João Carlos de Medeiros Ferraz, ex-presidente da Sete Brasil, criada para intermediar as construções de plataformas para exploração de petróleo do pré-sal, foi condenado a devolver R$ 1,9 milhão que recebeu de bonificações no período em que esteve na empresa. Ele é um dos alvos da Lava Jato que estão sendo acionados pela Sete, atualmente em recuperação judicial, para reaver gratificações a diretores envolvidos em esquemas de corrupção. Em acordo de delação, Ferraz pagou multa e se livrou da cadeia.
Na Lava Jato, Ferraz já foi condenado em duas ações, a penas que, somadas, chegam a 14 anos de prisão. No entanto, segundo os termos de seu acordo, firmado em 2015, sua confissão, a devolução de R$ 1,9 milhão que estavam no exterior, e multa de R$ 3 milhões, foram a condição para substituir a prisão em regime fechado por 24 horas mensais de serviços comunitários em entidades assistenciais indicadas pela Justiça.
A Lava Jato sustenta que a Sete teria sido criada a partir de um projeto idealizado por Ferraz, pelo ex-gerente da Petrobrás, Pedro Barusco e o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Segundo a Procuradoria, o estatuto da Sete foi feito para permitir a sistemática nomeação política que já ocorria na Petrobrás, e seria uma "mera extensão" da petrolífera "camuflada" de capital privado. Tudo para garantir supostas propinas a dirigentes e partidos políticos, como o PT de Vaccari.
Apesar de ser delator, e admitir a propina, Ferraz nega participação ativa para arquitetar os esquemas. Diz ele ter sido convencido pelo ex-gerente da Petrobrás a abrir as contas no exterior para internar as propinas "num momento de fraqueza". Segundo ele, afinal, Barusco disse que "com ou sem sua participação, o esquema seria implantado".
A Sete pediu recuperação judicial em 2016. Com um cálculo baseado nas sentenças da Lava Jato, a empresa fala em prejuízo de US$ 70 milhões somente com a propina de 1% arrecada pelo PT e por agentes públicos da Petrobrás e executivos de seu quadro em contratos bilionários com os estaleiros Jurong, Brasfels, Enseada do Paraguaçu, Ecovix e Atlântico Sul. No fim de 2019, chegou a um acordo com a Petrobrás para encerrar contratos relativos a 24 sondas, e manter a operação de quatro.
Além de já ter pleiteado R$ 138 milhões à Justiça Federal do Paraná, a empresa tem movido ações contra seus ex-executivos para reaver dinheiro da propina, e também de bonificações.
Em sua defesa, o delator voltou a admitir a propina, mas disse que "não há vício de vontade nos contratos firmados entre as partes envolvendo pagamentos de bônus e comissões".
Ainda alegou que as "quantias pagas por força dos contratos, o foram por previsão contratual e não por características pessoais". "No mais, registra que não há justificativa para que os pagamentos dos bônus sejam considerados indevidos. Aduz que todos os bônus foram pagos como remuneração e que por essa razão não devem ser restituídos, inclusive por conta de cumprimento de metas e diretrizes, tidas como retribuição pelo trabalhos realizado, possuindo natureza alimentar".
A juíza Maria Christina Berardo Rucker, da 2ª Vara Empresarial do Rio, discorda da versão de Ferraz e diz que ela é "desprovida de qualquer fundamento lógico". "A premissa econômica é básica sempre que há crédito há um débito correspondente. Se houve pagamento de comissão pela realização ou manutenção de contratos firmados pela sociedade autora, sem a existência de qualquer intermediação, esta comissão é indevida e gerou ônus para um dos contratantes".
Trecho da sentença
"Por óbvio, o valor dos custos dos contratos aumentou, sem qualquer suporte fático necessário correspondente e qualquer custo não necessário a realização da avença, significa um superfaturamento do contrato, com desvio de dinheiro da sociedade que arca com os referidos custos. Em contratos para construção de sondas para a sociedade autora, existência de comissões sem prestação do serviço aumenta o valor do produto a ser pago pela contratante", escreve.
A juíza ainda ressalta que ao "se retirar da administração da Companhia foi conferido a Ferraz bônus por mérito de atuação, inclusive por eventos futuros que ainda não tinham se implementado". "O bônus foi conferido por mérito do réu, como administrador. Realmente a vontade do corpo social encontrava-se viciada, pois não havia conhecimento de que o réu figurava no esquema de recebimento de vantagens indevidas através de comissões nos contratos firmados pela companhia".
"Nota-se que os bônus buscavam manter o executivo na sociedade e possuíam cláusula de exclusão caso este desse causa a sua saída. O fato de realizar condutas ilícitas arvorando-se da condição de administrador e representante da sociedade é grave o suficiente a ensejar um afastamento por justa causa. Desta forma, todos os valores recebidos a título de comissão, bem como os valores pagos relativos a bônus por merecimento devem ser devolvidos à parte autora", decidiu a juíza.