, para concorrer a vereador. Tenho bons amigos no PP, não só o vice-prefeito Gustavo Paim, mas outros tantos, que têm meu respeito, minha amizade.
JC - Nesta eleição, várias candidaturas eram alinhadas com ideias liberais. Por que decidiu apoiar Melo?
Gomes - Em primeiro lugar, porque o Melo apoiou, desde o início, a ideia de que a gente precisava de liberdade econômica em Porto Alegre. Ele se comprometeu com a pauta de não aumentar impostos e, mais do que isso, rever os aumentos do IPTU. Além disso, tínhamos uma leitura muito clara de que Marchezan e Manuela (d'Ávila) poderiam ir ao segundo turno. Nesse caso, Manuela teria maiores chances de vencer, porque Marchezan tinha uma rejeição muito grande. Então, apostamos no Melo também por isso, porque as chances de vencer eram maiores. Além de apoiar nossas pautas, Melo formava uma candidatura com tamanho suficiente para vencer Manuela e sua coligação. Essa leitura foi feita muito cedo, ainda início do ano passado, nas reuniões entre o MDB, PP, DEM e PTB.
Perfil
Ricardo Santos Gomes tem 40 anos e é natural de Porto Alegre. Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) em 2003. Em 2005, concluiu Pós-graduação em Direito Trabalhista, também pela Pucrs. Em 1999, ainda na faculdade, trabalhou no escritório Gomes & Takeda Advogados Associados, tornando-se sócio em 2005. Em 2008 e 2009, atuou como advogado associado na Baker & McKenzie, um escritório internacional de advocacia. Voltou ainda em 2009 para o Gomes & Takeda. De 2003 a 2014, foi vice-presidente do Instituto Liberdade, um dos primeiros institutos liberais do Brasil. Foi presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) no biênio 2011-2012. Presidiu a Rede Liberal da América Latina entre 2018 e 2020. Em 2014, a convite do então deputado estadual Marcel van Hattem (ex-PP, hoje no Novo), tornou-se chefe de gabinete. Em 2016, foi um dos organizadores dos atos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). No mesmo ano, se filiou ao PP e concorreu a vereador da Capital, se elegendo pela primeira vez. Em 2020, trocou o PP pelo DEM, concorrendo a vice na chapa de Sebastião Melo (MDB).