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Entrevista especial

- Publicada em 09 de Agosto de 2020 às 21:25

Novas regras tendem a aumentar candidaturas, diz Villarinho

Presidente do TRE também analisa impacto da pandemia do coronavírus nas eleições de 2020

Presidente do TRE também analisa impacto da pandemia do coronavírus nas eleições de 2020


ASCOM TRE-RS/DIVULGAÇÃO/JC
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador André Luiz Villarinho, acredita que as novas regras eleitorais devem aumentar o número de candidaturas nas eleições municipais marcadas para novembro. O fim das coligações proporcionais é a alteração que mais deve impulsionar o crescimento no número de candidatos. O desembargador acredita que a medida também deve ampliar a participação de mulheres na política.
O presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), desembargador André Luiz Villarinho, acredita que as novas regras eleitorais devem aumentar o número de candidaturas nas eleições municipais marcadas para novembro. O fim das coligações proporcionais é a alteração que mais deve impulsionar o crescimento no número de candidatos. O desembargador acredita que a medida também deve ampliar a participação de mulheres na política.
Villarinho avalia que a implementação da cláusula de barreira tende a diminuir o número de siglas no País. Entretanto, cita algumas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir a posse de candidatos que, mesmo concorrendo por siglas pequenas, alcançam votações recordes. "Duas decisões do Supremo são importantes, porque sinalizam um caminho de equilíbrio entre o prestígio do partido e a decisão do eleitor lançada na urna, fortalecendo a representação proporcional e valorizando o voto."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente do TRE também analisa o impacto da pandemia de coronavírus nas eleições de 2020. Ele descarta a implementação de voto a distância neste pleito, mas avalia que, "sem dúvida, é uma situação que poderá se tornar realidade no Brasil". O desembargador relatou ainda as medidas que a Justiça Eleitoral está adotando para combater as fake news.
Jornal do Comércio - O que espera da eleição de 2020? O que as novas regras eleitorais mudam em relação à eleição passada?
André Luiz Villarinho - A cada eleição, todos os envolvidos, partidos, candidatos e Justiça Eleitoral enfrentam novos desafios por conta de alterações na legislação eleitoral. A partir dessas eleições de 2020, a principal inovação é a aplicação da Emenda Constitucional nº 97 (EC 97) de 2017, que passou a permitir apenas a realização de coligação nas candidaturas majoritárias. Ou seja, no caso de 2020, se aplica às chapas que concorrem a prefeito. Por outro lado, fica vedada a formação de coligações para as eleições proporcionais, ou seja, para vereadores. Também haverá, pela primeira vez, a incidência da cláusula de barreira nas eleições municipais. O ingrediente extra dessas eleições veio com a pandemia de coronavírus, que ocasionou a promulgação da Emenda Constitucional nº107 (EC 107) de 2020, fixando as data das eleições para os dias 15 e 29 de novembro para cidades onde houver segundo turno, dentre outras alterações no calendário eleitoral. Em síntese essas são as novas regras eleitorais para o pleito de novembro de 2020.
JC - Considerando que a realização do pleito depende da situação da pandemia, ainda pode haver alteração no calendário?
Villarinho - Entre outras alterações no calendário eleitoral, a EC 107 redefiniu a data da eleição: no dia 15 de novembro, acontece o primeiro turno; e, no dia 29 de novembro, o segundo. Cabe salientar que a emenda também previu a possibilidade de que, caso não haja condições sanitárias de realizar o pleito em novembro, a eleição possa ser adiada. O texto determina que a eleição pode acontecer até a data limite de 27 de dezembro. Todavia, se espera que isso não aconteça, porque traria para a Justiça Eleitoral inúmeras dificuldades, como (prazo curto para) a prestação de contas e necessidade de diplomação dos candidatos ainda em 2020. Então esperamos que as eleições realmente ocorram em 15 e 29 de novembro.
JC - O fim das coligações nas chapas proporcionais, uma das principais alterações que o senhor mencionou, tende a aumentar o número de candidaturas?
Villarinho - Sim, há uma tendência de aumento significativo de candidaturas com essa mudança. Mas o número de candidatos a ser lançado pelos partidos para concorrer à Câmara Municipal não poderá exceder a 150% do número de vagas da respectiva casa legislativa. Isso provocará o aumento do número de candidatos, na medida em que antes todos os partidos da coligação poderiam lançar até 200% da quantidade de cadeiras a serem ocupadas. Então, podemos citar um exemplo: nas normas anteriores, 12 partidos poderiam formar três coligações, para disputarem as vagas de uma câmara com 10 vagas; nesse caso, teríamos, no máximo, 60 candidatos ao legislativo municipal. Na regra atual, esses 12 partidos devem concorrer à câmara sozinhos, sendo que cada um deles pode lançar 15 candidatos a vereador, podendo chegar a um total de 180 candidatos.
JC - Qual é o impacto desse novo cenário nas cotas de gênero?
Villarinho - Essa mudança também trará impacto no cumprimento da cota de gênero mínima de 30%, pois, antes, o preenchimento do percentual era aferido por coligação; agora será por partido. Aliás, cabe referir aqui uma observação sobre a cota de gênero mínima de 30%: muitos pensam que é uma exigência de candidaturas do sexo feminino de 30%; é isso que predomina na prática; mas, na realidade, o que a lei fala é em cota de gênero, não se referindo especificamente ao sexo feminino. De qualquer forma, o partido que não mantiver uma política de fomento à participação feminina não vai poder mais se escudar em outras agremiações com ele coligadas, para alcançar o número mínimo de candidaturas. Isso deve impactar positivamente no incentivo à participação feminina na política.
JC - Outra alteração que o senhor mencionou foi a implementação da cláusula de barreira. Alguns especialistas comentam que essa e outras regras novas tendem a extinguir partidos pequenos. Essas siglas seriam incorporadas por legendas consolidadas ou se fundiriam para formar partidos maiores. Ao mesmo tempo, as mudanças na legislação beneficiariam os grandes partidos. Qual a sua avaliação?
Villarinho - Sempre que se fala na cláusula de barreira, são levantados os principais benefícios (dessa medida). Por exemplo, a diminuição do número de partidos. Atualmente, existem 33 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E, entre elas, estão as famosas "legendas de aluguel". Esse termo se refere àqueles pequenos partidos que negociavam o tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão para se coligar com partidos maiores. Embora a diminuição dos partidos seja citada como um benefício, também pode ser vista como uma forma de afetar a diversidade ideológica das alternações e o surgimento de novas posições políticas.
JC - Há quem diga que as novas regras podem prejudicar aqueles candidatos que, apesar de concorrerem por siglas pequenas, batem recordes de votação...
Villarinho - Em março deste ano, ao julgar uma Ação de Declaração de Inconstitucionalidade (Adin) sobre uma das mudanças no Código Eleitoral, o STF passou a exigir que, para ser eleito a um cargo eletivo, o candidato obtenha individualmente, no mínimo, 10% do quociente eleitoral. De acordo com a Suprema Corte, a nova disciplina corrige as distorções na eleição proporcional e reforça a democracia, pois valoriza a manifestação da vontade pessoal do eleitor. No mesmo mês, o STF julgou por afastar a necessidade de que os partidos obtenham coeficiente eleitoral para participar da distribuição dos lugares não preenchidos com aplicação dos quocientes partidários, em razão da votação mínima de 10%. Na prática, todos os partidos que disputarem o pleito concorrerão às sobras, garantido que partidos menores, geralmente ligados às demandas de grupos sociais minoritários, tenham também sua representação popular. Assim, serão corrigidas aquelas hipóteses de candidatos de siglas pequenas, que, apesar de bem votados, deixariam de assumir a cadeira legislativa, porque o partido não teria alcançado o quociente eleitoral. Essa era a incongruência ilustrada pela ideia de que nem sempre é eleito quem tem mais votos. Um caso notório é o da candidata Luciana Genro (PSOL) em 2010, quando apesar de conquistar a oitava maior votação para a Câmara dos Deputados pelo Rio Grande do Sul, não foi eleita porque o seu partido não atingiu o quociente eleitoral mínimo para obtenção de uma vaga. Então, essas duas decisões do Supremo são importantes, porque sinalizam um caminho de equilíbrio entre o prestígio do partido e a decisão do eleitor lançada na urna, fortalecendo a representação proporcional e valorizando o voto.
JC - O que é permitido e o que é proibido neste período pré-campanha que estamos vivendo?
Villarinho - A data do início da campanha foi alterada para começar dia 27 de setembro. Antes desta data, a lei autoriza algumas condutas, como menção a pretensa candidatura, também exaltação de qualidades pessoais dos pré-candidatos e pedido de apoio político. O que está expressamente proibido é o pedido explícito de voto na pré-campanha. Se admite apenas a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas nas redes sociais, blogs ou sites pessoais e aplicativos. Quanto ao que sé considerado um pedido explícito de voto, cabe também registrar que a pré-campanha não pode ser um vale-tudo, havendo uma tendência de se restringir atos que adotem palavras mágicas, como "apoiem", "elejam" e outras formas proibidas. O debate e a exposição de ideias e propostas dos pré-candidatos é essencial à manutenção do Estado Democrático. O que se pune são os excessos, principalmente o uso de numerário que possa representar uma desigualdade na disputa ou abuso de poder econômico. Esses casos são fiscalizados pela Justiça Eleitoral.
JC - A campanha vai acontecer ainda em um ambiente marcado pela pandemia de coronavírus. Existe a possibilidade de voto a distância, como nos EUA?
Villarinho - Em relação à logística da eleição, há grupos de trabalho estudando, garantindo o alto grau de segurança para os eleitores, mesários e demais colaboradores da Justiça Eleitoral. A pandemia reacendeu um debate sobre a possibilidade do voto a distância. Sem dúvida, é uma situação que poderá se tornar realidade no Brasil. Os defensores apontam inúmeras vantagens, como redução de custos, de necessidade de deslocamento do eleitor, envolvimento de camadas mais jovens de eleitores no processo político e tantas outras proporcionadas pela tecnologia. Todavia, há de se ponderar que, em um país continental e pobre como Brasil, milhões de eleitores não têm acesso à internet. Nossa Constituição Federal considera cláusula pétrea o voto direto, secreto e universal. Para as eleições de 2020, não há a mínima possibilidade de ocorrer voto a distância, sendo um debate interessante e oportuno, mas, no momento, está completamente fora da nossa realidade.
JC - O debate em torno do uso político das fake news está na pauta das maiores democracias do mundo. O que pensa sobre isso?
Villarinho - Em tempos de pós-verdade, com o uso massificado da internet e das redes sociais, para manipulação de fatos com fins político-eleitorais, uma lei de 2013 já incluiu a tipificação penal da prática conhecida como "troll eleitoral", que é a contratação de pessoas para denegrir a imagem dos adversários na internet. Mais recentemente, foi acrescentado ao Código Eleitoral o crime de "denunciação caluniosa eleitoral". Esse crime consiste, por exemplo, em denegrir a imagem do adversário político, atribuir a alguém a prática de crime, mesmo sabendo que ela é inocente, fazendo com que as autoridades iniciem uma investigação policial, um processo judicial, um inquérito civil ou uma ação de improbidade administrativa.
JC - Como vai ser a atuação do TRE nas redes sociais?
Villarinho - Além dessas respostas legislativas mais duras em termos de repressão às famosas notícias falsas, entende-se como meio eficaz para o combate da desinformação a própria informação. Ou seja, desinformação se combate com informação correta. Nessa linha, o TSE recentemente lançou uma campanha de combate à desinformação: "se for fake news não transmita". O objetivo é abordar a disseminação de notícias falsas no dia a dia da sociedade, com ênfase no impacto negativo nos processos democráticos eleitorais brasileiros, bem como a vida do cidadão. O TRE da mesma forma assumiu o compromisso de adotar mecanismos de combate à desinformação, embora não se desconheça que essa batalha é de toda sociedade. Recentemente, criamos aqui no tribunal uma comissão de combate às fake news, composta por inúmeros colegas e presidida pelo desembargador Jorge Dallagnol, tendo também a participação de colegas do Ministério Público, como o doutor (Rodrigo López) Zilio, um especialista nesta área.

Perfil

Natural de Porto Alegre, André Luiz Planella Villarinho formou-se na Pontifícia Universidade Católica (Pucrs), em dezembro de 1977. Ingressou no Ministério Público (MP) em dezembro de 1978. Atuou nas comarcas de Tapera, Tapes, Guaporé, Livramento, Lajeado e Canoas. Foi promovido a Porto Alegre, onde seria procurador de Justiça. Dirigiu a Superintendência dos Serv iços Penitenciários (Susepe) em duas oportunidades e, como representante do MP, integrou o Conselho Superior de Polícia. Nomeado desembargador em julho de 2000, atuou nas 18ª e 7ª Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul. Foi eleito 3º vice-presidente do TJ no biênio 2012-2014. Retornando à jurisdição, atuou na 5ª Câmara Criminal e, atualmente, preside 13ª Câmara Cível e o 7º Grupo Cível. Foi eleito em junho de 2018 juiz substituto do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio Grande do Sul. Em maio de 2019, tornou-se juiz efetivo da corte eleitoral. Foi eleito para a vice-presidência e Corregedoria Regional Eleitoral para o ano 2019 e 2020. Em abril de 2020, elegeu-se presidente do TRE.