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Fortunati quer buscar recursos em instituições financeiras
José Fortunati (PTB) quer buscar recursos em instituições financeiras e iniciativa privada para financiar as soluções para a cidade
Diante dos problemas agravados pela pandemia de Covid-19 em Porto Alegre, o candidato à prefeitura José Fortunati (PTB) quer buscar recursos em instituições financeiras e iniciativa privada para financiar as soluções. Por exemplo, para custear a política de microcrédito que planeja implantar caso seja eleito, ele pretende criar um fundo alimentado por financiamentos de bancos nacionais - como o Banrisul e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - e internacionais - como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento -, além de doações de grandes empresas. "Temos que ser ousados, buscar parceiros e criar um fundo para o microcrédito, que certamente também vai receber depósitos de grandes empresários."
Fortunati foi o prefeito da Capital com mais tempo no cargo desde a redemocratização: assumiu a prefeitura em 30 de março de 2010, quando o então prefeito José Fogaça (MDB) renunciou para disputar o Palácio Piratini; em 2012, se reelegeu, permanecendo no cargo até o final do mandato.
Ao falar sobre a cidade, cita alguns feitos de sua gestão como possíveis soluções a problemas atuais. Para levar a cabo a desburocratização do licenciamento ambiental, propõe retomar medidas elencadas por uma consultoria durante o seu segundo mandato - o que teria diminuído o tempo para a emissão de licenças de 450 para 60 dias.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, a sétima da série com os candidatos à prefeitura, Fortunati, ao explicar sua estratégia para retomar a economia, evitou tomar partido em um dos lados que disputam a hegemonia do ambiente político polarizado do País. "Quando tu te tornas prefeito, não és mais o prefeito de um partido." Ele também quer investir no turismo e na terceirização do licenciamento dos projetos da construção civil.
Jornal do Comércio - Se eleito, qual será o grande desafio à frente da prefeitura em 2021?
José Fortunati - Haverá uma série de desafios, todos em decorrência da pandemia de Covid-19. Em primeiro lugar, temos os desafios da saúde. Sabemos que, em princípio, a vacina deverá ser liberada até o final de 2020, mas ninguém tem garantias de que será colocada à disposição da população até o início de 2021. A relação com o governo federal ou outros países para fazer com que a vacina chegue o quanto antes vai ser um desafio do próximo gestor. O segundo desafio da saúde é de que, durante esse período de pandemia, outras doenças ficaram represadas, porque as pessoas ficaram com medo de ir ao hospital (devido à contaminação por Covid-19). Agora elas começam a voltar para os hospitais e, consequentemente, o Sistema Único de Saúde (SUS) terá que operar ainda mais (sobrecarregado pelo número de pacientes), especialmente a partir de 2021. A terceira questão de saúde, reflexo da crise econômica agravada pela Covid-19, é que muita gente perdeu o emprego ou teve o salário reduzido, deixando de contribuir com seus planos de saúde e previdência privada. Isso significa que tiveram que migrar obrigatoriamente da saúde privada para a saúde pública. Isso está acontecendo de forma muito enfática, é mais um aspecto que deverá ser enfrentado pelo próximo gestor. No que diz respeito à economia, teremos um período bastante preocupante, porque ainda há muita gente desempregada; muitas micro, pequenas e médias empresas fechando suas portas; muitas grandes empresas fechando postos de trabalho. Então o próximo prefeito terá que lidar com o desemprego elevado.
JC - Como lidará com isso?
Fortunati - Quando tu te tornas prefeito, tu não é mais o prefeito de um partido. Por isso, sem ideologias, tem que buscar relações com o governador Eduardo Leite (PSDB) e com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com o objetivo de buscar medidas públicas que incrementem a economia da cidade. Temos que facilitar a abertura de micro e pequenas empresas, desburocratizando ao máximo (os procedimentos para isso). O nosso morador de vila é muito empreendedor, vive com seu pequeno negócio, com pequenas iniciativas. O poder público deve facilitar isso, tentando formalizar ao máximo esses empreendimentos e concedendo a eles microcrédito. O microcrédito passa a ser hoje fundamental nesta retomada do crescimento.
JC - Quanto ao microcrédito, de onde virão os recursos?
Fortunati - Casualmente a minha esposa, Regina Becker, é secretária do Trabalho e Ação Social do governo do estado e ela está trabalhando com uma equipe técnica sobre um projeto de microcrédito que o governo do estado também vai oferecer. Eles estão buscando várias fontes, inclusive nos próprios bancos, como o Banrisul, por exemplo. Por orientação do Banco Central, um determinado montante de recursos do Banrisul deve ser capitalizado ou destinado ao microcrédito, caso contrário vai simplesmente para os cofres do Banco Central. Já consultamos algumas instituições (nacionais) e estamos buscando instituições internacionais. Muitas vezes, a gente ignora que as instituições internacionais - Banco Interamericano, Banco Mundial etc - têm no seu portfólio projetos de financiamento de projetos sociais. Por exemplo, em 2014, começamos a negociar com o Banco Interamericano um financiamento de U$ 80 milhões para a educação em Porto Alegre, capacitação de professores, construção de escolas infantis e laboratórios de informática. Concluímos a negociação em 2016 da seguinte forma: U$ 80 milhões seriam oferecidos pelo Banco Interamericano e a cidade de Porto Alegre apresentaria uma contrapartida de outros U$ 80 milhões. Não tínhamos (essa quantia em caixa) na época, mas, na prática, lendo o contrato, tínhamos que provar que já tínhamos (investido) U$ 80 milhões na educação infantil de Porto Alegre. E isso, sim, já tínhamos feito. Então, eram U$ 80 milhões a fundo perdido. Infelizmente, o atual governo não deu sequência (ao contrato). Mas o que temos que perceber, que as instituições financeiras tem seu lado social, chamado balanço social. Em uma época de pandemia, temos que buscar isso, além da relação com o governo federal, o BNDES etc. Aliás, o BNDES também tem linhas de financiamento a longo prazo para microcrédito. Então, temos que ser ousados, buscar parceiros e criar um fundo para o microcrédito, que certamente também vai receber depósitos de grandes empresários.
JC - Poderia detalhar essas medidas de desburocratização?
Fortunati - Começando com a questão da abertura de empresas... Em 2015, no meu penúltimo ano como prefeito, a Endeavor - uma instituição fantástica que assessora empresas privadas no mundo todo - fez um levantamento em quinze capitais sobre o tempo que as empresas levavam para ser legalmente reconhecidas. Dessas quinze capitais, Porto Alegre tirou o último lugar. Esse estudo foi divulgado na revista Exame em 2015, mostrando que levava em média 450 dias para uma empresa de médio e grande porte abrir em Porto Alegre isso. Um absurdo. O pessoal da Indeva me procurou, dizendo que a instituição queria oferecer um prêmio de R$ 1 milhão para uma das quatro cidades que estavam nos últimos lugares, além de uma consultoria para agilizar o processo de abertura de empresas na Capital. Ganhamos esse prêmio e a Indeva trabalhou com a prefeitura para tirar um pouco da burocracia. Terminamos 2016 com um dado que me orgulha muito: baixamos de 450 dias para 60 dias (o tempo de abertura) para grandes empresas; e dois dias para pequenas empresas. Mas o trabalho foi concluído? Não. A Indeva continuou em Porto Alegre por um tempo, mas, como o atual prefeito não deu qualquer atenção a isso, ela acabou se retirando. Já conversei com o pessoal da Indeva para voltarmos a aplicar aquele protocolo que firmamos anteriormente (durante a minha gestão). O objetivo é diminuir ainda mais os prazos legais, sem desconhecermos obviamente os requisitos básicos de abertura de empresas.
JC - O setor da construção civil também reclama bastante do processo de licenciamento...
Fortunati - Conversava dias atrás com empresários que diziam que eles apresentam o projeto de construção de um prédio comercial e acaba levando um ano e meio, dois anos (até que recebam autorização para iniciar a obra). Perguntei por que isso estava acontecendo. Disseram que era porque diminuiu o número de engenheiros e arquitetos da antiga secretaria que cuidava disso, que era a Secretaria Municipal do Planejamento. Em primeiro lugar, no caso dos micro e pequenos projetos, queremos que o próprio responsável técnico fique responsável. Não é necessário que a prefeitura reconheça o projeto, se tem um responsável técnico. Se é um profissional com o diploma reconhecido pelo conselho de arquitetura ou engenharia, temos que reconhecer isso também. Se acontecer algum problema ele é o responsável. Com isso, devemos agilizar muito. Para médios e grandes projetos, queremos credenciar escritórios privados, devidamente reconhecidos, competentes, com critérios muito claros para que eles possam auferir a validade do projeto. Isso deve diminuir muito o volume de serviços dos nossos técnicos. O papel deles vai ser fiscalizar. Isso vai permitir que a gente avance muito na liberação de projetos para a cidade.
JC - O tema da simplificação do licenciamento vem acompanhado de uma preocupação com o meio ambiente. Muitos especialistas da área ambiental temem que a desburocratização leve à flexibilização das normas.
Fortunati - Concordo com a preocupação dos ambientalistas. Se a gente simplesmente terceirizar os projetos, delegando a escritórios sem o menor critério, a questão ambiental pode realmente ser atropelada Temos que concordar que existem bons empresários e maus empresários, como em qualquer outra atividade. Não estou propondo aqui a liberação pura e simples, estou propondo que os critérios sejam utilizados através de escritórios privados e os nossos fiscais (da prefeitura) se concentrem na fiscalização, no recebimento de denúncias, fazendo um acompanhamento (dos empreendimentos). Pela minha experiência na prefeitura, tenho convicção de que é possível fazer isso (agilizar licenciamento) sem atropelar a questão ambiental. A questão ambiental é cada vez mais preciosa, não desconhecemos a (gravidade da) situação do meio ambiente neste momento da humanidade. Mas também não podemos transformar a preocupação ambiental em um travamento absoluto do empreendedorismo que gera emprego e renda.
JC - O que pensa para o setor de comércio, serviços?
Fortunati - Temos alguns pilares muito fortes na cidade. Um deles é o setor de serviços e comércio. Tive uma reunião importante com o Sindha (Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região) e eles se queixam muito de que o atual governo (Nelson Marchezan Júnior, PSDB) não deu qualquer atenção ao turismo. As pessoas desconhecem que Porto Alegre, antes da pandemia, era a terceira cidade (brasileira) no turismo de negócio e no turismo de eventos. Além de fomentar esses dois setores, temos que fomentar o turismo cultural e o ecológico. Todo mundo que nos visita reconhece que temos uma enormidade de equipamentos culturais, o que, muitas vezes, não damos o devido valor. Quanto ao turismo ecológico, temos potencial especialmente para a área rural de Porto Alegre. Quando era prefeito, lançamos a Linha Turismo na zona Sul, que entrava em pequenas propriedades rurais. Deu muito certo. Infelizmente, a pandemia acabou tirando esse potencial. Temos que retomar a Linha Turismo, considerando essa área uma linha importante do desenvolvimento. Outro pilar é, indiscutivelmente, as novas tecnologias. Já no meu governo, discutíamos esse tema com a Ufrgs, Pucrs, Unisinos e outros parceiros importantes. Trouxemos para Porto Alegre o espanhol Josep Miguel Piqué, que foi o grande consultor da 22@Barcelona, projeto que transformou uma área degradada daquela cidade em um dos polos tecnológicos mais fantásticos do mundo. Ele deu consultoria para Porto Alegre. Precisamos olhar muito atentamente para esse setor, porque naturalmente o setor de tecnologia responde muito rapidamente com suas startups e outras questões. E precisamos gradativamente retomar o projeto 4D, que buscava transformar o Quarto Distrito em um local realmente voltado para as tecnologias.
Perfil
Nascido em Flores da Cunha, José Fortunati estudou em escola pública e formou-se em Matemática, Administração de Empresas e Direito na Ufrgs. Atuou no movimento estudantil e foi dirigente do Sindicato dos Bancários. A carreira política começou no PT, partido pelo qual foi eleito deputado estadual constituinte em 1986 e deputado federal em 1990. Em 1997, assumiu o cargo de vice-prefeito na chapa liderada por Raul Pont. Até então, a legenda vinha indicando os vices como os próximos candidatos a prefeito, mas a sequência foi quebrada em 2000. Na eleição do mesmo ano, elegeu-se vereador mais votado, assumindo a presidência da Câmara de Porto Alegre. Fortunati trocou o PT pelo PDT em 2002. Foi secretário estadual da Educação na gestão de Germano Rigotto (PMDB). Em 2008, elegeu-se vice-prefeito na chapa liderada pelo ex-prefeito José Fogaça (MDB). Assumiu a prefeitura em 30 de março de 2010, quando Fogaça renunciou para concorrer ao Piratini. Em 2012, reelegeu-se no 1º turno, com mais de 65% dos votos válidos. Depois do segundo mandato como prefeito, saiu do PDT, passou pelo PSB e hoje é do PTB.