Governo Leite deve revisar tabela salarial do magistério, diz líder na Assembleia

Líder do governo, Frederico Antunes (PP) acredita que o projeto que reformula o plano de carreira do magistério deve sofrer outra alteração antes da votação nas sessões extraordinárias

Por Marcus Meneghetti

Projeto que reformula plano de carreira do magistério deve sofrer nova alteração, projeta Frederico Antunes
O líder do governo na Assembleia Legislativa, Frederico Antunes (PP), acredita que o projeto que reformula o plano de carreira do magistério deve sofrer outra alteração antes da votação nas sessões extraordinárias de 27 a 31 de janeiro. A tabela salarial dos professores tende a sofrer modificações, por conta da sinalização do governo federal de manter o índice de reajuste do piso nacional do magistério em 12,84%.
Em dezembro de 2019, o líder do governo foi decisivo na aprovação da primeira matéria do pacote do governo que modifica as carreiras e a Previdência do funcionalismo. O texto aprovado modificou as alíquotas de contribuição dos servidores civis. Inicialmente, o Piratini propôs três faixas, variando de 14% a 18%. Depois, diante da pressão da base aliada, ampliou a tabela para oito faixas, de 7,5% a 22% - o que, conforme Antunes, foi imprescindível para a aprovação.
Agora, o deputado avalia que dois projetos vão exigir um esforço maior na articulação: o que reformula a carreira do magistério e o que altera as alíquotas previdenciárias dos militares. No segundo, o imbróglio está na discrepância entre o percentual proposto pelo governo gaúcho e o previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Paralela, que inclui estados e municípios na reforma da Previdência. O Piratini propõe alíquotas de 14% a 18%. A PEC Paralela, que tramita no Congresso, indica índices de 7,5% a 11%.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o líder do governo também projeta que, até 17 de janeiro, serão definidos os projetos que devem ser enviados para votação na convocação extraordinária. Reconheceu que o governo pode recuar em alguns pontos, comparando a votação com o desafio de atravessar uma sanga: "Como toda cruzada de sanga, se quiser chegar do outro lado, tem que tirar a bombacha, a guaiaca, as botas... Se não tirar, pode se afogar".
Jornal do Comércio - O governo e a base aliada discutem quais os projetos do pacote do funcionalismo que devem ser votados na sessão extraordinária do final de janeiro. Ao longo de 2019, o senhor transitou entre as bancadas aliadas, articulando a aprovação dos projetos do Executivo. Já tem uma noção de quais matérias do pacote terão maior resistência?
Frederico Antunes - Desde o final do ano legislativo de 2019 até hoje, ocorreram algumas mudanças no cenário político, que afetaram dois projetos: o que modifica a carreira do magistério e o que altera as alíquotas de Previdência dos militares.
JC - O que aconteceu em relação ao projeto que reformula o plano de carreira dos professores?
Antunes - É quase certo que não vai haver mudança no indexador do piso nacional do magistério. O governo federal já sinalizou que vai continuar sendo 12,84%. Bom, se tínhamos incluído (na segunda versão do projeto que altera a carreira do magistério) uma projeção de reajuste de até 20% em três anos, agora, vamos ter que fazer uma revisão. Isso se a ideia for mantermos em prática a Lei do Piso Nacional do Magistério.
JC - A reformulação da carreira do magistério chegou à Assembleia com uma tabela que propunha uma progressão de 7% no salário dos professores ao longo da carreira. Hoje, o salário do professor que recebe todas as promoções aumenta 100%. Atendendo aos apelos da base aliada, o Piratini apresentou uma segunda tabela em que a progressão salarial é de 30% a 75%. Agora, por conta da discussão em torno do indexador do piso, a tabela dos salários vai ter que mudar outra vez?
Antunes - Se não mudar, é melhor ficar como está. Se não for feito isso (mudar a tabela outra vez), é melhor não fazer nada, porque continuaremos pagando o completivo. Para a carreira do magistério, isso não é bom. Então vamos ter muita sensibilidade nos próximos dias para retomar essa discussão, para fazermos o ajuste dessa questão. Depois que o projeto entrou na casa, fizemos uma alteração na proposta original. Só que o percentual (que reajustou a tabela) que admitimos para pagar o piso sem o completivo, que girava em torno de 6%, é metade daquilo que foi oficializado em nível federal como o indexador do piso do magistério.
JC - Esse projeto pode ser votado mais tarde, depois das sessões extraordinárias previstas para o período de 27 a 31 de janeiro?
Antunes - Não, não quer dizer que esse projeto não vai ser votado. Quer dizer apenas que há um fator novo relacionado à questão do magistério, que vai nos exigir mais na articulação. Então vamos continuar nos debruçando, junto com o Executivo e a base do governo, para ver como reencaminharemos o assunto do PL (Projeto de Lei) 507 (que reformula o plano de carreira do magistério).
JC - Quanto ao projeto das alíquotas previdenciárias dos servidores militares, o que mudou?
Antunes - Em relação aos militares, montamos uma mesa de debates para estudar se vamos apresentar as alíquotas que propúnhamos inicialmente, de 14%, 16% e 18%; ou se vamos reproduzir o que fizemos com as alíquotas dos civis (cujo texto, aprovado em dezembro de 2019, transformou as três faixas de contribuições de 14% a 18% em oito faixas que variam de 7,5% a 22% de contribuição); ou se vamos ter a obrigação de implementar as alíquotas da chamada PEC Paralela (que, em dezembro de 2019, foi aprovada em dois turnos no Senado e vai, agora, para a Câmara dos Deputados; se aprovada, incluirá estados e municípios na reforma da Previdência). A PEC Paralela institui contribuições aos militares de 7,5% a 10,5%. Já discutíamos isso antes do recesso. Há uma convicção do governo de que, especificamente na definição das alíquotas, o Estado tem a possibilidade de deliberar o percentual necessário à sua sustentação previdenciária. De qualquer forma, se não fizermos nenhuma mudança, a alíquota seguirá como está hoje, 14%.
JC - Quais são os pontos polêmicos dos outros projetos do pacote?
Antunes - O restante são questões técnicas dos demais segmentos (do funcionalismo, afetados pelas mudanças propostas pelo Palácio Piratini). Por exemplo, a questão da paridade e da integralidade da Polícia Civil. Antes do recesso, nos trouxeram a informação de que os policiais civis que entraram depois de 2015 não terão os mesmo direitos daqueles que ingressaram a partir de 2003. É óbvio que não. Não por um desejo do governo, mas por uma alteração do legislativo votada em 2015, que criou a aposentadoria complementar. Conforme essa regra, o policial que quer receber acima do teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) deve contribuir a mais com a Previdência Complementar. Como fazer com que exista uma regra de paridade de aposentadoria com o soldo final, se o servidor não contribuiu além do teto do INSS? Um comissário, um agente, um investigador de polícia de 2015 vai andar junto com um investigador de polícia de 2008, por exemplo, e eles terão regras futuras distintas em suas carreiras, porque elas foram mudadas no curso dos anos. Mas quem entrou em 2015 sabia que a sua forma previdenciária era diferente do colega que entrou nos anos anteriores ao início da Previdência Complementar.
JC - A Federação dos Sindicatos dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul (Fessergs) estima que alguns servidores vão acabar se aposentando com metade dos rendimentos que ganham agora se todo pacote for aprovado. Como enxerga isso?
Antunes - Tivemos algumas carreiras aqui no Rio Grande do Sul que começaram a descontar a Previdência na metade da sua atividade. Em 1998, começou o desconto previdenciário de 2%. O ex-governador Germano Rigotto (MDB, 2003-2006) tentou passar para 11%, mas, depois da judicialização, ficou em 7%. Atualmente, a Previdência de qualquer cidadão civil é 14% (desde 2016). Então a contribuição previdenciária tem uma defasagem histórica, que foi um dos fatores que levaram ao déficit de RS 12 bilhões. Estamos buscando fazer o conserto, para evitar os reflexos desse problema, que já estão afetando os ativos e inativos, através, por exemplo, do parcelamento dos salários. Além disso, o nosso quadro de inativos aumentou significativamente nas últimas décadas. Por exemplo, das 150 mil matrículas que temos no magistério, 100 mil são inativos. Se o Estado quer criar mínimas condições financeiras para evitar o atraso salarial, tem que diminuir aquilo que causa a incapacidade de execução desse plano, que é o déficit previdenciário. Considerando que esse déficit é crescente, que está aumentando o número de matrículas inativas, o Estado pode acabar acavalando mais meses de salários atrasados.
JC - A Fessergs também projeta que, com a aprovação de todos os projetos, os servidores podem se aposentar com até 50% a menos do que recebem na ativa. Como avalia essa crítica?
Antunes - Primeiro, temos que entender que houve mudanças na regra federal, sobre as possibilidades de levar vantagens para o fim da carreira. Segundo, para algumas categorias, estamos propondo o pagamento de parcelas que garantam o que se ganha hoje. Ou seja, que se garanta o respeito ao princípio da irredutibilidade dos salários. E, terceiro, o congelamento daquilo que hoje é vantagem busca viabilizar o que normalmente deve acontecer com um subsídio, que é o aumento real. Então estamos propondo uma parcela de irredutibilidade para que o servidor não ganhe menos do que ganha hoje; e outra relativa às vantagens, tempo de serviço, triênios, quinquênios (que seria transformada em parcela autônoma).
JC - O projeto que modificou as alíquotas de contribuição previdenciária dos servidores públicos estaduais foi aprovado no final de 2019. Como o senhor mencionou, depois de discutir a proposta, o governo gaúcho modificou as faixas de contribuição: o texto original trabalhava com três faixas, de 14% a 18%; o texto final estabeleceu oito faixas, de 7,5% a 22%. Como interpreta essa alteração no projeto? Foi um recuo do governo?
Antunes - Foi uma construção junto à base aliada e ao governador Eduardo Leite. Quando o governador me chamou para ser líder do governo, disse que pretendia trabalhar em conjunto com os deputados, reconhecendo que o Parlamento é formado por representações escolhidas da forma mais democrática possível, representando um percentual significativo da população. Isso está sendo praticado. A mudança das alíquotas foi um dos exemplos. Uso muito a imagem das sangas, que podem ser largas e fundas. Então diria que cruzamos a primeira sanga. Vamos ter outras pela frente.
JC - O senhor ficou satisfeito com a tabela final das alíquotas previdenciárias?
Antunes - Durante o exercício de troca de informações entre os deputados e a sociedade, compreendemos que existia uma necessidade de diminuirmos a alíquota mínima, para cobrarmos menos de quem ganha menos; e aumentarmos a alíquota máxima, para cobrar mais de quem ganha mais.
JC - Essa mudança garantiu a aprovação?
Antunes - Foi fundamental para conseguirmos a maioria.
JC - Mas teve um preço: reduziu em R$ 200 milhões ao ano a economia prevista pelo projeto...
Antunes - Como toda cruzada de sanga, se quiser chegar do outro lado, tem que tirar a bombacha, a guaiaca, as botas... Se não tirar, pode se afogar.
JC - Isso pode acontecer na votação dos demais projetos do pacote?
Antunes - Nas reuniões que estamos fazendo, estamos analisando as emendas que já foram postas, as que estão sendo estudadas, os textos originais, a repercussão financeira das alterações, o impacto no público-alvo. Até o dia 17 de janeiro, esperamos já ter ajustado os textos. De qualquer forma, a gente vai preservar o direito adquirido. E é bom que façamos uma distinção: uma coisa é o direito adquirido, outra é a expectativa de direitos. Temos que trabalhar para que essa expectativa futura permaneça, sem prejudicar o cerne da recuperação financeira do Estado.

Perfil

Frederico Cantori Antunes tem 51 anos e é natural de Uruguaiana. É graduado em Agronomia pela Pontifícia Universidade Católica, campus de Uruguaiana. Iniciou na política junto aos arrozeiros da região. Em 1992, já filiado ao PP, foi o vereador mais votado de Uruguaiana. Entre 1996 e 1998, ocupou a diretoria de Fomento e Patrimônio do Banrisul. Em 1998, conquistou, pela primeira vez, uma cadeira na Assembleia Legislativa, sendo reeleito em 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018. Foi secretário estadual de Obras Públicas e Saneamento na gestão de Germano Rigotto (MDB, 2003-2006). Durante esse período, presidiu o Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Saneamento e o Conselho Administrativo da Corsan. Foi presidente do Parlamento gaúcho em 2007. Tem atuação marcada pelo debate de temas como o pagamento de dívidas do Estado com precatórios e requisições de pequeno valor e pelo desenvolvimento econômico da região de fronteira. Atualmente, é líder do governo Eduardo Leite (PSDB) no Parlamento e presidente da Comissão Mista Permanente do Mercosul e Assuntos Internacionais.