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Entrevista especial

- Publicada em 20 de Setembro de 2020 às 19:50

Candidato do PV à prefeitura, Montserrat vê crise como desafio para Porto Alegre

Médico Montserrat Martins acredita que o tema da saúde e meio ambiente estão relacionados

Médico Montserrat Martins acredita que o tema da saúde e meio ambiente estão relacionados


JOYCE ROCHA/JC
O candidato à prefeitura de Porto Alegre pelo Partido Verde, o médico Montserrat Martins, acredita que o tema da saúde e meio ambiente estão relacionados. Para Montserrat, se o atual orçamento da saúde for bem aplicado em Porto Alegre, "provavelmente, ninguém morreria de doença na cidade".
O candidato à prefeitura de Porto Alegre pelo Partido Verde, o médico Montserrat Martins, acredita que o tema da saúde e meio ambiente estão relacionados. Para Montserrat, se o atual orçamento da saúde for bem aplicado em Porto Alegre, "provavelmente, ninguém morreria de doença na cidade".
Embora reconheça as dificuldades em lidar com a pandemia de coronavírus na Capital, Montserrat critica algumas decisões da prefeitura, como o não uso do Hospital Parque Belém e a retirada de especialistas dos Postos de Saúde. Além disso, caso seja eleito, prevê que o principal desafio que enfrentará em 2021 será a crise econômica causada pela pandemia de coronavírus.
Além da preocupação com o tratamento da Covid-19, Montserrat se preocupa com a gestão dos recursos naturais da cidade, que também impactam na saúde da população. Por exemplo, a qualidade da água na Capital. Para o candidato do PV, o prefeito deve trabalhar em duas ações: se manifestar contra a instalação da Mina Guaíba, que agravaria a poluição do Lago Guaíba; e a reativação do Programa para o Desenvolvimento Socioambiental da Região da Bacia Hidrográfica do Guaíba (Pró-Guaíba).
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Montserrat Martins ainda defende que, durante as discussões do Plano Diretor da cidade, que deve ocorrer no ano que vem, seja preservada a zona rural de Porto Alegre, ameaçada pela especulação imobiliária. Além disso, propõe a criação de um teleférico entre o topo do morro Santa Tereza e a beira do Guaíba.
JC - O próximo prefeito vai passar por uma série de desafios, como a crise sanitária e a econômica, causadas pela pandemia de coronavírus. Caso vença as eleições, qual é o principal desafio da prefeitura, na sua opinião?
Martins - A crise econômica é uma realidade mesmo agora. Acreditamos que a vacina vai chegar entre dezembro deste ano e janeiro de 2021, dando um alívio à pandemia. O grande peso dessa pandemia é a situação econômica. Obviamente, a prefeitura vai ter menos recursos em 2021 do que teve em 2020. Neste ano, o orçamento aprovado foi de R$ 7 bilhões, sendo que a maior fatia foi para a saúde: em torno de R$ 2 bilhões. Sabemos que não vai haver esse recurso em 2021. Mas, ao mesmo tempo, observamos que é possível fazer um uso bem mais racional desses recursos, seja do ponto de vista da gestão pública, do orçamento municipal e das questões sociais. Por exemplo, existe na área da saúde uma série de terceirizações que não são benéficas aos cofres públicos e acabam sendo mais caras do que os serviços que eram prestados antes (diretamente pelo setor público).
JC - Quais parcerias, por exemplo?
Martins - Por eu ser da área da saúde, recebo relatos de colegas da área médica que percebem o mau uso dos recursos públicos. Tem relatos de empresas terceirizadas que cobravam altos valores para fornecer um determinado produto ou serviço (aos hospitais e postos de saúde municipais). E isso não vem dessa gestão, já vem de administrações anteriores. (Segundo os relatos, algumas empresas) cobravam altos valores para fornecer farmacêuticos para o Hospital Presidente Vargas, por exemplo. Além disso, das verbas para os hospitais, uma grande parte ia para o Hospital Mãe de Deus e o Moinhos de Vento (particulares), que prestam serviços específicos para a prefeitura: o Mãe de Deus para os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial); e o Moinhos de Vento, para uma unidade na Restinga. Inclusive, vamos fazer uma visita ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), para solicitar informações sobre a área da saúde.
JC - Está dizendo que seria possível prestar mais serviços com o atual orçamento municipal da saúde, que é de cerca de R$ 2 bilhões...
MontSerrat - É. Provavelmente, ninguém morreria de doença em Porto Alegre, se esses recursos fossem bem aplicados. Mas as informações que temos, ainda vamos verificar no TCE, são de que esses recursos não estão sendo bem geridos.
JC - O que mais é problemático na saúde, na sua avaliação?
Montserrat - Existem alguns contrassensos. Por exemplo, cerca de dez postos de saúde estão sendo fechados em Porto Alegre. Além disso, os pediatras estão sendo tirados dos postos de saúde, onde ficam à disposição da população. Isso vai, totalmente, na contramão do que o mundo inteiro sabe a respeito de saúde. A saúde deve ser feita o mais próximo possível das pessoas, em uma estratégia de saúde da família, isso é de conhecimento mundial. Desconheço qualquer critério de saúde que recomende concentrar os profissionais de saúde em hospitais ou em unidades maiores. Aprendemos com o a pandemia de coronavírus que não se deve aglomerar as pessoas, principalmente nas estruturas de saúde. Antes do vírus, já sabíamos que isso não era recomendável por causa da infecção hospitalar. Por isso, é importante ter especialistas, como os pediatras, nos postos de saúde. A prefeitura de Porto Alegre está fazendo o contrário, querendo tirar pediatras de postos de saúde, querendo fechar postos de saúde, concentrando essas pessoas em unidades maiores. Além disso, não tem aproveitando da melhor forma as pessoas, fica jogando de um lado para o outro.
JC - Por exemplo?
Montserrat - Tem esse cenário de confusão jurídica relacionado ao IMESF (Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família). O instituto foi fechado em plena pandemia, esses funcionários ficaram sem saber o seu destino. O fechamento do IMESF é uma questão judicial que vinha se arrastando há anos e a prefeitura não previu uma forma sequer de lidar com isso. Em vez disso, trata a saúde como uma área de terceirização, se eximindo da sua responsabilidade. Existem outras áreas que, com certeza, se beneficiariam muito mais de Parcerias Público-Privadas (PPPs), terceirizações etc. Mas esse não é o caso da saúde. A saúde é um dever do estado, do qual o Estado não deve se eximir.
JC - Durante a pandemia de coronavírus, houve um debate intenso sobre a equalização entre medidas de contenção da pandemia de coronavírus e o impacto disso na economia. Afinal, segundo os especialistas, a principal medida para o combate à Covid-19 é o isolamento social, o que implica na restrição ao comércio, serviços etc. Como avalia a atuação da prefeitura no combate à pandemia?
Martins - Seria muito demagógico afirmar de que é muito fácil lidar com isso. Não é. Porque a gestão pública tem que cuidar de forma responsável dos dois problemas, da saúde pública e dos empregos. O cenário ideal é ter protocolos de saúde rígidos e exemplares, para que possa funcionar a economia. Temos que tentar preservar os empregos, cuidado da vida. Esse cuidado pode ser educativo: as pessoas devem entender que, para entrar em um comércio, devem usar máscaras, seguir protocolos de higiene etc. Às vezes, as pessoas estão sendo proibidas de exercer seu trabalho, mas, ao mesmo tempo, estão deixando de usar máscara, se aglomerando em uma praça ou na casa dos outros. Então, o que a gestão pública deve fazer é buscar esse equilíbrio.
JC - Então, de modo geral, concorda com a atuação da prefeitura durante a pandemia?
Martins - O que não concordamos - isso tem que ser apontado, porque achamos gravíssimo - foi com a atitude absolutamente irracional da gestão municipal de fechar postos de saúde em plena pandemia, de realocar funcionários desses postos para unidades maiores, aglomerando os profissionais da saúde e pacientes. Também não concordamos com o não uso do Hospital Parque Belém, que é um hospital que se ofereceu gratuitamente para ser cedido à prefeitura. E a prefeitura negou, alegando que não confiava nos gestores. Mas isso é uma desculpa furada. Conhecemos o hospital, falamos com os gestores. Eles mostraram uma carta que protocolaram na prefeitura, colocando a disposição da gestão municipal o hospital, que teria capacidade imediata para 100 leitos, que não foram usados. O uso desses leitos não seria administrado necessariamente pela gestão do hospital. A prefeitura poderia ter assumido a gestão do Parque Belém ou designado quem ela quisesse para geri-la. Mas não fez isso. Em vez disso, a prefeitura recebeu uma doação da Ipiranga, Gerdau e Zaffari para construir dois andares em um anexo ao Hospital Independência. Só que esse anexo gerou 60 novos leitos, quando poderiam ter usado gratuitamente 100 leitos no Parque Belém, só com custos de manutenção dos próprios funcionários.
JC - Como membro do Partido Verde, sua campanha deve abordar algumas questões relacionadas ao meio ambiente. Entre os problemas ambientais de Porto Alegre, temos a qualidade da água e o fornecimento em algumas regiões da cidade. O que pensa sobre isso?
Martins - Há uma sobrecarga de poluição no Guaíba, o que gera problemas na filtragem e tratamento da égua. O Guaíba já recebe na sua bacia hidrográfica dois dos rios mais poluídos do Brasil, o Rio do Sinos e o Gravataí. Para agravar, o risco pode aumentar, caso seja instalada a mina Guaíba. Hoje, já não podemos tomar banho no Guaíba, mas o risco é de inviabilizar o abastecimento de água em Porto Alegre. Obviamente, a aprovação da mina ocorre no governo do Estado, mas a prefeitura de Porto Alegre tem que se interessar por isso, realizar audiências públicas, debater com técnicos. Os especialistas do Instituto de Geociências da UFRGS já demonstraram como isso vai contaminar nossa agua e nosso ar. (O projeto da mina) Abrange uma área de 4,5 mil hectares, que equivale ao tamanho de um município como Cachoeirinha. Ficaria localizada ali na região de Eldorado e Charqueadas, com uma área escavada de mais de 2 mil hectares. O próprio projeto deles (empresa Copelmi) fala em rebaixamento do lençol freático, que vai acabar sendo contaminado. Eles (da empresa) falam em colocar rochas impermeáveis (para proteger o lençol freático dos rejeitos da extração de carvão), o que é impossível em uma área de 2 mil hectares. Portanto, a água da chuva vai passar por essa barreira de rochas e vai levar esses resíduos de carvão para o lençol freático. Além disso, o próprio projeto (da Mina Guaíba) também prevê a construção de um canal para drenagem da chuva, um canal de 9km para dentro do Jacuí. Eles mesmos (da Copelmi) estão dizendo que a água da chuva vai (escorrer por esse canal e) levar a poeira de carvão para dentro do Jacuí. Ora, o Jacuí hoje é a principal fonte de abastecimento de água, já que existe uma grande contaminação do Rio dos Sinos, Gravataí. Se contaminarmos o Jacuí, nosso abastecimento de água fica comprometido. Apesar disso, não vimos nenhuma manifestação da prefeitura.
JC - Além de se manifestar contrária à Mina Guaíba, o que a prefeitura pode fazer para melhorar a gestão da água?
Montserrat - Temos que reativar o Pró-Guaíba (Programa para o Desenvolvimento Socioambiental da Região da Bacia Hidrográfica do Guaíba) para tratar a água do Guaíba como um todo. Entendemos que Porto Alegre e os outros municípios da região devem usar a Granpal (Consórcio da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre) para buscar recursos para tratar o Guaíba. Afinal, ele abastece 40% da população do Estado. Essa é uma das medidas prioritárias, assim como se manifestar contra a Mina Guaíba. A prefeitura tem que se manifestar fortemente, ao invés de se omitir em relação a esses temas. Além disso, a prefeitura tem que pensar em projetos que gerem economia saudável, por exemplo o ecoturismo.
JC - O que sugere na área do turismo?
Montserrat - Porto Alegre tem que aproveitar os turistas que passam pela Capital, a caminho de Gramado e Canela no inverno. Apenas nos meses de inverno, passam por Porto Alegre 2 milhões de pessoas de passagem para a Serra. Eles não param aqui. Tenho uma proposta de PPP para criar um teleférico entre o morro Santa Tereza e a beira do Guaíba. Existe uma área pública no morro Santa Teresa que pertence ao governo do Estado, que pode ser transformado em um pequeno parque ecológico ali em cima do morro. Em seguida, podemos conceder o espaço para que uma empresa construa um teleférico, unindo o morro ao Guaíba. Essa seria uma atração bacana até para os porto-alegrenses. Além disso, temos os caminhos rurais, em uma zona rural importantíssima em Porto Alegre a ser preservada e estimulada a produzir alimentos orgânicos.
JC - No próximo ano, a Câmara Municipal de Porto Alegre deve revisar o Plano Diretor da cidade. O que considera importante nesse processo?
Montserrat - Temos que prestar atenção em vários aspectos do Plano Diretor, mas um deles merece uma atenção especial: a preservação da zona rural de Porto Alegre, que está sendo descaracterizada por uma série de condomínios. A especulação imobiliária, obviamente, cuidando de seus interesses, quer ocupar todo aquele espaço. Por isso, aquela região está deixando de ser uma área rural, para ser uma área de exploração imobiliária. É compreensível o interesse das construtoras, mas essa área rural deve ser preservada por vários motivos. Em primeiro lugar, pela qualidade do ar de Porto Alegre. Essa área arborizada é fundamental para a qualidade do ar. Em segundo lugar, é uma possibilidade de produção de alimentos orgânicos, em uma cadeia local de produção que dilui o tempo e a logística do transporte entre o produto e o consumidor. Afinal, não precisa trazer alimentos de outras cidades para cá. Esse transporte mais próximo também a poluição da cidade.

Perfil

Montserrat Antônio Vasconcellos Martins nasceu em Porto Alegre, no ano de 1959. Formou-se em Medicina pela Ufcspa em 1982. É especialista em Psiquiatria e em Terapia de Família.  Trabalha como psiquiatra forense no Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Em 1996, graduou-se também em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Ufrgs. Foi aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Cursou ainda Comunicação Social com habilitação em Jornalismo na Ufrgs. Também estudou ma Escola de Atores para TV e Cinema, onde fez Oficinas de Roteiros, dirigindo o curta- metragem Lucas, em 2004. Em 2010 foi candidato ao governo do Estado pelo PV, sendo o quarto mais votado, aliado de Marina Silva (Rede), que concorria pela primeira vez à presidência da República. Acompanhou Marina na fundação da Rede Sustentabilidade, da qual foi porta-voz estadual de 2015 a 2016, tendo sido ainda membro da executiva nacional. Atualmente se dedica a atividades profissionais e culturais, escrevendo uma coluna semanal sobre comportamento para alguns sites. Em 2018, lançou o livro Em busca da alma do Brasil, com outros 70 autores, sobre o Brasil e o povo brasileiro.